quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A linguagem dos padrões - Itamar Vieira

padroesQuando se estuda permacultura, em cursos regulares ou como autodidata, logo se percebe que um dos assuntos mais difíceis de serem compreendidos e colocados em prática é, sem dúvida, aquele sobre padrões naturais. Os estudantes costumam dizer que falta algo para facilitar a compreensão. E há também os que não vêem sequer como o conceito de padrões pode realmente servir ao design permacultural.
Este artigo pretende auxiliar aqueles que desejam ir além do uso dos clássicos padrões naturais (espirais e dicotômicos, por exemplo) como meros modelos a serem imitados em sua forma ou comportamento. Compreender os padrões naturais nos tornará melhores observadores dos sistemas complexos da natureza. Quem mais bem observa, mais bem compreende e, para o permacultor, essa competência é fundamental.
Para começo de conversa
Os sistemas complexos não podem ser explicados por meio de fórmulas científicas. Os desafios do nosso tempo não são lineares como sugere o paradigma mecanicista. Fritjof Capra, no livro intitulado Sabedoria Incomum, relata sua busca por um arcabouço de conhecimentos que permitisse a construção de uma nova visão de mundo, uma abordagem sistêmica. Nesta busca, conheceu as idéias de Gregori Bateson, para quem a relação entre os fenômenos deveria ser a base para todo e qualquer enunciado científico. Segundo ele, a chave está em descobrir nos objetos de observação os princípios de organização que os colocam em relação com os demais; desvendar “o padrão que une” os fenômenos. Para ilustrar seu pensamento original, Bateson costumava brincar com o seguinte silogismo de Sócrates:
“O homem morre. Sócrates é homem. Portanto, Sócrates morre.”
Dizia, bem humorado, que pela lógica tradicional do silogismo anterior, é possível afirmar que:
O homem morre. O capim morre. Portanto, o homem é capim.
Por um lado, Bateson nos mostra que a velha lógica não resolve todos os problemas e, por outro, sugere que precisamos identificar padrões, conhecer as metáforas, ou seja, as relações de semelhanças entre as coisas a fim de compreender a natureza dinâmica da realidade. Quando comparamos um homem a um capim, sistemas complexos de naturezas diferentes, estamos identificando um padrão que os une, a morte.
Harmonias
O princípio filosófico da permacultura de “observação atenta da natureza e transferência para o cotidiano” requer uma nova lógica, uma nova maneira de pensar e observar, daqueles que perderam a conexão com a Mãe Terra e passaram a valorizar somente os conhecimentos provados cientificamente, vindos das academias. Para eles, o velho é novo. Nossos índios têm muito o que lhes ensinar.
No norte do Brasil existe uma árvore conhecida como mulateiro, que tem a característica de repor a casca facilmente, quando lhe é tirada. Os índios e caboclos, de tanto observarem a árvore, relacionaram este comportamento ao processo de regeneração de pele de pessoas que sofrem queimaduras. Por causa do padrão observado, fizeram diversas experiências para descobrir uma medicina que acelerasse o processo de regeneração da pele. O extrato da casca do mulateiro mostrou-se um excelente curativo para queimaduras e para outros males cutâneos.
A lógica por trás deste exemplo é que a natureza nos dá as respostas necessárias sem que precisemos de noções científicas precisas. Quando o negócio é trocar de pele, posso “perguntar” ao mulateiro como se faz e ele me dirá. O vento nos avisará a hora de podar uma árvore; o macaco ensinará a plantar o cacau e a gralha azul, a araucária. A natureza fala a linguagem dos padrões.
Na permacultura, temos o exemplo de Bill Mollison sobre o conceito dos círculos de bananeiras. Ao observar uma clareira na floresta, viu que as copas dos coqueiros derrubados pelos ventos fortes formavam um círculo. Os filhotes de coqueiros nascidos a partir dali eram extremamente beneficiados pelo acúmulo de matéria orgânica e umidade no centro do círculo. O mesmo acontece às culturas do mamoeiro e da bananeira. Posteriormente, a busca de novos padrões levou ao uso do círculo de bananeiras para o tratamento das águas cinzas por causa da capacidade de evaporar grandes quantidades de água.
Cito aqui outro exemplo de padrão de comportamento pouco percebido, que é bem usado pelo agricultor e pesquisador Ernst Götsch em suas agroflorestas. Nas clareiras naturais ou criadas pelo homem, as novas plantas sofrem influências das árvores mais próximas. Observou-se que toda árvore tem um raio de influência sobre suas vizinhas correspondente a sua altura. Se estão velhas, transmitirão essa informação às mais novas, que parecerão mais velhas, tal e qual aquelas matrizes. Estas pequenas árvores não vão se desenvolver como as suas irmãs mais distantes, mesmo sob condições idênticas de luz, água e solo.
O permacultor não precisa conhecer o motivo pelo qual as árvores se comportam desse jeito, basta-lhe observar o padrão e aproveitá-lo da melhor maneira possível. Diante dos fatos, decidirá plantar as árvores novas mais distantes das velhas ou vai podar a árvore dominante para que ela rebrote e passe para as arvorezinhas uma nova informação. O sistema florestal será beneficiado de um jeito ou de outro.
Por este exemplo anterior é possível inferir que a linguagem dos padrões pode ser desvendada na observação de plantas companheiras. Só devemos tomar cuidado para não interpretar como padrão de comportamento aquilo que observamos de maneira rápida e pouco representativa. A melhor dica é colocar-se diante de situações diferentes a fim de saber se o padrão se repete ou se não houve um erro de interpretação. Para ser um padrão, há de ser repetitivo.
A natureza da Natureza
A teoria dos “sistemas auto-organizadores” de Ilya Prigogine, prêmio Nobel em química de 1977, é outra grande contribuição para o entendimento dos padrões naturais. Ilya sustenta que os padrões de organização característicos dos sistemas vivos podem ser resumidos em termos de um único princípio dinâmico: o princípio da auto-organização. Um organismo vivo, mesmo interagindo e sofrendo influências do meio ambiente, organiza-se de acordo com determinações internas, e não externas. A organização não vem de fora, mas de dentro. É auto-organização.
Vou dar um exemplo. Quando ficamos expostos ao sol, nossos poros se abrem e, então, suamos. Não é o sol ou o calor que determina este comportamento. Nosso complexo sistema de auto-regulação da temperatura interna é que decide qual o meio mais eficaz de realizar este equilíbrio.
Assim, concluímos que quando um sistema criado por nós, do qual fazem parte vegetais e pequenos animais, não se comporta exatamente como queríamos inicialmente, temos que abrir o espaço para que os sistemas complexos vivos dêem suas próprias respostas às nossas ações e à influência que sofrem do meio. Como aprendizes da natureza, nos cabe observar o que aconteceu e perceber novas conexões de que ainda não havíamos nos dado conta.
Os sistemas vivos são complexos, não no sentido de complicados, mas porque são o resultado de diversas conexões. As ações antrópicas, aquelas feitas pelo homem, são em geral simplistas por desconsiderarem as diversas conexões que acontecem num mesmo fenômeno natural. Um exemplo triste é o do uso dos transgênicos. Em Portugal, uma plantação de girassóis geneticamente modificados recebeu uma forte carga de herbicidas. Os venenos deixaram vivos os girassóis, mas mataram centenas de milhares de abelhas responsáveis pela polinização. Resolveram, então, pesquisar um girassol transgênico que também não precisa da polinização. É mole tanta miopia e simplificação da realidade?
Conclusão
Tudo isso reforça a necessidade, para o estudo de sistemas complexos, de uma nova linguagem retratadora (como uma fotografia) ao invés de descritiva (texto linear). A linguagem dos padrões usa os 5 sentidos. Os fatos podem ser observados pela visão e retratados por imagens, deixando àqueles que recebem a informação, a possibilidade de observar com seus próprios olhos. Uma abordagem direta certamente dará à informação uma nova qualidade. Me atrevo a dizer que o verdadeiro conhecimento acontece quandoinformação e experiência se econtram num mesmo contexto. Sozinha, a informação é vazia e estéril.
O uso da linguagem dos padrões economiza mil palavras e ainda facilita o trabalho, permitindo a consolidação do design permacultural por meio da comparação entre necessidades e funções de cada elemento com a realidade circundante. Consolidar nesse caso significa verificar se não ficaram pontas sem conexão.
A linguagem dos padrões nos dá a base para descobrir o novo, o improvável, o impensado.
Nosso exercício diário no manejo de nossos sistemas permaculturais é estabelecer relações entre os elementos do design, vegetais, animais e estruturais (comportamento, forma, função, necessidade, …). Prestar atenção aos fatos mais corriqueiros do nosso dia a dia, fazendo sempre a mesma pergunta: qual é a relação aqui? E deixar a pergunta agir em nós pelo tempo que for necessário. Não precisamos nos apressar em ter uma resposta.
Agradecimentos
Este texto foi inspirado nas idéias e pesquisas de Gregory Bateson, Fritjof Capra, Bill Mollison, David Holmgreen, Ernst Götsch, nas minhas conversas com meus amigos e mestres permacultores, de muitas pessoas que vieram antes de todos nós e principalmente, observando a mestra de todos nós, a natureza. Idéias não tem donos, usem e divulguem.
Obs.: Este artigo também foi publicado na Revista Permacultura Brasil, edição No 16.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SER(ES) AFINS