quarta-feira, 19 de junho de 2013

Água, comida e revolução, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

http://www.ecodebate.com.br/2013/06/19/agua-comida-e-revolucao-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/


Água, comida e revolução

[EcoDebate] O gatilho que detonou a Primavera Árabe foi o aumento do preço da comida. Na Tunísia, o início das manifestações começou após a imolação do jovem Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante de frutas e verduras, em Sidi Bouzid. Entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, a revolução na Tunísia provocou a saída do presidente da República, Zine el-Abidine Ben Ali, que controlava o poder desde 1987.
A Revolução no Egito começou com uma série de manifestações de rua e atos de desobediência civil, em 25 de janeiro de 2011, inspirados na revolta da Tunísia. Os principais motivos para o início das manifestações o desemprego, a falta de moradia, a inflação, a corrupção e os constantes aumentos dos preços dos alimentos. O rio Nilo já não consegue fornecer a água necessária para a agricultura, as cidades e para matar a sede dos egípcios. Além disto a Etiópia planeja construir uma grande usina hidrelétrica represando as águas do Nilo, o que ameaça o início de uma guerra por acesso à água.
A Guerra Civil na Síria também começou como uma série de grandes protestos populares em 26 de janeiro de 2011. Embora o povo sírio tenha mil motivos para depor o presidente Bashar al-Assad, o aumento do preço da comida e a falta de água foram fatores decisivos para o início das revoltas. O desastre sírio foi agravado pelas mudanças climáticas, pois o país vive a pior seca de sua história moderna, combinada com uma população em rápido crescimento e um regime repressivo e corrupto. A seca inviabilizou as plantações, fez a população migrar para as cidades e provocou o aumento do preço dos alimentos, gerando carestia e fome.
A falta de comida e água é uma constante no Norte da África e no Oriente Médio. A situação já é alarmante nos paises com baixa disponibilidade de combustíveis fósseis. Por outo lado, os países muito ricos em petróleo e gás podem comprar commodities proteicas de outros países e construir usinas de dessalinização da água do mar. Porém, mesmo a Arábia Saudita vai enfrentar o declínio da produção de petróleo e poderá ter que enfrentar a carestia e o povo na rua.
Os países do Norte da África e da Ásia Ocidental (incluindo o Oriente Médio) possuem alta pegada ecológica e baixa biocapacidade. Suas populações vivem, em geral, da riqueza fóssil acumulada no passado. Um dia a herança fóssil vai acabar. Todavia, mesmo com uma baixa capacidade de suporte, há um grande crescimento da população, que passou de 104 milhões de habitantes em 1950 para 441 milhões em 2010 e deve chegar a 717 milhões de habitantes em 2050. Há também a construção de grandes cidades altamente dependentes dos combustíveis fósseis e que vão em direção contrária às antigas habitações dos Beduínos.
Durante o século XX houve redução do preço mundial da comida e da água, em função da disponibilidade de energia barata. Mas esta realidade mudou desde o início do século XXI. Segundo dados da FAO, há uma tendência de aumento do preço dos alimentos e da água potável. Se o uso dos recursos cresce mais rápido do que a capacidade de regeneração do meio ambiente e se a disponibilidade de alimentos e água diminui enquanto cresce o apetite humano, o resultado é fome e sede. Todavia, antes da inanição, pode haver ação e revolta.
Desta forma, em um quadro de crise econômica, degradação ambiental e mudanças climáticas, não será surpresa se a Revolta Árabe se aprofundar e outras revoluções populares se espalharem pelo mundo. As recentes revoltas na Turquia contra as políticas do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan combinam críticas contra a piora das condições ambientais (degradação dos parques de Istambul) e econômicas, o agravamento das desigualdades sociais e da inflação (incluindo aumento do preço dos alimentos) e restrições às liberdades laicas e democráticas (fome de liberdade e sede de manifestação política). A Turquia é um país com escassez de água e possui conflitos hídricos com a Síria e o Iraque.
O processo de desenvolvimento econômico internacional também pode ficar comprometido com o processo de degradação ambiental e stress hídrico, o que espalharia a crise de desemprego para outras regiões do mundo. Relatório da Goldman Sachs, mostra que a escassez de água doce pode ser um impedimento para o crescimento econômico na medida em que crescem a demanda por comida e recursos hídricos. A água potável é um recurso escasso e mal distribuído, pois 60% das fontes estão em apenas dez países, dentre eles Brasil (13%), Rússia (10%), Canadá (7%), Estados Unidos (7%) e China (7%). A Índia, por exemplo, aumentou em mais de 30% a demanda de água nos últimos 15 anos, mas seus rios estão poluídos e grande parte da população carece de acesso à água.
A falta de água doce implica na falta de comida. O aumento do custo da alimentação pode funcionar como um freio do desenvolvimento econômico e um impulsionador do desemprego. Desta forma, a sede e a fome podem ser a centelha de revoltas populares ao redor do globo.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 19/06/2013

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