sábado, 9 de janeiro de 2010

A Sócioeconomia como proposta integrativa - Leonídia Guimarães

A Socionomia como proposta integrativa





Jacob Levy Moreno, ao conceber a idéia do Psicodrama, talvez por ultrapassar, em muito, as idéias científicas da sua época, mostrava-se uma pessoa inquieta, inconformada às exigências sociais e aos conceitos e valores vigentes no meio científico, inclusive a nível filosófico.

A sua compressão do ser humano, estavam além das noções do existencialismo de Kierkergaard (1), embora delas se aproximassem e, da mesma forma, das idéias do élan vital e do conceito de momento, de Bergson.

Sua noção de Encontro – olho no olho, face a face, simétrico e em dupla via, difere, também, do conceito de Encontro de Martin Buber - onde se prioriza uma relação mais comtemplativa, tipo sujeito-objeto.

Dirigem-se para o Hassidismo (2), mais ainda não é isso, ou só isso que lhe basta. Ele deseja um ser humano socialmente atuante, tal como Marx, mas, preocupa-se com a preservação da liberdade individual e coletiva, com a criatividade e espontaneidade que é aprisionada pelo sistema. Propõe, então, uma análise existencial da existência – o Dasain ou Dasainálise, onde o indivíduo é convidado a concretizar a sua própria existência, vivendo, existindo e fazendo-se existir em atos, não apenas em palavras, e onde será estimulado a exercitar a sua espontaneidade e criatividade.

Pautado nessas idéias filosóficas, por muitos chamada de Religião do Encontro, Moreno trilha caminhos que o levam à concepção do Teatro Espontâneo e descobre o valor terapêutico da representação espontânea e inversão de papéis, através do Caso Bárbara (1924).

Em seguida, propõe-se a fazer um trabalho terapêutico , dentro do mesmo enquadre, e assume o Caso Robert – Diora. Seu Teatro Terapêutico, falha - Moreno não obtém o sucesso esperado, neste 2º Caso.

Ao que parece, seus primeiros pacientes espontâneos , fazem-no entrar num novo ciclo evolutivo, a partir da sua própria experiência e da vivência do seu papel profissional, despertando-lhe para novos aspectos referentes à sua descoberta :

... uma 1ª via - valor terapêutico da dramatização de papéis, lhe indica o caminho inicial do psicodrama: o Teatro Terapêutico; e

... uma 2ª via – limitações do Teatro Espontâneo, atinge a consciência do seu papel de psicoterapeuta, a necessidade de reflexão, de método, de ação social específica e especializada.

Moreno, então, dirige-se para Nova Iorque (1925), em busca de um novo espaço, e inaugura uma nova fase de aprimoramento científico da sua proposta de trabalho. É dentro desse contexto de evolução pessoal que as suas idéias realmente frutificam e surge, de fato, o psicodrama, a sociometria, a psicoterapia de grupo e a sociodinâmica ( 1934).

A sua proposta de fazer emergir e praticar uma análise existencial fenomenológica - Dasainálise, é repensada e, ao ser ampliada para incluir de forma dialética o Contexto Social e a adequação de papéis, vislumbra tantas possibilidades de trabalhar-se com o Psicodrama, que tornou –se necessário delinear os seus vários segmentos, especificar diferentes enquadres e definir o corpo teórico do Psicodrama, numa espécie de coluna dorsal : a Socionomia.

Dentro dessa perspectiva, a Socionomia seria uma ciência - aquilo que é ao mesmo tempo o nada e o tudo que contém, ou seja, uma proposta de estudar cientificamente, as leis que regem o comportamento social e de grupo, levada a cabo por Moreno, desde a sua adolescência.

A fim de melhor compreender todas as propostas de Moreno, vamos fazer a retrospectiva de alguns conceitos filosóficos que poderão nos guiar ao praticar o Psicodrama, em suas diversas formas.

Princípios Básicos

Além dos princípios filosóficos básicos, definidos por J.L. Moreno, que podem ser melhor detalhados através da seita praticada pelo Seinismo ou Hassidismo – Filosofia Existencial Fenomenológica, parece-nos essencial, a nível metodológico, que observemos as cinco principais noções da fenomenologia de Husserl, adaptando-as à nossa prática psicodramática, as quais, podem, em muito, enriquecê-la . Essas noções são as que se seguem:

1) O APRIORI (ÉPOCHÉ) : Segundo Husserl, não é das filosofias que devem partir o impulso da investigação, mas sim das coisas em si e dos problemas que temos à frente –fenômeno puro. E para realizarmos essa investigação, é necessário uma total ausência de pressupostos à vivência, que se considere o fenômeno puro, em seu estado original, e se chegue à uma compreensão do mesmo através da vivência de um Evidência Apodíctica - consciência intersubjetiva, da qual não se tem nenhuma dúvida.

• No Psicodrama, é dessa forma que fazemos a entrada em Cena, com textos espontâneos, improvisados no palco pelo Protagonista, fazendo atuar realidade e a fantasia, em busca da Cena esclarecedora.


2)A EVIDÊNCIA : Na Evidência Apodíctica, os fatos devem excluir a dúvida, via a vivência e através,
Da intuição sensível – evidência de sentimentos
Da intuição Intelectiva – através de uma Imagem
Da intuição Perceptiva -Recordações que partem de Conceitos Universais : essências e eidos apreendidos, de forma direta, na presença do objeto na sua corporiedade, ou apreendidos de forma indireta, através de uma Imagem.

• No Psicodrama, adotando-se este tipo de postura, o terapeuta pode isentar-se a fazer Interpretações do fenômeno, utilizando-se das técnicas especiais- duplo, espelho, inversão de papéis, construção de Imagens, etc., durante a etapa de Dramatização.

3)A INTENCIONALIDADE : Segundo este conceito, a Intencionalidade parte do Eu e invade temporariamente os dados materiais, unificando-os, e designando o objeto, enquanto meramente consciente ou significado, ou seja, na sua imanência ( ausência exterior do objeto) . O que acontece durante a vivência é uma :
• Compreensão subjetiva dos fatos
• Uma vivência do objeto significado na sua imanência ( ausência exterior do objeto significado) O “faz de conta” do Psicodrama em busca da verdade , via o interjogo de papéis reais e fictícios.
• Este elemento irreal da vivência é colocado “entre parênteses”; e
• Preserva-se o Sentido da vivência (Sinn) para transcendê-lo fenomenologicamente

Exemplo em Husserl : O sentimento existe enquanto qualidade ( AMOR), independente de que haja um objeto intencional (Alguém, um Outro).

• No Psicodrama, o Ego-auxiliar tem como função representar papéis dos personagens internos do paciente, ausentes à sessão, para presentificá-los na sua corporiedade, conferindo maior realidade à fantasia. Este elemento irreal da vivência, é colocado “entre parênteses”, conservando-se apenas o seu sentido original, para transcender a experiência.


4) A LÓGICA DA CONTRADIÇÃO : Segundo a Lógica Formal , existiria sempre um relativismo da verdade , pois teríamos de reger o Conteúdo com as mesmas leis que regulam os Atos , ou seja, os atos e seus conteúdos seriam regidos pelas mesmas leis. Husserl faz uma distinção entre o Ato e o Conteúdo do Ato , e rompe com a lógica formal, separando o Ato do Conteúdo do Ato. Propõe a Lógica da Verdade ou Lógica da Contradição, onde é o Ato que rege o Conteúdo, ou seja, o Ato independe das leis do Conteúdo e dessa maneira, aquilo que se vê não pode ser de outra maneira, é o fenômeno puro .

• No Psicodrama, esta noção de Lógica da Verdade, também existe, pois, parte-se sempre da Ação e da vivência psicodramática, para o estudo do fenômeno. Através da vivência da dramatização ou da Construção de Imagens, pode-se chegar ao Conteúdo do Ato sem precisar inferi-lo, através de uma Interpretação.


5) A INTERSUBJETIVIDADE : Husserl, também diz, que o conhecimento não é meramente subjetivo - em única direção, ele é intersubjetivo - em direção dupla, de ambos os lados. Vem daí o valor dado à vivência.

• No Psicodrama, prioriza-se a ação, a vivência e a experiência do outro, da relação interpessoal . Temos, também, o Conceito de Tele - emissão, recepção e percepção de mensagens e sentimentos, em dupla direção .


Observemos agora, o fator dinâmico da teoria moreniana, presente na sua concepção do ser humano e que aproximam-se das idéias de Marx , para tentar verificar o Encontro das idéias de Marx com as idéias de Moreno :



A DIALÉTICA MARXISTA

MARX diz que:
• A realidade e o indivíduo não podem ser dicotomizados e por isso não existe linearidade ( causa e efeito absolutos);

• Cada fato ou fenômeno possui múltiplas causas e formam uma cadeia de relações intrínsecas e de realidades subjetivas, que num dado momento existe e que por isso é Histórica;

• Marx defende o naturalismo e humanismo, dizendo que é do mundo dos sentidos, em constante mutação, que devemos ver a Realidade, e não a partir das idéias ou ideais, de essências incorpóreas.

• Seu entendimento do processo vital da realidade humana é construído a partir de homens REAIS e ATUANTES; e

• Considera que existe uma Dialética entre a Realidade Objetiva e a Realidade Subjetiva, onde a realidade subjetiva é tomada como uma prática da atividade sensorial, que é apreendida pelos próprios sentidos e não através de uma atividade contemplativa do pensamento – das idéias.

Vejamos, agora, o pensamento de Moreno, a respeito da personalidade e do Universo Social, bem como a sua proposta psicoterapêutica.

MORENO

Diz que a Organização da Personalidade decorre da interação dinâmica de três fatores:

• forças hereditárias ( fatores biológicos)

• forças sociais ( Tele = relações interpessoais x relações de fantasia = Átomo Social)

• forças ambientais ( papéis sociais = realidade externa x realidade interna)

Moreno decompõe o Universo Social em três Dimensões:

• Sociedade Externa = família, estado, igreja, etc

• Matriz Social ou Átomo Social = mundo socioafetivo

• Realidade Social = que é o reflexo da oposição dialética entre a Realidade Social vigente ( Realidade Externa) e a realidade interna dos grupos ( Relações Tele = redes sociométricas).
Autor: Leonídia Guimarães
Fonte: Fundamentação Filosófica do Psicodrama na Prática Psicodramática: Guimarães, Leonídia. Mimeo,ASBAP,1991

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SER(ES) AFINS