A filosofia no ciberespaço
Celso Cândido*
SÓCRATES: - O uso da escrita, Fedro, tem um inconveniente que se assemelha à
pintura. Também as figuras pintadas têm a atitude de pessoas vivas, mas se alguém as
interrogar conservar-se-ão gravemente caladas. O mesmo sucede com os discursos. Falam
das coisas como se as conhecessem, mas quando alguém quer informar-se sobre qualquer
ponto do assunto exposto, eles se limitam a repetir sempre a mesma coisa.
Platão, in Fedro
Hoje, poucos são capazes de contestar a importância crescente do
ciberespaço no mundo contemporâneo, seja nos negócios, nas tele-comunicações,
nas organizações, na comunicação interpessoal, na cultura, na
pesquisa, em suma, em toda atividade humana que envolve fortemente o
intelecto.
Considere-se de um lado que a subjetividade e a sociabilidade humana
são fundadas, em grande parte, em atos lingüísticos e de outro que o modo de
produção contemporâneo é já amplamente hegemonizado pelo trabalho
robótico e intelectual, e se chegará à verdadeira importância do ciberespaço
nos dias de hoje. E de certa forma ele será um espaço cada vez mais
fundamental no conjunto do intercâmbio e da atividade humana planetária.
Diante do furacão cibernético, o que dizem e pensam os filósofos? É o
fim ou uma nova oportunidade da filosofia? Que será filosofar neste novo
espaço intercultural, livre, em expansão permanente? Muitas questões estão
em jogo para os filósofos e para a filosofia. Aqui, entretanto, simplesmente
gostaria de propor uma breve análise da filosofia e seu ensino, sem outro
objetivo do que apontar alguns aspectos relevantes no debate atual sobre a
filosofia no ciberespaço.
Assim, qual o lugar da filosofia e seu ensino no ciberespaço? E qual o
lugar da escola no ciberespaço e do ciberespaço na escola? As respostas a
estas questões sem dúvida não serão simples, tampouco fáceis. E certamente
terão que estar além dos preconceitos tão comuns em nossas escolas e
academias - sejam eles filosóficos, pedagógicos ou sociológicos.
Penso que a abordagem dos problemas aqui implicados poderia ser
elaborada a partir de uma discussão, ainda que provisória e esquemática, dos
termos principais deste debate, porque nem o que entendemos por “filosofia”
ou “ensino” nem tampouco por “ciberespaço” ou “escola” é evidente e muito
menos consensual.
Foi Kant quem, indiretamente, definiu o essencial na relação ensino-aprendizagem
da filosofia. Segundo ele nós não aprendemos filosofia,
simplesmente porque não há nada para aprender. E se nada há para aprender
tampouco há algo a ensinar. Quer dizer, a filosofia não é um corpo definido
de conhecimentos bem definidos e acabados, o qual os professores de filosofia
deveriam ensinar e os alunos aprenderem para depois simplesmente
“reproduzirem”. A filosofia é, de fato, uma “disciplina” não acabada, em
construção permanente; ela é um sistema em evolução e contradição
perpétuo e que só se aprende no seu exercício, ou seja, pensando por si
mesmo. Assim, diz Kant, só se aprende filosofia fazendo um uso pessoal e
autônomo da própria razão e não um uso meramente servil e imitativo. Isto
indica que a filosofia é uma prática concreta e específica. Uma prática que,
entretanto, se materializa na elaboração imaterial de conceitos, idéias e
problemas teóricos.
Em todos os tempos e lugares, os seres humanos questionaram o
sentido do mundo e de suas existências. Inventaram uma linguagem para
melhor entender a si e conviver com os outros. É imorredoura e sempre
crescente a vontade de saber humana, de auto-conhecimento do indivíduo e
desenvolvimento da civilização.
A filosofia, tal como a conhecemos, tem suas origens na antiga Grécia
quando o lógos mítico transforma-se e dá lugar ao lógos racional ao mesmo
tempo em que o anthropos passa a ocupar o lugar central no universo que o
cerca e, assim, dota-se de instrumentos para pensar o seu passado e projetar
o seu futuro. A filosofia surge no momento em que humano procura explicar
por seus próprios meios seu mundo e sua existência. Quais são as razões, as
causas deste ou daquele fenômeno? Quem sou eu? O anthropos defronta-se
consigo mesmo em um universo imenso, desconhecido e cheio de mistérios...
Então, as perguntas fundamentais deixam de ser respondidas pelos oráculos e
seus decifradores, os sacerdotes, os quais interpretam a linguagem divina e a
traduzem em linguagem humana. Desde então, as perguntas fundamentais
devem ser respondidas no horizonte do lógos humano racional.
Agora, é na Ágora que os cidadãos da pólis discutem e debatem os seus
destinos, a justiça, a verdade, a guerra e a paz. É na Ágora que Sócrates, seus
amigos e discípulos, discutem e debatem em busca da verdade e sabedoria.
É deste diálogo aberto em praça pública que emerge a prática filosófica
e democrática, com todas as suas contradições mais ou menos dramáticas. –
Lembramos que é nesta mesma Ágora que Sócrates é condenado à morte.
Deste modo, a filosofia começa com o diálogo público aberto. Ela é a
própria prática deste diálogo. E se é verdade que a arte do ensino da filosofia,
é o favorecimento, a criação de condições materiais e imateriais para
desenvolvimento da sua própria experiência filosófica – o ato de filosofar com
o próprio pensamento -, então a prática do ensino da filosofia consiste na
prática de um diálogo que envolve o pensamento livre e autônomo.
Mas o diálogo é sempre desigual. É contraditório e colaborativo ao
mesmo tempo. Uma idéia, uma troca de idéias ou de impressões, são sempre
perspectivas diferenciadas. Todos colaboram, todos falam e ouvem. Alternam-se
os papéis, o que falou antes, escuta agora. Há os que falam mais, os que
falam menos, os que ouvem mais e os que ouvem menos. Os que sabem mais e
os que sabem menos. Mas todos sabem algo, algo de relevante, em todo caso,
todos querem saber algo de relevante acerca de si e de seu mundo.
Assim, trata-se de ensinar o pensamento livre. O amor ao pensar
autônomo e ao pensar livremente. Ensinar o valor do mundo, das pessoas e
das coisas. Ensinar filosofia, fazendo filosofia – e não se limitar a reproduzir
mecanicamente pensamentos alheios. Ensinar que, em última análise, será
sempre um apreender, pois todo ensinar é também necessariamente um
aprender. Ensinar é aprender, e aprender é ensinar. Não se pode ensinar o
que não se aprendeu antes. Pode-se – e deve-se - aprender quando se está
ensinando. Quanto mais se ensina, mais se aprende... Não é o discípulo que
ensina ao mestre a arte de ser mestre¿ Trata-se sempre de um ensinar a
aprender e um aprender a ensinar. De um ensinar a aprender o tempo todo.
De um aprender a aprender em qualquer lugar.
Ensinar filosofia é ensinar a arte do diálogo. Ensinar a riqueza do
diálogo. Ensinar o gosto e a disciplina do diálogo. Realizar a experiência do
diálogo, a dialektik ª t °xn ˙, tal como a entendia Platão.
O diálogo humano acontece, evidentemente, no horizonte da
linguagem. E todo legein lingüístico tem o seu correspondente teukhein
lingüístico. (1) Quer dizer, toda linguagem tem uma técnica que lhe é própria.
As regras da gramática, o sentido das palavras, a ordem das letras, as regras
do discurso oral e escrito, o suporte que o sustenta, etc. Não há pensamento
fora da linguagem e de suas técnicas.
Diría-se então que o diálogo filosófico desenvolveu-se até os dias de
hoje a partir de três grandes interfaces ou técnicas lingüísticas. Da mais
antiga “linguagem oral”, dinâmica, pública, comunitária, local, passando pela
“interface escrita”, relativamente imóvel, mas expansiva, indo além das
fronteiras, até chegar ao atual “diálogo hipertextual” planetário.
Sem dúvida, diante da venerável tradição do diálogo oral, encerrada
simbolicamente com Sócrates, de acordo com a perspectiva platônica, o texto
como novo teukhein do diálogo humano demarca uma nova geração de
filósofos e intelectuais. É Platão, sem dúvida, seguido pela sombra dos
Sofistas que, paradoxalmente, começa esta imortal tradição de filósofos que
“escrevem seus discursos”. Lembramos sempre que Sócrates, para Platão
ainda, o maior sábio, o último sábio, não deixou uma palavra escrita. Mas o
mesmo Platão que não pode deixar de recorrer ao recurso da palavra escrita
dirá, na famosa Sétima Carta que “nenhum homem de siso ousará confiar seus
pensamentos filosóficos aos discursos e além do mais a discursos imóveis,
como é o caso dos escritos com letras”. (PLATÃO, 1950, §. 343a) E no seu
Fedro, é na boca do deus-rei egípcio Thamuz, em reprimenda ao deus Thoth –
inventor da escrita - que Platão alerta para o perigo da escrita (o phármakon
conforme ensina Derrida). É assim que segundo Platão falou o deus-rei egípcio
Tamuz:
‘Grande artista Thoth! Não é a mesma coisa inventar uma arte e
julgar da utilidade ou prejuízo que advirá aos que a exercerem. Tu,
como pai da escrita, esperas dela com o teu entusiasmo
precisamente o contrário do que ela pode fazer. Tal coisa tornará os
homens esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória; confiando
apenas nos livros escritos, só se lembrarão de um assunto
exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Logo, tu
não inventaste um auxiliar para a memória, mas apenas para a
recordação. Transmites aos teus alunos uma aparência de sabedoria,
e não a verdade, pois eles recebem muitas informações sem
instrução e se consideram homens de grande saber, embora sejam
ingnorantes na maior parte dos assuntos. Em conseqüência, serão
desagradáveis companheiros, tornar-se-ão sábios imaginários ao
invés de verdadeiros sábios.’ (PLATÃO, 1958, §. 275ab)
Chama a atenção aqui o grande problema apontado por Platão com a
invenção da escrita, qual seja, o da morte da “arte dialética”. Com o discurso
escrito perde-se o fundamental, a vivacidade e a mobilidade do lógos
dialético.
Entretanto, com a emergência do hipertexto digital o lógos
desterritorializa-se da página impressa, e dota-se de novos instrumentos vivos
e flexíveis; ganha uma nova vida, uma nova dinâmica à velocidade da luz.
É neste novo modo de ser do lógos multimídia e intercontinental que se
realiza e se realizará cada vez intensamente o diálogo humano. É nesta
dialética eletrônica hipertextual que cresce e crescerá o debate e a criação
filosófica contemporânea.
Não se está querendo anunciar aqui a “morte do livro”. Sem dúvida, o
livro não acabará, mas dificilmente daqui para frente ele será o lugar
privilegiado do debate filosófico em busca da verdade, como foi outrora. A
forma do livro, sem dúvida permanecerá a sede de todas as letras, da poesia
ao romance, ainda que ele se transforme em livro digital. O “discurso escrito
com letras” não acabará, mas está sofrendo transformações profundas na
medida em que deixa de ser uma tinta impressa sobre o papel e passa a
habitar o suporte extremamente móvel e dinâmico do dígito binário.
De certa forma, a perspectiva do ciberespaço talvez seja a de que,
enfim, a sala de aula e com ela a academia, tal como as conhecíamos nas
épocas em que o teukhein lingüístico amalgamava-se na síntese entre o dizer
e o escrever, no contexto de territórios e espaços bem definidos e
delimitados, tenham chegado ao final. Agora na era da linguagem hipertextual
hegemonizante a sala de aula e a academia passarão cada vez mais a ocupar o
ciberespaço, ou melhor, a se transformar, integrar e interagir no ciberespaço.
Em todo caso, a sala de aula e a acadêmica se transformarão de um modo
irreversível e imprevisível, mas certamente serão muito diferentes daquelas
projetadas e experimentadas pela sociedade industrial e sua cultura de
massas, restritos às capacidades e limitações do texto impresso e da
oralidade.
Seja como for, a World Wide Web – lócus desta dialética hipertextual -
transformou-se no principal meio de comunicação planetário e certamente
sua significação crescerá ainda mais nos próximos anos. É difícil elaborar uma
definição precisa do significado e impacto da Web para a escola e a filosofia,
(2) mas talvez se pudesse indicar sem temeridade que a mensagem
fundamental deste meio (3) seja o da intercriatividade, conforme ressalta
com outros termos o seu criador Tim-Berners Lee; ou seja, o fato de que
navegar na Web significa mais que estar interagindo, significa sobretudo tecer
criativamente seu tecido cultural. É o “prossumidor” cultural. (4) Trata-se
como diz Manuel Castells, de um meio de comunicação de “mão dupla”, muito
diferente dos meios de comunicação de massa como a televisão e o rádio
tradicionais que são meios de mão única. Ou então como defende Pierre Lévy,
trata-se de um meio de comunicação do tipo “todos-com-todos”, enquanto a
televisão, por exemplo, seria do tipo “um-para-todos”.
Idéias como “Agora Virtual”, “Alexandria Digital”, são expressões que
nos ajudam a compreender e ilustram a grandeza deste acontecimento
monumental, mas estão longe de esgotar sua compreensão e riqueza. Nada há
de fato que se possa realmente comparar, do ponto de vista da experiência
cultural humana.
Para que se possa avançar um pouco mais concretamente neste debate
e tentar sair da mera perplexidade, e se entender com mais propriedade a
passagem do “lógos impresso” para o “lógos hipertextual” e das implicações
possíveis para a filosofia e seu ensino na sala de aula, potencializada e
incrementada com e no ciberespaço, vamos nos situar diante de dois grandes
inventos da imaginação e da vontade de saber humana, um pertencente ao
século XVIII, a Encyclopédie e outro ao século XXI, a Wikipedia.
O projeto monumental da primeira Encyclopédie de Diderot e
D’Alambert que levou cerca de vinte anos para se concretizar (1751-1772),
com seus trinta volumes de textos e ilustrações, 72 mil artigos escritos por
cerca de 140 autores, pretendia reunir o conhecimento acumulado pela
humanidade ao longo dos séculos.
Hoje com mais de um milhão de artigos e verbetes, e dezenas de
línguas, a Wikipedia da Fundação Wikimedia, maior enciclopédia do mundo e
que cresce a uma velocidade espantosa, levanta a bandeira da liberdade do
conhecimento. (5) O objetivo principal da Wikipedia - e que está entre os
quinhentos sites mais visitados da Web - é construir uma verdadeira
“enciclopédia livre”. O fundamental aqui é que o “livre” não diz respeito
somente ao fato de que qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo, a
qualquer tempo, possa acessar os artigos livremente, mas também e talvez
principalmente ao fato de que todas as pessoas, sejam elas quem for, podem
criar livremente os artigos.
Trata-se de uma escritura dialética, na qual o texto pode ser
manipulado livremente por quem quer que seja. O texto pode ser alterado,
acrescido, deletado, manipulado do modo que melhor convier ao wikipedista.
O texto torna-se então a expressão de uma verdadeira inteligência coletiva
em movimento, onde o pensamento cresce e se aperfeiçoa, fazendo nascer
uma nova e poderosa inteligência.
Sem dúvida, esta grande liberdade tem suas contradições inevitáveis.
Mas trata-se de uma liberdade que é também monitorada pela própria
comunidade com regras de “boa conduta”, com “limites” e que pode decidir
por si mesma eliminar um artigo inconveniente, oportunista, e mesmo os
vandalismos eventuais.
Aqui interessa perceber desde logo o movimento de uma nova
“inteligência coletiva”, com seus talentos dispersos pelo mundo todo, mas
reunidos em torno do mesmo objetivo de criação e difusão livre do
conhecimento. É um movimento, uma espécie de ONG, na qual as pessoas
trabalham voluntariamente com o único objetivo de difundir o conhecimento.
Todas contribuições devem ser originais e são mecanicamente assinadas
e listadas na forma de um histórico de todas as intervenções realizadas no
artigo, procurando assim garantir que não haja violação de direitos autorais
com cópias indevidas de idéias de terceiros, ao mesmo tempo em que
responsabiliza diretamente o autor deste ou daquele artigo ou intervenção –
como em todo organismo autônomo: não há direito sem dever.
Os inventores da primeira enciclopédia eram um grupo seleto de
intelectuais com vastos conhecimentos. A Encyclopédie fundamentava sua
autoridade intelectual no talento do pequeno grupo de gênios da cultura que
eram os enciclopedistas. A Wikipedia, por sua vez, envolve no seu
desenvolvimento milhares de cérebros humanos e de todos os tipos possíveis.
Diante disto, ao contrário do que alguns “rigorosos” gostariam de apontar logo
como defeito irreparável, situa-se a grande potência do seu projeto, pois
trata-se de uma comunidade auto-regulada que se debate em busca de
criação, desenvolvimento e aquisição de conhecimento. É uma verdadeira
comunidade do conhecimento, intercontinental, transdisciplinar e autônoma.
Sem dúvida, sempre, em especial nos regimes onde reina a liberdade,
se estará exposto a toda sorte de riscos e perigos. Mas os riscos e perigos são
mínimos se comparados à grandeza e riqueza do projeto-programa da
inteligência coletiva que envolve a Wikipedia. (6) Todo o tipo de contradições
podem surgir em um projeto-programa deste porte. Por exemplo, aquele
surgidos entre os “bem-intencionados” e suas idéias próprias, pois bastam
duas pessoas se encontrarem, dialogarem por uns minutos para verem que
suas perspectivas são diferentes e às vezes divergentes. O desejo de criar,
difundir, elaborar conhecimento é desde os tempos mais remotos cheio de
percalços, contradições, criações geniais e grandes erros. E dificilmente
existirá método filosófico ou ordem política que seja capaz de por um fim a
isto. Nem, é claro, isto seria desejável, pois justamente o conhecimento
cresce, a acuidade intelectual se desenvolve, também nestes processos não
consensuais e contraditórios. Sem dúvida, em algumas circunstâncias, pode
acontecer de uma pessoa insistir em um ou outro ponto de vista realmente
equivocado. Mas se se quisesse eliminar os equívocos da vida humana, seria
uma forma talvez “bem-intencionada” de eliminar parte essencial da própria
natureza humana equivocante. Basta aqui olhar para grandes tradições da
ciência e da cultura em que, verdades indiscutíveis em épocas anteriores, as
vezes por séculos, demonstraram ser equivocadas a um determinado tempo.
Vivemos, pois no equívoco, ou pelo menos, na sua iminência absoluta, desde
que aceitamos nossa condição humana, finita e singular no mundo.
Com a Wikipedia temos um exemplo notável desta nova arte dialética
eletrônica emergente, deste novo diálogo humano, planetário,
intercontinental, transdisciplinar, público, livre.
Para concluir, uma última observação. A situação do conhecimento
hoje é completamente diferente daquela em que viviam os enciclopedistas
pioneiros. Depois do “big bang” científico e disciplinar dos últimos dois
séculos, seguido da incontrolável expansão da multimídia eletrônica,
associada à emergência de uma nova relação com o saber. Na idade da pedra
do saber, como disse Pierre Lévy, o saber deixou de ser do tipo “estoque”
para se transformar em “saber-fluxo”, na medida em que se acelera a
multiplicação e a renovação dos saberes. Nesta idade, vivemos no paradigma
da complexidade, da ciência epistêmica e da transdisciplinaridade.
Nesta nova situação do conhecimento, portanto, parece-nos que apenas
a nova dialética hipertextual é capaz de fazer o pensamento se tornar
contemporâneo de seu próprio tempo.
Deste modo, todos aqueles que desejam filosofar, ensinar e aprender a
filosofar, realizar o diálogo filosófico hoje - nas salas de aula e fora delas -
estão convidados não apenas a conhecer, mas fundamentalmente a se
apropriarem criativamente da admirável rede do lógos dialético hipertextual
que unifica a mente humana em sua infinita riqueza e diversidade.
Verão 2005.
____________
Notas
* Professor e Coordenador do Curso de Filosofia, UNISINOS. Mail: <<
ccandido@unisinos.br >>. Web: << http://caosmose.net/candido >> .
1. Tomo as expressões legein e teukhein a partir da elaboração do filósofo Cornelius
Castoriadis. O legein é a dimensão “conjuntista-identitária” do “distinguir-escolher-
estabelecer-juntar-contar-dizer” e o teukhein a do “juntar-ajustar-fabricar-
construir”. Trata-se, em outras palavras, da tecnicalidade imanente a
todo linguajar.
2. Para uma análise mais elaborada, remeto aqui à minha pesquisa de doutorado que
encontra-se integralmente publicada em: <<
http://www.agoravirtual.net/hipertexto/ >>.
3. “Prossumidor” é uma palavra inventada por Alvin Toffler para designar a nova
imagem do indivíduo que é o produtor e consumidor de seus bens na “Terceira
Onda”.
4. Faço referência aqui a uma idéia muito cara a McLuhan, a de que o “meio é a
mensagem”.
5. A Wikipedia, na versão em língua portuguesa (com mais de trinta mil artigos)
encontra-se no seguinte endereço: << http://pt.wikipedia.org/ >>.
6. Talvez, o maior risco que hoje de fato estamos expostos com a emergência do
lógos hipertextual em nossas escolas e no ensino de filosofia é o fato de que
mestres e discípulos estejam falando línguas diferentes. O difícil diálogo dos
“mestres do texto” diante de uma nova geração de “discípulos do hipertexto”.
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