sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Rede Honey Bee - Unindo inovações populares ricas em conhecimento



Anil K. Gupta, pela Rede Honey Bee - Jun, 2004

Anil K.Gupta e seus colaboradores da Rede Honey Bee apresentam um caso bem sucedido de como tradicionais barreiras de mercado têm sido superadas na Índia, a fim de permitir aos economicamente pobres basearem-se em suas ricas fontes de conhecimento. Seu depoimento mostra como os pobres, com suporte profissional criativo e imaginação, podem criar e transformar o mundo a sua volta.

O CONHECIMENTO DOS POBRES
Por pelo menos meio século, o paradigma de desenvolvimento tem sido dominado pela idéia de que o papel do Estado ou da sociedade civil é de apenas prover o que as pessoas pobres necessitam, ou seja, recursos materiais e oportunidades de ganhos em habilidades ou recursos ou emprego. As estratégias têm deixado de considerar
uma fonte na qual as pessoas pobres são freqüentemente mais ricas: seu próprio conhecimento. Tanto assim, que o léxico desenvolvimentista na última década tem adotado uma expressão com bastante entusiasmo: ‘dêem recursos às pessoas pobres’ - como se conhecimento não fosse um recurso, ou como se as pessoas pobres não tivessem conhecimento.

Os sistemas de conhecimento que permitem às pessoas conomicamente pobres sobreviverem, especialmente em ambientes de alto risco, têm envolvido uma combinação do secular com o sagrado, do reducionismo com o holismo, de opções de curto com as de longo prazo, de estratégias especializadas e diversificadas em material coletivo ou individual, ou em buscas não-materiais. A ética ambiental dessas
comunidades também tem refletido estas misturas. Quanto maior a tensão física, tecnológica, de mercado, ou socioeconômica, maior a
probabilidade de que as comunidades e indivíduos em desvantagem gerem alternativas criativas e inovadoras para uso como recurso (Gupta, 1988, 1991). Essas inovações, sejam elas originadas na tradição ou utilizando percepções modernas, são desenvolvidas tanto por comunidades como por indivíduos. Na verdade, uma ênfase
excessiva nas comunidades, em oposição aos indivíduos, pode ter contribuído para a difusão diferenciada com relação ao potencial empreendedor das pessoas ricas em conhecimento, mas economicamente pobres. Inovações em sub-conjuntos
tecnológicos, culturais ou institucionais, freqüentemente permanecem isoladas e desconectadas apesar da existência de uma rede de conhecimento informal razoavelmente robusta.

Uma rede extensiva de conhecimento que conecta inovação, empreendimento e investimentos em um contexto institucional, é o que parece ser a abordagem mais viável para o desenvolvimento sustentável no futuro. O ponto de partida para a Rede Honey Bee, que começou há oito anos, foi o seguinte: nós, vindos de fora, não
deveríamos fazer com que os pobres se queixassem quando tirássemos seu conhecimento, assim como as flores não se queixam quando polinizam. A sociedade para Pesquisa e Iniciativas para Tecnologias Sustentáveis e Instituições (SRISTI) sustenta a Rede Honey Bee unindo seis ‘Es’- ética, eqüidade, excelência, meioambiente (environment), educação e eficiência em empreendimentos. (Gupta, 1991,
1995 a, 1996 a).

Precisamos garantir que as pessoas ricas em conhecimento e economicamente pobres não sejam roubadas da única fonte na qual são ricas – seu conhecimento – transformando nossas normas éticas e institucionais, incluindo as que lidam com o direito de propriedade intelectual (IPRs) do indivíduo bem como comunidades do setor
informal face a face com o setor formal. As convenções sobre Biodiversidade e Desertificação fornecem guias úteis nessa direção.
Podemos ajudar a fortalecer o aprendizado pessoa a pessoa apenas quando garantirmos comunicação em linguagem vernácula e mídia. A Honey Bee criou novos padrões de responsabilidade e ética ao lidar com inovações populares. O setor formal não pode usar o conhecimento do pobre sem reconhecimento, citação e, é claro,
consentimento – uma noção pela qual lutamos bem antes do surgimento da Convenção da Biodiversidade. Da mesma forma, a documentação e disseminação destas inovações devem ocorrer nas línguas locais e sem esgotar estas comunidades
e indivíduos (Gupta, 1996b, 1996c). Para o último, propomos que o sistema da Rede Internacional para Aplicações Tecnológicas Sustentáveis e Registro (INSTAR) seja institucionalizado pela Organização Mundial de Comércio. (WTO) e outros corpos
internacionais, para que a INSTAR torne-se parte de uma rede de conhecimento para ampliação de estratégias de sobrevivência dos pobres de forma criativa.

PROPOSTAS DA SRISTI PARA O INSTAR PARA APOIO A REDES DE
CONHECIMENTO E RECOMPENSA DE CRIATIVIDADE

A INSTAR (Gupta, 1996) visará ao reconhecimento da criatividade coletiva e individual para fornecimento de uma identidade única para toda inovação através de um sistema de registro. Ela facilitará a união entre inovação, empreendimento e investimentos ao prover o acesso a seus bancos de dados/registros a diferentes depositários. Os
inovadores serão autorizados a receber uma participação que pode advir da aplicação comercial de seu conhecimento, inovação ou prática, com ou sem adição de valor. Investidores menores no norte e sul não conseguem visitar diversos países, explorar a diversidade de conhecimento e de fontes, negociar contratos, fazer grandes
investimentos. Sem a sua participação, o campo permanecerá sob domínio das grandes corporações. Registros administrados por autoridades locais autônomas permitirão a investidores menores procurar por novas oportunidades, comunicando-se
com comunidades e indivíduos inovadores, explorando oportunidades de investimento.

A entrada no registro seria codificada usando um sistema universal como o ISBN. O código postal do habitat da comunidade ou indivíduos registrando uma inovação seria incorporado no sistema de indexação para permitir a geo-referência das inovações. No momento oportuno, a informação contextual das inovações seria incorporada ao
sistema a fim de que sistemas GIS (Sistemas de Informação Geográfica) de inovações pudessem ajudar comunidades com situações ecológicas parecidas ou enfrentando desafios ou restrições similares.
Uma entrada no registro seria considerada apropriada para o recebimento de um certificado de inventor ou um tipo de pequena patente que seria uma proteção de duração limitada. O propósito essencial dessa inovação seria permitir a potenciais
investidores (uma cooperativa de consumidores, produtores, um empreendedor, ou uma grande firma no setor público ou privado) buscar patentes apropriadas. A recompensa de um certificado também aumentaria a autorização do(s) inovador(es) para acesso a crédito e risco de cobertura a fim de que uma transição de produtor ou
coletor de ervas para incrementador mercado de produtos possa ocorrer em casos onde inovadores considerem cabível.

O sistema de registro seria parte da resolução de problemas das pessoas em redes de conhecimentos do mundo todo no nível popular (veja discussão sobre rede de conhecimento na ultima seção). Isto promoverá aprendizado pessoa a pessoa e servirá como uma câmara de compensação multi-linguagem, multi-nível, multimídia
(oral, textual, eletrônica) para comunidades locais e nativas. Onde for necessário e possível, instituições científicas formais serão ligadas à rede.

O TRIÂNGULO DOURADO DA CRIATIVIDADE: UM CONTO DA ÍNDIA
A cadeia de conhecimento para opções tecnológicas sustentáveis operacionalizadas através da abordagem da rede Honey Bee implica que inovações numa parte do mundo podem procurar ou atrair investimentos de outra parte, se necessário, para gerar empreendimentos (comerciais ou não-comerciais, individuais ou cooperativos) em um terceiro lugar. Vários experimentos inovadores começaram a explorar este triângulo dourado da criatividade dentro de um contexto institucional a fim de que sua estrutura política também torne-se favorável a tais ligações através do mundo – uma
grande desvantagem para a maioria dos países em desenvolvimento apesar da WTO.

Criatividade recompensada requer a percepção de que nem todos os inovadores têm o potencial para tornarem-se empreendedores ou ter acesso a capital para investimento. Poderíamos ter por exemplo uma inovação da Índia, um investidor da Europa e um empreendimento na África do Sul. Forças da globalização poderiam, afinal de contas, também serem mobilizadas em defesa de pessoas pouco criativas.
O governo de Gujarat recentemente uniu-se à SRISTI e companheiros da IIMA (Instituto Indiano de Administração, Ahmemedabad) e outras sociedades civis além de corporações do setor público para fundar a Rede de Inovação e Ampliação Populares de Gujarat (GIAN). GIAN em sânscrito significa conhecimento. A idéia é converter inovações em produtos e serviços difundidos através de canais comerciais e
não-comerciais dentro ou entre países e regiões.

O banco de dados da Honey Bee com milhares de inovações vem sendo atualizado para capacidade multimídia a fim de que barreiras lingüísticas, alfabetização e provincianismo possam ser superados para conectar inovadores entre regiões. A idéia é que através do uso da mídia eletrônica oral e textual uma rede de múltiplos níveis
possa ser instalada para dar suporte à documentação, experimentação e gratificação, de forma material e não-material, de inovações populares individuais e coletivas.

P&D, SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL E CONHECIMENTO
A união entre estratégias de sobrevivência e sistemas de conhecimento, redes de conhecimento e subsistência sustentável precisa ser fortalecida. Inovações contemporâneas bem como tradicionais deveriam ser reconhecidas, selecionadas para experimentação, agregar valores ou disseminação e deveriam ser então recompensados através de vários incentivos materiais e não-materiais. A política de
suporte tanto em nível macro quanto micro torna-se importante para conversão de inovação em produtos e eventualmente em padrões de uso de fonte sustentável. O enredamento de várias estratégias, atores e instituições através de redes de conhecimento levam a subsistências sustentáveis ao lado de mecanismos para a conservação de fontes e conhecimento em seu redor. Um dos maiores obstáculos tem sido o isolamento dos sistemas de pesquisa formal em relação a inovações informais. Centros de pesquisa ou laboratórios dedicados e
projetados para trabalhar sob a liderança de pessoas economicamente pobres, mas ricas de conhecimento ainda estão para ser criados. P&D para pobres não pode ser apenas uma tentativa de identificar ‘tecnologias apropriadas’ ou alguma outra variante de soluções sub-otimizadas. Os melhores dos setores formal e informal precisam unirse para competirem no mercado. Alguns passos iniciais já foram dados nesse sentido na Índia, mas ainda há muito a ser feito. Muito tem sido dito sobre pesquisa participativa e milhões são gastos na ampliação da capacidade das instituições formais aprenderem com as pessoas (infelizmente, usando atalhos que não são nem
responsáveis nem eticamente corretos ou mesmo cientificamente muito eficiente).

Entretanto, nem mesmo centavos são gastos (com algumas exceções) 3 em ampliar a capacidade de inovadores pesquisarem, arriscarem, e gerar novos empreendimentos eles mesmos ou em parceria com outros empreendedores. Não possuímos um único fundo de capital de risco para pequenas inovações em nenhum país em desenvolvimento. SRISTI e GIAN deram o primeiro passo, mas ainda resta muito a
ser feito. O aspecto mais importante da maioria das inovações populares é que estas são freqüentemente novas. Assim, estamos falando de estabelecer novas GIANs em todo o mundo e ajudar a transferir tecnologias de sul a norte, de iniciar um futuro sustentável para sociedades ocidentais com biodiversidade pobre, bem como para
países em desenvolvimento famintos por capital 4.

O CAMINHO À FRENTE PARA INOVAÇÕES POPULARES

Este artigo sugere o que é possível e tem sido feito em escala piloto na Índia ao criar uma rede de conhecimento unindo inovações populares, empreendimentos e investimentos em um contexto institucional a fim de que o processo seja autorenovável e auto-sustentável. Novas tecnologias, como pesticidas de ervas, drogas de ervas para humanos e animais tinturas de vegetais, produtos agrícolas orgânicos, pequenas máquinas, etc, são apenas algumas das idéias nas quais os dados da Honey Bee são muito ricos e que formaram a base para que a GIAN decolasse 5. Uma mudança de paradigma está no futuro próximo. Mercados muito malignos não trabalharão para os pobres a não ser que consumidores e outras instituições da sociedade civil rompam estas barreiras a fim de que nas fontes onde pobres são ricos,
seus conhecimentos, tornem-se a pedra fundamental para a transformação futura das sociedades não apenas no sul, mas também no norte. GIAN pode renovar o mundo através da transferência da tecnologia de norte a sul. Políticas de ajuda devem mudar para uma troca mais justa de conhecimento e outras fontes dos pobres. Os pobres não são obviamente tão pobres que não possam pensar,
criar e transformar o mundo em seu redor. O desafio está em reconhecer a pobreza de nossa imaginação e ferramentas conceituais que deixam de reconhecer, respeitar e recompensar inovações populares.

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