“Pois será uma satisfação perfeitamente positiva ingerir alimentos sadios, ter menos barulho, estar num meio ambiente equilibrado, não mais sofrer restrições de circulação etc.” Jacques Ellul
Desde bem cedo, ainda não havia entrado em uma faculdade de Medicina tampouco tinha ainda cursado Filosofia nem Ciências Sociais, sempre tive uma curiosa aversão à idéia de que crescimento significava explorar mais, produzir mais, construir mais estradas e edifícios e consumir mais. Para um jovem adolescente, a idéia de que quanto mais rápido explorássemos o meio-ambiente mais rápido ele se extingüiria pode ser assustadora. Razões mais imediatas, como paquerar, escutar música e um concurso vestibular que se aproxima afastam um pouco o horror daquele pensamento.
Recentemente, entretanto, o Roda de Ciência trouxe o tema à tona e não consegui deixar de voltar a refletir mais profundamente sobre ele.
Se você, como eu, sente-se vivendo dentro de 1984 - ficção de George Orwell acerca de um estado totalitário em que este Estado é onipresente, tem capacidade de alterar a história e o idioma com o objetivo de manter sua estrutura inabalada - quando o presidente dos Estados Unidos do Norte da América, George Bush, solta afirmações como “Economic growth is the key to environmental progress, because it is growth that provides the resources for investment in clean technologies. Growth is the solution, not the problem.” (O crescimento econômico é a chave para o progresso ambiental, porque este crescimento provê as condições para investir em tecnologias limpas. O crescimento é a solução, e não o problema), você vai gostar de ler o que tenho a dizer nas linhas abaixo.
Como o francês Serge Latouche, acredito que, muito mais além de planejarmos um “Desenvolvimento Sustentável”, precisamos mesmo é arquitetar um “Decrescimento Sustentável”.
Em seu artigo As vantagens do decrescimento, publicado no Le Monde Diplomatique em novembro de 2003, Serge constata: “Depois de algumas décadas de desperdício frenético, parece que entramos na zona das tempestades – no sentido próprio e no figurado... As perturbações climáticas são acompanhadas pelas guerras do petróleo, que serão seguidas pela guerra da água, mas também por possíveis pandemias, desaparecimento de espécies vegetais e animais essenciais como conseqüência de catástrofes biogenéticas previsíveis. Nessas condições, a sociedade de crescimento não é sustentável, nem desejável. É urgente, portanto, que se pense numa sociedade de “decrescimento”, se possível serena e convivial.”
Em 1972, o Clube de Roma encomendou ao MIT um estudo transformado em livro e chamado de Os limites do crescimentoonde já se afirmava que o Planeta Terra não agüentaria o ritmo de crescimento mesmo com o avanço da tecnologia devido à pressão sobre os recursos naturais e energéticos e o aumento da poluição.
A conclusão do Clube de Roma em 1972 não poderia ter sido mais trágica: Se as tendências atuais de crescimento na população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e depleção de recursos continuarem imutáveis, os limites do crescimento neste planeta serão atingidos nos próximos 100 anos. O resultado mais provável será uma súbita e descontrolada queda na população e na capacidade industrial*.
Alguns críticos como Herman Kahn responderam: Com a atual e próxima tecnologia, poderemos suportar 15 bilhões de pessoas no mundo com 20 mil dólares per capita por um milênio – e isso parece ser uma afirmação bastante conservadora**. Julian Simon acrescentou: As condições materiais da vida continuarão a melhorar para a maioria das pessoas, na maioria dos países, na maioria do tempo, indefinidamente. Em um século ou dois, todas as nações e a maioria da humanidade estará no mesmo nível de vida do padrão Ocidental ou acima dele***.
O consenso atual parece ser: Seres humanos e o mundo natural estão em curso de colisão. As atividades humanas infligem danos por vezes irreversíveis ao ambiente e em recursos críticos. Se não reavaliadas, muitas de nossas práticas colocam em sério risco o futuro que queremos para a sociedade humana e os reinos animal e vegetal, e podem alterar o mundo em que vivemos a ponto de se tornar insustentável viver da maneira que conhecemos. Mudanças fundamentais são urgentes se quisermos evitar a colisão à qual nosso presente curso está nos levando.****
Em entrevista para a Revista Vida Simples, Serge Latouche propõe a libertação da ditadura econômica e do consumo para a reinvenção de um futuro sustentável. Afirma que “uma sociedade não pode sobreviver se não respeitar os limites dos recursos naturais”, e propõe “um círculo virtuoso de descrescimento: Reavaliar, Reconceitualizar, Reestruturar, Relocalizar, Redistribuir, Reduzir, Reutilizar, Reciclar . (...) Reconceitualizar é mudar nossa maneira de pensar. É uma verdadeira revolução cultural.”
Não há como acabar com as drogas sem educar os drogaditos. Os drogaditos, no caso, somos cada um de nós. Se continuarmos com o ritmo de consumo acelerado e excessivo, estamos dando poder àqueles que pretendem manter a situação do jeito que está. Não basta somente consumir menos mas saber que com as escolhas do que consumimos conseguimos mudar a forma com que os produtos são produzidos. Na mesma entrevista citada acima, Serge ilustra a afirmação com o seguinte exemplo: “Você pode comer um bife em que o gado é criado em pastos naturais ou um bife de uma fazenda que obedece à lógica do mercado. No último caso, você come petróleo. Ele incorpora 6 litros de petróleo. Como isso é possível? O gado é alimentado com soja que é plantada na Amazônia. Os tratores destróem florestas, fazem a plantação e despejam os pesticidas. Tudo isso é petróleo. Devemos colocar esse sistema em causa, e não o fato de comermos um bife.”
O crescimento da produção e do consumo de produtos orgânicos certificados, produzidos por famílias de agricultores é um alento e caminha na direção que precisamos.
Quando passamos a discutir a matriz energética, muito antes de pensar em desenvolver e explorar fontes renováveis de energia, deveríamos isso sim nos preocupar com maneiras de reduzir este consumo.
É interessante observar que o que hoje alguns chamam de desenvolvimento sustentado, outros de anti-produtivismo e outros ainda de decrescimento sustentado têm um objetivo comum: reduzir a “pegada” humana, o impacto que o homem imprime sobre o ambiente em que vive, garantindo a possibilidade da permanência da raça humana sobre a Terra pelo máximo de tempo possível. Apesar de muito se discutir acerca do tema, precisamos entender o que nos impede de desejar uma vida mais simples e feliz. Qual é a ilusão que nos é vendida (e que compramos) que está a obliterar nossa visão.
“O altruísmo deveria preceder o egoísmo, a cooperação, preceder a competição desenfreada, o prazer do lazer, preceder a obsessão pelo trabalho, a importância da vida social, preceder o consumo ilimitado, o gosto pela bela obra, preceder a eficiência produtivista, o razoável, preceder o racional etc. O problema é que os valores atuais são sistêmicos. Isso significa que são suscitados e estimulados pelo sistema e que, em contrapartida, contribuem para reforçá-lo. É claro que a escolha de uma ética pessoal diferente, como a simplicidade voluntária, pode mudar a direção da tendência e solapar as bases imaginárias do sistema, mas sem um questionamento radical deste último, a mudança corre o risco de ser limitada.” Serge Latouche
Em seu artigo The globe downshifted, publicado em 2006, Serge Latouche lembra os Principles of Political Economy, de John Stuart Mill, publicados em 1848, onde o autor escreveu que “todas atividades humanas que não envolvam o consumo desarrazoado de materiais insubstituíveis ou não danificam o ambiente de forma irrevogável podem ser desenvolvidas indefinidamente”. Ele ainda adicionou que poderiam então florescer aquelas atividades que a maioria consideram como as mais desejáveis e satisfatórias, como educação, arte, religião, pesquisa fundamental, esportes e relações humanas.
"O Produto Interno Bruto mede tudo exceto aquilo que faz a vida valer a pena." Robert Kennedy
E seria a idéia do descrescimento sustentável compatível com o atual sistema capitalista? A resposta é Sim. O Instituto Wupperthal para o Clima, o Ambiente e e Energia desenvolveu uma série de estratégias do tipo ganha-ganha para a interação da natureza com o capital. O esquema Negawatt busca cortar o consumo de energia em três quartos sem uma drástica redução nas necessidades humanas. Ela propõe um sistema de taxas, normas, bônus e subsídios seletivos para tornar um ambiente virtuoso uma alternativa economicamente interessante e evitar perdas em larga escala. Um bom exemplo é estimular a construção de casas energeticamente mais eficientes, mesmo mais caras, concedendo créditos a serem trocados posteriormente.
Em seu texto de 2006, Latouche propõe uma pequena série de mudanças que, segundo ele seriam capazes de colocar os ciclos virtuosos em movimento. São elas:
- Reduzir nossa pegada ecológica ao ponto de que a mesma passe a ser igual ou inferior aos recursos do Planeta Terra. Isso significa trazer a produção de materiais de volta aos níveis da década de 60 ou 70.
- Internalizar os custos de transporte
- Relocalizar todas as formas de atividades
- Retornar a uma produção em pequena escala
- Estimular a produção de “bens relacionais” - atividades que dependem de relações interpessoais fortes, tais como cuidar de enfermos ou pessoas terminalmente doentes, massagens e até psicanálise, sendo negociadas comercialmente ou não, ao invés da exploração dos recursos.
- Reduzir o gasto energético em três quartos
- Taxar severamente os gastos com publicidade
- Decretar uma moratória na inovação tecnológica, levando a uma avaliação profunda de suas conquistas e uma reorientação da pesquisa técnica e científica de acordo com novas aspirações.
Uma das chaves para o sucesso deste programa é a interiorização de diseconomias externas, ou seja, os custos provocados por um ator que são herdados pela comunidade, como por exemplo a poluição. Se as empresas poluidoras passarem a pagar pela poluição produzida como sugeriu Arthur Cecil Pigou, certamente teríamos um painel atual diferente do atual. Suas Taxas Pigovianas, idealizadas no começo do século passado e publicadas em 1912 e 1920 na sua obra Wealth and Welfare podem ser consideradas as precursoras da idéia do atual sistema de comércio e créditos de carbono.
A sociedade moderna ainda vive impregnada pela ilusão de que o consumo de massa deve ser o principal motor da economia e esta ilusão é alimentada pelo fato de que nas nações assim ditas desenvolvidas os bens que antes eram reservados a uma elite econômica são agora disponíveis em grande escala e, promete-se, o luxo de hoje será acessível a todos amanhã. E neste ritmo vamos vivendo enquanto a nação-exemplo deste sistema de vida, os Estados Unidos do Norte da América estão chegando à impressionante marca de 9,5 trilhões de dólares para sua dívida interna.
“It is the emergence of mass media which makes possible the use of propaganda techniques on a societal scale. The orchestration of press, radio and television to create a continuous, lasting and total environment renders the influence of propaganda virtually unnoticed precisely because it creates a constant environment. Mass media provides the essential link between the individual and the demands of the technological society.” ( É a emergência de uma mídia de massa que torna possível o uso de técnicas de propaganda em uma escala de sociedade. A orquestração de imprensa, rádio e televisão para criar um ambiente contínuo, duradouro e total leva a uma influência praticamente não notada da propaganda, justamente pela criaçào deste ambiente constante. A mídia de massa providencia uma ligação essencial entre o indivíduo e as demandas da sociedade tecnológica) Jaques Ellul
A sociedade do crescimento é capaz de, numa só tacada, produzir o aumento das desigualdades e das injustiças, criar um bem-estar amplamente ilusório e deixar de promover para os “favorecidos” uma sociedade convivial, lhes oferecendo uma anti-sociedade doente pela sua própria riqueza, onde a violência, a depressão e a anestesia dos sentidos são a marca primordial.
A estratégia proposta pelo decrescimento imagina que a regulação desenhada para forçar uma mudança, aliada a uma utopia de convivência ideal levará a umadescolonização do imaginário (termo cunhado por Cornelius Castoriadis) e encorajará um comportamento virtuoso suficiente para produzir uma solução razoável: uma democracia ecológica local. Para os mais desatentos, “democracia ecológica local” é um outro termo para anarquia.
A revitalização do “local” além de reaproximar as pessoas é capaz de manter viva a diversidade cultural em contraposição à normalização proposta pela globalização, mais uma das mentiras vomitadas diariamente pelo etnocentrismo ocidental.
Para o economista Takis Fotopoulos, a verdadeira democracia só pode subsistir em comunidades pequenas, com até 30 mil pessoas, um tamanho no qual todas as necessidades básicas poderiam ser supridas.
Utopicamente, o urbanista italiano Alberto Magnaghi sugere um longo e complexo período de purificação, durando de 50 a 100 anos, no qual as pessoas não continuariam a buscar mais e mais áreas para produção e criação de vias de transporte entre elas, mas concentrariam seus esforços na limpeza e reconstrução dos sistemas ambientais e territoriais que foram destruídos e contaminados pela presença humana.
Do ponto de vista de Fotopoulos, concentrar-se nas eleições e atividades locais nos dá a chance de mudar as coisas iniciando “por baixo”, o que é a única estratégia verdadeiramente democrática. É completamente diversa dos métodos baseados no estado (que tentam mudar a sociedade de cima tomando o controle do estado) e das atividades da “sociedade civil” (que não tentam mudar o sistema em nenhum momento).
A principal mensagem que um foco no descrescimento deve passar é a de que consumindo menos estaremos não só reduzindo danos à Natureza mas também, por conseqüência, necessitaremos trabalhar menos, fazendo com que todos possam também trabalhar menos e viver melhor. Com isso, teremos mais tempo livre para gastar com coisas que só podem nos fazer bem, como ler, escutar música, criar, brincar, passear, cuidar e educar nossos filhos, interagir com nossos amigos e familiares e até mesmo contemplar a vida e o mundo.
Reduzir intensamente o tempo de trabalho é fator sine qua non para garantir a todos um emprego satisfatório. Aqueles sem emprego terão um e aqueles que já têm um trabalharão menos. Já em 1981, Jacques Ellul, um dos primeiros pensadores da sociedade do descrescimento, já determinava como objetivo para o trabalho não mais do que duas horas por dia. Apesar de concordar ferozmente com Jacques e acreditar que, em comunidades fechadas este ideal possa ser de fato atingido até o fim deste século, a disseminação deste ideal para a grande massa da população encontra-se em um horizonte escondido atrás de densas nuvens de poluição, produzidas pela sede exploradora das grandes corporações e pelo desejo hiperconsumista da sociedade atual e que, de forma chocante, germina em cada grito e choro desconsolado de uma criança que pede para os pais o último modelo de celular, aquele com uma câmera de X megapixels.
Como diz Eduardo Galeano, um dos meus pensadores preferidos, "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
Para caminhar junto: O Pensador Selvagem e, em breve, A Coolméia.
Para ler mais:
Mr Corcoran, meet Mr. Orwell – sobre as Taxas Pigovianas
* "If the present growth trends in world population, industrialization, pollution, food production, and resource depletion continue unchanged, the limits to growth in this planet will be reached sometime within the next 100 years. The most probable result will be a rather sudden and uncontrolled decline in both population and industrial capacity"
** "With current and near current technology, we can support 15 billion people in the world at twenty thousand dollars per capita for a millennium - and that seems to be a very conservative statement."
*** "The material conditions of life will continue to get better for most people, in most countries, most of the time, indefinitely. Within a century or two, all nations and most of humanity will be at or above today´s Western living standards."
**** "Human beings and the natural world are on a collision course. Human activities inflict harsh and often irreversible damage on the environment and on critical resources. If not checked, many of our current practices put at serious risk the future that we wish for human society and the plant and animal kingdoms, and may so alter the living world that it will be unable to sustain life in the manner that we know. Fundamental changes are urgent if we are to avoid the collision our present course will bring about."
(trechos em inglês retirados do blog Futuro Comprometido)
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