sábado, 30 de janeiro de 2010

Desobedeça - Augusto de Franco

Desobedeça

Augusto de Franco

Quando o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin afirmou, no final dos
anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem
obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não podem
ser consideradas relações propriamente sociais, alguns acadêmicos e
bem-pensantes e, sobretudo, aqueles que se tinham por indivíduos muito
“sérios” e “responsáveis”, ficaram meio escandalizados.

Como assim? – perguntavam, indignados. Pois pensavam que, caso tais idéias
heterodoxas (e perigosas) vicejassem, seria o caos!

E a coisa piorou um pouco quando ele, Maturana, duas décadas depois, ousou
declarar que o *liderazgo* (a liderança), o xodó das teorias empresariais
que floresceram nos anos 90, não era uma idéia nada boa, posto que “*el
liderazgo requiere que los liderados abandonen su propia autonomía reflexiva
y se dejen guiar por otro confiando o sometiéndose a sus directrices o
deseos...”* (1).

Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as
conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-las
no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a fenecer,
para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de múltiplos
mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída. Embora
anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como “redes de
conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob o influxo das
visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes. Cabe a nós,
que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus *insights* geniais à
luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do *netweaving*.

Sim, *netweaving*. Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua
primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um *netweaver* é, por
definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente, caminha fora
dos trilhos já estabelecidos por alguém.

Mas a quem você deve desobedecer?

Ora, a todos que querem obrigá-lo a obedecer. Em especial aos agentes de um
velho mundo hierárquico e autocrático cujos alicerces já estão apodrecendo,
mas que continua, resilientemente, a nos assombrar. Dentre tais agentes, que
são muitos, merecem ser destacados aqui: os ensinadores, os codificadores de
doutrinas, os aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os
fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos.

*DESOBEDEÇA aos ensinadores*, que dizer, à burocracia privatizadora do
conhecimento: aquela casta sacerdotal que constitui as escolas e academias.
Essas instituições geraram e continuam gerando um tipo curioso de agente que
proliferou na modernidade: o colecionador de diplomas, que julga as outras
pessoas pela sua capacidade de se enquadrar nos processos de ensinagem em
vez de avaliá-las pela sua capacidade de aprendizagem. Os diplomas são,
então, um reconhecimento e uma validação do conhecimento ensinado e não do
conhecimento aprendido. Tendo perdido o monopólio do conhecimento (se é que
algum dia tiveram-no) as universidades tentam ainda reter em suas mãos o que
lhes restou: o monopólio dos diplomas.

Há também os que – por fora dos sistemas formais de ensino - se intitulam
(ou são por alguém intitulados) mestres. Alguns são ordenados para tanto,
quer dizer, têm reconhecida, *sempre* por uma organização hierárquica, sua
capacidade de reproduzir uma determinada ordem *top down*. E querem então
imprimi-lo, emprenhá-lo, ou seja, enxertar suas idéias-implante em você,
para que você se torne também um transmissor desse “vírus”.

Desobedeça a esses caras. Aprenda o que você quiser, quando quiser e do
jeito que você quiser. Aprenda com seus amigos. E compartilhe o que aprendeu
com quem você quiser, gerando mais conhecimento. Guarde seus conhecimentos
nos seus amigos, não na cabeça dos professores; nem nas instituições que
sobrevivem trancando o conhecimento e estabelecendo caminhos obrigatórios,
cheios de barreiras e permissões, para dificultar-lhe o acesso; ou, ainda,
nos livros submetidos à normas odiosas de *copyright*. Conhecimento trancado
apodrece.

E não siga mestres de qualquer tipo: todos somos aprendentes. ‘Quando o
“mestre” está preparado o discípulo desaparece’, quer dizer, ele não precisa
mais da muleta chamada “discípulo”: pode se tornar, por si mesmo e em
interação com outras pessoas, um aprendente, livre... e tão ignorante como
todos nós. Mas enquanto eles estiverem pensando em conquistar discípulos,
fuja dos “mestres”!

*DESOBEDEÇA aos codificadores de doutrinas*, que são todos aqueles que
querem pavimentar, com as suas crenças religiosas (e sempre o são, mesmo
quando se declaram laicas), *uma* estrada para o futuro. Eles produzem
narrativas ideológicas totalizantes para que você veja o mundo a partir da
sua ótica, quer dizer, para que você não veja os múltiplos mundos
existentes, mas apenas um mundo (o mundo arquitetado e administrado por
eles: uma prisão para a sua imaginação).

Quando são (explicitamente) religiosos, os codificadores de doutrinas
fornecem a justificativa para a ereção de igrejas e seitas. Quando são
políticos, urdem a base conceitual para a formação de correntes e grupos de
opinião onde a (livre) opinião propriamente dita não conta para quase nada:
o que conta é a ortodoxia de uma opinião oficial ou canônica, a qual tentam
autenticar apelando para a revelação ou para a ciência. Em todos os casos
são engenheiros meméticos, manipuladores de idéias que inventam passado para
legitimar certos caminhos (e deslegitimar outros) para o futuro. Fazem isso
para controlar o seu futuro, para levá-lo (a sua alma ou o seu corpo) para
algum lugar supostamente melhor, para um paraíso no céu ou na terra, quando,
eles mesmos, não podem conhecer tal caminho (simplesmente porque não existe
*um* caminho).

Desobedeça a essa gente. Não entre em suas armações, não replique seus
discursos: pense com sua própria cabeça. Ria dos seus vaticínios e ameaças e
ponha-se fora do alcance de suas patrulhas. Saia dos trilhos que eles
assentaram, escape das valetas (os pré-cursos) que eles cavaram para fazer
escorrer por elas as coisas que ainda virão. Recuse tudo isso: faça o seu
próprio caminho.

*DESOBEDEÇA aos aprisionadores de corpos*, que não contentes em usar,
comprar ou alugar, sua inteligência humana (que não tem preço), querem
também mantê-lo cativo, fisicamente, nos seus prédios ou cercados. São
feitores: antes usavam o chicote; hoje usam o relógio ou o livro de ponto, o
crachá magnético ou o banco de horas. Nas empresas ou organizações
hierárquicas, sejam privadas ou públicas, seqüestram seu corpo para manter
você por perto, para poder vigiá-lo, para terem certeza de que você está de
fato trabalhando para eles (que coisa, heim?). Não precisavam fazer isso se
o seu objetivo fosse o de articular um trabalho coletivo compartilhado. Mas
o objetivo deles não é, na verdade, compartilhar nada com outros seres
humanos e sim controlá-los-e-comandá-los, em certo sentido desumanizá-los,
embotando sua inteligência, castrando sua criatividade, alquebrando sua
vontade, para poder usá-los como objetos, para terem-nos disponíveis, sempre
à mão, tantas horas por dia: querem um rebanho de servos de prontidão para
lhes fazer as vontades. Se quisessem que as pessoas trabalhassem *com*-eles
e não *para*-eles não seria necessário – na imensa maioria dos casos –
aprisionar os seus corpos: bastaria estabelecer uma agenda conjunta, com
tarefas e prazos.

Desobedeça a esse pessoal. Monte seu próprio empreendimento individual ou
coletivo compartilhado, empresarial ou social. Corra atrás do seu próprio
sonho ao invés de servir de instrumento para realizar o sonho alheio. Sim,
você é capaz. A evolução investiu quatro bilhões de anos desenvolvendo seu *
hardware*, que é igualzinho ao daquele cara esperto que quer capturá-lo e
aprisioná-lo e que ainda por cima tem a desfaçatez de alegar que está
fazendo um bem para a humanidade por lhe oferecer um emprego.

*DESOBEDEÇA aos construtores de pirâmides*, que são os que erigem
organizações hierárquicas de todo tipo para mandar nos outros e obrigá-los a
fazer (ou deixar de fazer) coisas contra a sua vontade ou sem o seu
consentimento ou assentimento ativo. Desobedecer significa também abrir mão
de mandar. Você é capturado pelo jogo perverso da obediência quando quer que
as pessoas lhe obedeçam.

Desobedeça a esses chefes, em primeiro lugar, cortando o barato daquele
“construtorzinho de pirâmide” que mora aí dentro de você: não faça patotas,
não erija igrejinhas. Sim, é muito difícil resistir à tentação de juntar “os
seus” e separá-los dos “ dos outros”, mas – para quem quer fazer redes – é
absolutamente necessário. E, sobretudo, *abra mão de querer mandar nos
outros*. Em vez de arquitetar organizações tradicionais, a partir de
organogramas centralizados, para realizar qualquer projeto ou trabalho, teça
redes: quase tudo que se organizou até agora de forma hierárquica (com
estrutura centralizada) pode ser organizado em forma de rede (com estrutura
distribuída); menos, é claro, os sistemas de comando-e-controle.

Em segundo lugar, nunca se enquadre docemente em sistemas de
comando-e-controle. Se for obrigado a tanto para sobreviver, por um período
(que não pode ser muito longo, do contrário você estará bloqueando seu
desenvolvimento humano), faça-o resignadamente, mas sempre resistindo. Isso
significa: não se curve a seu chefe, não lhe faça as vontades, vamos dizer
assim, tão solicitamente. Não seja tão prestativo, subserviente, serviçal.
Não caminhe um quilômetro a mais para agradá-lo. Não fique na penumbra,
recuado, servindo de escada para ele subir ou se destacar. Não faça o jogo.

*DESOBEDEÇA aos fabricantes de guerras*, que são, *stricto sensu*, os chefes
militares e, *lato sensu*, os que pervertem a política como arte da guerra e
os que se entregam à competição adversarial tendo como objetivo destruir
seus concorrentes. São, todos, predadores. O predador é uma máquina de
converter o semelhante em inimigo. Mas é preciso considerar que não existem
inimigos naturais ou permanentes: toda inimizade é circunstancial e pode ser
desconstituída pela aceitação do outro no próprio espaço de vida, pelo
acolhimento, pelo diálogo, pela cooperação. Assim, *o (único) inimigo que
existe mesmo é o fazedor de inimigos*.

Na civilização patriarcal e guerreira viramos seres cindidos interiormente.
O predador é um produto dessa quebra da unidade sinérgica do simbionte (que
poderemos ser no futuro, se anteciparmos esse futuro). Preda porque quer
recuperar, devorando, suas contrapartes, num ritual antropofágico em busca
da unidade perdida (aquela *origem que é o alvo*, para usar a expressão de
Karl Kraus). É por isso que nos apegamos tanto à guerra do bem contra o mal.
Mas o problema, como disse Schmookler, é que *o recurso da guerra é em si o
mal* (2).

Desobedeça a esses hierarcas. Recuse-se a entrar em organizações militares
ou para-militares de qualquer tipo. Recuse-se a entrar em qualquer
organização política de combate, que pregue que o bem só será alcançado com
a destruição do mal. Recuse-se a olhar o diferente como adversário em
princípio: em princípio todo ser humano é um potencial parceiro de outro ser
humano, não um inimigo.

Recuse-se a construir inimigos. Recuse-se a entrar em organizações que
elegem inimigos para ser eliminados, física, econômica, psicológica ou
politicamente. A ética do *netweaver* é uma ética do simbionte, não do
predador. Adote um comportamento pazeante para não cair na armadilha de
travar uma guerra contra o mal, pois, assim procedendo, você mesmo estará
gerando o mal ao construir inimigos em vez de fazer amigos, quer dizer, de
fazer redes.

*DESOBEDEÇA aos condutores de rebanhos*, que são, em geral, os líderes que
alcançaram popularidade pelo *broadcasting* para guiar as massas. Algumas
vezes esses líderes são carismáticos e se dedicam a mesmerizar multidões em
comícios, reuniões e manifestações. Ou pela TV e pelo rádio. Quase sempre
são pessoas “pesadas”, que usam sua *gravitatem* em benefício próprio ou de
um grupo, para reter em suas mãos o poder pelo maior tempo que for possível,
transformando os outros em seus satélites. E odeiam os princípios de
rotatividade ou alternância democrática. Considere que, do ponto de vista
social (ou coletivo, da rede), o modo intransitivo de fluição que gera o
fenômeno da popularidade do líder de massas é uma sociopatia.

O liderancismo é uma praga que vem contaminando as organizações de todos os
setores: segundo tal ideologia, a liderança só é boa se não puder ser
exercida por todos, só por alguns. Assim, não se deve estimular a
multi-liderança, senão afirmar a precedência da mono-liderança, do líder
providencial e permanente, a prevalência do mesmo líder em todos os assuntos
e atividades, como se essa – a liderança – fosse uma qualidade rara, de
origem genética ou fruto de uma unção extra-humana.

Desobedeça a esses líderes. Não os siga para parte alguma. Não se deixe
conduzir, ser puxado pelo nariz ou guiado pelo cabresto como se fosse uma
cavalgadura. Não existem guias geniais dos povos. Nos sistemas
representativos, as pessoas que você elegeu são seus empregados (mandatados
pelos eleitores), não seus patrões.

Arrebanhamentos e assembleísmos são o contrário da interação humanizante
entre as pessoas: transformam gente em gado, em contingente moldável e
manipulável. Pule para fora desse curral. Aparte-se desse rebanho.
“Inclua-se fora” dessas listas de excluídos que ficam olhando para cima de
boca aberta, esperando pelas benesses de um salvador (pois o simples fato de
pertencer a elas já é um indicador de exclusão, quer dizer, de incapacidade
de pensar por si mesmo e de andar com as próprias pernas). Toda pessoa, se
estiver disposta a desobedecer, será um alguém (com nome reconhecido) fora
da massa, não apenas um número em uma estatística. Toda pessoa que
desobedece, em um mundo ainda infestado por organizações hierárquicas, é um
ponto fora da curva: alguém único, singular, insubstituível como você.

Isto posto, é tudo.

Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos que
se levam muito a sério e que se acham responsáveis.

*VOCÊ DEVE DESOBEDECER ÀS LEIS?*

De uma maneira geral, você nunca deve obedecer a pessoas, sejam elas quais
forem. Dizendo de uma forma ainda mais ampla: você nunca deve obedecer a
nenhuma individualidade portadora de vontade, real ou imaginária, humana ou
extra-humana, seja ela qual for.

Freqüentemente surge uma objeção: mas se as pessoas não obedecerem às normas
da vida civilizada será o caos. Por isso, todos devem respeitar as leis.

Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos
livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em leis em
um processo democrático.

Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que não ela não é
o império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a
pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis.

Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis
de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer
legitimidade.

A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios
democráticos: a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou
alternância), a legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter
sido eleito para ter legitimidade.

Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras
clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor
escala, por democracias parasitadas por regimes manipuladores.

Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos que
violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E esteja
preparado para arcar com as conseqüências, é claro.

Um princípio geral da ética do simbionte poderia ser: o único objetivo
realmente humano (e humanizante) das leis é assegurar a convivência pacífica
das pessoas em uma sociedade.

*VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS DIRIGENTES DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS A QUE
PERTENCE?*

Eis aqui outra questão recorrente. Liminarmente, você não deve pertencer a
organizações que não tomam a democracia como um valor.

Ora, com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não pode
aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer alguma
coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção proveniente de
instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de convivência, é
legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a acatar uma decisão
com a qual não concorde ou mesmo concordando não queira acatar, por medo de
sanção, ainda que tal decisão tenha sido tomada por maioria. Obediência nada
tem a ver com colaboração, que pressupõe adesão voluntária, seja por
concordância, seja por resultado de convencimento ou por livre assentimento.

Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de
disciplina deve ser imposto e nenhum tipo de obediência deve ser exigida dos
participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram.
Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo em
virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram. Todos
têm o direito de não acatar decisões.

Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e
punição; e fidelidade imposta *top down*, são virtudes de sistemas
autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais autocrática
for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais “virtudes”. As
razões para isso são tão claras que dispensariam comentários. Todas as
organizações não-estatais e não baseadas em contratos (de trabalho ou de
prestação de serviços) são (ou deveriam ser) constituídas por adesão
voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece” (ou melhor, acata) quem
concorda. Querer exigir disciplina e obediência em relações sociais (*stricto
sensu*) é um absurdo. Impor sanções para quem não obedece é uma violência e,
como tal, um comportamento antidemocrático.

Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido
“forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir
seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a democratização
contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas Ghandi, não existe caminho
para a democracia: a democracia é o caminho...

*VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS SEUS PATRÕES?*

Outra objeção freqüente diz respeito à obediência àquele que paga o seu
salário: como você pode não-obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver?

Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe *para* alguém e sim *com* alguém.
Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é necessária.

Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos alguém
você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para sentir
esse sopro criador só há uma via: desobedeça!

Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça! Uma pessoa
(qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais do que a bosta
de um emprego.

É preciso considerar que a organização piramidal trabalha para o cume. Ou,
dizendo de outro modo, a organização centralizada trabalha para o centro,
para o chefe, para o líder. E as pessoas que trabalham em geral não
aparecem, pois seu papel precípuo é o de fazer o chefe aparecer (ou ficar
com o crédito por todas as realizações, inclusive por aquelas alcançadas
pelo seu esforço e pela sua inteligência). Aí o chefe fica contente e mantém
tais pessoas nas suas funções (empregadas ou contratadas). Se o chefe ficar
muito contente com o resultado, pode até retribuir com uma promoção do
"colaborador" que lhe fez tão bem as vontades.

Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para promover
uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora, para poder
ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e desenvolver esses
talentos. Essa é uma característica central daquele tipo de inteligência
tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma inteligência que
cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha, com a colaboração.
Uma inteligência colaborativa.

Se as pessoas abrem mão de fazer isso em prol da projeção de outras pessoas
que estão acima delas na estrutura hierárquica, elas estão renunciando, em
alguma medida, a exercer suas qualidades propriamente humanas. O diabo é que
os funcionários burocráticos e outros empregados ou prestadores de serviços
em organizações hierárquicas já introjetaram tão fundo as idéias que
sustentam tais práticas, que o hábito, já não diria de servir, mas de ser
serviçal, se instalou no andar de baixo da sua consciência e emerge como uma
pulsão. Freqüentemente eles se escondem para promover seus superiores, tendo
medo, inclusive, de proferir uma opinião própria em uma reunião, escrever um
artigo em um blog, dar uma entrevista ou gravar um vídeo para um meio de
comunicação. Essas pessoas até se orgulham de habitar a penumbra e se vestir
de cinza, adotando a servidão voluntária e, com isso, violando sua própria
humanidade ou, no mínimo, deixando de explorá-la e desenvolvê-la como
poderiam.

Alguns fazem isso taticamente (e imaginam que estão agindo conscientemente),
em troca do emprego ou da contratação. Argumentam que se não obedecerem e
fizerem a vontade dos chefes, perderão a remuneração sem a qual não terão
como viver. Mas dá no mesmo. Se, para sobreviver, uma pessoa precisa castrar
suas potencialidades, então tal sobrevivência não poderá ser digna. Um
trabalho que deixe de promover o desenvolvimento humano de quem trabalha não
pode ser digno.

Os chefes, por sua vez - como aquele *senhor de escravo, escravo do escravo,
* a que se referia Hegel, em outros termos - também estão aprisionados neste
círculo desumanizante. Estão intoxicados pelas ideologias do
comando-e-controle e do liderancismo, segundo as quais *se não for assim, as
coisas não funcionam*. De que alguém tem sempre que liderar - quer dizer,
deixando a frescura de lado e traduzindo em bom português: *mandar nos
outros* - para que uma ação possa ser realizada a contento. Por isso não se
adaptam à cultura e à prática de rede, onde não é possível mandar alguém
fazer alguma coisa contra a sua vontade.

É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio tremendo
em um mundo ainda infestado, em grande parte, por organizações hierárquicas.

Quando organizações hierárquicas se interessam por redes, quase sempre esse
interesse é instrumental. Querem usar as redes para obter alguma coisa que
fortaleça os seus objetivos e a manutenção das suas estruturas...
hierárquicas! Seus chefes – e isso quando mais ilustrados – acham que usando
as "tecnologias de rede" vão conseguir aumentar sua influência, seu poder
ou, quem sabe, suas vendas (daí todo esse súbito interesse cretino pelo tal
"marketing viral", de resto uma vigarice).

As organizações hierárquicas - em termos do ser coletivo que se forma,
diga-se: não, é claro, das pessoas que as integram - não vêem as redes como
fim, como uma nova forma de interação propriamente humana ou humanizada pelo
social, e sim como meio para alguma coisa não-humana. Sim, *organizações
hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos*. A afirmação é forte,
mas não há como dizer de outro modo se quisermos ir ao coração do problema.
Entenda-se bem: as pessoas continuarão sendo humanas, mas o ser coletivo que
se forma não será, posto que não será 'social' (naquele especialíssimo
sentido que Maturana empresta ao termo).

*QUEBRANDO O CÍRCULO VICIOSO DO PODER*

Em que medida você tem coragem de desobedecer e arcar com as conseqüências?
A resposta a essa pergunta define o seu campo de liberdade e de
possibilidade.

Dependendo das circunstâncias, desobedecer pode acarretar demissão,
reprovação, agressão, perseguição, condenação, prisão, tortura, mutilação e
morte. Você não deve se suicidar. Quando não há condições objetivas para
desobedecer (ou seja, quando isso colocar em risco a sua vida ou a vida de
terceiros, a sua liberdade ou a liberdade de seus semelhantes) você deve
avaliar cuidadosamente os riscos e as possibilidades. Mas nunca deve deixar
de desobedecer interiormente. O que importa aqui é sua atitude, vamos dizer
assim, espiritual, de desobediência. Não se curve, não se abaixe, não se
deixe instrumentalizar, não se conforme em ser mandado, não colabore
(voluntariamente) com o poder vertical. Desobedecer é, antes de qualquer
coisa, resistir.

Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as
grandes correntes de humanização do mundo. Quando você cede, sujeitando-se a
alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá no mesmo),
contribui para desumanizar o mundo e a você mesmo.

O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que você
vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente um ímpeto
de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está irrompendo na
sua vida.

Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos, ao
obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando-se nas dinâmicas dessas
organizações, você está, na verdade, subordinando-se a seres não-humanos.

Ordem => hierarquia => disciplina => obediência => +ordem...



Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela
saudável desobediência.



*Notas e referências*

(1) MATURANA, Humberto *et all.* (2009): *Ethical matrix of human
habitat*(texto enviado pelo autor para uma lista de discussão).

(2) SCHMOOKLER, Andrew (1991): “O reconhecimento de nossa cisão interior” *
in* ZWEIG, Connie e ABRAMS, Jeremiah (orgs.). Ao Encontro da Sombra: o
potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo: Cultrix,
1994.

É sempre bom ler aquele instigante livrinho de David Henry Thoreau: A
desobediência civil (1849). E, em seguida, ler o ensaio de Hannah Arendt:
“Desobediência civil” *in* Crises da República (1969).

Sobre obediência (e desobediência), é vital ler a obra de Humberto Maturana,
em especial os textos: *Lenguaje, emociones y etica en el quehacer
politico*(1988); El sentido de lo humano (1991);
*Amor y Juego: fundamentos olvidados de lo humano – desde el Patriarcado a
la Democracia* (com Gerda Verden-Zöller) (1993); e A democracia é uma obra
de arte (s./d.).

Sobre o fetiche das organizações é importantíssimo ler o discurso de Jiddu
Krishnamurti: A dissolução da Ordem da Estrela (1929).

Sobre democracia em redes altamente distribuídas (ou pluriarquia), pode-se
ler os meus livros Alfabetização Democrática (2007) e Escola de Redes: Novas
Visões sobre a Sociedade, o Desenvolvimento, a Internet, a Política e o
Mundo Glocalizado (2008). Sobre isso vale a pena ler também meu pequeno
artigo: “A lógica da abundância” (2009).

Boa parte dessa literatura está disponível para *download free* na BIBLI.E=R
Biblioteca da Escola-de-Redes: http://escoladeredes.ning.com
http://www.4shared.com/file/210372368/f2c37fd0/Desobedea_29jan10.html

Jacqueline Guerreiro
Educadora Ambiental



www.permacoletivo.wordpress.com
permacultura com criatividade



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__._,_.___

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Socialização de conhecimentos em Permacultura

Hoje em dia é muito dificil as instituições terem interesse em socializar os conhecimentos em Permacultura. Voce já viu algum instituto ou livraria disponibilizar livros completos de permacultura para downloads ? Claro que não, vai contra seu interesse, que é econômico. Tenho amigos nessa e sei que irão ficar de cara mas o que podemos fazer, nada mais, só disponibilizar alguns link que a informação que custaria (de R$ 15,00 a R$ 280,00) cheguem as pessoas interessadas. O pior não é isso, tem gente que recolhe um monte de infomração disponibilizada na net, coloca tudo num CD ou DVD e ai vende por ai por preços de arrepiar. Quem tiver interesse em downloads de materiais completos de Permacultura, Bioconstrução, Agroecologia, Educação Sustentável e outros temas afins, acessem o site: http://permacoletivo.wordpress.com/materiais-para-downloads/e bons estudos. Abs, Ju Riciardi

Democracia e neurose obsessiva - Olgária Mattos

DEBATE ABERTO

Democracia e neurose obsessiva

Alimentado pela ideologia do consumo, o espectador político é acalentado pela promessa de bem-estar permanente difundida por um “tirano racional”, que promove a beleza e o sucesso. Diante disso, a angústia do perdedor só aumenta e eclode na agressão ao rosto do Presidente italiano.

Olgária Mattos

A idéia de “processo civilizatório” diz respeito ao abrandamento dos costumes e, no Ocidente, surge na oposição gregos e bárbaros. Na tragédia Medéia, de Eurípedes, a oposição entre o grego Jasão e a bárbara Medéia se faz entre o logos ou a palavra racional e o mito ou o irracional.
Irracional são os ritos religiosos com derramamento de sangue humano e, também, o uso do assassinato para decidir conflitos. Assim, quando Aquiles, na Ilíada, quer se vingar do comandante da Guerra de Tróia Agamêmnon - que se apoderou de sua companheira e escrava Briseida - não o mata, mas pronuncia palavras de cólera. O rei ilustre substituía à violência a palavra que se encontra, por isso, na origem da própria civilização.

Civilização e vida civil referem-se ao convívio entre indivíduos, às formas de organização política na polis e, na democracia, à “comunidade dos iguais”. Esta baseava-se em práticas de atenção ao Outro, de estima, respeito e consideração de que nasceram os escritos sobre as “maneiras”, a delicadeza e a graça, como parte da democracia ateniense. Não que os gregos desconhecessem as guerras com outros povos, a guerra civil e o horror dos campos de batalha, mas a política, a filosofia e a tragédia foram construídas por eles como um esforço - nada fácil - e uma barreira contra a violência.

As modalidades de convívio político são tão mais bem sucedidas quanto seus representantes são legais e legítimos. Por isso, na democracia,a noção de autoridade significa mais do que força e poder pois comporta apego aos senhores legítimos e à liberdade. O governante nada faz sem consultar toda a cidade. Não lhe dá ordens, mas pede seu apoio e todos o concedem: artesãos, mercadores, guerreiros, com dedicação alegre e completa. Este remanescente “cavalheiresco” na democracia representativa fazia o servidor igual ao mestre por uma fidelidade voluntária.

A democracia de massa contemporânea é o lugar de uma metamorfose antropológica em que a democracia, onde ela existe, é dominada pelo capitalismo e pela ciência, pelo mercado e pelo especialista que não se ocupa de questões éticas, ambos, mercado e ciência, sucedendo ao declínio da autoridade no mundo contemporâneo. Assim, se Berlusconi se apresenta, na Itália, como um empresário midiático, ele é o “homem sem qualidades”, nada há nele de “ exemplar”, a não ser seu prestígio com as mulheres, sua vida de prazeres e divertimentos. O espectador, como o espetáculo, se apóia em pulsões imediatas, em “estado bruto”, segundo um consumo fugaz e ilusório.

Neste espetáculo total, carregado de informação e comunicação, cada qual seleciona o que lhe apraz, escuta o que lhe convém e acredita no que bem entende. Alimentado pela ideologia do consumo - de bens e de alegrias -,e entretido com seus gadgets,o espectador político é acalentado pela promessa de bem-estar permanente difundida por um “tirano racional”, prestidigitador que promove a beleza,o dinamismo e o sucesso. Diante disso, a angústia do perdedor só pode aumentar e eclode na agressão ao rosto do Presidente italiano.

Na democracia moderna o governante se constrói como alguém que é próximo das massas, como “seu igual e irmão”. Por isso adota a informalidade em palavras e gestos e a promove, operando no espaço público como modelo de pensamento e de ação.

Na neurose obsessiva da igualdade abstrata, não é mais possível diferenciar valores. Dos estudantes que utilizam roupas de festa para ir à escola ao professor autorizado a usar bermudas e havaianas na sala-de-aula, do espancador que atacou com um taco de beisebol a cabeça de um cliente de livraria ao agressor de Berlusconi, das investidas a bengaladas de que foi vítima o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula às pedradas contra o governador Mário Covas nos anos 1990, revela-se que a democracia moderna é “passagem ao ato” e desrecalque generalizado.

Com o fim do simbólico - cuja expressão foi a autoridade do governante, do professor, dos pais, do médico, do sacerdote, as práticas de contenção da agressividade e da violência cedem ao linchamento - físico ou moral - por parte daqueles que decidem, em seu pequeno e frágil ego, eliminar o concorrente idealizado pelo capitalismo consumista e seu tédio espetacular.

Olgária Mattos é filósofa, professora titular da Universidade de São Paulo.





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David Harvey defende transição anti-capitalista Marco Aurélio Weissheimer

David Harvey defende transição anti-capitalista

Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. O comunismo fracassou, o capitalismo triunfou e não se fala mais no assunto: essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. Mas os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo. E excluindo, produzindo crises, pobreza, fome, destruição ambiental e guerra. Para David Harvey, o capitalismo entrou em uma fase destrutiva que recoloca a necessidade de se voltar a falar de anti-capitalismo, socialismo e comunismo.

Marco Aurélio Weissheimer

Por que é preciso pensar em uma transição anti-capitalista? E o que seria tal transição? A participação de David Harvey, professor de Geografia e Antropologia da City University, de Nova York, no seminário de avaliação de 10 anos do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi uma tentativa de responder estas perguntas. A resposta, na verdade, inclui, em primeiro lugar, uma justificativa da pertinência das perguntas. Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. O comunismo fracassou, o capitalismo triunfou e não se fala mais no assunto: essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. Mas os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo. E excluindo, produzindo pobreza, fome, destruição ambiental, guerra...

E eis que, nos últimos anos, voltou a se falar em anti-capitalismo e na necessidade de pensar outra forma de organização econômica, política e social. David Harvey veio a Porto Alegre falar sobre isso. Para ele, a necessidade acima citada repousa sobre alguns fatos: o aumento da desigualdade social, a crescente corrupção da democracia pelo poder do dinheiro, o alinhamento da mídia com este grande capital (e seu conseqüente papel de cúmplice na corrupção da democracia), a destruição acelerada do meio ambiente. Esse cenário exige uma resposta política, resume Harvey. Uma resposta política, na sua avaliação, de natureza anti-capitalista. Por que? O autor de “A produção capitalista do espaço” apresenta alguns fatos de natureza econômica para justificar essa afirmação.

O capital fictício e a fábrica de bolhas
O capitalismo, enquanto sistema de organização econômica, está baseado no crescimento. Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. E a China está seguindo o mesmo caminho, diz Harvey.

As crises econômicas nos últimos 30 anos, acrescenta, repousam (e, ao mesmo tempo, aprofundam) na disjunção crescente entre a quantidade de papel fictício e a quantidade de riqueza real. “Por isso precisamos de alternativas ao capitalismo”, insiste. Historicamente essas alternativas são o socialismo ou o comunismo. O primeiro acabou se transformando em uma forma menos selvagem de administração do capitalismo; e o segundo fracassou. Mas esses fracassos não são razão para desistir até por que as crises do capitalismo estão se tornando cada vez mais freqüentes e mais graves, recolocando o tema das alternativas. Para Harvey, o Fórum Social Mundial, ao propor a bandeira do “outro mundo é possível”, deve assumir a tarefa de construir um outro socialismo ou um outro comunismo como alternativas concretas.

A irracionalidade do capitalismo
“Em tempos de crise, a irracionalidade do capitalismo torna-se clara para todos. Excedentes de capital e de trabalho existem lado a lado sem uma forma clara de uni-los em meio a um enorme sofrimento humano e necessidades não satisfeitas. Em pleno verão de 2009, um terço dos bens de capital nos Estados Unidos permaneceu inativo, enquanto cerca de 17 por cento da força de trabalho estava desempregada ou trabalhando involuntariamente em regimes de meio período. O que poderia ser mais absurdo que isso!” – escreve Harvey em seu livro “O enigma do capital”, que deve ser lançado em abril de 2010 pela editora Profile Books. Ele descarta, por outro lado, qualquer inevitabilidade sobre o futuro do capitalismo. O sistema pode sobreviver às crises atuais, admite, mas a um custo altíssimo para a humanidade.

Não basta, portanto, denunciar a irracionalidade do capitalismo. É importante lembrar, assinala Harvey, o que a Marx e Engels apontaram no Manifesto Comunista a respeito das profundas mudanças que o capitalismo trouxe consigo: uma nova relação com a natureza, novas tecnologias, novas relações sociais, outro sistema de produção, mudanças profundas na vida cotidiana das pessoas e novos arranjos políticos institucionais. “Todos esses momentos viveram um processo de co-evolução. O movimento anti-capitalista tem que lutar em todas essas dimensões e não apenas em uma delas como muitos grupos fazem hoje. O grande fracasso do comunismo foi não conseguir manter em movimento todos esses processos. Fundamentalmente, a vida diária tem que mudar, as relações sociais têm que mudar”, defende.

“Precisamos falar de um mundo anti-capitalista”
Harvey está falando da perspectiva de um possível fracasso do capitalismo, de um ponto de instabilidade que afete as engrenagens do sistema. Mais uma vez, ele não aponta nenhuma inevitabilidade ou destino histórico aqui. Trata-se de um diagnóstico sobre o tempo presente. “O capitalismo entrou numa fase de cada vez mais destruição e cada vez menos criação”. E quais seriam, então, as forças sociais capazes de organizar um movimento anti-capitalista nos termos descritos acima? A resposta de Harvey é curta e direta: Hoje não há nenhum grupo pensando ou falando disso. “As ONGs e movimentos sociais que participam do Fórum precisam começar a falar de um mundo anti-capitalista. A esquerda deve mudar seus padrões mentais. As universidades precisam mudar radicalmente”.

A justificativa desses imperativos? Harvey dá mais um exemplo da “racionalidade” capitalista atual. Em janeiro de 2008, 2 milhões de pessoas perderam suas casas nos EUA. Essas famílias, em sua maioria pertencente às comunidades afroamericanas e de origem hispânica, perderam, no total, cerca de 40 bilhões de dólares. Naquele mesmo mês, Wall Street distribuiu um bônus de 32 bilhões de dólares para aqueles “investidores” que provocaram a crise. Uma forma peculiar de redistribuição de riqueza, que mostra que, nesta crise, muitos ricos estão fincando ainda mais ricos. “Estamos vivendo um momento de negação da crise nos EUA. Os trabalhadores, e não os grandes capitalistas, é que estão sendo apontados como responsáveis. É por isso que precisamos de uma transformação revolucionária da ordem social”.


Fotos: Eduardo Seidl
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COMENTÁRIOS (7 Comentários)

Opinião Comentário Autor Data
[a favor] Não se trata de dogmatismo.... Emmanuel Gomes 28/01/2010
[a favor] Algum grau de socialismo se... Algafan 28/01/2010
[a favor] Será que vamos esperar mais... joão ronaldo 28/01/2010
[contra] Bom, creio eu que esteja to... Flávio Vieira 28/01/2010
[a favor] Quando Harvey afirma que nã... C. Paoliello 28/01/2010
[a favor] Não sei se como diz Harvey,... ronan wittee 28/01/2010
[a favor] O mundo que aguarda os que ... Francesco De La Cr... 27/01/2010

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26/01/2010

• David Harvey defende transição anti-capitalista : Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, fa

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O viver melhor ou o bem viver - Leonardo Boff

O viver melhor ou o bem viver?

Leonardo Boff *

Na ideologia dominante, todo mundo quer viver melhor e desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Comumente associa esta qualidade de vida ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada pais. O PIB representa todas as riquezas materiais que um país produz. Se este é o critério, então os países melhor colocados são os Estados Unidos, seguidos do Japão, Alemanha, Suécia e outros. Este PIB é uma medida inventada pelo capitalismo para estimular a produção crescente de bens materiais a serem consumidos.

Nos últimos anos, dado o crescimento da pobreza e da urbanização favelizada do mundo e até por um senso de decência, a ONU introduziu a categoria IDH, o "Índice de Desenvolvimento Humano". Nele se elencam valores intangíveis como saúde, educação, igualdade social, cuidado para com a natureza, equidade de gênero e outros. Enriqueceu o sentido de "qualidade de vida" que era entendido de forma muito materialista: goza de boa qualidade de vida quem mais e melhor consome. Consoante o IDH a pequena Cuba apresenta-se melhor situada que os EUA, embora com um PIB comparativamente ínfimo.

Acima de todos os países está o Butão, espremido entre a China e Índia aos pés do Himalaia, muito pobre materialmente mas que estatuiu oficialmente o "Índice de Felicidade Interna Bruta". Este não é medido por critérios quantitativos mas qualitativos, como boa governança das autoridades, eqüitativa distribuição dos excedentes da agricultura de subsistência, da extração vegetal e da venda de energia para a Índia, boa saúde e educação e especialmente bom nível de cooperação de todos para garantir a paz social.

Nas tradições indígenas de Abya Yala, nome para o nosso Continente indioamericano ao invés de "viver melhor" se fala em "bem viver". Esta categoria entrou nas constituições da Bolívia e do Equador como o objetivo social a ser perseguido pelo Estado e por toda a sociedade. O "viver melhor" supõe uma ética do progresso ilimitado e nos incita a uma competição com os outros para criar mais e mais condições para "viver melhor". Entretanto para que alguns pudessem "viver melhor" milhões e milhões têm e tiveram que "viver mal". É a contradição capitalista. Contrariamente, o "bem viver" visa a uma ética da suficiência para toda a comunidade e não apenas para o indivíduo. O "bem viver" supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrenal que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais; é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com Deus.

A preocupação central não é acumular. De mais a mais, a Mãe Terra nos fornece tudo que precisamos. Nosso trabalho supre o que ele não nos pode dar ou a ajudamos a produzir o suficiente e decente para todos, também para os animais e as plantas. "Bem viver" é estar em permanente harmonia com o todo, celebrando os ritos sagrados que continuamente renovam a conexão cósmica e com Deus.

O "bem viver" nos convida a não consumir mais do que o ecossistema pode suportar, a evitar a produção de resíduos que não podemos absorver com segurança e nos incita a reutilizar e reciclar tudo o que tivermos usado. Será um consumo reciclável e frugal. Então não haverá escassez.

Nesta época de busca de novos caminhos para a humanidade a idéia do "bem viver" tem muito a nos ensinar.

*Teólogo, filósofo e escritor Fonte: www.adital.org.br


Fórum
Associação Civil Alternativa Terrazul,

Rua Goiás No 621. Bairro: Pan-Americano. Cep: 60441000 Fortaleza - Ceará - Brasil
E-mail: alternativa.terrazul@terra.com.br tel: + 55 85 32810246

Alternatives International

domingo, 24 de janeiro de 2010

O crepúsculo dos sábios - Olgária Matos

O crepúsculo dos sábios



Olgária Matos *



"Apática, sem maravilhamento, a universidade pós-moderna se
esqueceu de sua dívida simbólica com as gerações passadas"

O conceito de universidade moderna e a natureza do conhecimento que
ela produziu até os anos 1960 tinham por objetivo formar o cientista.
Este representava o "mestre da verdade" porque capaz de compreender seu
ofício na complexidade dos saberes e da história. Sua autoridade procedia
de sua palavra pública, pela qual se fazia responsável. O cientista era o
intelectual, e para ele a pesquisa não correspondia a uma profissão, mas
a uma vocação.

O conhecimento mantinha sua autonomia com respeito às determinações
imediatamente materiais e do mercado. Sua temporalidade - a da reflexão -
compreendia-se no longo prazo, garantidora da transmissão de tradições e
de suas invenções.

A universidade pós-moderna, por sua vez, converte pesquisa em
produção, constrangendo-se à pressa e à produtividade quantificada do
conhecimento, adaptando-se à obsolescência permanente das revoluções
técnicas, promovidas pelas inovações industriais segundo a lógica do
lucro. A temporalidade do mercado confisca o tempo da reflexão, selando o
fim do papel filosófico e existencial da cultura.

Para a universidade moderna não cabia a pergunta "para que serve a
cultura", mas sim "de que ela pode liberar". A universidade moderna
elevava a sociedade aos valores considerados universais no concerto das
nações que procuravam uma linguagem comum ao patrimônio cultural de toda
a humanidade, devolvendo-o à sociedade com seus maiores cientistas e seus
melhores técnicos. Essa foi a tradição de Goethe que havia formulado a
ideia da Weltliteratur, da literatura universal como cosmopolitismo do
espírito.

A universidade pós-moderna é a da indiferenciação entre pesquisa e
produção. O intelectual cultivado foi destituído - em todos os domínios
do conhecimento - pelo especialista e seu conhecimento particularizado,
cujo contato com a tradição cultural é episódico ou inexistente. Seu
discurso não diz mais o "universal" e se limita a formulações técnicas,
perdendo-se o sentido do conhecimento e seus fins últimos, com a passagem
da questão teórica "o que posso saber" para a pragmática "como posso
conhecer".

Para Gunther Anders, o emblema da conversão do intelectual em
pesquisador, da razão crítica em desresponsablização ética e
racionalidade técnica, foi Fermi na Itália e Oppenheimer nos EUA, cujas
pesquisas sobre a bomba atômica foram tratadas por eles em termos
estritamente técnicos.

A universidade pós-moderna não lida mais com as "grandes
narrativas" nem busca a fundamentação do conhecimento e seus primeiros
princípios. Como o mercado, se pauta pela mudança incessante de métodos e
pesquisas. Nada aprofunda, produzindo uma cultura da incuriosidade, imune
ao maravilhamento. Em sua pulsão antigenealógica, acredita que tudo o que
nela se desenvolve deve a si mesma, não reconhecendo nenhuma dívida
simbólica com as gerações passadas. Essa circunstância, por sua vez, pode
ser compreendida no âmbito da massificação da cultura e da universidade.

Com a ditadura dos anos 1960 no Brasil, a universidade pública
moderna - concebida de início para formar as elites governantes, a partir
do ideário de universidade cultural, científica e com suas áreas técnicas
- começa sua desmontagem, o que e resulta em sua massificação.

Sob a pressão de massas historicamente excluídas dos bens
científicos e culturais, bem como do sucesso profissional aferido pelo
enriquecimento nas profissões liberais, a universidade pós-moderna acolhe
populações sem o repertório requerido anteriormente para a vida
acadêmica.

Face ao ideário moderno baseado no mérito de cada um e não mais no
sistema nobiliárquico do nascimento, e sua incompatibilidade com a
desigualdade real de oportunidades para a ascensão social, a universidade
pós-moderna questiona, contrapondo-os, mérito e igualdade, reconhecendo
no primeiro a manutenção do regime de privilégios e distinções do
passado.

Assim, a universidade atual adapta-se à fragilidade do ensino
fundamental e médio, passando a compensar as deficiências dessa formação.
Para isso, a graduação retoma o ensino médio, a pós-graduação a
graduação, o doutorado o mestrado, cuja continuidade é o pós-doutorado,
tudo culminando na ideia da "formação continuada" e de avaliações
permanentes. Ao mesmo tempo, a ideia de pesquisa moderna anterior
transforma-se em fetiche pós-moderno, tanto que a iniciação científica se
faz para estudantes em preparação para a vida universitária adulta, mas
constrangidos a publicações precoces.

O paradoxo é grande, uma vez que, maiores as carências nos anos de
formação do estudante - como a precariedade no acesso à bibliografia em
idiomas estrangeiros e dificuldades de expressão oral e escrita na língua
nacional -, mais estreitos são os prazos para a conclusão de mestrados e
doutorados.

Prazos e métodos, por sua vez, migram das disciplinas científicas
para todos os campos do conhecimento, sob o impacto do prestígio da
formalização do pensamento, como é possível reconhecer, em particular no
estruturalismo e, mais recentemente, no linguistic turn, sua legitimidade
garantida pelo rigor científico de suas formulações. Acrescente-se o
abandono da ideia de rigor na escrita e o fim do estilo, com o advento do
gênero paper e a multiplicação de congressos no mundo globalizado.

Massificada a cultura, proliferaram, com a ditadura militar, a
privatização do ensino e seu barateamento, as universidades particulares
- salvo as exceções de praxe - prometendo ascensão social e acesso ao
"ensino superior" e decepcionando suas promessas. A universidade moderna
que a antecedeu garantia o exercício da formação especializada e se
encontrava na base dos cursos técnicos com formação humanista para todos
os que não se encaminhavam para a pesquisa, devendo atender à
profissionalização, mas também à felicidade do conhecimento.

A emergência da universidade pós-moderna diz respeito ao abandono
dos critérios consagrados até então a fim de democratizá-la. Mas a
democratização pós-moderna é massificação. A sociedade democrática
comportava diversas representações das coisas: os partidos representavam
as diferentes opiniões, os sindicatos os trabalhadores, a Confederação
das Indústrias os empresários.

Na sociedade pós-moderna, o consenso é produzido pela mídia e suas
pesquisas de opinião, através da eficiência persuasiva da televisão, que
primeiramente cria a opinião pública e depois pesquisa o que ela própria
criou. Razão pela qual massificação significa perda da qualidade do
conhecimento produzido e transmitido, adaptado às exigências de massas
educadas pela televisão, com dificuldade de atenção e treinadas para a
dispersão, mimadas por uma educação que se conforma a seu último ethos.

A cultura pós-moderna é a da "desvalorização de todos os valores".
Sua noção de igualdade é abstrata, homóloga à do mercado onde tudo se
equivale. Em meio à revolução liberal pós-moderna, a universidade presta
serviços e se adapta à sociedade de mercado e ao estudante, convertido em
cliente e consumidor, como o atesta a ideologia do controle dos docentes
por seus alunos.

Em seu ensaio Filosofia e Mestres, Adorno diz, temendo incorrer em
sentimentalismo, que o conhecimento exige amor. Sua universidade, a de
Frankfurt, era moderna, humanista, como era humanista o professor de uma
fita italiana dos anos 1970. No filme, estudantes impedem o franzino
docente de literatura românica com seus compêndios eruditos de entrar na
sala de aula onde discutem questões do curso.

Sentado em um banco, o mestre escuta o vozerio e ruídos de cadeiras
sendo arrastadas. Por fim é chamado e, quando entra, os estudantes em
suas carteiras estão em círculo, e o professor senta-se entre eles.
Discutem então o que o professor deveria ensinar-lhes. Como não chegam a
nenhum consenso e o dia se faz crepuscular, decidem finalmente deixar que
o professor se manifeste. Ao que o professor, retomando seu lugar junto à
lousa e diante de todos, anuncia: "Estou aqui para ensinar a vocês a
beleza de um verso de Petrarca".

Metáfora rigorosa para a educação, da escola maternal à
universidade, o conhecimento, como escreveu Freud, é uma das tarefas mais
nobres da humanidade no longo processo de sua humanização.

* Olgária Matos é professora de filosofia da USP. Artigo publicado
em "O Estado de SP" em 15/11/09

Plástico comestível para substituir embalagens - Info: Correio Braziliense

Embrapa desenvolve plástico comestível para substituir embalagens
Infográfico do Correio Braziliense. Para acessar o infográfico no tamanho original clique aqui.

Estudos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deram origem a películas naturais e comestíveis que podem substituir plásticos sintéticos usados para envolver e proteger alimentos. Produzidos a partir de polímeros naturais, os chamados biopolímeros, os filmes têm a vantagem de serem biodegradáveis (podendo até mesmo ser ingeridos pelo homem), amenizando o problema do lixo no planeta. Afinal, alguns plásticos utilizados como embalagens primárias podem levar cerca de um século para serem degradados pela natureza. Reportagem de Gisela Cabral, no Correio Braziliense.

A técnica tem como principal objetivo conservar frescos e por um tempo maior alimentos como frutas, chocolates, queijos e verduras. “O mecanismo de aplicação do filme comestível sobre o alimento atua retardando a perda de água e as trocas gasosas entre o alimento e o ambiente, aumentando o tempo de vida do produto”, explica o físico Odílio Garrido, pesquisador da Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos (SP).

A pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical Henriette Azeredo explica que é difícil precisar a época em que surgiu a ideia de desenvolver os filmes comestíveis. “Desde o século 12, os chineses já usavam ceras para revestir frutas e reduzir a perda de umidade. Por outro lado, nas últimas décadas, o uso de filmes e revestimentos comestíveis tem sido estudado com mais cuidado. Novos materiais têm sido explorados e novas técnicas, usadas”, destaca. De acordo com ela, são vários os mecanismos e as matérias-primas utilizadas para a obtenção do filme. Entre os biopolímeros, ela cita polissacarídeos como o amido, a pectina e a quitosana. Proteínas como a gelatina também podem ser usadas.

No caso das frutas, o revestimento pode ser feito por meio de três técnicas. Na primeira delas — a imersão —, o alimento é mergulhado rapidamente em uma solução filmogênica contendo biopolímero, água e ácido acético. Depois, o alimento é deixado em repouso até que a água evapore e a película se forme sobre a fruta. Na aspersão, o processo é parecido, mas a solução é borrifada sobre o alimento. A terceira possibilidade é a deposição, na qual a solução é espalhada de forma uniforme sobre uma superfície plana. “Depois disso, ela passa por um processo de secagem. A película formada pode ser destacada e utilizada (como embalagem)”, afirma Henriette.

Não existe apenas um tipo de filme comestível. “Para cada alimento, seja ele fruta, verdura ou chocolate, é necessário desenvolver um material diferente, adequado à sua fisiologia”, destaca Garrido, que atualmente estuda a produção de um filme ideal para aplicação em maçãs fatiadas. Segundo Henriette, os processos de produção em laboratório costumam durar de uma a 12 horas em média, dependendo da infraestrutura do laboratório.

A cientista informa que a Embrapa Agroindústria Tropical, sediada em Fortaleza, também está desenvolvendo filmes a partir de polpas de frutas, tendo sido a manga a primeira a ser testada. No processo, os cientistas ainda mantiveram a coloração e o sabor semelhantes aos da fruta de origem. “Os resultados foram excelentes, pois as frutas contêm polissacarídeos como a pectina e o amido, que são compostos filmogênicos”, informa.

Treinamento
As pesquisas desenvolvidas por Henriette têm origem no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, pioneiro nessa técnica. “Fui submetida a um treinamento no departamento. Na ocasião, aprendi a técnica, que foi na verdade o meu pós-doutorado, e a trouxe para o Brasil. Aqui, porém, o mecanismo tem sido adaptado às frutas tropicais”, enfatiza.

Na opinião da especialista, a grande vantagem do uso dos filmes comestíveis é que eles permitem o uso de uma quantidade menor de embalagens sintéticas, o que é muito bom para o planeta. “Quando se usa um filme comestível, a indústria pode eventualmente dispensar a embalagem primária, aquela que fica diretamente em contato com o alimento. No caso de uma caixa de bombons, a embalagem primária seria aquela que envolveria cada bombom individualmente”, esclarece.

Por outro lado, a embalagem que fica em contato com o ambiente (no caso dos bombons, a caixa propriamente dita) continua sendo necessária. Henriette explica que a produção ainda está em fase de testes e não tem previsão de chegar ao mercado, mas adianta que os biopolímeros custam mais caro que os plásticos sintéticos convencionais. “Acredito que em alguns anos será possível encontrar esse tipo de produto no mercado. Mas como o custo é alto e o desempenho ainda é inferior ao dos plásticos sintéticos, o consumidor só vai aceitar pagar mais se ele se sensibilizar com a questão ambiental ou se o filme comestível for uma parte especialmente atraente do produto”, analisa.

EcoDebate, 22/01/2010

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2 comentários
americo canhoto said:
22/01/2010

Bem vinda a idéia que possa ser colocada já em prática. Há mercado para isso entre as pessoas já despertas. Faço uma sugestão: o excesso de cortisol gerado pelo estresse crônico está reduzindo drasticamente os “lubrificantes” do organismo (olhos, articulações, tendões estão correndo em bainhas sem líquido sinovial) – seria de grande valor terapêutico um revestimento com

Carta aos Donos do Mundo - Affonsso Romano de Sant'Anna

Carta aos Donos do Mundo

Affonso Romano de Sant’Anna


Meus Senhores:

Dirijo-me à Vossas Excelências para falar do Haiti.

Ia escrever uma crônica intitulada - "Äi de ti, Haiti" , mas isto não passa de um belo jogo de palavras e não quero fazer uma nova jeremiada. Venho, portanto, Senhores Donos do Mundo, com uma proposta concreta. Por isto, poderia intitular este texto de "Como salvar o Haiti". Pretensioso, não? Claro que eu poderia me dirigir especificamente ao Eike Batista da Vale do Rio Doce, que está fazendo e acontecendo, ajudando até a Madona. Aliás, ele, ou qualquer milionário sozinho poderia salvar o Haiti. Afinal, o que é um país com pouco mais de 27 mil km2, com apenas 9 milhões de pessoas? Não passa de uma grande cidade brasileira ou mexicana! Será que não conseguimos salvar sequer uma cidade ou uma ilha?

Mas estou propondo algo menos personalista. Se descobrirmos o modo de salvar o Haiti, vocês hão de concordar, estaremos descobrindo como salvar este mundo. É sério. E digo logo: ou salvamos o Haiti, ou perecemos todos.

Senhores Donos do Mundo: vamos transformar o Haiti, que tem sido um território de desgraças num laboratório da vida. E ampliando algo que disse antes, reafirmo: se não conseguirmos salvar o Haiti, näo conseguiremos salvar a África. Se não conseguirmos salvar o Haiti e/ou a África não conseguirmos salvar o mundo.

Vou mais longe: não podemos continuar erguendo brindes no convés do Titanic. O navio já se chocou com o iceberg e começa a vazar água na casa de máquinas. Não é hora de disputar quem vai fazer a última ceia na mesa do comandante.

Ou salvamos o Haiti ou naufragamos todos. Afinal, é apenas um pedacinho de país. E se não conseguimos salvar essa coisinhazinha miúda lá no Caribe, então, Senhores, é melhor decretar a falência do ser humano. tocar logo fogo na Amazônia e degelar nossas últimas esperanças.

Meu caro operário Lula: o Senhor é hoje um dos ""donos do mundo" como reconhece a imprensa internacional. Pois convença os seus colegas que não basta aquela minguada tropa da ONU, dirigida heróicamente pelo Exército Brasileiro. Não basta um socorro de emergência. Vamos fazer um projeto a médio e longo prazo. Urge fazer, em escala mundial, um PAC (Plano de Ação Continuada) e uma UPP ( Unidade da Polícia Pacificadora), para devolver aos haitianos o que o mundo lhes roubou sistematicamente.

Comecemos pelos grandes devedores históricos. Ora, a Espanha, a França e os Estados Unidos tëm nisto uma responsabilidade incomensurável. A Espanha porque foi a primeira exploradora do país, a França napoleônica porque espoliou a colônia, prendeu e matou seu lider Henri Christophe e os USA por ter ocupado (para nada) com seus "marines" o Haiti, por mais de 20 anos.

Obama, você que é preto, descendente de escravos, viveu na África e chegou à presidência dos Estados Unidos, vai nessa, junte-se ao "Cara" aqui do Brasil e faça história.

Pessoas de coragem e de caráter como Zilda Arns, que lá sucumbiu tragicamente tentando tenazmente melhorar a vida dos haitianos, podem fazer diferença. Mas a questão ali e em outras partes não pode ser resolvida mitigando uma ou outra necessidade. Afinal, para que serve a globalização? Só para enriquecer os ricos?

Volto àquela metáfora marítima tão verdadeira quanto pedagógica: o Haiti assemelha-se a uma pequena embarcação à deriva no mar da história. Diante do Titanic, é quase nada, não passa de canoinha, de um piroga.

Se não conseguirmos salvar essa canoinha é melhor desistir de salvar o Titanic.

Affonso Romano de Sant’Anna
escritor

O Poder do Conhecimento - Entrevista com Ladislau Dowbor

O PODER DO CONHECIMENTO


Num mundo de informações fragmentadas, imagine se fosse possível orientar esse fluxo em favor do consumidor. E, com isso, surgisse um sistema de informação dirigido aos problemas e à qualidade do consumo. Imagine se o dinheiro captado para tais campanhas de conscientização viesse da publicidade, um setor que movimenta bilhões por ano. Para o professor Ladislau Dowbor, essa é uma realidade que pode equilibrar a dinâmica atual, na qual a propaganda domina o nosso espaço, tempo e a mídia.


Numa entrevista ao jornal Gazeta do Povo, o sr. defendeu uma idéia polêmica. Disse achar viável a cria­ção de uma taxa sobre os investimentos das empresas em publicidade. Esse recurso seria redire­cionado para campanhas de cons­cientização do consumidor. Como isso funcionaria?
Acho totalmente correta a proposta da criação de uma taxa, em torno de 3%, sobre os gastos em publicidade das empresas. O dinheiro arrecadado faria parte de um fundo de investimento, cujos recursos seriam destinados para organismos isentos de informação.
Atualmente, a publicidade movimenta US$ 430 bilhões por ano em todo o mundo. É simplesmente uma barbaridade! Você está “inundado” de anún­cios e nunca as pessoas ficaram tão desin­formadas. Estamos falando de um gigantesco recurso mundial que absorve a nossa capacidade limitada de atenção, joga lixo dentro do nosso nível de consciência, que é o negócio mais precioso que temos. Você se sente invadido, cansado! Os norte-americanos até usam o conceito de sobrecarga sensorial nesses processos.
Nem sempre nos damos conta também de que o investimento em propaganda sai dos nossos próprios bolsos. Outro dia, por exemplo, meu filho estava indignado com a publicidade feita por um governo. Ele disse: “Eles fazem propaganda com o nosso dinheiro”. E eu perguntei: “Mas e a Coca-Cola”? “A Coca-Cola não”, ele respondeu, “isso é dinheiro deles”. Daí, ele pensou um pouco e percebeu: “Claro, nós é que pagamos por isso”. O valor está embutido no preço final do produto.

Quem poderia administrar esses recursos?
O fundo poderia ser gerido por três representantes de organizações não-governamentais (ONGs) de defesa do consumidor, três membros de instituições acadêmicas de pesquisa, três da área pública (secretarias correspondentes), e de entidades empresariais (Fiesp etc.). Assim, você tem uma diversidade de interesses ideal para administrar o fundo.

Taxar os gastos em publicidade é uma idéia inusitada ou já acontece em outras partes do mundo?
Nos Estados Unidos, você tem exemplos em que empresas produtoras de tabaco pagam uma taxa com a qual se financiam campanhas de informação sobre os danos do cigarro e coisas do gênero. Isso porque o tabaco (mostrando a publicação The Tobacco Atlas, de dr. Judith Mackay e dr. Michael Eriksen, uma iniciativa da World Health Organization, 2002, da Suíça, Genebra) provoca sobrecustos generalizados para não-fumantes e para os próprios fumantes, que vão acabar recorrendo a serviços de saúde pública que todos nós pagamos (fumantes ou não) via impostos. Podemos fazer uma coisa semelhante no Brasil, tanto na área do cigarro como no âmbito geral.
Os documentos, estudos e análises das empresas de tabaco também ficam disponíveis na internet, a fim de que as diversas instituições que façam pesquisa sobre tabaco possam utilizá-los. Isso faz parte de uma filosofia que se difundiu nos Estados Unidos e é muito interessante. Chama-se “Right to know” (direito à informação). A idéia é que a sociedade tem o direito de saber sobre todas as coisas que geram impacto social.

Se essa idéia fosse transportada para o Brasil, certamente sofreria uma enorme resistência dos fabricantes e de veículos de comunicação. Como trabalhar com isso?
Sim, com certeza haveria resistência. Mas se pagamos um volume desse porte para as empresas informarem a visão delas do seu produto, uma visão interessada, uma taxa de 3% ou 5% é muito modesta. É adequado reverter um mínimo para o cidadão ter acesso a informações isentas.
Tudo isso atingiu uma gravidade muito grande porque, como são US$ 430 bilhões, a publicidade é de longe a principal fonte de financiamento de toda a mídia. E conseqüentemente de toda a informação. Por exemplo, quando na Europa proibiu-se a veiculação de artigos de publicidade de cigarros na televisão, as empresas passaram a fazer anúncios nas revistas. Há um levantamento de que houve uma redução de 65% no número de artigos sobre saúde nas revistas européias.
A conexão é óbvia. Você está sendo financiado pelas empresas. Então, os impactos são muitos. Toda gigantesca campanha que foi feita em torno das privatizações, enfim, da “salvação pretensamente dita que representaria privatizar”, faz parte de um instrumento de poder, porque a principal alavanca de financiamento do conjunto do sistema da informação hoje é a publicidade. Isso desequilibra totalmente o processo de informação. A taxa sobre a publicidade, na minha opinião, talvez fosse um modo de equilibrar essa dinâmica.

Atualmente, vivemos uma situação parecida com a dos anúncios da Monsanto. Muitas pessoas no Brasil nem sabem ao certo o que são transgênicos, e a empresa, defendendo os seus interesses unicamente, vende a tecnologia como se fosse uma maravilha para a saúde e o meio ambiente em anúncios nas mais diversas mídias. Apesar de haver informações divergentes da empresa, o problema é que a propaganda, na maioria das vezes, chega mais rápida e facilmente às pessoas?
O primeiro ponto é que a publicidade funciona. Cada vez que você condena o uso dessa prática de manipulação, as empresas despistam: “Não, nós estamos informando o cidadão”. Só que o conteúdo informativo da publicidade é praticamente nulo.

Até que ponto a sociedade tem consciência dessa invasão de privacidade, do domínio da publicidade sobre a mídia, da falta de informações úteis?
Estive agora em Genebra, na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação e, no evento, estavam todas as grandes empresas, inclusive de mídia, como os Marinho (Rede Globo). Todos estão claramente preocupados com esse monopólio mundial sobre a imprensa, associa­do com gigantescos fluxos de dinheiro que recebem da publicidade por meio das nossas compras. Na verdade, é um imposto “privado” que a gente paga nesse processo.
Essa dinâmica está gerando discussões interessantes. Qualquer comunidade pobre no Brasil - eu levantei isso lá -, por exemplo, está sendo informada dia­riamente sobre todos os detalhes da vida de Michael Jackson, mas não tem nenhum instrumento para saber quais são os projetos da região ondem moram. Como cada um poderia estar ajudando, participando... Essa é outra forma de ocuparmos nossa atenção com lixo. Nos desvia, na realidade, de informação útil e agradável.
O distanciamento informativo se tornou absolutamente catastrófico. Grandes empresários da mídia dos Estados Unidos declararam que a liberdade de informação na guerra do Iraque era praticamente nula. Como resultado, grande parte do público norte-americano informado passou a assistir à BBC, e não mais à televisão norte-americana.

Existe o princípio de uma certa resistência então?
Há um processo de tomada de consciência. Na Cúpula de Genebra reuniram-se cerca de 300 prefeitos de toda parte do mundo, preocupados com a ausência e a necessidade de sistemas locais de informação para que as pessoas possam participar de sua vida pública.
Também li um artigo, uma notícia que nunca tinha visto até então (Ladislau mostra um recorte de jornal que conta a façanha de um forte movimento contra a propaganda em Paris. Leia mais na página 39).

E o papel do poder público na questão? Se uma das funções do Estado é justamente informar os cidadãos acerca dos seus direitos, como ele poderia contribuir para viabilizar essa proposta?
Acho que o Estado tem um conjunto de tarefas, como a Secretaria de Direito Econômico, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), onde minimamente busca-se assegurar que os mecanismos de regulação do poder público sejam respeitados. As formas de organização econômica estão mudando de maneira radical. O Estado ainda está na visão de combater cartéis, o que é útil, mas não suficiente.
Na minha opinião, cidadania informada é muito mais importante do que uma lei. Só a última não basta, porque não teremos uma alavanca para fazer aplicar a lei. Acredito que teríamos, sim, que transformar em lei o direito à informação econômica, isenta, de terceira parte, eventualmente nos processos comerciais. Portanto, seria importante trabalhar junto com o CADE. Além do governo, devemos gerar sistemas articulados com as mais diversas áreas.
Afinal, os abusos acontecem aos montes. Lembro-me de uma discussão que tive com o pessoal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre sistemas de consumo. Eu dei o exemplo de um pára-choque, cuja produção não custa
R$ 50,00. Antigamente, quando você batia o carro, ia ao mecânico, ele dava uma martelada e desentortava o pára-choque, que era de metal. Hoje é de plástico e você tem que trocar a peça, e segundo o modelo e o ano do veículo. Ou seja, você tem que comprar na concessionária e paga praticamente R$ 1.000,00 numa peça que não custa R$ 50,00. O consumidor deve ser informado sobre isso, enfim, a empresa detém o monopólio.

Isso gera transformação, não?
Sim, incentiva mudanças. Outro dado é dos Cebions, Redoxons etc. Por caixa, em média, esses produtos têm R$ 0,03 de ácido ascórbico. Você paga R$ 7,00 a caixa, ou seja, o custo do produto é multiplicado por cerca de 200 (multiplicado, não estou falando em 200%). E, com isso, você está tirando do mercado a vitamina C, um produto sumamente importante para a saúde de dois terços da população brasileira. No entanto, o consumidor está financiando o papelzinho dourado, a embalagem, a propaganda.

A população desinformada, sem dúvida, acaba perdendo uma importante arma na luta pela cidadania. Como reverter isso?
Eu acredito que a informação tem um poder muito grande. Estou trabalhando com 22 municípios no oeste do Paraná, que estão criando sistemas de informação local ao cidadão. Isso é muito interessante! Eles começaram com 24 indicadores básicos, que permitem à população estar informada sobre mortalidade infantil, número de prisões, criminalidade, acesso à saúde. São diversos indicadores do tipo: “Quanto tempo você espera em média pelo ônibus?” Imagina que você regulariza essa informação e ela se torna disponível de maneira inteligente. O prefeito pode, por exemplo, reunir-se com o secretário de transportes e dizer: “Nossa população está esperando 18 minutos pelo ônibus, mas na nossa gestão vamos baixar isso para 12”.
A cidadania informada é fundamental: senão, você não controla a empresa, não controla o Estado, não controla a aplicação das leis.

No seu ponto de vista, há áreas mais cruciais no âmbito do consumo em que a falta de informação lesa mais o cidadão?
Sim. Por exemplo, na área farmacêutica é preciso conhecer o princípio ativo de cada medicamento; se tem embalagem, pesquisa etc. Se você não tem acesso à informação também não tem como batalhar por outros direitos básicos. Pode não ter acesso à saúde, à educação, que são um “pré-direito”.
Se conseguirmos gerar uma base de informação cidadã muito mais ampla, certas informações provocarão com muito mais facilidade uma indignação no cidadão. Conseqüentemente, isso fará com que as empresas se comportem de outra maneira.




*Ladislau Dowbor é formado em Economia Política e doutorado em Ciências Econômicas. Foi professor de finanças públicas na Universidade de Coimbra, já coordenou o Ministério do Planejamento da Guiné-Bissau (1977-81) e foi consultor da Organização das Nações Unidas. Atualmente, é professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de conselheiro de ONGs como

Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local - Coordenação: Instituto Cidadania

Política Nacional de Apoio
ao Desenvolvimento Local

Nota para a edição de 2008
O texto da presente edição mantém-se praticamente idêntico à edição do ano anterior, com a introdução apenas de alguns pontos de atualização, e de algumas correções. Mas torna-se importante mencionar os avanços que as questões do desenvolvimento local apresentaram mesmo neste curto espaço de tempo.
Um ponto central é o forte movimento de interiorização do desenvolvimento, com cifras muito positivas nos pequenos e médios municípios, e com dinamização significativamente maior das regiões mais atrasadas. Assim, ainda que o crescimento se tenha acelerado em todo o território, as regiões Norte e Nordeste tiveram um impulso maior, o que é importante para começar a reverter os imensos desequilíbrios regionais herdados.
Constata-se igualmente que segue caindo a desigualdade como um todo, com um índice de Gini de 0,55, o melhor resultado que o país já teve. Milhões de pessoas deixaram a zona da pobreza e da indigência, criando um clima de expectativa positiva no país, levando inclusive ao surgimento de estudos recentes do IPEA e da FGV sobre a ascenção de amplos segmentos da população mais pobre para a classe “C”.
Os avanços constatados resultam não de uma política apenas, mas da convergência de um conjunto de iniciativas cujos impactos convergem para melhorar a situação do chamado “andar de baixo” da economia.
Lembrando apenas o essencial, o Bolsa Família atinge mais de 45 milhões de pessoas. O programa de apoio à agricultura familiar (Pronaf) passou de 2,5 bilhões de reais em 2002 para cerca de 13 bilhões atualmente. dinamizando a produção de um setor vital para o abastecimento alimentar da população. Houve igualmente uma forte recuperação, da ordem de 30%, da capacidade de compra do salário mínimo, o que representa um avanço muito significativo para dezenas de milhões de pessoas, tanto dos que recebem salários reajustados em função do SM, como dos aposentados. O bom clima econômico gerado permitiu igualmente que 90% das renegociações de salários nas empresas gerassem aumentos reais do nível salarial.
Estes e outros programas estão gerando uma nova capacidade de compra mesmo nas regiões mais atrasadas, o que gradualmente está dinamizando pequenos investimentos e fluxos econômicos mais dinâmicos.
Deve-se mencionar ainda que desde a entrega do presente estudo ao Presidente Lula em janeiro de 2007, houve amplos avanços no apoio ao desenvolvimento local. Em 2008 surge o programa Territórios da Cidadania, que atinge 958 municípios em 60 regiões, com financiamento de 11,3 bilhões de reais, programa que deverá ser duplicado durante o ano de 2009. A rede de agências do Banco do Brasil está sendo orientada para o programa de Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS), com um programa simétrico na Caixa Econômica Federal. O Banco do Nordeste ampliou significativamente os programas de micro-crédito e de apoio aos pequenos produtores. Estes e outros programas mostram uma gradual conscientização das instituições no sentido de se apoiar o desenvolvimento na própria base do país.
Os bons resultados obtidos até agora não devem nos iludir quanto à distância do caminho a percorrer. O Gini de 0,55 ainda nos coloca no grupo dos países mais injustos do planeta, 40 milhões de trabalhadores têm apenas o curso fundamental incompleto, um quinto da população com 15 anos ou mais é analfabeta funcional, no Nordeste 17% da população ocupada sequer chegou a completar um ano de estudos.
Nestas condições, o conjunto das propostas apresentadas no presente documento, visando criar um ambiente mais propício ao desenvolvimento econômicos local, torna-se particularmente oportuno, pois tende a tornar mais produtivos os recursos que estão sendo disponibilizados, com crescentes impactos multiplicadores, e aproveitando a maré positiva.

São Paulo, outubro de 2008
Coordenadores do projeto: Paulo Vannuchi, Márcio Pochmann, Silvio Cacciabava, Pedro Paulo Martone Branco, Juarez de Paula, Ladislau Dowbor




Apresentação

Em 2005 e 2006, o Instituto Cidadania convocou e coordenou um amplo programa de discussões, seminários, entrevistas, estudos, pesquisas e produção de textos com vistas a propor ao Brasil uma inovadora Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local.
Foram realizadas nove reuniões plenárias, três seminários e duas oficinas temáticas, reunindo especialistas reconhecidos nacionalmente e representantes de importantes organismos e instituições que se dedicam ao tema no Brasil, compondo uma rede pluralista e suprapartidária.
O Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequena Empresa -, por seu alcance nacional e capilaridade, foi um interlocutor-chave nesse programa, dividindo com o Instituto Cidadania a responsabilidade por alguns eventos conjuntos, sem repasse de qualquer recurso financeiro.
A Fundação Banco do Brasil patrocinou a mais extensa pesquisa já realizada no País junto aos agentes efetivos - ou potenciais - do desenvolvimento local, entre gerentes de banco e organismos de micro-crédito, membros de ONGs ligadas ao tema, sócios de cooperativas e militantes da chamada economia solidária, especialistas, estudiosos, prefeitos e outros gestores públicos. Adotando metodologia tipificada como quali-quantitativa, essa pesquisa recolheu contribuições de 5.637 brasileiros e brasileiras das 27 unidades da Federação, que responderam a um questionário composto de oito temas, com três questões cada.
Por sua vez, o Instituto Pólis responsabilizou-se por um programa de entrevistas qualitativas com 25 especialistas do Brasil e 34 de países sul-americanos (Chile, El Savaldor, Uruguai, Peru, Argentina, Equador e México), igualmente destinadas a colher o mais vasto leque de diagnósticos e propostas concretas que já pudessem ser extraídos de incontáveis iniciativas já em curso na região, com resultados marcantes e promissores.
As plenárias mensais reuniram, em média, 50 especialistas de vários estados, representando entidades conceituadas como ASA, Cepam, Ecosol, Expo-Brasil Desenvolvimento Local, Fase, GTA, Ibam, Ildes, Instituto Ethos, Ipso, Iser, Pastoral da Criança, RTS, Unisol (apresentadas na página de créditos, ao final), bem como gestores de nove ministérios e duas secretarias estaduais, oito empresas estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Banco do Estado de Santa Catarina, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, Radiobrás, Eletrobrás e Petrobras), além de organismos da ONU (PNUD, OIT e BIRD), universidades de vários estados e estudiosos do tema.
Paralelamente a esse roteiro de discussões, entrevistas e pesquisa, planejou-se a produção de dois livros a serem lançados no mercado editorial. O primeiro deles reúne entrevistas de elaboração mais profunda com 11 especialistas de elevada autoridade no assunto. O outro é composto de 17 estudos específicos, redigidos por especialistas que se engajaram voluntária e disciplinadamente no longo calendário de plenárias, oficinas e seminários mencionados.
O Documento de Conclusão aqui impresso busca resumir e sintetizar todas as análises e propostas que atingiram consenso mais forte no transcurso desse processo. Em suas páginas se configura um eixo orientador para a concretização de uma consistente política de indução do desenvolvimento nacional a partir do território, a ser assumida pela União, pelos Estados e pelos Municípios, recusando qualquer viés centralizador, bem como dispensando orçamentos elevados ou a criação de grandes estruturas burocráticas.
O projeto desenvolvido pelo Instituto Cidadania contou com apoio financeiro da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, (CBMM), da Bunge e da Companhia Vale do Rio Doce, viabilizando-se pela generosa dedicação das dezenas de pessoas e entidades arroladas na página de créditos deste caderno.
A entrega deste documento ao Presidente da República, ao lado dos volumes que reúnem o conteúdo de todos os debates, estudos e pesquisas, é o primeiro passo de um calendário de divulgação nacional junto a governadores, prefeitos, parlamentares dos três níveis, gestores públicos, entidades e fundações empresariais, ONGs, centros universitários de pesquisa, sindicatos de trabalhadores, movimentos sociais e entidades representativas da sociedade civil.
Serão bem-vindas todas as análises críticas e propostas de correções, complementações e mudanças que puderem ser enviadas ao endereço eletrônico ou postal do Instituto Cidadania. Como já é tradição em nossos trabalhos - Projeto Fome Zero, Projeto Moradia, Projeto Segurança Pública para o Brasil, Projeto Reforma Política, Projeto Juventude etc. - essas contribuições permitirão elaborar uma nova versão do documento final, com qualidade superior e autoria coletiva ainda mais ampliada.
Há muito tempo, já crescia o consenso em torno da importância de se implementar a agenda aqui proposta, com vistas a desbloquear e dinamizar as iniciativas autônomas de desenvolvimento concebido sob o enfoque local. A partir da introdução de programas de inclusão social de larga escala - como o Bolsa Família e muitos outros - essa importância cresce ainda mais e chega a se constituir como demanda inadiável para garantir a multiplicação das chamadas portas de saída que venham a funcionar como complementação e desdobramento necessário daqueles programas, assegurando a plena inclusão produtiva que é indispensável ao desenvolvimento sustentado.

Introdução

O desenvolvimento sempre foi visto como processo que chega a uma região ou desce de esferas superiores, sob a forma de investimentos públicos ou instalação de empresas privadas. A modernização, no sentido amplo de geração de emprego e renda, valorização da pequena e média empresa, combate à pobreza, redução das desigualdades, provimento de políticas públicas de qualidade, tende a ser vista como dinâmica que vem de fora e que a comunidade espera de forma passiva.
Décadas de experiências com projetos de desenvolvimento comprovam, no entanto, que a capacidade de auto-organização local, a riqueza do capital social, a participação cidadã e o sentimento de apropriação do processo pela comunidade são elementos vitais em sua consolidação. O desenvolvimento não é, meramente, um conjunto de projetos voltados ao crescimento econômico. É uma dinâmica cultural e política que transforma a vida social.
Inúmeros municípios, regiões, comunidades, cidades - as diferentes subdivisões que compõem os territórios locais - se deram conta desta dimensão do desenvolvimento. Construíram espaços de mobilização democrática e produtiva, onde os atores sociais - administrações públicas, empresas, sindicatos, organizações da sociedade civil - se organizam para mobilizar o potencial local. Deixaram de esperar, arregaçaram as mangas e já dinamizam um conjunto de atividades, partindo de novos pactos e arranjos sociais e da mobilização dos recursos disponíveis. Os aportes externos são importantes, mas devem existir como complementos a uma dinâmica que pertence à própria sociedade local.
Durante a gestão do Presidente Lula foram desenvolvidos esforços importantes de inclusão e mobilização na base da sociedade. O programa Bolsa Família atinge mais de 45 milhões de cidadãos, um quarto da população do país. A capacidade de compra do salário mínimo aumentou de forma significativa durante o período, melhorando a situação de uma grande massa de assalariados e de aposentados. Foram gerados aproximadamente 9 milhões de empregos. O saneamento básico teve seus recursos triplicados, atingindo diretamente a população de mais baixa renda. A abertura de espaço nas universidades para jovens de poucos recursos cria novo alento na comunidade mais pobre. O Brasil começa a colher bons resultados no combate à pobreza e à desigualdade na distribuição de renda.
Para que esse avanço seja sustentável, é imprescindível articular e generalizar novos passos de inclusão produtiva. No momento em que o poder público se decide, finalmente, a implementar políticas abrangentes de incorporação da grande massa de excluídos do desenvolvimento nacional, é importante olhar para o conjunto de ações que brotam da própria iniciativa local, definindo mecanismos para estimulá-la, ou ainda para reduzir os entraves que a bloqueiam.
Não se trata de uma alternativa entre dar o peixe ou ensinar a pescar. Ninguém consegue pescar passando fome. Mas se trata de municiar as comunidades para que possam participar de forma ativa no crescimento nacional, mediante iniciativas autônomas de desenvolvimento local, capazes de gerar, relativamente aos programas de redistribuição, o complemento estrutural de inserção econômica e social.
Antes de passar aos principais eixos de ação a serem propostos, cabe mencionar alguns poucos exemplos concretos de distorções e entraves que tolhem, hoje, o avanço das iniciativas locais de desenvolvimento. O Município de São Luis, no Maranhão, para renovar equipamentos escolares, teve de fazer, nos termos da lei, uma licitação nacional que foi vencida por empresa de Santa Catarina. As carteiras escolares viajaram 3 mil quilômetros, quando não faltam pequenas empresas moveleiras locais.
O Grupo de Trabalho Amazônico - GTA, importante articulação que compreende cerca de 530 organizações promotoras de desenvolvimento local de regiões isoladas, não pode utilizar rádios comunitárias para se comunicar e mobilizar a população, pois esse tipo de emissora, por lei, só pode funcionar no raio de mil metros, distância que é inexpressiva na vastidão da Amazônia. Promove-se a criação de cooperativas de crédito para escapar aos juros da intermediação privada, mas o Banco Central ainda leva, em média, nove meses para aprovar uma cooperativa, tornando o processo moroso e difícil. Quem já tentou abrir ou fechar uma pequena empresa conhece os entraves burocráticos que se enfrenta.
Do ponto de vista da comunidade local, o que se propõe é uma profunda mudança de enfoque. Trata-se menos de trocar a pergunta “o que o governo pode fazer por nós?”, por “como o governo pode apoiar o que estamos empreendendo?”. Do ponto de vista das diversas instâncias de governo, das instituições públicas ou privadas de apoio, da própria academia, trata-se de entender que, somando-se às iniciativas que a comunidade assimila como suas, a produtividade dos esforços aumenta, maximizando resultados.
É corrente a convicção, em setores das elites brasileiras, de que as pessoas na base da sociedade representam um ônus. Na realidade, é preciso reconhecer que essas pessoas foram privadas das oportunidades a que têm direito e que oportunidades se organizam e se multiplicam. Apostar na capacidade produtiva da base social do país é essencial no atual processo histórico de reconstrução nacional, assim como é essencial eliminar os entraves que impedem esse potencial de se materializar. Os pobres não vivem em situação precária por falta de criatividade ou vontade, mas por insuficiência e pouca articulação dos sistemas de apoio.
Existe no país um sólido sistema de fomento à grande empresa. Os grandes produtores rurais contam com mecanismos amplos de apoio, tanto financeiro, como de abertura de mercados no exterior. Pela própria escala de produção, os grandes grupos industriais têm como contratar consultorias especializadas para a renovação tecnológica, ou planejar campanhas publicitárias para divulgar seus produtos. Para os pequenos, existem iniciativas pontuais, mas nada que possa se comparar, nada que possa ser qualificado efetivamente como uma verdadeira política nacional de apoio ao desenvolvimento local.
Não se propõe substituir as iniciativas locais autônomas por algum tipo de burocracia federal. Pelo contrário, trata-se de liberar os potenciais que existem, retirando entraves. Há centenas ou milhares de iniciativas em curso, que demonstram bem a necessidade dessa nova política nacional. A Lei Geral da Micro e Pequena Empresa deve constituir uma ajuda significativa, inclusive porque permite ampliar o uso de recursos públicos para compras locais. Os Arranjos Produtivos Locais (APLs), organizados pelo Sebrae e que envolvem o Ministério da Integração Nacional e governos estaduais, constituem importante esforço de articulação entre iniciativas de um mesmo território, para torná-las mais sinérgicas. A expansão de experiências inovadoras como o orçamento participativo tende a racionalizar o uso dos recursos públicos. A universalização do micro-crédito, em particular no quadro do Banco do Nordeste Brasileiro, busca democratizar o financiamento. Redes como a Pastoral da Criança mostram como se pode alcançar resultados impressionantes mobilizando a capacidade local de enfrentar os problemas.
Tais iniciativas envolvem administrações públicas de diversos escalões, o sistema “S” nos seus diversos componentes, empresas, organizações da sociedade civil, academia, redes de pesquisa como a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - e outros. O volume de iniciativas locais tem aumentado fortemente, alimentado agora pelo maior fluxo de recursos circulando na base mais pobre da população.
Já apóiam e orientam esse tipo de trabalho instituições de pesquisa e de assessoria técnica como a Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, através do seu programa Gestão Pública e Cidadania; o Instituto Brasileiro de Administração Municipal - Ibam, do Rio de Janeiro; o Cepam - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal e o Instituto Pólis, de São Paulo, a Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, e dezenas de outras. Só a FGV-SP possui um cadastro de 7.500 experiências inovadoras desse tipo, o Pólis trabalha com mais de mil inovações, publicadas no “Dicas Municipais”, a Fundação Banco do Brasil acompanha cerca de 230 experiências através da Rede de Tecnologias Socais.
Cabe ressaltar que as experiências de desenvolvimento local bem estruturadas têm como característica central o fato de se apoiarem quase sempre em parcerias. Portanto, não se trata apenas de iniciativas pontuais, mas de organizações plurais que se articulam para dinamizar uma região, envolvendo diversos atores. As parcerias permitem que modalidades distintas de iniciativas isoladas se tornem coerentes e complementares, em vez de fragmentadas e dispersas.
Quando se pensa numa empresa, se pensa numa unidade de grande densidade organizacional. Não se pode imaginar uma economia que seja produtiva sem que as suas empresas o sejam. Da mesma forma como a economia se apóia num conjunto de empresas, o desenvolvimento do país precisa se apoiar em unidades territoriais básicas, que têm de ser administradas de forma racional e produtiva. Na realidade, os municípios constituem os blocos com os quais se constrói o país. Ainda que as instâncias superiores de gestão sejam importantes, criando grandes infra-estruturas, assegurando equilíbrio macro-econômico e desenvolvendo políticas tecnológicas, todo esse empenho deve se materializar em territórios bem geridos, sendo apropriado de forma inteligente, democrática e participativa pelos atores locais.
Por mais esforços que se façam no plano federal ou estadual, quem tem de pôr ordem na própria casa, em última instância, é o município, o espaço onde os atores sociais conhecem os seus problemas, podem se articular de forma criativa, organizando os seus sistemas de informação e monitorando os. A questão chave que se coloca é a seguinte: como ajudar os 5.562 municípios que estão na base do país a se administrarem de forma competente? Isto porque, melhorando a capacidade de gestão na base do país, avança não apenas a produtividade local, mas também a produtividade sistêmica do conjunto de agentes econômicos e sociais. Ao assegurar apoio descentralizado ao pequeno produtor e aos processos participativos de gestão local, se contribui para a própria democratização dos processos locais de decisão.
No conjunto, é necessário que chegue mais apoio. É necessário também que o apoio seja menos fragmentado e mais integrado no nível local. É preciso assegurar, no entanto, que esse apoio não substitua, mas fomente a apropriação local do processo de desenvolvimento. É preciso também formar pessoas para que os recursos sejam melhor aproveitados. Trata-se de gerar soluções institucionais menos rígidas, facilitando a estruturação de consórcios intermunicipais, de parcerias entre os diversos setores, de conselhos, foros e agências de desenvolvimento. A Prefeitura e a Câmara de Vereadores formam apenas parte do universo. Menos burocracia, mais instrumentos e meios, mais flexibilidade na gestão, mais participação organizada dos atores locais, mais formação e informação, soluções que apontem para o pleno emprego e para a sustentabilidade do processo.
Por que insistir na dimensão territorial - gestão local, de regiões e de micro-regiões - do desenvolvimento, quando já existem sistemas setoriais de apoio como o Senac para o comércio, a Embrapa para a pesquisa agrícola, escolas técnicas para a formação profissional e numerosas outras unidades de apoio? Porque a produtividade sistêmica exige integração e coerência no conjunto do processo, e não adianta assegurar formação profissional se não houver recursos para investimentos que gerem empregos, assim como não será suficiente o investimento se não houver apoio tecnológico.
Toda empresa busca alocar racionalmente os fatores de produção. Para aprender a fazê-lo, existem os cursos de administração de empresas, que ensinam como gerir de maneira integrada e eficiente o conjunto dos recursos disponíveis. De forma semelhante, a unidade territorial deve aprender a otimizar o uso dos seus recursos naturais, humanos, sociais, culturais e econômicos. E sempre de forma democrática, pois os membros da comunidade, neste caso, são os donos do empreendimento.
Cabe repisar mais uma vez o argumento central. O desenvolvimento econômico real - inclusivo, participativo e democrático - não é promovido só de cima, ou só de baixo, mas resulta da articulação inteligente de diversos tipos de aportes. O “circuito superior” da economia, para utilizar a categoria de Milton Santos, tende a ter os apoios necessários. A necessária recuperação de equilíbrio situa-se, hoje, na área do “circuito inferior”, que apresenta um imenso potencial não só em termos produtivos, mas também de redução das desigualdades herdadas, através da inclusão sócio-produtiva com sustentabilidade.
A partir dessa visão geral, o programa de estudos realizado concluiu que os entraves ao desenvolvimento local e as propostas correspondentes para superá-los podem ser agrupados em oito eixos distintos, ainda que freqüentemente sinérgicos ou superpostos:
1 - Financiamento e comercialização
2 - Tecnologia
3 - Desenvolvimento institucional
4 - Informação
5 - Comunicação
6 - Educação e capacitação
7 - Trabalho, emprego e renda
8 - Sustentabilidade ambiental
Neste documento de conclusão do Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, esses oito eixos serão abordados individualmente, separando-os para efeito de análise, mas entendendo que grande parte da capacidade de gestão dependerá da habilidade em articulá-los transversalmente.




1 - Financiamento e comercialização

O mesmo processo que reproduz a concentração de renda existente no Brasil gera descapitalização na base da sociedade, o que dificulta o investimento e mantém a fragilidade das iniciativas, consolidando a pobreza. O processo de descapitalização da economia local se dá de diversas formas. Em agosto de 2008, as taxas médias praticadas no mercado financeiro eram: capital de giro para empresas, 61%; empréstimo pessoal em bancos, 88%; juros do comércio, 105%; cheque especial, 166%; cartão de crédito, 229%; empréstimo pessoal em financeiras, 264%.1 Assim, a progressiva redução da taxa Selic - hoje em 13% (redução de 34% relativamente a setembro de 2005) - simplesmente não foi acompanhada pelo comportamento dos intermediários financeiros. O resultado é que, na base da sociedade, o juro é demasiado elevado para permitir pequenos investimentos, enquanto a capacidade de consumo, importante para a dinamização da economia local, é enxugada pelos juros das grandes cadeias comerciais.
A intermediação financeira trabalha, assim, com pouco volume e taxas altas, tornando inviáveis iniciativas que não dispõem de recursos próprios acumulados para se auto-financiarem. O resultado é que o volume de crédito atinge cerca de 38% do PIB, quando ultrapassa os 60% em países que trabalham com a lógica de maior volume, menores taxas e, conseqüentemente, menor inadimplência. Como o grande comércio trabalha articulado com os grandes bancos, praticando juros igualmente altíssimos, gera-se um verdadeiro dreno das poupanças locais para intermediários, esterilizando o potencial produtivo no território.
É igualmente significativo o fato de os intermediários financeiros e comerciais privados constituírem grupos econômicos de porte, que não têm interesse em reinvestir localmente. Onde, antes, um gerente de banco buscava alternativas de investimento local para se financiar pelo retorno do uso produtivo das poupanças, hoje os agentes de crédito apenas transferem os recursos para as matrizes, que reaplicarão em títulos e outros papéis, deixando o município ou a região descapitalizados. Poupanças locais são drenadas para regiões mais prósperas e mais dinâmicas, gerando novos desequilíbrios, ao mesmo tempo que a economia local deixa de ter pessoas experientes capazes de identificar e financiar as oportunidades que surgem no plano local.
Outra forma de descapitalização ocorre pelo sistema de atravessadores na produção. Como os mercados das cidades do interior, fruto da própria concentração de renda, são geralmente muito exíguos, a comercialização passou a ser dominada por atravessadores articulados com redes mais amplas. Ainda estão na memória notícias como a de produtores destruindo seu tomate por não conseguirem R$ 4,00 por caixa (30 quilos), quando no mercado o consumidor pagava o equivalente a R$ 45,00. A descapitalização via atravessadores comerciais atinge particularmente o pequeno produtor rural e se dá também através do monopólio nas aquisições governamentais por profissionais da intermediação de compras. Com isso, ao vender a preço muito baixo, os produtores não têm como reinvestir e expandir a produção.
Ao processo de descapitalização pelo setor privado é preciso acrescentar o retrocesso no plano dos recursos públicos. A fragilidade das finanças locais foi em parte contemplada com a ampliação prevista na Constituição de 1988. A participação dos municípios na divisão dos recursos públicos aumentou gradualmente durante os anos 1990, chegando a algo como 17%, mas ainda é incomparavelmente mais baixa do que nos países desenvolvidos.
Vale lembrar que a urbanização generalizada, já atingindo cerca de 84% da população brasileira, levou o grosso das necessidades de financiamento público a se deslocar para as infra-estruturas urbanas, saúde, educação, saneamento e outros bens e serviços que são de consumo coletivo e que exigem recursos governamentais. A gestão desse tipo de serviços é tipicamente mais produtiva no nível local, pois cada cidade é diferente, as prioridades são melhor conhecidas pela própria população, e o controle das aplicações será melhor realizado pelos residentes, diretamente interessados nos resultados, do que por controles burocráticos distantes.
Somando as elevadas taxas de juros, o baixo volume de crédito, a drenagem das poupanças locais pelas grandes redes de intermediação financeira, o desaparecimento da função articuladora do agente de crédito local, o papel dos atravessadores comerciais e de compras públicas, e o espaço limitado de acesso a recursos públicos reservado aos municípios, configura-se a existência de uma virtual máquina de empobrecimento e de esterilização das atividades econômicas. Sempre em proveito de regiões mais ricas, de grandes grupos econômicos e da especulação financeira, em detrimento da mobilização das capacidades locais de produção para gerar emprego, renda, produtos e serviços. É preciso inverter a lógica desses mecanismos estruturais e articulados de concentração de renda, fazendo com que os recursos que passaram, recentemente, a ser transferidos sob a forma dos programas sociais de larga escala resultem em inserção produtiva.
A título indicativo, cabe lembrar que os Estados Unidos, ainda que apóiem a globalização financeira, criaram uma lei de reinvestimento comunitário (Community Reinvestment Act-CRA), obrigando as agências bancárias a reaplicarem boa parte dos recursos captados na própria comunidade, através de um sistema de pontuação que as priva de acesso a projetos com financiamento público caso não atinjam a produtividade exigida. Essa precaução é necessária, na medida em que as novas tecnologias de informática tornam muito fácil drenar as poupanças e transferi-las para aplicações financeiras nas grandes praças.
Na Alemanha, a maior parte da poupança do país é administrada por caixas de poupança dispersas nas cidades e vilas, assegurando que seja utilizada segundo as necessidades efetivas das comunidades. Na França, generalizou-se o sistema de ONGs de intermediação financeira, permitindo que os poupadores tenham controle do uso final das suas poupanças, com garantia do Estado. Na Suécia, 72% dos recursos públicos são administrados no nível local. É de se lembrar ainda que a Coréia do Sul assegurou, durante o seu acelerado processo de crescimento econômico, uma política de Estado dirigindo crédito aos pequenos produtores e às regiões mais pobres, mantendo distribuição de renda equilibrada durante todo o período.
No Brasil, já é possível contabilizar a presença de uma série de iniciativas significativas, que procuram dar resposta a uma situação que atinge patamares preocupantes. Assim, há esforços buscando desenvolver o crédito cooperativo, micro-crédito, agências de garantia de crédito e empreendimentos congêneres. O programa de Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil constitui um exemplo da evolução de instituições financeiras para uma visão de apoio territorial integrado ao desenvolvimento. O Programa Nacional de Micro-crédito Produtivo Orientado (PNMPO) envolve hoje 158 instituições. São iniciativas importantes, que começam a reverter a tendência, mas o que se tornou urgente é a elaboração de uma política sistemática de re-capitalização das comunidades através de um conjunto de medidas convergentes.
Frente à situação crítica de descapitalização, não é possível conceber uma medida única que se mostre capaz de resolver o problema, e sim um conjunto de propostas a serem concretizadas de maneira articulada. No decorrer das discussões e estudos que marcaram o Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, 15 sugestões concretas reuniram forte adesão neste eixo:

PROPOSTAS
1.1
No conjunto, aumentar o volume de crédito disponível para o “circuito inferior” da economia, revertendo o processo de descapitalização em curso, por meio de regulamentação mais rigorosa das políticas de crédito das instituições financeiras. Uma meta possível seria assegurar, no prazo de quatro anos, que os recursos destinados ao micro e pequeno empreendedor representem pelo menos 25% do total de operações de crédito destinadas ao fomento de atividades produtivas, e 10% do volume de recursos aplicados pelos bancos comerciais;
1.2
Articular uma política integrada de apoio aos tomadores de crédito nas comunidades mais pobres: a simples disponibilização não é suficiente, na medida em que falta generalizar as iniciativas de organização da demanda nas comunidades, já adotadas por várias instituições, bem como a capacitação de lideranças comunitárias sobre formas de acesso;
1.3
Fixar uma porcentagem de reinvestimento local das poupanças, na linha do CRA norte-americano, e assegurar mecanismos de incentivo às agências que privilegiem investimentos produtivos locais relativamente às aplicações financeiras. A proposta envolve igualmente que os intermediários financeiros informem a distribuição geográfica dos empréstimos, de forma a dar transparência aos fluxos locais e regionais de capitalização e descapitalização existentes;
1.4
Condicionar a bonificação de agentes de crédito das instituições tradicionais de intermediação financeira ao desempenho de aplicações produtivas locais, premiando as iniciativas que gerem inclusão produtiva;
1.5
Agilizar e flexibilizar a abertura de cooperativas de crédito, seja através da aprovação de um novo marco legal para o setor, seja através da desburocratização do processo de formação e fechamento das mesmas;
1.6
Promover a formação de agências locais de garantia de crédito, na linha das que já estão dando resultados para cooperativas no Sul do País, com amplo esforço de divulgação das formas práticas de implementação. Uma forma de apoio poderá ser a orientação de recursos do Programa de Apoio ao Micro-Crédito Produtivo do BNDES para a formação de fundos de aval para Agências Locais de Garantia de Crédito;
1.7
Oferecer co-financiamento aos municípios interessados em lançar projetos de desenvolvimento local, potencializando os recursos do governo. O co-financiamento deverá se constituir em alavanca poderosa de racionalização, ao promover articulação entre iniciativas das diversas esferas de governo;
1.8
Organizar formação e informação sobre as atividades, direitos e deveres da intermediação financeira, gerando e divulgando cartilhas informativas e promovendo cursos de popularização de conhecimentos, visando a compensar a assimetria de informação existente no setor;
1.9
Facilitar o financiamento a organizações da sociedade civil que atuem na prestação de serviços sociais e ambientais, exigindo a mesma transparência de prestação de contas de qualquer empresa, facilitando, na linha do que ocorreu na Europa, a formação de organizações sem fins lucrativos de intermediação financeira;
1.10

Montar um serviço online de informação comercial para o pequeno e médio produtor, em rede nacional, de forma a reduzir o peso dos atravessadores no processo, e desintermediando as atividades produtivas;
1.11
Reforçar a criação de mecanismos públicos ou cooperativos de comercialização para pequenos e médios produtores, assegurando alternativa de canal de comercialização à dos atravessadores;
1.12
Assegurar que as compras feitas com recursos públicos sejam realizadas diretamente com os produtores finais, emancipando-as dos intermediários, e priorizando bens e serviços de micro, pequenos e médios empreendimentos existentes no município ou na micro-região, promovendo as necessárias alterações na legislação das licitações (Lei Federal 8666), bem como nas demais normas que regulam as compras governamentais;
1.13
Garantir financiamento à pré-transformação de produtos primários de pequenos e médios produtores, evitando a venda em massa no momento dos preços mais baixos, favorecendo em particular a capacidade de armazenagem e de processamento por meio de cooperativas ou associações controladas pelos próprios produtores;
1.14
Assegurar financiamento a iniciativas de desenvolvimento institucional voltadas para entidades que operam com micro-crédito, estimulando sua maior integração com processos de desenvolvimento de base territorial, particularmente quando envolvem cooperativas ou associações;
1.15
Constituir um fundo de apoio à implementação de planos integrados de desenvolvimento local, visando ao co-financiamento das iniciativas, articulando-as com as agências de crédito e com as instâncias locais de produção.
Reuniram-se neste primeiro eixo as áreas financeiras e de comercialização, pois, para o pequeno produtor, a falta de acesso a financiamentos baratos e flexíveis, e a monopolização das trocas comerciais por atravessadores fazem parte do mesmo processo em que intermediários ganham muito sobre pequenos volumes, descapitalizando o produtor e travando o desenvolvimento.
No conjunto, as 15 propostas visam a recapitalizar as comunidades através de maior volume de recursos, juros radicalmente mais baixos, maior capilaridade, simplicidade de acesso, desburocratização, flexibilização das garantias, formação de agentes de crédito capazes de trabalhar com demanda diversificada, desintermediação comercial e outros. Não se pedem donativos, pedem-se eficiência e adequação à demanda real de financiamento de pequenas iniciativas capazes de gerar emprego e renda.
Cabe lembrar, ainda, que o objetivo geral de recapitalização do desenvolvimento local exige que se respeite a extrema diversidade de situações e necessidades. Uma das idéias-força reiteradas em numerosas entrevistas é que um sistema de intermediação financeira trabalhando apenas com oferta rígida, produtos de prateleira, em vez de escutar os problemas e se adaptar à demanda, pode ser eficiente em termos de gerar lucros ao banco, mas não para dinamizar a economia. A atividade-fim é a produção, não a intermediação. Nunca é demais lembrar que os intermediários financeiros recebem uma carta-patente do governo, autorizando-os a captar dinheiro que é da população e que deve, minimamente, ser utilizado segundo interesses sociais.


2 - Tecnologia

Na era atual de revolução científica, o acesso às novas tecnologias e a disseminação das que já estão sendo aplicadas, tornou-se condição fundamental para a dinamização do desenvolvimento. As grandes corporações têm como financiar os seus próprios departamentos de pesquisa, adquirem pequenas empresas que inovam, para apropriar tecnologias, recebem suporte de inúmeras instituições de apoio especializado em diferentes cadeias produtivas, adquirem patentes que lhes asseguram virtual monopólio sobre produtos e processos, contratam pesquisas nas universidades.
Quando se menciona tecnologia, as pessoas pensam em inovações “duras”, do tipo sementes melhoradas ou máquinas de melhor performance. Na realidade, são igualmente essenciais os avanços na área das tecnologias de processos, envolvendo o encadeamento dos sistemas produtivos e as tecnologias organizacionais. O soro caseiro constitui uma típica tecnologia de imenso impacto social, simples na concepção, barata na aplicação e fácil de ser disseminada. Mas só tornou-se possível a sua generalização através da atuação de redes como a Pastoral da Criança, que articula 350 mil mulheres envolvidas na melhoria da condição da criança, em 3500 localidades brasileiras, e que atuam de forma organizada, com alta densidade de informação.
Os avanços tampouco precisam estar concentrados no setor produtivo tradicional. No exemplo mencionado da Pastoral, o setor é saúde e os avanços são muito significativos. Basta calcular o quanto essa tecnologia economizou de gastos em medicamentos, número de dias de trabalho desperdiçados, hospitalizações evitáveis, para que a dimensão da racionalidade econômica fique evidente. Da mesma forma, tecnologias simples de pré-tratamento de esgotos podem reduzir radicalmente a poluição de uma região, reforçando o potencial turístico, melhorando as condições de saneamento e evitando gastos com doenças.
Essa visão sistêmica do avanço tecnológico despontou em numerosos trabalhos desenvolvidos no Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local. Ficou particularmente clara a excessiva tendência a se concentrar o apoio em tecnologias propriamente de produção, subestimando tecnologias que melhorem o financiamento e a comercialização - conforme já visto - mas também a comunicação e a informação, a serem abordadas adiante.
As formas de apoio tecnológico já existentes aparecem como profissionalmente competentes - envolvendo, por exemplo, o apoio do Sebrae em diversas áreas - mas não estão articuladas entre si, nem integradas na diversidade das regiões onde atuam. Uma instituição assegura formação profissional, outra, apoio técnico, outra, inovações tecnológicas, mas as pequenas iniciativas, sejam empresariais ou de organizações comunitárias, dificilmente terão conhecimento ou contatos para buscar nas mais diversas instituições os apoios potenciais para obter um resultado coerente. Um exemplo prático mencionado por representantes do Sebrae: a entidade forma as pessoas para abrirem pousadas, mas não tem como assegurar financiamento e, considerando os juros cobrados pelo mercado financeiro, o entusiasmo dos formandos tende a morrer.
Em outros termos, o apoio organizado ao desenvolvimento local deve se apresentar de forma integrada a quem queira tomar uma iniciativa, num tipo de “janela única” ou “poupa-tempo” tecnológico, onde os diversos atores sociais interessados possam obter as respostas adequadas ou os contatos necessários para obter as que faltam. Cada território, como aqui entendido, município ou região, deverá portanto contar com um núcleo polivalente de apoio tecnológico, articulando as instituições existentes, facilitando os contatos, dinamizando a absorção criativa do conjunto do que tem sido chamado de “tecnologias sociais”.
É importante constatar a que ponto muitas universidades e vários centros de pesquisa, ainda que tenham, em alguns casos, desenvolvido algumas formas de relacionamento com empresas ou administrações públicas da região, no conjunto continuam alheias aos processos de tecnologia aplicada. Há inovações em curso, como a participação das universidades de Santa Catarina na formulação de vocações nas meso-regiões, ou as iniciativas das unidades do interior do Estado de São Paulo, do Senac, de se tornarem irradiadoras de conhecimentos tecnológicos e de dados básicos de cada região, visando a facilitar iniciativas locais. Outras experiências como o “disque tecnologia”, da USP, podem ser consideradas apenas esboços do que seria necessário. Com a economia aumentando drasticamente o conteúdo de conhecimento inerente a todas as atividades, a necessidade de parcerias muito mais eficientes torna-se cada vez mais óbvia. O acesso ao conhecimento técnico se tornou tão vital quanto o acesso aos recursos financeiros e aos circuitos comerciais.
Papel semelhante, ainda que muito diferenciado segundo as regiões, poderá ser desenvolvido pelo “circuito superior” das empresas, que gradualmente começam a descobrir que a promoção de um contexto rico em atividades de inclusão social e de dinamização produtiva, longe de concorrer, abre mercados para todos, melhorando a produtividade sistêmica do território. As empresas podem ajudar tanto em tecnologias duras como na elaboração, implementação e gestão de tecnologias sociais, aproveitando a expertise já acumulada.
Em termos de comparação internacional, o Brasil reúne forças e fragilidades. Existem instituições como o Cepam, Ibam e outras já citadas, que ajudam no aperfeiçoamento da dimensão pública na gestão local; há iniciativas como da Abong - Associação Brasileira das ONGs para facilitar a ação em rede das organizações da sociedade civil; existem diversos trabalhos de fundações, corporações setoriais e do sistema “S”. Mas a Índia, para dar um exemplo, está constituindo nada menos que 600 mil unidades de fomento tecnológico, em todos os pontos do país, unidades que estarão conectadas em rede, permitindo que inovações locais de todo tipo circulem por todo o território, gerando a chamada fertilização entre experiências. O Japão tem um sistema extremamente dinâmico de informação tecnológica para todas as pequenas unidades de produção (no sentido amplo, tanto manufatura, como serviços e áreas sociais). As regiões mais dinâmicas da Itália articulam as pequenas iniciativas através de uma rede densa de cooperativas, permitindo sinergias tanto setoriais como territoriais.
É evidente que, enquanto as grandes empresas conseguem criar as suas próprias estruturas de apropriação de inovações tecnológicas, o “circuito inferior” da economia - envolvendo desde pequenas e médias empresas, até organizações comunitárias, entidades da sociedade civil e administrações públicas locais, bem como instituições acadêmicas universitárias e de formação profissional - carece de um sistema articulado de apoio, capaz de assegurar que os avanços tecnológicos não constituam ilhas de grandes empresas num contexto de atraso.
Entre as medidas sugeridas, e levando-se em conta a grande diversidade das situações, salientam-se as seguintes recomendações extraídas no decorrer do Projeto:

PROPOSTAS
2.1
Organizar, a partir do Ministério da Ciência e Tecnologia, uma rede nacional de informações tecnológicas online, articulando o sistema “S”, centros de pesquisa e universidades como fontes alimentadoras e como divulgadoras de tecnologias, aproveitando as experiências desenvolvidas no quadro da Rede de Tecnologias Sociais (RTS) e das demais instâncias de apoio ao desenvolvimento local;
2.2
Criar núcleos polivalentes de fomento tecnológico nos municípios ou micro-regiões, apoiados em instituições regionais acadêmicas ou de pesquisa avançada, na linha das experiências da Índia e outros países;
2.3
Induzir a articulação regional das várias instituições que possam assegurar fomento tecnológico, gerando redes de apoio às principais cadeias produtivas e às iniciativas sociais e ambientais, promovendo o diagnóstico das oportunidades locais e a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias vinculadas às necessidades específicas naquele território;
2.4
Garantir a alimentação das instituições locais em inovações tecnológicas mais significativas que surgem no plano nacional e internacional, envolvendo diferentes ministérios, na linha de metodologia já desenvolvida no Japão para micro e pequenas empresas, ou do sistema de informação sobre inovações organizacionais desenvolvido pela Pastoral da Criança;
2.5
Articular os diversos bancos de dados de tecnologias sociais e de inovações de gestão local (Fundação Banco do Brasil, Rede de Tecnologias Sociais, Programa Gestão Pública e Cidadania, da FGV, e outros) assegurando a consulta online por todos os interessados;
2.6
Assegurar uma formação básica em tecnologias sociais na rede de agentes de crédito das instituições financeiras, de forma a habilitá-los a promover, junto com o financiamento, a modernização tecnológica dos pequenos produtores, com particular atenção para o setor informal;
2.7
Promover capacitação em tecnologias sociais e gestão de desenvolvimento local, destinada a lideranças comunitárias, organizações da sociedade civil e gestores públicos, bem como agentes de crédito, em articulação com o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Rede de Tecnologias Sociais e as diversas instituições de formação, particularmente do sistema “S”;
2.8
Generalizar as iniciativas de incubadoras empresariais no nível local, apoiando em termos técnicos e financeiros a conectividade on-line das unidades existentes no país, de forma a assegurar um processo de aprendizagem recíproca com as experiências;
2.9
Realizar cursos de extensão universitária na área de tecnologias sociais, de forma a assegurar, em cada local, micro-região ou região, uma formação mais ampla para atores sociais multiplicadores;
2.10
Difundir, através de parcerias com canais de televisão e emissoras de rádio, programas sobre tecnologias sociais, expandindo para o conjunto de iniciativas de desenvolvimento local o equivalente ao conhecido “pequenas empresas, grandes negócios”.
Os avanços tecnológicos têm se limitado, em geral, às grandes empresas, e a empresas menores sub-contratadas. Isto tem gerado ilhas tecnológicas e, por vezes, um fosso profundo entre segmentos avançados e atrasados da economia, o que prejudica a produtividade sistêmica do conjunto. Assim, as propostas acima buscam assegurar a acessibilidade e a generalização de tecnologias mais avançadas para o chamado “circuito inferior”, não através da imposição, mas através de uma ampla disponibilização de conhecimentos e apoio nos processos de aplicação.


3 - Desenvolvimento institucional

Na área empresarial considera-se normal que unidades de diversos tamanhos ou natureza de atividades se administrem de forma diferente. As novas tecnologias geraram reformas organizacionais profundas, com a redução do leque hierárquico, descentralização, responsabilização na base da pirâmide, sistemas densos em informação, na linha do knowledge organization.
Observando o espaço local como unidade de gestão, como território que tem de racionalizar o uso dos seus recursos e melhorar sua produtividade sistêmica, verifica-se que o setor público está preso num cipoal jurídico complexo, com instituições rígidas, que não conversam entre si, baseadas que estão na verticalidade e no controle burocrático, com pouca ou nenhuma sinergia com os movimentos da sociedade civil organizada e com as empresas. Em outros termos, o espaço local como unidade territorial, como “bloco” da construção do país no seu conjunto, necessita de um choque de racionalidade administrativa.
Aspecto central dessa racionalidade se prende à própria administração pública municipal, que geralmente não possui sequer um sistema de informação gerencial e tampouco a obrigatoriedade de prestação de contas sobre os avanços da qualidade de vida do território, ou seja, sobre os resultados. Esta opacidade informativa da administração local torna a gestão hostil a qualquer crítica ou movimento de racionalização. O resultado é a fragmentação setorial, com feudos e caciques que dificultam a gestão democrática e transparente.
No entanto, os níveis superiores de governo têm como exercer pressão no sentido da modernização institucional e da racionalidade de gestão nos territórios. Afinal, o desenvolvimento do Brasil se materializa, em última instância, em iniciativas concretas nos 5.562 municípios do país, pois é da racionalidade local que dependem não só as iniciativas no território como os programas mais amplos com suporte público ou privado. A racionalidade da gestão local, amplamente subestimada quando se considera que apenas a “grande política” importa, é vital para o desenvolvimento sustentado da Nação.
Os diversos tipos de financiamento e a micro-localização de projetos podem perfeitamente ser condicionados a um sistema de prestação de contas, que obrigue as administrações locais a introduzirem formas modernas de responsabilização e de avaliação de resultados. Vários municípios brasileiros que recebem financiamentos da União Européia, por exemplo, foram levados, por exigência dos financiadores, a desenvolver metodologias adequadas de avaliação da produtividade de projetos sociais. O Banco do Brasil, que administra grande parte das contas municipais do país, assim como a Caixa Econômica Federal, pilar dos programas habitacionais e de saneamento, podem perfeitamente apoiar e assessorar a introdução de formas mais avançadas e transparentes de prestação de contas. É legítimo e recomendável favorecer a modernização institucional através de alavancas financeiras que motivem, com assessoria nos aspectos técnicos e cursos que capacitem.
É importante salientar que a modernização das instituições públicas locais não se dará sem a participação ativa dos principais atores sociais interessados. A participação organizada dos possíveis parceiros, por meio de foros, conselhos ou agências de desenvolvimento, tornou-se hoje vital. Um grupo particularmente interessado no processo são as instituições de apoio como o sistema “S”, núcleos de pesquisa e outros, que só têm a ganhar com um espaço organizado de planejamento das ações necessárias ao desenvolvimento do território. Mas também as empresas têm tudo a ganhar com a geração de um espaço econômico mais organizado, bem como as organizações da sociedade civil, que hoje ajudam a compensar os desequilíbrios mais críticos no território, mas que poderiam ganhar muito em produtividade ao participar de um processo equilibrado de desenvolvimento.
Na tradição administrativa brasileira, a gestão local ainda engatinha. Antes da urbanização, era natural que a administração pública fosse vista como assunto das capitais, pois o resto era população rural dispersa. Com a urbanização - que hoje atinge cerca de 84% da população - cada município se torna uma unidade de custos e de produtividade sistêmica, além de esfera política, tendência materializada na constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade. Mas se trata de tendência muito recente.
Os países que se urbanizaram antes do Brasil desenvolveram sistemas mais sofisticados de gestão local, como o “ordenamento do território” na França, como a descentralização intensa nos países escandinavos, como os sistemas capilares de gestão social presentes no Canadá, e assim por diante. Na própria América Latina os avanços são significativos, como o movimento “Chile Empreende”, as “Mesas de Concertación de Actores” e “gestão associada” na Argentina, ou as “Mesas de Concertación de Lucha contra la Pobreza”, no Peru, para dar alguns exemplos.
No Brasil, as diversas instituições de apoio ao desenvolvimento local têm hoje clara a necessidade de políticas integradas e planejadas por território de ação. O Ministério do Desenvolvimento Agrário está redefinindo a delimitação dos territórios da sua intervenção; o Estatuto da Cidade ajuda a definir responsabilidades; o desempenho da Economia Solidária no Ministério do Trabalho, ao se articular com as iniciativas de desenvolvimento local, tende a se fortalecer; o Sebrae passou a trabalhar de forma ampla com “Arranjos Produtivos Locais” (APLs), o programa Gespar (Gestão Participativa) teve avanços importantes no Nordeste, hoje continuados com o IADH - Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano; Santa Catarina está inovando com os Conselhos Regionais de Desenvolvimento, que associam diretamente a sociedade civil de cada região ao processo de decisão sobre o uso dos recursos do Estado nas regiões; o Paraná está generalizando a constituição de agências locais de desenvolvimento; o Cepam acompanha experiências de consórcios inter-municipais, que permitem gestão mais racional de recursos através de cooperação horizontal dos territórios. O próprio Orçamento Participativo abriu espaços para formar uma comunidade mais informada e participativa. São avanços positivos, mas é preciso lembrar que uma Região Metropolitana como a de São Paulo, com quase 20 milhões de habitantes, não dispõe de nenhum instrumento de gestão e de racionalização das dinâmicas do seu território, tendo inclusive fragilizado o seu único instrumento de planejamento, a Emplasa.
Além disso, esses avanços resultam de iniciativas em que cada instituição busca a sua racionalidade territorial, quando, em última instância, a racionalidade de gestão só é atingida no momento em que os atores do próprio território articulam os aportes em função das necessidades e do potencial específico de cada local. Quando se constrói uma casa, é a iniciativa local, o mestre de obras, que define quando e em que quantidade devem chegar os diversos insumos, e não os produtores de telha ou de cimento. A racionalidade de gestão local, a chamada governança, com suas dimensões de transparência, participação e responsabilização, exige o desenvolvimento de uma capacidade institucional muito mais ampla no nível local, capaz de constituir, de certa forma, a demanda organizada dos programas.
No conjunto das discussões travadas no decorrer do Projeto, a dimensão institucional sempre ocupou muito espaço nas propostas porque cada um dos eixos de desbloqueio e promoção do desenvolvimento local implica em mudanças organizacionais, como as já mencionadas no caso das finanças e da tecnologia. O fato é que a urbanização generalizada do país, a disponibilização de novas tecnologias de gestão e informação, e a crescente demanda por processos decisórios transparentes nas unidades básicas da Federação geraram a necessidade do que já se chamou de “reinvenção do governo”, aprofundando mecanismos mais democráticos em cada município, que é onde a comunidade pode participar mais diretamente.
São apresentadas, a seguir, as propostas defendidas com maior freqüência nos diversos trabalhos desenvolvidos durante a pesquisa:

PROPOSTAS
3.1
Instituir, no nível do Governo Federal, uma instância de coordenação e articulação da Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, capaz de mapear e organizar, segundo diretrizes dessa política, as diferentes iniciativas e programas executados pelos diferentes setores e agentes do governo, e organizar o apoio articulado às iniciativas de desenvolvimento local;
3.2
Articular no nível local as diversas instituições de fomento, com ênfase para o estreitamento de relações entre os organismos de crédito oficial e as agências locais/regionais de desenvolvimento, por meio da constituição de fóruns ou conselhos locais, visando a reduzir a fragmentação e gerar sinergia entre as iniciativas;
3.3
Apoio técnico e financeiro para a formação de agências locais e regionais de desenvolvimento, na linha da proposta acima, e considerando a relativa fragilidade da capacidade local de gestão de aportes na maioria dos municípios;
3.4
Formalizar instituições de apoio ao desenvolvimento local no nível estadual e de municípios de porte médio ou grande, e que disponham de maior capital institucional acumulado, de forma a que se tornem articuladores das políticas regionais;
3.5
Criar “janela única” de atendimento local aos micro e pequenos produtores, associações, cooperativas, visando apoio integrado técnico e financeiro, desburocratizando as relações e assegurando um clima dinâmico de fomento;
3.6
Flexibilizar o marco jurídico que rege as licitações, facilitando em particular compras locais e acesso à informação, incentivando a organização dos potenciais fornecedores locais em cooperativas e associações que lhes possibilitem concorrer em melhores condições e privilegiando a dinamização do mercado local;
3.7
Apoiar a formação de consórcios intermunicipais como forma horizontal de articulação de ações entre cidades, racionalizando em particular a prestação de serviços no plano micro-regional ou regional;
3.8
Promover a articulação das políticas empresariais de responsabilidade social e ambiental com as necessidades do desenvolvimento local sustentável;
3.9
Estimular a formação de parcerias entre as administrações públicas locais, organizações da sociedade civil, empresas e instituições científicas locais ou regionais, buscando aproveitar e capitalizar os conhecimentos e capacidades de apoio diversificado desses atores;
3.10
Apoiar a formação de câmaras técnicas setoriais, de forma a potencializar os estudos técnicos e a promover a dinamização dos setores de atividades locais que mais precisem de reforço;
3.11
Constituir, a partir do Ministério das Cidades, um grupo de trabalho para a simplificação dos diversos entraves burocrático-jurídicos que dificultam a iniciativa local, flexibilizando a criação de conselhos e agências locais de desenvolvimento.

O desenvolvimento do país se apóia, em última instância, na racionalidade de gestão da rede dos mais de cinco mil municípios, onde o equilíbrio do conjunto exige ação afirmativa dos governos federal e estaduais, mas a produtividade sistêmica depende de todas as unidades serem geridas com um mínimo de racionalidade no plano local. De certa forma, o mesmo esforço que preside à atual iniciativa de simplificação do marco jurídico e institucional das pequenas e médias empresas, para livrá-las do cipoal jurídico que as paraliza, deve ser empreendido para o marco jurídico e institucional do desenvolvimento local.
A simplificação, a transparência e a participação constituem os eixos norteadores do novo marco institucional, pois a racionalização não se faz apenas no interior da máquina administrativa, mas interagindo com os atores interessados no resultado final. E a participação exige a simplificação dos procedimentos, mas também informação adequada do cidadão e dos atores locais.


4 - Informação

A produtividade sistêmica do território depende de uma grande densidade de informação, bem organizada e disponibilizada para todos os atores sociais interessados. Com as novas tecnologias de informação e comunicação, ter uma comunidade bem informada sobre os seus problemas, suas oportunidades e potenciais, tornou-se relativamente fácil e barato. Considerando os ganhos de produtividade obtidos e os custos hoje reduzidos das novas tecnologias, organizar um bom sistema local de informação constitui uma das ações de melhor relação custo-benefício.
Costuma ser alto o grau de desinformação dos vereadores, freqüentemente dos prefeitos, e também dos empresários e movimentos sociais, sobre os dados concretos da região onde atuam. Não se imagina um diretor assumir uma empresa sem informações gerenciais. No entanto, é essa a situação real de grande parte dos responsáveis pelas decisões de nível local. O resultado é a grande dificuldade de se administrar o território de forma a que as diversas iniciativas possam convergir e gerar sinergias.

As informações existem. Cada secretaria do município produz informações, as empresas são registradas em cadastros, há pesquisas e estudos, levantamentos de empresas especializadas, estatísticas do IBGE e dos órgãos estaduais. Mas as informações são fornecidas às instâncias superiores de decisão e não são devolvidas de maneira organizada para os atores locais. Elas possibilitam a publicação de anuários estatísticos nacionais e a elaboração de teses de pós-graduação nas universidades, mas para dinamizar a produtividade sistêmica local é preciso que a informação gerada seja organizada e desagregada territorialmente, em função das necessidades de racionalização do processo decisório local.
Não há participação cidadã sem informação organizada. A fragmentação das informações existentes, segmentadas em setores, obedecendo a metodologias diferenciadas segundo a instituição externa que elabora, não permite que as informações sejam integradas no plano local. As próprias informações financeiras do município são organizadas em função das classificações do Tribunal de Contas, para efeitos de controle, e não para efeitos de gerenciamento e racionalização da alocação de recursos.
O problema é agravado pelo fato de as divisões territoriais de cada setor serem diferentes, formando regiões dos mais variados recortes, segundo se trate de educação ou de saúde, do processo eleitoral ou das atividades de segurança. Cada setor organiza o seu próprio mapa, dificultando a construção de um sistema integrado e coerente de conhecimento. Como integrar as políticas sociais, por exemplo, e organizar dinâmicas participativas, se um cidadão pertence a diferentes regiões segundo o setor social que será discutido?
Os diferentes programas sociais, econômicos, culturais e ambientais só funcionam efetivamente quando há participação cidadã no processo. A participação se dá essencialmente no plano das políticas locais, que é onde as pessoas se conhecem umas às outras, onde podem avaliar os recursos socialmente disponíveis, podem se articular em reuniões de bairro e assim por diante. É essencial que a informação seja desagregada no nível, pelo menos, do município, para permitir a ação local informada. A existência fragmentada de milhares de informações dispersas em diversas instituições nacionais, com metodologias e classificações divergentes, e inclusive com divisões territoriais que não coincidem, torna pouco viável a tarefa de uma pessoa que se propõe a conhecer melhor a sua própria realidade local.
O fato é que as administrações locais são vistas, de forma geral, como fornecedoras de informações, para que os centros de decisão que ficam mais acima possam levar os seus interesses em consideração, ou assegurar melhor os seus próprios interesses. Esse tipo de filosofia da informação é coerente com uma ideologia política que vê a sociedade como usuária, ou até como cliente, mas não como sujeito do processo decisório. O eixo central consiste, portanto, em entender que é o conjunto dos atores locais que devem ser adequadamente informados, para que possam participar ativamente das decisões sobre os seus destinos. É uma condição tanto da racionalidade da gestão local, como da promoção de processos mais democráticos.
De certa forma, o mundo tecnológico da informação mudou radicalmente, mas a informação continua sendo produzida da maneira tradicional, segundo categorias, formas de organização e de acesso que obedecem a outra era. A luz mal direcionada apenas ofusca, não ilumina o caminho. O grande desafio que se coloca é o da organização da informação conforme as necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no processo de desenvolvimento local.
A Prefeitura de Porto Alegre passou o seu cadastro de empresas que atuam na cidade, e que se registram para obter alvará de funcionamento, para um mapeamento micro-regional. Com isto, fica-se sabendo onde estão os bares, as padarias, as farmácias, as indústrias químicas e outros tipos de unidade. Quando um cidadão quer abrir uma farmácia, por exemplo, em vez de registrar apenas, de forma burocrática, o pedido de autorização, permite-se ao candidato ver no mapa da cidade onde estão localizadas as farmácias existentes, quais regiões estão sobre-equipadas e em que áreas faltam farmácias. Gera-se assim uma distribuição adequada dos equipamentos, dispensando planos autoritários sobre a rede de farmácias e outros serviços, e sem privar o cidadão da liberdade de iniciativa, inclusive sobre a micro-localização final.
O objetivo central no eixo referente à informação é promover as formas de organização, disponibilização e divulgação das informações referentes a determinado município ou região, de modo integrado e coerente, aproveitando as mais variadas fontes, visando um universo onde o desenvolvimento local integrado tenha sólidas bases informativas. A força da proposta reside, em boa parte, no fato de haver um imenso esforço de numerosas instituições, produzindo e estocando informação, sem que se tenha criado uma forma adequada de disponibilização em função da demanda local existente. O grande investimento, que é a produção da informação, já foi efetuado. Trata-se de agregar uma forma complementar de sua utilização. Com as tecnologias atualmente existentes, trata-se de um projeto relativamente simples e de produtividade social extremamente elevada.
O movimento Nossa São Paulo elaborou um conjunto de 130 indicadores básicos da qualidade de vida da cidade, em articulação com cerca de 500 organizações da sociedade civil, tendo alterado a Lei Orgânica da cidade, no sentido de tornar obrigatório o prefeito se comprometer com metas quantificadas a serem atingidas.
O que se propõe é a construção de um território denso em informações, disponibilizadas de forma clara e simples para o conjunto de atores. São apresentadas a seguir as 10 propostas recolhidas a respeito deste eixo e que podem nortear a agenda da geração de um melhor ambiente de dinamização econômica e social.

PROPOSTAS
4.1
Formalização de um tronco básico de informações locais integradas, aproveitando os diversos subsistemas já desenvolvidos (IBGE, SIM -Sistema de Informações Municipais da Caixa Econômica Federal etc.), a ser obrigatoriamente disponibilizado em cada município;
4.2
Implantar metodologia de balanços anuais de qualidade de vida municipal ou micro-regional, aproveitando as experiências já desenvolvidas no Brasil (por exemplo no Oeste Paranaense) e no exterior (por exemplo os relatórios de Jacksonville, nos EUA), dando à população local instrumentos para avaliar os avanços reais da sua região;
4.3
Inclusão de estudos sobre a própria localidade nos currículos escolares, em particular nas disciplinas geografia, história e ciências sociais, na linha da cartilha de formação dos conselheiros municipais de educação adotada pelo MEC, visando a formar uma geração de jovens que conheçam a sua região, os seus potenciais e as suas necessidades;
4.4
Incentivar, na rede de universidades, a elaboração de monografias regionais e de material de ensino sobre a realidade local e regional, tanto através dos TCCs (trabalhos de conclusão de curso) como dissertações de mestrado e teses de doutorado, formando assim bancos de dados de informações de cada região, livremente acessíveis por todos os atores sociais interessados;
4.5
Ampliar no IBGE e instituições estaduais a capacidade de elaboração e disponibilização de estatísticas básicas municipais, capilarizando a capacidade de organização de dados no nível local pelo IBGE, e incentivando a generalização de iniciativas de organização de dados locais na linha dos trabalhos do Seade - Sistema Estadual de Análise de Dados, do Estado de São Paulo;
4.6
Adotar metodologia de disponibilização de informações financeiras gerenciais, ampliação e generalização do Siafem - Sistema de Administração Financeira para Estados e Municípios, e metodologias semelhantes, assegurando assim a transparência para os atores locais do uso dos recursos públicos;
4.7
Regulamentar a lei de direito de acesso à informação no nível municipal, aprovada em 2005, garantindo maior transparência da gestão pública local e aperfeiçoando suas disposições no sentido de definir o marco jurídico do sistema de informação local; o princípio jurídico adotado nos EUA, The Right to Know (o direito de saber), serve como referência;
4.8
Organizar um núcleo/centro de informações municipais autônomo, através de parcerias com instituições afins (escolas locais, eventuais faculdades, parcerias com o sistema S, organizações não governamentais), assegurando que cada região tenha uma fonte claramente identificada de recolha e redistribuição das informações locais e regionais, na linha dos pontos 4.2 e 4.3 acima;
4.9
Desenvolver metodologia de avaliação da produtividade sistêmica do território municipal, na linha das novas metodologias de avaliação da riqueza, já discutidas no âmbito do governo (metodologia de Patrick Viveret divulgada em parceria com a Universidade de Brasília; metodologias apresentadas por Jean Gadrey e Jany Catrice no documento Os novos indicadores de riqueza; metodologia aplicada nos EUA no Calvert-Henderson Quality of Life Indicators);
4.10
Desenvolver os sistemas de informação inter-institucional no nível local e regional, na linha do Guia de Geração de Trabalho e Renda, (www.mds.gov.br) de forma a permitir a visualização, por parte de cada instituição, das atividades conexas das outras instituições na região, fortalecendo a sinergia dos esforços de desenvolvimento.

Nas empresas, já se trabalha há tempos com a noção de knolwedge organization, pois se entende que a organização racional do acesso à informação é essencial para a produtividade de uma instituição. No caso do desenvolvimento local, estando envolvidos muitos atores diferenciados, trata-se de gerar o equivalente a um knowldege territory, assegurando o acesso público e gratuito ao conjunto de informações referentes ao território.
As 10 propostas apresentadas trazem idéias a serem discutidas para dinamizar o projeto de uma cidadania informada. Envolvem a área jurídica (criação de um referencial jurídico de direito à informação), a área da administração (gestão da informação), da economia (metodologia de contas), da política (articulação de parcerias), além de ajustes facilitando o diálogo entre áreas específicas como a educação, saúde, segurança, lazer e outros.
O desafio é grande. Criar instituições especializadas que tratam de uma fatia da realidade é relativamente simples. Organizar a colaboração e as redes inter-institucionais é bastante mais complexo. No entanto, vale lembrar sempre que, para o cidadão concreto, a realidade não é fatiada em setores: a qualidade de vida é um processo integral.
Da mesma forma, gerar informações específicas para uma instituição de pesquisa é relativamente simples. Organizar a devolução da informação produzida para a própria comunidade, para os cidadãos que são em última instância os titulares do processo, é evidentemente mais complexo. Mas se trata, nesta era que evolui para a sociedade do conhecimento, de um desafio vital.


5 - Comunicação

As grandes empresas de comunicação cumprem um papel importante de entretenimento e informação em escala nacional, mas não substituem a necessidade de cada comunidade dispor dos seus próprios meios de comunicação. Na realidade, o direito à comunicação e informação não pode ser visto apenas como direito de receber mensagens, pois comunicar é hoje um processo de várias vias. Nesta área, exposta a um ritmo impressionante de inovações tecnológicas, a organização e o controle continuam com um atraso de décadas, decorrente da filosofia de dominância do emissor e gestão centralizada nas mãos de grandes corporações, quando este universo exige conectividade generalizada, gestão flexível em rede e acesso democratizado.
Cabe salientar a importância da comunicação local como fator dinâmico do desenvolvimento. Projetos isolados podem ser geridos por mecanismos burocráticos simples, mas criar um clima de dinamismo e uma cultura de mobilização para resolver os problemas locais exige mecanismos de comunicação vinculados à problemática local, gerando e difundindo conteúdos que reflitam efetivamente as aspirações e o cotidiano diferenciado de cada região, com forte participação dos principais atores sociais. Hoje, o que se observa é, essencialmente, as capitais do Sudeste falando para o Brasil, perdendo-se a imensa riqueza e a diversidade cultural do país. O direito à comunicação, em cada comunidade, faz parte essencial de qualquer processo de desenvolvimento inclusivo.
A exclusão econômica reflete-se diretamente na exclusão em matéria de comunicação e informação. Na imensa maioria dos pequenos municípios, o mercado é estreito para assegurar a sobrevivência de emissoras comerciais que se dependem de contratos publicitários. Além disso, quando se trata de concessões obtidas por viés político, ocorre evidente prejuízo do interesse público. Cada localidade precisa ter um sistema público de comunicação, sob forma de rádios ou TVs comunitárias, ou de generalização de acesso à internet. No Brasil, 94% dos domicílios possuem receptores de TV, mas não existe a infra-estrutura correspondente de gestão local das comunicações. Receber o sinal das grandes emissoras não significa inclusão e conectividade, mantendo-se o relativo isolamento das comunidades.
As tecnologias atuais permitem generalizar a inclusão digital de forma simples e barata. Basta ver a rapidez da expansão do mercado de celulares, inclusive entre famílias mais pobres, para se dar conta de a que ponto a conectividade é essencial para romper o ciclo de exclusão. Localidades pequenas e pobres são essencialmente isoladas. Na realidade, o conjunto de medidas de inclusão produtiva do “circuito inferior” da economia que se busca, implica em assegurar a capilaridade dos sistemas de comunicação, e não apenas recepção de sinal de rádio ou TV de regiões distantes.
Um exemplo prático foi desenvolvido em Piraí, no Estado do Rio, onde foi montado, em acordo com a Anatel, um sistema público municipal de acesso internet banda larga para toda a cidade. Um pequeno produtor ou um pequeno comerciante, conectado na internet, pode comprar mais barato, pois passa a conhecer melhor a oferta e passa a ampliar as opções de venda. A generalização da conexão em Piraí atraiu empresas novas, além de melhorar o funcionamento das existentes. Como a iniciativa é pública, a Prefeitura cobra um pouco mais das empresas, subsidiando assim o acesso de famílias mais pobres. Ter acesso banda larga nas escolas, em casa, em cada comércio, no hospital, muda radicalmente o modo de funcionamento da cidade: é a informação que circula, e não necessariamente as pessoas. Um território onde os diversos atores sociais e a própria população estão conectados racionaliza o uso do tempo e de outros recursos. A conectividade em bairros pobres muda a atitude dos jovens, melhora a produtividade escolar, gera novos interesses, constrói uma outra cultura. Ninguém mais que o jovem sente o que é estar isolado, desconectado. O sistema de Piraí vem se irradiando para numerosos municípios da região.
Os avanços fora do Brasil estão sendo muito acelerados. Já foi citado o exemplo da Índia, que coloca em rede inúmeros núcleos de fomento tecnológico dispersos através do país. Nos espaços urbanos, há uma corrida das cidades em diversas partes do mundo, com a instalação do sistema de banda larga sem fio (Wi-fi), com um custo da ordem de 10 dólares por domicílio, menos que o preço de um livro, iniciativas em curso tanto em países ricos como pobres. Na França se generaliza um sistema de tarifa única que permite acesso à televisão, à internet e à telefonia, de modo articulado. Nos Estados Unidos e no Canadá, se amplia a constituição de redes públicas locais, paralelas ao sistema privado, ao se constatar que o monopólio empresarial sobre um serviço tão essencial como a conectividade leva a abusos e a serviços prestados apenas para os mais ricos. Marcar uma consulta hospitalar por via digital não custa quase nada, enquanto tomar o carro ou o ônibus e perder uma manhã gera custos não-desprezíveis. Quem tem de correr, na sociedade atual, não são as pessoas, é a informação.
Cabe considerar também o processo na sua evolução: um número crescente de serviços estão sendo deslocados para gestão via internet, como as contas bancárias, e a não conexão significa um aprofundamento da exclusão digital dos pequenos produtores e dos pobres em geral. Assegurar conectividade generalizada tende a ser, hoje, tão essencial como a conexão com a eletricidade ou com a água potável. Generalizar a conectividade moderna significa romper o principal freio ao desenvolvimento das pequenas iniciativas, que é o isolamento. Trata-se de generalizar o direito de acesso.
A inclusão digital e comunicativa, sob suas diversas formas - com a autorização de rádios locais, de emissoras de TV, de uso inteligente e democrático do espectro eletro-magnético, de acesso banda larga internet - têm em comum o fato de destravar as iniciativas na base da sociedade, de permitir às pessoas enfrentarem melhor os seus próprios problemas. Uma empresa fornecedora de sinal pode não se interessar pela generalização do acesso, pois calcula apenas quanto as pessoas podem pagar. Um sistema público inclui no cálculo os efeitos difusos de dinamização econômica em toda a sociedade. Em Piraí, é o conjunto do território que se tornou mais produtivo.
Por se tratar de uma iniciativa que implica mudanças na legislação - modificando, por exemplo, as regras restritivas às emissoras comunitárias -, envolvendo também compatibilidade de sistemas e a generalização do processo, este eixo comunicação representa uma das áreas onde a política nacional de apoio pode ter impacto fundamental para a inclusão produtiva, necessária na mudança estrutural da relação de dependência centro-periferia que se constituiu no país. Responder a tal desafio significa colocar nas mãos dos próprios interessados os instrumentos da sua promoção. Muito já tem sido feito na linha dos tele-centros e das Casas Brasil, evidenciando uma compreensão crescente da dimensão cultural do processo de desenvolvimento. O que se propõe aqui é ampliar, universalizar e assegurar maior sinergia entre as ações.
Resumindo as propostas, trata-se de buscar viabilizar pelo menos sete medidas:

PROPOSTAS
5.1
Apoiar a constituição de emissoras locais, regionais ou intermunicipais, controladas por associações ou consórcios sem fins lucrativos, com forte representação de entidades educacionais e culturais, de forma a multiplicar, no nível local e micro-regional, meios abertos e participativos de comunicação para e entre os atores locais de desenvolvimento;
5.2
Promover a generalização da conectividade internet, na linha de um Brasil Digital, articulando infra-estrutura pública, software livre e sistema de crédito para compra de computadores básicos, dinamizando a liberação dos fundos previstos no FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, e assegurando co-financiamento com o Ministério das Comunicações no caso de iniciativas municipais e das organizações comunitárias;
5.3
Reformular o marco jurídico das telecomunicações no sentido de assegurar o acesso e a participação como direitos básicos da população, assegurando em particular a flexibilização do raio de emissão segundo especificidades regionais e a flexibilização da exigência de diploma de jornalista nas emissoras comunitárias;
5.4
Assegurar infra-estrutura que rompa o isolamento comunicacional das ilhas demográficas rurais, por meio de acesso banda-larga via rádio ou satélite, segundo as circunstâncias locais, e distribuição local via cabo (sistemas híbridos), inclusive Wi-Fi e Wi-Max;
5.5
Fomentar a criação de uma agência nacional de informações sobre desenvolvimento local, na linha dos serviços que a ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância presta para a defesa da criança e do adolescente, capitalizando e disponibilizando os bancos de dados existentes sobre iniciativas locais na FGV-SP, PUC-SP, Instituto Pólis, Rede de Tecnologias Sociais, Fundação Banco do Brasil e outros;
5.6
Estimular, com apoio do Sebrae, a organização de uma rede de informações/comunicações de micro e pequenas empresas, com conteúdos específicos de informações comerciais e tecnológicas, aproveitando experiências pontuais já existentes, em parceria com o Ministério do Trabalho e as iniciativas de Economia Solidária e a Rede de Tecnologias Sociais;
5.7
Incentivar a constituição de emissoras de rádio e TV nos colégios ou nas universidades, como parte integral das atividades educativas, contribuindo para transformar as unidades escolares em irradiadores de conhecimento para a comunidade local e regional;

Aos pobres, como já afirmado, não falta criatividade, faltam oportunidades. Uma família ou um grupo de famílias isoladas, sem informações sobre o mundo ao seu redor, assistindo a programas desconectados das suas realidades, tornam-se naturalmente espectadoras de um universo que não lhes pertence, e não protagonistas do seu desenvolvimento. A comunicação e a informação efetivamente ligadas à sua realidade, aos problemas do seu cotidiano e à apresentação das oportunidades da região, constituem um componente essencial do desenvolvimento e uma das contribuições fundamentais das novas tecnologias. Não é só na educação que as oportunidades devem ser iguais, mas crescentemente também na conexão ao mundo do conhecimento digital.

6 - Educação e capacitação

A formação aqui focalizada refere-se ao desenvolvimento de competências necessárias para que um município ou região possa tomar em mãos a sua própria dinâmica de transformação, visando no conjunto a uma comunidade economicamente viável, socialmente justa, e sustentável em termos ambientais. Isso requer a qualificação de um contingente de pessoas capazes de analisar de forma integrada a realidade local e de promover uma visão e propostas concretas para a melhoria da qualidade de vida.
Analisando os diversos subsistemas de formação herdados do passado, é possível constatar que predomina uma formação escolar completamente desvinculada do conhecimento da realidade local, cujos cursos mais avançados encontram-se segmentados em fatias setoriais de conhecimento, sem que haja uma compreensão integrada da problemática concreta de um território.
Formar especialistas em administração empresarial, por exemplo, exige articular cursos de finanças, de logística, de marketing, de gestão de pessoas, de contabilidade, de relações humanas, de gestão do conhecimento, sempre visando a preparar administradores capazes de entender, de forma articulada, as diversas dinâmicas que compõem a gestão competente da unidade empresarial. Não existe, no plano da unidade territorial, nada que se pareça com isso. Existem cursos de administração pública, que tratam de um segmento do problema, cursos de urbanismo, que interessam aos arquitetos, cursos de administração de empresas, que focam a unidade empresarial. Os cursos profissionalizantes do sistema “S” ou os cursos de extensão são, em geral, mais especializados ainda. Não existe nada que se pareça com um curso de gestão integrada do território.
A capacitação nesse conteúdo envolve diretamente o eixo Informação, visto acima. Trata-se de assegurar a compreensão do potencial sócio-econômico local, partindo dos recursos subutilizados. O Brasil possui a maior reserva de solos agrícolas parados ou sub-aproveitados do planeta. Sistematizar dados precisos dessa situação em cada município é importante, na medida em que a generalização do conhecimento do contexto pelos atores sociais locais tende a apontar para possíveis usos, favorecendo a busca de alternativas.
Do ponto de vista do aproveitamento da nossa capacidade de trabalho, verifica-se que o Brasil tem milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas, processo que se materializa em situações diferenciadas em cada município ou região do país. Conhecer a dimensão e a forma como se apresenta este problema localmente, permite conscientizar os moradores relativamente à irracionalidade que representa ter tantas pessoas paradas, quando há tantas coisas para fazer.
Há outros tipos de potenciais subutilizados, como os da área turística, recursos do subsolo, pesca, biodiversidade, muitos outros. O desafio é organizar um sistema de capacitação que forme um contingente de pessoas que conheçam bem os problemas e os potenciais da região ou do município onde vivem. Organizando a informação e capacitando as pessoas nesse conhecimento, bem como no conhecimento das alternativas tecnológicas e organizacionais adotadas em outras regiões e municípios, cria-se uma nova dinâmica de desenvolvimento na base da sociedade.
Na ausência de uma forma articulada de capacitação de gestores em desenvolvimento local - e frente à demanda crescente de prefeitos, vereadores, membros de conselhos municipais (educação, saúde etc.), pequenos empresários, organizações não-governamentais, grupos comunitários e outros -, surgiram iniciativas pontuais que se multiplicam e poderiam adquirir uma escala bem mais ampla, com maior convergência, integração e divisão de tarefas.
Estão em curso iniciativas de formação por parte do Sebrae, Senac e outras instituições do sistema “S”, há igualmente iniciativas do Ibam, do Cepam e de associações municipais, na sua qualidade de instituições especializadas em administração municipal; há iniciativas semelhantes por parte do Instituto Pólis, do IADH (Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano) e outras organizações na qualidade de ONGs especializadas. Há iniciativas pontuais na academia, como o Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV-SP, ou o mestrado em gestão local da universidade do Mato Grosso do Sul. Na área de governo, merece destaque a iniciativa do MEC de formação dos conselheiros municipais de educação na problemática do desenvolvimento local. Na área sindical, a CUT tem tomado iniciativas tímidas nesse sentido. Nas áreas empresariais o desconhecimento do desenvolvimento regional integrado é quase total, ainda que haja empresas estabelecendo parcerias com organizações comunitárias neste sentido.
Mas a formação de formadores nessa área ainda depende de iniciativas individuais de pessoas que batalham um curso em Barcelona, em Bolonha ou em universidades norte-americanas, já possuidoras de certa tradição de formação superior desse tipo. Grave também é a dificuldade de formação de lideranças comunitárias, já que se trata de pessoas de elevada cultura política e social, mas de baixo currículo acadêmico, o que dificulta seu acesso a cursos superiores que corresponderiam ao elevado nível cultural real de que dispõem.
Outra iniciativa promissora consiste em faculdades ou outras instituições de ensino avançado assumirem um papel mais ativo de articulação dos conhecimentos locais ou regionais, e de evoluírem para a formação de gestores nessa área. No caso da rede de estabelecimentos do Senac do Estado de São Paulo, há uma experiência em curso que busca tornar tais unidades mais articuladas com os esforços de desenvolvimento local, dando embasamento teórico, técnico e de pesquisa.
Até agora, no entanto, a inclusão produtiva da massa de excluídos do país não tem sido o foco central dos sistemas de capacitação, prevalecendo o falso entendimento de que a simples elevação do nível educacional (mais anos de estudo), ou a dinâmica de crescimento econômico, resolverão o problema. Na realidade, é preciso formar pessoas que possam assumir e dinamizar o desenvolvimento de cada um dos 5.562 municípios do país, com toda a sua diversidade e especificidade de soluções.
O Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local reuniu 12 propostas a serem desenvolvidas no campo da capacitação para o desenvolvimento local integrado:

PROPOSTAS
6.1
Reforçar a realização de processos de capacitação envolvendo os integrantes de fóruns e agências de desenvolvimento local ou regional, de forma articulada com a formação e consolidação desses colegiados.
6.2
Fomentar a criação de cursos universitários de Desenvolvimento Local Integrado, articulando conhecimentos de administração, economia, educação, serviço social e meio ambiente, aproveitando em cada região as instituições científicas existentes;
6.3
Estimular a criação de programas de pós-graduação em Desenvolvimento Local Integrado, aproveitando a experiência dos poucos que já existem e a ampla experiência internacional (Barcelona, Bolonha, etc.), e visando a formar formadores na área para o médio e longo prazo, reduzindo o atraso existente na área;
6.4
Reconhecer a formação e certificação de agentes de desenvolvimento como um campo de ação educacional legítimo e prioritário, passível de ser exercido por universidades e instituições especializadas a serem credenciadas;
6.5
Criar uma portal colocando em rede as instituições de formação na área, incluindo universidades, sistema “S”, ONGs especializadas e organizações de responsabilidade social empresarial (Instituto Ethos e outros), de modo a favorecer a circulação de experiências e conhecimentos na área;
6.6
Assegurar, em cada local ou região, um programa de formação de lideranças comunitárias em desenvolvimento local integrado, articulando as instituições existentes e a ampla experiência adquirida por exemplo pelo Sebrae, pelo Senac, Senai e outras instituições;
6.7
Garantir, através de parcerias com instituições de pesquisa ou unidades acadêmicas da região, e aproveitando os avanços em matéria de organização de informações desagregadas por parte de instituições como IBGE, IPEA, Seade e outras, a produção de material didático geral, tanto sobre a metodologia de fomento do desenvolvimento local, como sobre as próprias regiões;
6.8
Propiciar parcerias com os meios de comunicação da região, visando a veiculação de experiências exitosas de inovação na área do desenvolvimento local, aproveitando o acúmulo de numerosas instituições que têm hoje milhares de cadastros de inovações de desenvolvimento local;
6.9
Fortalecer, nas instituições regionais de formação profissional, o enfoque de desenvolvimento integrado, junto com a formação nas cadeias produtivas com maior potencial local ou regional;
6.10
Inserir no currículo escolar do ensino fundamental e médio, o estudo da realidade local e regional, aproveitando em particular disciplinas como história, geografia e ciências sociais;
6.11
Organizar ciclos de seminários regionais sobre o enfoque integrado de desenvolvimento local, visando a formação de professores e a geração de uma cultura de desenvolvimento participativo.
6.12
Aproveitar a infra-estrutura já existente em Brasília (Enap - Escola Nacional de Administração Pública, Esaf - Escola Superior de Administração Fazendária e outras), para organizar programas permanentes de qualificação no tema, a ser coordenado de modo interministerial e destinado aos gestores e agentes do desenvolvimento local em todo o Brasil, mediante cursos de duração variada (entre 30 e 90 dias) que busquem homogeneizar e garantir sinergia à rede de capacitação proposta nos itens anteriores

A visão geral que informa esta orientação é gerar as capacidades técnicas que correspondam à necessidade de mobilizar a imensa capacidade subutilizada do “circuito inferior” da economia. A formalização, freqüentemente apresentada como essencial para a modernização das inúmeras atividades com as quais os segmentos marginalizados da economia se defendem, não é um processo burocrático, mas sim um ponto de chegada, que envolve um conjunto de esforços de modernização e, portanto, pessoas formadas para empreendê-los.
Não se pode exigir da ampla base desempregada, semi-empregada, ou organizada de maneira mais ou menos caótica nos subsistemas informais, que participem de forma mais organizada do chamado circuito superior da economia, sem oferecer os instrumentos correspondentes. Nesse sentido, há uma convergência necessária entre a capacitação, a organização de sistemas locais de informação e a utilização dinâmica dos meios de comunicação. No plano institucional, esse esforço exige uma convergência de ações dos mais diversos atores que detêm segmentos do conhecimento sobre o desenvolvimento local.


7 - Trabalho, emprego e renda

A concentração de renda no Brasil se deve a uma distribuição injusta, mas esta, por sua vez, está baseada na inserção produtiva desigual da população ativa. A divisão do país em “circuito superior” e “circuito inferior” da economia não separa apenas o país entre ricos e pobres, mas, sobretudo, entre incluídos e excluídos do acesso aos sistemas econômicos mais produtivos. Em outros termos, grande parte da população está privada do direito de ganhar decentemente a sua vida. É preciso ir além da espera pelo emprego e além de formar as pessoas para torná-las empregáveis. É preciso gerar as atividades econômicas necessárias para ampliar o impacto das políticas em curso.
A grande empresa é produtiva não só porque é bem gerida, mas porque tem acesso à tecnologia, aos financiamentos, aos circuitos comerciais, a sistemas bancários de cobrança, a especialistas bem formados, além de funcionar numa rede de fornecedores, a montante, e de distribuição, a jusante. A pequena empresa, as pequenas iniciativas comunitárias, as ONGs que promovem atividades socioeconômicas de diversos tipos e até as iniciativas públicas locais carecem desse tipo de rede de sustentação. Quando se apresenta a mortalidade infantil da pequena e média empresa, as dificuldades dos assentamentos rurais, a fragilidade das unidades escolares ou de saúde que servem às comunidades mais pobres, foca-se, em geral, problemas de gestão incompetente, quando na realidade trata-se essencialmente de um sistema inadequado de suporte.
São problemas muito concretos. No sul da Bahia, uma comunidade litorânea que dispõe de um grande potencial turístico precisaria de uma dinâmica integrada de apoio a essa atividade, que envolve uma rede de informações sobre nichos turísticos menos conhecidos. Mas recebeu como apoio, até hoje, apenas um curso do Sebrae para formação de garçons e camareiras. A iniciativa é boa, mas insuficiente, pois se trata de atrair o turista e retê-lo. É preciso assegurar o ciclo completo da atividade turística.
No caso dos catadores de castanha do Amapá, formaram uma cooperativa que firmou parceria com a universidade, o que lhes deu acesso a um laboratório químico. Hoje, extraem das castanhas essências para fabricantes de perfumes e, em vez de vender o produto bruto aos atravessadores, vendem as essências diretamente à perfumaria francesa, pois se conectaram em circuitos comerciais via internet. No caso da Pastoral da Criança, seus 3.500 núcleos dispõem do apoio técnico, informativo e organizacional de uma rede bem organizada: trata-se de comunidades pobres, com gente de formação relativamente limitada, mas apoiadas de maneira simples e eficiente em todos os cantos do país, inclusive com um sistema de comunicação rico em informações. Não há um plano de saúde no país que se compare, em termos de eficiência organizacional e de relação custo-benefício, com a Pastoral: o custo criança-mês é de R$ 1,70. Pobre não é menos criativo que rico, precisa apenas de um sistema comparável de apoio.
O problema básico é simples: os serviços de apoio da grande empresa - intermediação financeira, publicidade, sistemas de transporte e estocagem, apoio técnico - são de capital privado e não se interessam por pequenos produtores ou organizações comunitárias, interessados que estão em economias de escala, em grandes contratos. É isso que levou os países hoje desenvolvidos a formarem sistemas capilares e descentralizados de serviços de apoio, sob a forma de cooperativas de crédito, bancos comunitários, cooperativas de distribuição e núcleos de apoio tecnológico. O apoio às unidades menores exige iniciativa pública.
O universo a atingir é grande. Neste país de 190 milhões de habitantes, há 130 milhões de pessoas em idade ativa (entre 15 e 64 anos de idade, na classificação internacional), dos quais 99 milhões constituem a PEA, população economicamente ativa. Na PEA, temos 31 milhões de empregados no setor formal privado e 7 milhões de funcionários públicos. Somando estes dois últimos, são 38 milhões. Entre este grupo e os 99 milhões que constituem a PEA, há dezenas de milhões de pessoas que sobrevivem, algumas bem, outras de forma precária, muitas com extrema vulnerabilidade, classificadas no vago conceito de autônomos, ou de “setor informal”, além dos desempregados e subempregados, formando um contingente de pessoas cuja inclusão produtiva é essencial para re-equilibrar o país do ponto de vista econômico e social. O que se propõe, aqui, é contemplar esse acervo gigante de capacidade de trabalho subutilizada como potencial de desenvolvimento.
Trata-se de um universo extremamente diversificado e não existe uma política única e simplificada que resolva a questão. De início, é importante lembrar que o conjunto de avanços na gestão atual do governo federal já criou um contexto mais propício ao fomento de atividades produtivas desse “circuito inferior”. Os dados já referidos - milhões de famílias no programa de redistribuição de renda, quase cinco milhões de novos empregos com carteira assinada, elevação do poder de compra do salário mínimo, aumento do apoio à agricultura familiar, avanço nos investimentos em saneamento básico - tudo isso afeta diretamente a população mais pobre do país, gerando dinamismo nos mercados locais.
Ainda que os montantes não se comparem com o que é apropriado pelos intermediários financeiros, um pouco para os que têm muito pouco representa uma diferença imensa e a dinamização de pequenas atividades nas regiões mais desprovidas é sensível. Esse processo deve continuar e as iniciativas sugeridas a seguir representam, de certa forma, a seqüência natural dos esforços que já estão em curso, desembocando no apoio aos processos de inclusão produtiva.
A situação dos desempregados é particularmente dramática. Pelos critérios do Dieese, representam algo na ordem de 15 milhões de pessoas. Tanta gente parada constitui um paradoxo. É preciso considerar que o Brasil necessita de 7 milhões de residências, para pessoas que vivem em habitações sub-humanas. Também são necessárias milhares de pequenas obras de saneamento básico, em praticamente todas as cidades do país. Ambas as atividades são pouco intensivas em capital e muito intensivas em mão de obra pouco qualificada, que existe de sobra. São atividades de retorno quase imediato, pois casas decentes melhoram as condições de estudo das crianças, o clima doméstico em que vive o trabalhador, a segurança dos bairros. No caso do saneamento, cada real gasto reverte em quatro reais economizados na área da saúde. Existem ainda inúmeras atividades de manutenção urbana a serem realizadas nas cidades, efeito da urbanização acelerada e caótica das últimas décadas. Há que desenvolver um conjunto de atividades agrícolas peri-urbanas, na linha dos “cinturões verdes” de horti-fruti-granjeiros.
Como essas atividades terminam se auto-financiando, pela redução de gastos em outros setores, é racional direcionar recursos públicos para dinamizá-las. Poderá ser feito através de cooperativas de serviços urbanos ou de associações de bairro, de emprego temporário, mas o essencial é conjugar o conjunto de pessoas que querem ganhar seu sustento e as atividades que clamam por serem realizadas.
Há numerosos exemplos tanto no Brasil como no exterior, em que se gera emprego, tirando as pessoas do desespero, ao mesmo tempo em que se desenvolvem infra-estruturas necessárias e se dinamiza a economia local pelo fluxo de renda gerado. Como essas atividades associam trabalho e requalificação profissional, a dinâmica tende a abrir outras frentes de atividades e a melhorar o emprego em geral. Na Índia, foi aprovada a Lei de Garantia do Emprego (Employment Guarantee Act), que assegura a toda família um mínimo de 100 dias de emprego por ano; a iniciativa está sendo generalizada a todo o país, depois de 10 anos de funcionamento experimental com sucesso no Estado de Maharashtra. No Brasil, houve experiências semelhantes de sucesso em Santos, em Mauá e em São Paulo.
No caso dos autônomos, dos pequenos produtores do setor informal, o que se busca é um sistema integrado de apoio. O apoio integrado implica na articulação dos vários eixos aqui debatidos, como financiamento, comercialização, tecnologia, sistemas de informação e comunicação, capacitação, simplificações do marco jurídico de funcionamento e assim por diante. É preciso que tais sistemas de apoio, que existem com diferentes níveis de intensidade e de eficiência em diversas regiões do país, se articulem no nível local para que se obtenha o efeito sinérgico necessário.
No caso das inúmeras iniciativas da sociedade civil organizada, sua maior presença tem sido na área social, como educação, saúde, cultura, serviço social e semelhantes, área que coincide com os maiores atrasos e, portanto, com as necessidades mais urgentes do país. O co-financiamento nessa área pode ser particularmente produtivo, pois estas formas de prestação de serviços levam a dinâmicas participativas que tendem a organizar as comunidades em torno aos seus interesses, criando capital social. Ajudar as comunidades a se ajudarem não livra o Estado de sua responsabilidade, pelo contrário, gera uma comunidade mais participativa, consciente e capaz de exigir e de controlar. Um esforço especial tem de ser feito no apoio às lideranças comunitárias, pois são essenciais para gerar dinâmicas de desenvolvimento em qualquer agrupamento.
No conjunto, é essencial que a dinâmica do desenvolvimento seja vista como um esforço integrado e articulado em cada território, pois cada região tem suas especificidades, sua cultura própria, seus ritmos e interesses. Cada município tem de fazer o seu próprio balanço, avaliar a sua racionalidade econômica, social e ambiental, e maximizar o uso dos recursos disponíveis. O apoio ao planejamento dessas atividades, e a articulação das diversas instituições de suporte, podem contribuir na criação de um clima dinâmico de mobilização para o desenvolvimento.
Seguem-se as 16 propostas selecionados no programa de estudos, sendo importante lembrar que a eficiência de tais iniciativas depende das outras propostas apresentadas anteriormente, como apoio financeiro, apoio tecnológico e assim por diante:

PROPOSTAS
a) ações de implantação imediata
7.1
Propiciar as condições necessárias para que em cada município brasileiro seja possível contar com a organização de um sistema público local de intermediação de mão-de-obra, contendo tanto o cadastro detalhado dos desempregados como alternativas de capacitação e encaminhamento para o desenvolvimento de atividades laborais locais públicas e privadas;
7.2
Assegurar instrumentos para que cada município possa constituir parcerias institucionais direcionadas à formação e qualificação ocupacional, não apenas em conformidade com a vocação econômica local, mas também acoplada à prestação de serviços públicos locais;
7.3
Estimular a articulação das instituições públicas e semi-públicas de fomento (Sistema “S”, Embrapa, Emater, entre outras) com a finalidade de articularem suas ações no plano local e regional, de modo a ampliarem a inclusão produtiva do “circuito inferior” da economia;
7.4
Garantir os meios para que cada município brasileiro adote o princípio da prioridade na contratação de trabalhadores residentes na localidade, seja nas atividades vinculadas ao gasto público em manutenção urbanística, lazer e merenda escolar, seja em investimentos na infra-estrutura, construção residencial e semelhantes;
7.5
Divulgar e disponibilizar a legislação referente à prestação temporária de serviços públicos remunerados e com carteira assinada, conforme experiências adotadas com sucesso em cidades como Santos, Mauá, São Paulo, entre outras;
7.6
Gerar as condições necessárias para que cada prefeitura possa organizar uma lista dos serviços públicos a serem desenvolvidos anualmente, contendo o valor estabelecido pelo orçamento municipal, com vistas à criação de empreendimentos locais voltados à prestação dos serviços públicos no território;
7.7
Construir ambiente para que cada município desenvolva e generalize informações sobre o custo da geração de postos de trabalho nas diferentes atividades, com o objetivo de privilegiar o aproveitamento da força de trabalho disponível localmente;
7.8
Promover parcerias entre o setor público local e as organizações da sociedade civil, empresas locais e regionais, com o objetivto de promover a plena utilização de força de trabalho local;
7.9
Assegurar as condições gerais para que seja possível a prefeitura estabelecer co-financiamento das atividades de saneamento básico, construção habitacional, produção alimentar, disponibilização de água limpa, iniciativas de segurança alimentar (cinturões verdes, merenda escolar produzida localmente, entre outras) com mão-de-obra local;
7.10
Adotar as medidas necessárias para a flexibilização das iniciativas de prestação de serviços de educação, saúde, habitação e outros em regiões pobres, com a participação de organizações da sociedade civil;
7.11
Desburocratização sistemática de todos os processos de abertura (e fechamento) das micro e pequenas iniciativas, sejam de empresas, de ONG’s, de cooperativas ou de parcerias entre os vários tipos de instituições;
7.12
Estabelecer um conjunto de princípios, diretrizes e metodologias que permitam fazer avançar a qualidade dos postos de trabalho em todo o Brasil, combatendo a tendência à precarização e assegurando que a geração dos novos postos formais não venha a coincidir estritamente com as ocupações de salários no piso de cada categoria;
b) ações que requerem mudanças na legislação
7.13
Definir um projeto de Lei Geral do Emprego Ativo da Força de Trabalho, tendo como princípio garantir que pelo menos uma pessoa da família onde todos os membros economicamente ativos encontram-se desempregados, o direito de ganhar sustento prestando uma atividade laboral, seja no setor privado, público ou em iniciativas de interesse social;
7.14
Preparar e apoiar projeto de Lei do Compromisso com a Garantia do Desenvolvimento Local, que inclua o estabelecimento de planos, objetivos, metas e conselhos de desenvolvimento local;
7.15
Acelerar a aprovação definitiva da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, incluindo a necessária ampliação do direito de contratação local das iniciativas de interesse socialmente;
7.16
Introduzir mudanças na Lei de Licitações Públicas (Lei 8666), com o objetivo de favorecer as compras governamentais de produtos e serviços que possam ser oferecidos por empreendimentos locais;

Muitos consideram que toda flexibilização dos vínculos empregatícios poderia significar um retrocesso no plano dos direitos trabalhistas. Voltando ao raciocínio mais geral desenvolvido neste documento, a realidade é que existindo apenas 31 milhões de empregos formais privados e 7 milhões de empregos públicos, frente a 99 milhões de pessoas que compõem a PEA, esperar uma inclusão produtiva mais ampla desta imensa massa de pessoas pelo simples crescimento do trabalho formal não seria realista. A visão que deve predominar é a de amplo apoio a todas as iniciativas que surjam nas comunidades, pois é do esforço sistemático e descentralizado em cada região do país que se pode esperar uma ruptura completa da segregação econômica herdada.
A recomendação de que qualquer pessoa disposta a trabalhar possa ganhar o pão da sua família não pode ser considerada subversiva ou assistencialista. Constitui um mecanismo concreto para assegurar um mínimo de respeito à dignidade intrínseca da pessoa humana, além de assegurar o desenvolvimento de obras e serviços necessários nos planos econômico, social e ambiental.
O desnível tecnológico e de produtividade entre o segmento mais avançado da economia e o conjunto das atividades precárias, informais ou até ilegais deve ser enfrentado investindo fortemente nos diversos fatores que tendem a elevar sua produtividade. A preocupação com o eventual prejuízo de direitos trabalhistas não procede, pois se trata de garanti-los, pelo contrário, para a grande massa que sobrevive na informalidade. É a imensa disponibilidade de mão-de-obra desempregada ou subutilizada que reduz a capacidade de negociação dos trabalhadores formais, fator que favoreceu a drástica queda da participação dos assalariados na renda nacional, de 45% para 37%, durante o governo anterior.
Quando se vê um esgoto a céu aberto, com crianças se contaminando, gerando custos sociais e econômicos incalculáveis, além de representar uma situação revoltante em termos de dignidade humana, não se pode ficar esperando que apareçam grandes recursos para grandes obras: se a comunidade interessada está disposta a participar, deve-se assegurar o complemento de recursos técnicos, organizacionais e financeiros necessários.
Uma vez mais, não se trata de retirar as responsabilidades do Estado: uma comunidade que se organiza para resolver os seus problemas saberá exigir de maneira organizada os seus direitos, condição básica para a produtividade sistêmica do território e passo concreto na afirmação de uma verdadeira democracia participativa.
Finalmente, importa lembrar que o avanço na geração de empregos e da inclusão produtiva depende do conjunto dos eixos já analisados: sistemas mais flexíveis de financiamento, apoio tecnológico generalizado, suporte institucional, capacitação, informação e comunicação descentralizados.

8 - Sustentabilidade ambiental

A sustentabilidade ambiental já deixou de ser vista como um tipo de sobremesa de luxo frente às dinâmicas econômicas. O aquecimento global é uma ameaça real e exige medidas articuladas. Mas enfrentamos também o desmatamento, A queda da fertilidade do solo por mau manejo, os gastos elevados com doenças devidas à água poluída, a perda da qualidade de vida nas cidades, a cultura geral de desleixo e de desperdício dos recursos naturais.
Qualquer empresário - ou trabalhador de empresa - sabe a que ponto um ambiente limpo, organizado, agradável e respeitoso gera uma atitude correspondente, que se transforma em cultura organizacional. Muito já se escreveu sobre como os usuários de metrô contribuem para a sua preservação, reconhecendo sua boa qualidade como meio de transporte e considerando esse espaço público como seu. Esse tipo de arrumação da casa, que cada cidade pode e deve realizar, é parte integrante do desenvolvimento local, da construção de uma cultura da qualidade de vida e de respeito generalizado pelo meio ambiente.
A construção de uma consciência ambiental planetária é indispensável neste início de Século XXI. O aquecimento global, a destruição da vida dos mares, o esgotamento dos lençóis freáticos, a contaminação dos rios, a erosão dos solos, a poluição visual e sonora das cidades, a ampliação do buraco de ozônio, a agressão à biodiversidade, a liquidação das florestas, o desperdício do petróleo, os esgotos a céu aberto nas cidades - existe um leque de graves desafios que obrigam a uma revisão profunda da forma predadora e pouco inteligente como o ser humano tem utilizado os recursos naturais, bem como do processo absurdo de desperdício que preside o modelo vigente desenvolvimento em quase todo o planeta.
A visão de que é preciso “pensar globalmente e agir localmente” não veio do vazio. Está diretamente vinculada ao fato que, no nível local, os problemas ambientais deixam de ser difusos e se tornam pontuais e pessoais. A situação planetária serve de alerta, mas para tomar medidas concretas cabe agir no plano local. Uma comunidade litorânea que contamina a água está gerando doenças, matando o turismo, liquidando a pesca, dificultando a sua própria vida. E as medidas concretas necessárias para remediar a situação são diferentes em cada localidade, exigindo participação direta das pessoas que conhecem a sua própria realidade.
A destruição ou desperdício dos recursos disponíveis em cada região afeta diretamente a produtividade sistêmica do território. O Brasil tem um bom arcabouço jurídico para a área ambiental, mas a lei é apenas uma alavanca que requer força política para manejá-la. Portanto, a gestão organizada dos bens públicos locais e das reservas naturais, a geração de uma cultura de respeito aos interesses da comunidade por parte dos atores públicos e privados, a busca de soluções concretas e diferenciadas em cada localidade são caminhos que passam pela gestão local do capital natural de que uma região dispõe.
Um ponto essencial nessa formação da consciência ambiental está na disponibilização organizada da informação. Para tomar um exemplo, a simples colocação, em algum dos outdoors comerciais que acompanham a marginal do rio Tietê, em São Paulo, de uma lista dos dez principais responsáveis pela poluição do rio, geraria mais impacto sobre estas empresas (e as outras) do que numerosos discursos sobre o meio ambiente em geral. A informação pode ser um poderoso produto de limpeza.
Igualmente importante é disponibilizar a informação desagregada, no mínimo ao nível municipal, pois é nesse nível que as pessoas podem mais facilmente se organizar e participar. O desmatamento na Amazônia costuma provocar suspiros de impotência e clamor por atividade de âmbito nacional, mas a derrubada de uma árvore na vizinhança leva freqüentemente a que os moradores saiam às ruas, para defender um patrimônio que percebe como seu.
Nesse plano, já é possível contabilizar avanços significativos, ainda que pontuais e dispersos. Numerosos municípios ou regiões estão elaborando o seu próprio “Atlas Ambiental”, para entender os impactos das diversas iniciativas, para entender se a região está realmente crescendo ou simplesmente se descapitalizando ao destruir sua riqueza natural, ou sendo ineficiente ao desperdiçar matérias primas e produtos. Em termos metodológicos, a contabilização do PIB do território deve ser complementada com a avaliação dos custos ambientais e sociais gerados (“externalidades” na linguagem econômica).
A metodologia de medição da “pegada ecológica” urbana está se desenvolvendo rapidamente e permite acompanhar a saúde ambiental de cada cidade, medida adotada, por exemplo, tanto na Europa como em Xangai. O movimento “Cidades Saudáveis”, a elaboração da “Agenda 21 Local”, a definição de propostas para atingir as Metas do Milênio no plano local constituem instrumentos poderosos de avaliação de avanços. Ao serem apoiados, generalizados e divulgados, podem ajudar na dinamização do movimento. A sistematização de relatórios anuais de qualidade de vida local constitui um instrumento igualmente essencial para garantir que haja uma comunidade efetivamente informada sobre a sua evolução positiva ou negativa, já que os problemas ambientais se refletem diretamente nas condições concretas da vida do cidadão.
As ONGs e as entidades comunitárias desempenham um papel fundamental nessa área, já que o impacto ambiental tende a ser diluído entre toda a população - água menos saudável, maior freqüência de doenças, sobrecarga sensorial e poluição visual-sonora por publicidade agressiva, tempo perdido no trânsito por insuficiência de transporte público, doenças respiratórias, dias de trabalho perdidos - gerando inúmeros pequenos custos que, somados, se tornam imensos, mas que cada um suporta porque parece um problema de todos e de certa maneira inevitável.
Um poluidor pode economizar muito dinheiro ao jogar dejetos diretamente no rio, mas o prejuízo é distribuído entre milhares de pessoas que têm outras coisas a fazer. Assim, entre os interesses pontuais do poluidor e o imenso prejuízo diluído na sociedade, a luta é desigual e exige formas organizadas de defesa dos interesses sociais. O reforço e o apoio às organizações da sociedade civil torna-se, portanto, essencial, particularmente quando, como no caso da Articulação do Semi-Árido (ASA) ou do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), se articulam para buscar um impacto territorial convergente.
A ação responsável das empresas é igualmente essencial. Muitas já publicam balanços sociais e ambientais, e, na realidade, sem uma contribuição ativa de empresários conscientes a tendência é ficarmos apenas com ações punitivas, um ambiente caro e pouco eficiente de regulamentações complexas, um clima de controles, fiscais e multas. O controle e as multas funcionam quando o comportamento geral está saneado, ficando em evidência os transgressores. Em outros termos, criar uma cultura de respeito ambiental é o elemento decisivo. A lei e o fiscal da visão tradicional não são suficientes.
Na medida em que o ambiente depende da ação convergente de inúmeros atores sociais - empresas, instituições públicas, comportamento individual, ONGs, organizações comunitárias, universidade, sindicatos - a política ambiental pode constituir um poderoso organizador social, um fator de elevação da consciência cívica e de construção do capital social. Além disso, como os impactos ambientais não se restringem ao local de origem da poluição - a água contaminada, por exemplo, vai atingir inúmeras outras regiões - a política ambiental pode constituir, através de iniciativas horizontais de gestão como os comitês de bacias hidrográficas ou de consórcios intermunicipais de resíduos sólidos e outros - um fator de elevação da densidade organizacional da região e, conseqüentemente, um fator de apropriação do desenvolvimento local pela comunidade.
Propõe-se, basicamente, implantar e consolidar em cada município, em cada região, uma política responsável no sentido de reduzir desperdícios, coibir a depredação da herança natural, favorecer processos produtivos mais inteligentes, visando a uma vida de qualidade superior e sustentável no longo prazo. Medidas nacionais responsáveis em termos ambientais são necessárias, mas se obtêm ao organizar sistemas de apoio às iniciativas locais, incorporando ao esforço ambientalista geral a grande massa de pessoas e organizações que querem uma vida mais decente no lugar onde moram. Trata-se, em síntese, de gerar e ampliar uma nova cultura ambiental.
As medidas sugeridas no decorrer do Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local resgatam, de forma geral, a longa batalha e o imenso acervo de experiências de movimentos ambientalistas e outros, visando à ampliação e aprofundamento de um processo que já se tornou claro. Entre outras recomendações, cabem as seguintes:

PROPOSTAS
8.1
Promover a elaboração do “Perfil Ambiental do Município” em todas as regiões do país, com análise da situação e hierarquização das prioridades de ações locais, na linha da metodologia do “Atlas Ambiental Local”, da “Agenda 21 Local” e semelhantes;
8.2
Apoiar a construção e generalização de indicadores ambientais locais, aproveitando as metodologias hoje amplamente desenvolvidas (pegada ecológica, indicadores de progresso genuíno e outros), assegurando que cada comunidade possa conhecer e monitorar o uso dos recursos naturais e das situações sociais críticas, permitindo assim a generalização do acompanhamento local das Metas do Milênio;
8.3
Priorizar e apoiar tecnicamente, bem como através de co-financiamento, iniciativas locais ou regionais de saneamento ambiental, levando em conta as situações de maior impacto, observando e respeitando os diagnósticos do SUS - Sistema Único de Saúde, já que a contaminação das águas constitui um dos principais vetores de doenças no país;
8.4 Inserir o estudo dos problemas ambientais locais nos currículos do ensino regular e dos cursos técnicos, de modo a gerar em cada local e micro-região um amplo conhecimento dos problemas e das soluções ambientais correspondentes;
8.5 Estimular, através de parcerias com a universidade, a elaboração de monografias regionais sobre a situação ambiental local, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, buscando formar um acervo de conhecimento ambiental básico em cada região;
8.6 Fortalecer e aperfeiçoar currículos e programas de formação na carreira de gestão ambiental integrada, permitindo que se formem técnicos na área mais frágil, que é a da gestão e do processo decisório relativo aos problemas ambientais;
8.7 Assegurar a formação de um fundo de iniciativas ambientais locais, articulando o Ministério do Meio Ambiente, instituições financeiras públicas, Estados e Municípios, visando ao co-financiamento de iniciativas ambientais locais;
8.8 Garantir apoio técnico e financeiro para a formação de comitês de gestão de bacias hidrográficas, aproveitando a alavanca financeira que representa o co-financiamento, e constituindo assim a dimensão institucional da racionalização do uso local dos recursos;

A urbanização caótica e acelerada que caracterizou o êxodo rural brasileiro tornou premente uma intervenção integrada nas favelas, cortiços e periferias miseráveis, configurando uma evidente prioridade nacional. No conjunto das ações deste tipo, assume particular importância o saneamento básico, que provoca diariamente mais de mil internações hospitalares de crianças por contato direto ou via alimentos com água contaminada, gerando custos absurdos frente ao que custaria a ação preventiva. Uma vez mais, o meio ambiente depende vitalmente de uma cultura de ação preventiva, da criação de um sentimento de apropriação e de cuidados com a realidade que nos envolve.

Conclusão
Os oito eixos acima apresentados, integrando nada menos que 89 sugestões concretas e viáveis que foram reunidas no curso do Projeto Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, constituem uma proposta portadora de forte consistência. Representam a visão abrangente de um conjunto de ações naturalmente interdependentes, que têm como denominador comum justificar e estimular um esforço articulado de apoio à inclusão produtiva na base da sociedade.
Trata-se, é bom frisar, de uma proposta de política nacional de apoio ao desenvolvimento local, e não de uma política federal, pois envolve uma forte articulação com Estados e Municípios, entidades locais e regionais, e diferentes setores de atividade. Não se trata de uma política “de cima”, e sim de uma série de medidas tendentes a reduzir os entraves que hoje dificultam a iniciativa dos próprios agentes locais. Trata-se de liberar forças que existem e que já estão dando provas da sua energia. O leque de ações é amplo, mas as situações em termos de desenvolvimento local são diversificadas. As prioridades serão diferentes segundo as regiões.
É freqüente a visão de que o desenvolvimento só existe quando a escala é gigante, com grandes empresas, tecnologia de ponta, extensas propriedades rurais, monocultura. É o chamado “circuito superior”. As notícias de imprensa sobre a economia dos paises avançados sempre focalizam as grandes corporações, os grandes bancos. O próprio desenvolvimento acelerado da China tem sido apresentado como obra das grandes empresas que ali se instalam. É natural que apenas os grandes nomes - e os grandes anunciantes - apareçam na mídia, mas não resta dúvida de que tal abordagem é seletiva, ideológica e deforma a realidade.
Quem estuda e acompanha a produtividade das pequenas unidades rurais da Europa, o peso da pequena e média empresa nos Estados Unidos, o processo de redução de pobreza que ocorre na China e os esforços de inclusão que são empreendidos na Índia adquire uma visão mais realista. Por trás das grandes corporações, existe nos países que estão crescendo e enfrentando seus dramas sociais e ambientais um imenso leque de pequenas iniciativas locais de desenvolvimento, que naturalmente aparecem pouco por serem pequenas e dispersas, mas que oferecem poderosa sustentação ao conjunto.
Pensar que só a grande iniciativa resolve é desconhecer o poder da progressão geométrica. Pequenas iniciativas que se multiplicam, se convertem em grandes políticas. Apoiar as iniciativas que surgem na base da sociedade equivale a abrir uma grande avenida para a inclusão produtiva das maiorias.

Créditos

EXPOSITORES NAS PLENÁRIAS
Ministro Ciro Gomes
Ministério da Integração Nacional
Ministro Luiz Gushiken
Secom - Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica
Ministro Miguel Rossetto
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
Ministro Patrus Ananias
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Alberto Lopes
GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
Anita Pires
Secretaria do Planejamento, Orçamento e Gestão de Santa Catarina
Antonio Lassance
Secom - Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica
Caio Silveira
Expo Brasil Desenvolvimento Local
Franklin Coelho
UFF - Universidade Federal Fluminense - RJ
Gilney Viana
MMA - Ministério do Meio Ambiente
Humberto Oliveira
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
Ignacy Sachs
Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da França
Jacques Pena
Fundação Banco do Brasil
Lourival Almeida de Aguiar
ASA - Articulação do Semi-árido
Mara Biasi
Ibam - Instituto Brasileiro de Administração Municipal
Márcia Kumer
Caixa Econômica Federal
Maurício Borges Lemos
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Paul Singer
Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego
Pedro Christóffoli
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Pedro Paulo Martoni Branco
Instituto Cidadania
Rosenilde Costa
GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
Sérgio Amadeu da Silveira
Sociólogo e especialista em tecnologias da informação
Silvio Caccia Bava
Instituto Pólis
Tânia Bacelar
Universidade Federal de Pernambuco
Tânia Zapata
IADH - Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano

EXPOSITORES NOS SEMINÁRIOS E OFICINAS
Ministro Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais / PR
Alexandre Santos
Ibam - Instituto Brasileiro de Administração Municipal
Anita Pires
Secretaria de Estado do Planejamento de Santa Catarina
Antonio Mário Scherer
Instituto Saga
Armando Hess de Souza
Secretário de Estado do Planejamento de Santa Catarina
Caio Silveira
Expo Desenvolvimento Local
Carlos Alberto Affonso
Rits - Rede de Informação para o Terceiro Setor
Carlos Lopes
representante residente da ONU no Brasil
Charles Schwanke
Blusoft - Blumenau Pólo Tecnológico de Informática
Claudio Linhares
Apremerj e Prefeito de Conceição de Macabu
Cleonice Dias de Almeida
Comitê Comunitário
Dario Busi
BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
Denise Vila
Cemina/Rede Ciberela de Inclusão Digital
Edival Passos
Sebrae - BA
Eurides Mescolotto
Presidente do BESC
Evandro Peçanha Alves
Sebrae - RJ
Franklin Coelho
UFF - Universidade Federal Fluminense
Geise Assis
Instituto Sere - Serviços e Estudos de Realização Empresarial Social
Giuseppe Cocco
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Heliana Marinho
Sebrae - RJ
Horácio Raspenhaiter
SECTI- Secretário de Ciência Tecnologia e Inovação / Península Itapagipana
Iara Oliveira
Comitê Comunitário
Idalina Maria Boni
Fio Nobre
Ismael Ferreira
Apaeb Valente
Itamar Silva
Ibase
Jeroen Klink
Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC
Jorge Lorenzetti
Besc - Banco do Estado de Santa Catarina
Jorge Luiz Numa Abrahão
Instituto Ethos
Ladislau Dowbor
Instituto Cidadania
Liliana Copetti
Ministério do Trabalho e Emprego
Luci Góes
Secretária Municipal de Reparação de Lauro de Freitas
Luiz Fernando de Souza (Pezão)
representando o Governo do Estado do Rio de Janeiro
Mara Biasi
Ibam - Instituto Brasileiro de Administração Municipal
Márcia Campos
Instituto Aliança
Márcia Damo
Fórum da Mesorregião
Marcondes da Silva Cândido
Sebrae - SC
Maria Nezilda Culti
Unitrabalho
Mario Campos de Oliveira Júnior
Consórcio dos Empregadores Rurais
Nelson Casarotto Filho
BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
Neuza Cadore
Rede Pintadas
Odila Roberto
Associação Serra Gaúcha
Paulo C. Coelho
Proderj - Centro da Tecn. da Inform.e Comun. do Estado do Rio de Janeiro
Paulo Magalhães
Caixa Econômica Federal
Paulo Okamotto
Presidente Nacional do SEBRAE
Paulo Vannuchi
Instituto Cidadania
Pedro Cunca Bocayuva
Fase- RJ
Roberto Kurtz Pereira
Consórcio Intermunicipal Lambari
Rogério da Silva
Eletrobrás
Rosa Vilas Boas
Sebrae - BA
Rosemma Burlacchini Maluf
APL do Uruguai
Sérgio Luiz Gargione
Sesi - SC
Sérgio Roberto Giatti Rodrigues
Consórcio dos Empregadores Rurais
Sérgio Rodrigues da Costa
Alto Uruguai - Eletrosul
Tânia Fischer
Universidade Federal da Bahia
Valéria Giannella
Universidade UIAV di Veneza, professora visitante CIAGS/ EA UFBA
Valério Turnes
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Wilma Coral Mendes de Lima
Delegacia Regional do Trabalho de Santa Catarina (DRT/SC)
Wilson Schmidt
Agreco - Associação dos Agricultores Ecológicos das Encontas da Serra Geral


PARTICIPANTES DAS PLENÁRIAS
Adilson Vieira - GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
Adroaldo Quintela Santos - SAF - Subchefia de Assuntos Federativos - Presidência da República - DF
Ailton Pires de Lima - Presidente da Poema - Núcleo de ação para o desenvolvimento sustentável
Alexandre - Ibam - Instituto Brasileiro de Administração Municipal - RJ
Almir Paraca - Fundação Banco do Brasil - DF
Álvaro Malagutti - Ministério das Comunicações - DF
Ana Letícia - Instituto Ethos - SP
Anita Pires - Secretaria de Planejamento e Gestão - SC
Antonio Lassance - Secoom - Presidência da República - DF
Bárbara Schimidt - Pastoral da Criança - PR
Bruno Quick - Sebrae Nacional - DF
Caio Magri - Instituto Ethos - SP
Caio Silveira - Expo Brasil Desenvolvimento Local - RJ
Carlos Alberto dos Santos - Sebrae Nacional - DF
Carlos Seabra - Ipso - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos - SP
Cássio França - Fundação Friedrich Ebert - Ildes - SP
Celso Frateschi - ex-Secretário de Cultura de São Paulo
César Ortega - Universidade Federal de Uberlândia - MG
Clara Ant - Assessoria Especial da Presidência da República - DF
Cláudia Brandão de Serpe - Caixa Econômica Federal - DF
Cleonice Alexandre Le’Bourlegat - UCDB - Universidade Católica Dom Bosco - MS
Cunca Bocayuva - Fase Nacional - RJ
Edival Passos - Sebrae - BA
Eduardo Girão - Banco do Nordente Brasileiro
Eliane Mattioli Alves de Sousa - Banco do Brasil - DF
Evandro Nascimento - Sebrae Nacional - DF
Fábio de Andrade Abdala - GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
Franklin Coelho - Universidade Federal Fluminense / Viva Rio - RJ
Gilmar Carneiro - Ecosol - Economia Popular Solidária - SP
Gilney Viana - Ministério do Meio Ambiente
Gilson Schwartz - BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Giuseppe Mario Cocco - LABTC - Laboratório Território e Comunicação/UFRJ - RJ
Hélcio Moreira - Sebrae Nacional - DF
Heliana Kátia Tavares Campos - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - DF
Hilcéia Patriarca - Sebrae - BA
Humberto Oliveira - SDA - Secretaria do Desenvolvimento Agrário - DF
Idelbrando Souza - Sebrae Vale do Rio Urucuia - MG
Ilka Camarotti - FGV - Fundação Getúlio Vargas - SP
Jacques Pena - Fundação Banco do Brasil - DF
Jaíra Maria Alba Puppim - Caixa Econômica Federal - DF
Jeroen Klink - Prefeitura de Santo André - SP
Jorge Carlos Silveira Duarte - Senac - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
Jorge Lorenzetti - Besc - Banco do Estado de Santa Catarina - SC
José Alencar - Banco do Nordeste Brasileiro
José Avando Souza Sales - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
José Caetano Lavorato - ABCRED - Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Micro-Crédito - SP
José Carlos Vidal - Petrobras - RJ
José Graziano da Silva - Assessoria Especial da Presidência da República - DF
José Roberto Fonseca - Instituto Eco-Engenho - Tecnologia Aplicada ao Desenvol. Sustentável - AL
Juarez de Paula - Sebrae Nacional - DF
Juçara S. Pedreira - Secom - DF
Karine Etchepare Wernz - Banco do Brasil - DF
Ladislau Dowbor - Instituto Cidadania - SP
Laís Abramo - OIT-Organização Internacional do Trabalho - DF
Larissa Barros - RTS - Rede de Tecnologia Social - DF
Laura da Veiga - Fundação João Pinheiro - MG
Lourival Almeida de Aguiar - ASA - Articulação no Semi-Árido Brasileiro/Esplar - AL
Luís Paulo Bresciani - ABDI-Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - DF
Luiz Henrique Proença - Ipea - Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada - DF
Luiz Sergio Gomes da Silva - Sedes - Presidência da República - DF
Mara Biasi - Ibam - Instituto Brasileiro de Administração Municipal - RJ
Marcelo Duncan - MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - DF
Márcia Campos - Instituto Aliança com o Adelescente - BA
Márcia de Lima - Eletrobrás - RJ
Márcia Kumer - Caixa Econômica Federal - DF
Marcio Pochmann - Unicamp - Universidade de Campinas - SP
Marco Antonio Pereira - Instituto Cidadania - SP Consultor
Marco Aurélio Crocco - Cedeplar - Centro Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG - MG
Maria das Graças Silva - Pastoral da Criança - PR
Maria de Fátima Abreu - MDS e Combate à Fome - DF
Maria do Carmo Meirelles T.Cruz (Carminha Meirelles) - Cepam - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal - SP
Maria Fernanda Leal Maymone Couto - Subsecretaria de Apoio à Gestão Estratégica do Governo - MS
Maria Fernandes Caldas - Prefeitura de Belo Horizonte - BH
Maria Leide A. de Aquino - GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
Marie Louise Genevois - Instituto Via Pública - SP
Mário Salerno - ABDI-Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - DF
Maurício Borges Lemos - BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - RJ
Mauro Borges Lemos - Cedeplar - Centro Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG - MG
Máximo Antonio C. Sales - Banco do Nordeste Brasileiro
Michelle Lopes - RTS - Rede de Tecnologia Social - DF
Mônica Alterthum - Instituto Cidadania - SP
Mônica Valente - Snai -Secretaria Nacional Assuntos Institucionais - S P
Nadia Somekh - Mackenzie - SP
Nair Aparecida de Andrade - Sebrae Nacional - DF
Olavo Viana Costa - Instituto Via Pública - SP
Oswaldo Castilho - PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Paul Singer - Secretário Nacional Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego
Paulo Cesar Arns - MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - DF
Paulo Okamotto - Sebrae Nacional - DF
Paulo Vannuchi - Instituto Cidadania - SP
Pedro Christóffoli - MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - DF
Pedro Paulo Martoni Branco - Instituto Cidadania - SP
Pedro Wilson Guimarães - ACMB - Agência de Cooperação Municipal Brasileira - DF
Remí Castioni - SAF - Subchefia de Assuntos Federativos - Presidência da República
Roberto Ricardo Vizentin - MMA - Ministério do Meio Ambiente - DF
Rodrigo Barbosa Terra - Secretaria Extraordinária de Representação e Articulação Institucional do Mato Grosso do Sul - MS
Rogério da Silva - Eletrobrás - RJ
Sandro Salvatore - Sebrae Nacional - DF
Selvino Heck - Fome Zero - DF Assessoria Especial da Presidência da República
Sérgio Amadeu da Silveira - ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
Sérgio Bueno da Fonseca - MMA - Ministério do Meio Ambiente - DF
Silvio Caccia Bava - Instituto Pólis - SP
Sinoel Batista - Idecri - Instituto para o Desenvolvimento da Cooperação e Relações Internacionais - SP
Spency Pimentel - Radiobrás - DF
Suzana Dieckmann - Ministério do Turismo - DF
Tania Bacelar - Universidade Federal de Pernambuco - PE
Tânia Fischer - UFBA-NEPOL-CIAGS-Centro Interdisciplinar de Desenvol. e Gestão Social
Tânia Zapata - IADH - Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano - PE
Tarcísio Secoli - Unisol Brasil - SP
Tatiana Carlotti - Instituto Cidadania - SP
Thaís Corral - Iser - Instituto Estudos da Religião e Redeh - Rede de Desenvol. Humano - RJ
Valdi Dantas - Ministério do Trabalho e Emprego - Programa Nac de Micro Crédito Produtivo Orientado - DF
Vanessa Paternostro Melo - CIAGS - Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - UFBA - BA
Véra Gorczeski - Instituto Cidadania - SP
Vicente Trevas - Secretaria de Assuntos Institucionais - Governo Federal - DF
Zezé Weiss - Banco Mundial - DF

SER(ES) AFINS