Ladislau Dowbor
20 de novembro de 2009
A produtividade sempre foi vista como um conceito positivo. Fazer mais coisas com menos esforço, ganhar mais dinheiro com menos investimento, obter mais grãos por hectare, tudo isto aparece como um processo de gestão mais racional, e se associa a outros conceitos positivos como competitividade, just-in-time, kaiban, kaizen, total quality management e assim por diante. Estamos todos correndo para aumentar a produtividade.
A conta que fazemos é errada, por uma razão simples: não abarca a totalidade do que devemos contabilizar. Um exemplo prático é o da agricultura. As propriedade de mais de 10 mil hectares cultivam, segundo o nosso antigo e ultrapassado censo agrícola (e enquanto não nos chegam as tabulações do último), entre 4 e 5% da terra que ocupam. Na parte cultivada, apresenta bons rendimentos de toneladas de graõs por hectare. No entanto, se dividirmos o produto obtido no estabelecimento agrícola não pela área plantada, mas pela área ocupada, a produtividade fica ridícula. E a realidade é simples: terra que não se usa, nem se deixa usar, pode ser posta de lado para efeitos de cálculo de produtividade?
Os pequenos produtores rurais, responsáveis por 70% da alimentação que chega às nossas mesas, cultivam e média 65% da terra que têm, pois buscam aproveitá-la ao máximo. Mais do que isto. Enquanto a monocultura nas grandes extensões utiliza a mão de obra sazonalmente, para o plantio e a safra, na agricultura familiar há sempre coisas a fazer, desde melhorar a irrigação até consertar a cerca. E os diversos subprodutos são aproveitados, desde o esterco das galinhas para a horta, até os resíduos de legumes para os porcos e assim por diante. Trata-se aqui de um cálculo de produtividade integrado, envolvendo a terra, a mão de obra, os subprodutos, a reprodução da fertilidade do solo.
As florestas da Indonésia estão sendo liquidadas para plantio de palmas destinadas à produção de azeite e de bio-combustíveis. Como calcular a produtividade? Sem dúvida, a produtividade energética da palma é muito melhor do que a do milho norte-americano. Mas é só esta produtividade que interessa? Como não foi avaliada como produtiva a capacidade de absorção de CO2 da floresta, e nem a sua contribuição em termos de economia florestal, a conta é errada, pois não leva em consideração o conjunto dos custos. E uma contabilidade incompleta leva a contas erradas, e estas por sua vez levam a decisões erradas.
A origem do erro não está na capacidade aritmética dos contadores, mas na estreitez da visão micro-econômica. O investidor em óleo de palma na Indonésia ou na Malásia não está interessado na emissão de gazes de estufa, pois ninguém vai cobrá-lo por isto. Nem nos eventuais impactos na pluviosidade, pois isto representa custos difusos, que o conjunto da sociedade vai pagar. Ou seja, a apropriação dos lucros é individual, mas a conta das externalidades é social. Com isto, fica fácil mostrar que o empreendimento é produtivo. Inclusive, permite sugerir que a empresa que colhe os frutos é produtiva, enquanto o Estado que conserta os danos gera custos. Esta dualidade contábil não faz sentido.
Tem mais. Como os custos difusos são repassados para a sociedade em geral, quem melhor assegurar o repasse minimiza os seus custos de produção, e se torna mais competitivo relativamente às outras empresas do mesmo setor. Chamamos isto de mercado, competição. O resultado, é que o mercado leva a uma corrida de quem mais consegue jogar para a sociedade os custos do processo produtivo. Isto representa um aumento da produtividade micro-econômica às custas da queda da produtividade sistêmica. E como consertar é muito mais caro do que adequar preventivamente os processos produtivos, todos perdem, e a produtividade sistêmica fica prejudicada.
Lester Brown faz um cálculo simples. Encher com etanol o tanque de um destes SUV modernos sugadores de combustível, exigiria uma quantidade de grãos equivalente ao que seria necessário para alimentar uma pessoa durante um ano. É produtivo isto? Do ponto de vista do governo americano, a ameaça climática permitiu aprovar subsídios para os produtores de milho, ganhando assim uma (falsa) imagem de amigos do clima, e encher os bolsos dos amigos, o que gera rendimentos eleitorais. Os grandes grupos da corn-belt, equivalente em termos políticos do nosso agro-negócio e da bancada ruralista, agradecem. Hoje resistem a ferro e fogo a qualquer redução dos subsídios, ainda que se tenha provado que em termos de produtividade energética e de impacto climático a iniciativa é tecnicamente errada. As empresas apenas apresentarão a “conta estreita”, de quanto produziram ou exportaram.
A conjugação dos mecanismos perversos de mercado - quanto mais se jogar para a sociedade os custos indiretos, mais se é competitivo - e dos mecanismos políticos de apropriação de poder pelas corporações, gera a destruição das matas, a poluição dos mananciais, a quimização dos lençóis freáticos, o acúmulo de desempregados nas periferias urbanas, e o aprofundamento dos desequilíbrios sociais através da apropriação dos resultados da produção por poucos grupos nacionais e internacionais.
O conceito de produtividade sistêmica do território está baseado numa análise integrada dos custos e benefícios para a qualidade de vida da população de uma determinada região, envolvendo o conjunto dos fatores, e assegurando que a própria base natural e produzida de riquezas seja mantida ou aumentada, e transferida para as próximas gerações. Viver às custas das futuras gerações, não tem nenhum sentido, nem ético nem econômico, ainda que faça todo sentido em termos de lucro corporativo, na forma atual de calcular a produtividade.
O elementar, neste caso, é cada município elaborar uma conta simples, uma bateria de indicadores de qualidade de vida do território, permitindo à comunidade responder a duas questões básicas: Estamos vivendo melhor? O caminho que adotamos é sustentável? Isto envolve duas alterações no modo como avaliamos o desenvolvimento.Uma se refere à visão sistêmica, outro à visão de longo prazo.
Os municípios no chamado “arco do fogo” da fronteira amazônica se revoltaram com o reforço do controle sobre o desmatamento. É compreensível. As madeireiras estavam fazendo muito dinheiro com um produto que não precisaram produzir, a mata nativa. Dizemos que é produção madeireira. Na realidade não é produção, é apropriação de bem público. É fácil ver que o processo não se sustenta no médio ou longo prazo. Mas para a população pobre local, a atividade das madeireiras significa empregos, e a fome no longo prazo é menos importante do que a perspectiva da falta de almoço hoje. Gera-se assim uma solidariedade perversa de destruição de riquezas naturais acumuladas. Para a madeireira, não tem importância, pois vai se deslocar para outra região, e o peão desempregado vai seguir. Para cada agente econômico individualmente, as coisas fazem sentido. Do ponto de vista do equilíbrio econômico do território, é absurdo. Como substituir a “fronteria móvel” destrutiva pela dinâmica estável de uma prosperidade em construção? Não se escapa da necessidade de fazer a conta completa dos custos e benefícios para a sociedade, no médio e no longo prazo.
Cada município tem um determinado acervo de potenciais econômicos. Em muitas localidades, encontramos terra parada, pessoas desempregadas na cidade, e insuficiências alimentares. Uma breve análise aponta para a subutilização dos fatores, e para os direcionamentos necessários dos investimentos e dos esforços de organização econômica e social. O desemprego representa um custo elevado, não só em sofrimento humano e desequilíbrios sociais, como em produtividade não aproveitada. Seria natural calcular o desemprego como custo, multiplicando o número de desempregados pela valor médio de produção per capita na comunidade. Como seria natural calcular o hectare não utilizado de terra como custo em função da produtividade média das terras da mesma comunidade efetivamente cultivadas.
Semelhante exercício tem de ser feito com a valoração do tempo perdido. Tres horas por dia perdidas no trânsito em São Paulo, por exemplo, para os cinco milhões de ocupados que se deslocam para o trabalho, a 10 reais a hora, representariam 150 milhões de reais por dia. Ganhar uma hora por dia, por exemplo com ampliação do metrô e dos corredores de ônibus, representariam 50 milhões de reais de economias, o que permitiria financiar um quilómetro de metrô a cada quatro dias. Seriam exagerados os 10 reais, ou as 3 horas? Podemos mudar as cifras um pouco, mas isso não mudaria a realidade. A contabilidade incompleta nos faz perder de vista onde estão as reais oportunidades de melhorar a produtividade sistêmica do território.
A realidade é que na ausência de um sistema confiável e decente de transporte coletivo, as pessoas se vêm forçadas a recorrer ao transporte individual, o que emperra o trânsito, e faz com que todos se vejam parados por excesso de meios de transporte. A conta que hoje fazemos é que as vendas de carros aumentam, o que por sua vez aumenta o PIB, o que seria bom. E tem mais, como todos andam em primeira e segunda, aumenta o consumo de combustível, e temos mais hospitalizações com acidentes e doenças respiratórias. Aqui também aumenta o PIB, e às vezes também o emprego. E o emprego tende a ser visto sempre como positivo, ainda que resulte de atividades negativas em termos de qualidade de vida.
Na cidade de Piraí, no Rio de Janeiro, o wi-fi urbano cobre a cidade com sinal banda-larga de internet. Com isto a mercearia passa a buscar melhor preço, em caso de ruptura de estoque vai buscar em outra mercearia do bairro, as pessoas se deslocam menos porque quem viaja não são elas, e sim os bits, o que é bem mais barato. Este tipo de iniciativas, o acesso à banda larga internet, ou a fluidez do transporte coletivo, torna todos os agentes econômicos mais produtivos, gerando economias que são externas à empresa, mas internas ao território. É uma elevação da produtividade sistêmica.
Para introduzir um cultivo destinado a biocombustíveis, não basta contabilizar o balanço energético, as emissões evitadas e a renda gerada para o produtor. Precisamos saber quantos empregos são gerados, pois se a monocultura mecanizada expulsa o agricultor do campo, alguém terá de suportar os custos da favelização e do desemprego na cidade vizinha. E precisamos saber os impactos em termos de água, tanto em termos de uso como de contaminação com agrotóxicos, que por sua vez prejudica atividades de pesca, e gera outros custos. Importante também saber se se trata de empregos que qualificam as pessoas, levando-as a patamares tecnológicos mais avançados, ou pelo contrário as tranca num ciclo de sobrevivência miserável. A contabilidade sistêmica busca identificr os efeitos induzidos, positivos ou negativos.
A “vaca holandesa” não é apenas internacional. Um município invadido por uma monocultura de agro-negócio de grande escala, exporta o seu produto, e termina importando todos os seus alimentos, frequentemente de grandes distâncias. Vira um município de pobres onde alguns ricos fazem muito dinheiro. Um município precisa saber onde são gastos ou investidos os recursos gerados por produtos nele desenvolvidos. Inclusive onde são aplicados os recursos depositados nos bancos pelos residentes do município, e em que atividades.
Tudo isto aponta para uma outra contabilidade, em cada localidade. Indicadores de qualidade de vida que mostrem se o objetivo maior, de que as pessoas vivam melhor, está sendo realmente atingido. Indicadores de sustentabilidade que mostrem a que ponto as condições de vida atual são conquistadas pela expansão das capacidades produtivas no longo prazo, ou por uma simples dilapidação do capital natural heradado. Quantificação em moeda dos custos reais dos processos produtivos, agregando-se os custos de reposição do capital natural consumido, do desemprego, do tempo perdido, das doenças geradas.
Metodologias não faltam. As informações estão quase todas disponíveis, nos agentes públicos e privados. Falta o bom senso de organizar as contas.
Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”, “O Mosaico Partido: a economia além das equações”, “Tecnologias do Conhecimento: os Desafios da Educação”, todos pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org - Contato ladislau@dowbor.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário