Carta aos Donos do Mundo
Affonso Romano de Sant’Anna
Meus Senhores:
Dirijo-me à Vossas Excelências para falar do Haiti.
Ia escrever uma crônica intitulada - "Äi de ti, Haiti" , mas isto não passa de um belo jogo de palavras e não quero fazer uma nova jeremiada. Venho, portanto, Senhores Donos do Mundo, com uma proposta concreta. Por isto, poderia intitular este texto de "Como salvar o Haiti". Pretensioso, não? Claro que eu poderia me dirigir especificamente ao Eike Batista da Vale do Rio Doce, que está fazendo e acontecendo, ajudando até a Madona. Aliás, ele, ou qualquer milionário sozinho poderia salvar o Haiti. Afinal, o que é um país com pouco mais de 27 mil km2, com apenas 9 milhões de pessoas? Não passa de uma grande cidade brasileira ou mexicana! Será que não conseguimos salvar sequer uma cidade ou uma ilha?
Mas estou propondo algo menos personalista. Se descobrirmos o modo de salvar o Haiti, vocês hão de concordar, estaremos descobrindo como salvar este mundo. É sério. E digo logo: ou salvamos o Haiti, ou perecemos todos.
Senhores Donos do Mundo: vamos transformar o Haiti, que tem sido um território de desgraças num laboratório da vida. E ampliando algo que disse antes, reafirmo: se não conseguirmos salvar o Haiti, näo conseguiremos salvar a África. Se não conseguirmos salvar o Haiti e/ou a África não conseguirmos salvar o mundo.
Vou mais longe: não podemos continuar erguendo brindes no convés do Titanic. O navio já se chocou com o iceberg e começa a vazar água na casa de máquinas. Não é hora de disputar quem vai fazer a última ceia na mesa do comandante.
Ou salvamos o Haiti ou naufragamos todos. Afinal, é apenas um pedacinho de país. E se não conseguimos salvar essa coisinhazinha miúda lá no Caribe, então, Senhores, é melhor decretar a falência do ser humano. tocar logo fogo na Amazônia e degelar nossas últimas esperanças.
Meu caro operário Lula: o Senhor é hoje um dos ""donos do mundo" como reconhece a imprensa internacional. Pois convença os seus colegas que não basta aquela minguada tropa da ONU, dirigida heróicamente pelo Exército Brasileiro. Não basta um socorro de emergência. Vamos fazer um projeto a médio e longo prazo. Urge fazer, em escala mundial, um PAC (Plano de Ação Continuada) e uma UPP ( Unidade da Polícia Pacificadora), para devolver aos haitianos o que o mundo lhes roubou sistematicamente.
Comecemos pelos grandes devedores históricos. Ora, a Espanha, a França e os Estados Unidos tëm nisto uma responsabilidade incomensurável. A Espanha porque foi a primeira exploradora do país, a França napoleônica porque espoliou a colônia, prendeu e matou seu lider Henri Christophe e os USA por ter ocupado (para nada) com seus "marines" o Haiti, por mais de 20 anos.
Obama, você que é preto, descendente de escravos, viveu na África e chegou à presidência dos Estados Unidos, vai nessa, junte-se ao "Cara" aqui do Brasil e faça história.
Pessoas de coragem e de caráter como Zilda Arns, que lá sucumbiu tragicamente tentando tenazmente melhorar a vida dos haitianos, podem fazer diferença. Mas a questão ali e em outras partes não pode ser resolvida mitigando uma ou outra necessidade. Afinal, para que serve a globalização? Só para enriquecer os ricos?
Volto àquela metáfora marítima tão verdadeira quanto pedagógica: o Haiti assemelha-se a uma pequena embarcação à deriva no mar da história. Diante do Titanic, é quase nada, não passa de canoinha, de um piroga.
Se não conseguirmos salvar essa canoinha é melhor desistir de salvar o Titanic.
Affonso Romano de Sant’Anna
escritor
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