Texto publicado originalmente, aqui na Escola-de-Redes, em 06/02/09.
Uma das coisas mais bacanas das redes sociais distribuídas é a chamada “lógica da abundância”. Dizendo de outra maneira, de uma perspectiva menos estrutural e mais processual: se você não produz artificialmente escassez quando se põe a regular qualquer conflito, produz rede (distribuída); do contrário, produz hierarquia (centralização).
Os problemas que se estabelecem a partir de divergências de opinião são – em grande parte – introduzidos artificialmente pelo modo-de-regulação. Por exemplo, queremos escolher 5 pessoas para uma função qualquer, mas 10 pessoas estão postulando. Problema? Que nada! Basta escolher as 10. Quem disse que teriam que ser apenas 5? Essa determinação está, por acaso, nos “10 Mandamentos”? Isso só será um problema se nos tornarmos escravos dos estatutos e regimentos: sim, em algum lugar foi definido que teriam que ser 5 pessoas, mas e daí? Qual o problema de mudar essa definição?
Ah! Mas é muita gente, não cabe na sala, vai dificultar o processo de decisão... Todas essas são, é óbvio, desculpas esfarrapadas para produzir artificialmente escassez. Não cabe na sala? Arrumamos uma sala maior ou fazemos um rodízio de quem entra e quem fica fora de cada vez. Vai dificultar o processo de decisão? Criamos duas instâncias e redefinimos as responsabilidades pelas funções.
O fato é que somente em estruturas hierárquicas essas coisas são realmente problemas. Porque nessas estruturas o que está em jogo não é a funcionalidade do organismo coletivo e sim o poder de mandar nos outros, quer dizer, a capacidade de exigir obediência ou de comandar e controlar os semelhantes.
Quanto mais distribuída for uma rede, mais a regulação que nela se estabelece pode ser pluriarquica. Uma pessoa propõe uma coisa. Ótimo. Aderirão a essa proposta os que concordarem com ela. E os que não concordarem? Ora, bolas, os que não concordarem não devem aderir. E sempre podem propor outra coisa. Os que concordarem com essa outra coisa aderirão a ela. E assim por diante.
O papel dos administradores das ferramentas de netweaving usadas em uma rede não é o de chefes, nem mesmo o de líderes. Eles devem ser netweavers, não coordenadores. Nem sempre um netweaver é a pessoa mais importante. Tem os hubs. Tem os inovadores. Todos esses papéis são tão os mais importantes em uma rede do que o de netweaver.
Muitas vezes os administradores de sites e grupos em uma plataforma interativa como o Ning ou o Drupal não cumprem nem mesmo o papel de netweavers. São apenas pessoas que tomaram a iniciativa de abrir um site, formar um grupo, colocar um tema em discussão em um fórum ou marcar um evento. Quem deve aderir a essas iniciativas? Quem quiser. E quem não quiser? Quem achar que não é bem assim, que poderia ser melhor “um pouquinho”, que o desenho não está adequado, que a proposta está equivocada etc., pode sempre dizer isso para as pessoas que tomaram a iniciativa. E se não adiantar, se essas pessoas insistirem em manter o que propuseram? Ora, nesse caso, também não deveria haver o menor problema. Quem não está totalmente satisfeito ou confortável com o que foi proposto, pode propor outra coisa.
Vamos pegar o nosso próprio exemplo, o da Escola-de-Redes. Aqui nunca se admite a votação como método de regular majoritariamente qualquer dilema da ação coletiva. E quando há discordâncias de opiniões, como fazemos? Ora, não fazemos nada! Por que deveríamos fazer alguma coisa? Viva a diversidade!
Se você estabelece alguma coisa a partir da votação, cai numa armadilha centralizadora ou hierarquizante. Produz “de graça” escassez onde não havia.
Vamos imaginar, por hipótese, que exista alguém que não esteja muito contente com a maneira como o administrador de algum grupo ou do próprio site da Escola-de-Redes está conduzindo a coisa. O que essa pessoa pode fazer, além de externar sua opinião e colocá-la em debate?
Ora, no limite, essa pessoa descontente pode abrir um novo site aqui no NING (é fácil e gratuito) e chamá-lo de Escola de Redes (acrescentando, por motivos técnicos – para satisfazer exigências do sistema, se não quiser lançar mão de outro – um diferencial designativo qualquer, como ‘Escola de Redes 2’, ou Escola de Redes B’). Ela tem toda a liberdade – e legitimidade – para fazê-lo. Se mantiver os objetivos (investigação sobre redes sociais) e os requisitos organizacionais da escola (topologia distribuída), não será outra coisa, senão a Escola de Redes. E quem vai aderir? Quem quiser.
A rigor, cada nodo já é uma outra-e-mesma escola. Cada nodo pode, se assim desejar, abrir seu próprio site no NING (ou em outra plataforma interativa qualquer) ao invés de figurar como um grupo aqui.
Considerando, porém, a aceitação geral desta Escola-de-Redes e o seu nível de atividade (relativamente alto em vista do pouco tempo de existência), tudo indica que ainda é melhor ficar por aqui. Um dia, entretanto, pode não ser. Mas o mundo não vai cair por causa disso.
A Escola de Redes não é uma organização se expandindo e sim uma idéia se disseminando. Como a vida – na bela imagem de Lynn Margulis – ela não se apossa do globo pelo combate e sim pela formação de redes. No plural.
Foi pensando nisso que escrevi, no segundo semestre do ano passado, o texto “Articule você também uma escola de redes”.
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