David Holmgren
artigo retirado da página www.permear.org.br, 22/8/2007
A mudança exterior começa internamente
Silvia Pugsley
De passagem pelo Brasil, Holmgren fala sobre sua vida, a evolução de suas idéias, o rumo que a permacultura tomou com o tempo e a situação atual do meio ambiente
Um dos criadores da Permacultura, David Holmgren, esteve no Brasil, onde ministrou curso sobre o tema para permacultores formados. Durante a estadia de uma semana em Florianópolis em maio passado, Holmgren concedeu uma entrevista na casa dos permacultores Jorge Timmermann e Suzana Maringoni. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Silvia – Como é a sua vida na Austrália?
Holmgren - A gente mora numa cidade pequena, com 6 mil pessoas, é como uma vila. Há ainda duas comunidades com as quais estamos envolvidos. A vila que tem poucas pessoas. Algumas são permacultoras e outras não, mas todos temos um jeito similar de viver. Talvez sejamos vistos como mais extremistas e radicais para os australianos que possuem um jeito de viver muito dependente do consumo. Outras pessoas consideram radicais apenas algumas das coisas que fazemos. Eu acredito que a gente balanceia. Meu trabalho é mais ou menos um terço de trabalho com design, ensinar (permacultura) e falar em público, mais um terço de pesquisa e contatos e outro terço trabalhando na terra.
Silvia – Você tem alguma restrição quanto à comida?
Holmgren - Eu digo que as restrições da natureza são as maiores. Escolhemos não comer aquilo que não cresce em nossa região. Não como um tabu, mas pelo fato de considerar essas coisas artigos de luxo. Todas as pessoas na Austrália comem bananas. Eu não tenho bananas e laranjas em casa. Elas são comidas de luxo por virem dos trópicos e não crescem em nenhum lugar perto dos mil quilômetros onde vivemos. As pessoas vêem essas coisas como comuns. Eu não digo que sejam boas ou ruins, mas as vemos como especiais. O café é assim para nós também. Parte por ser subtropical e parte por não acharmos que seja tão saudável.
Quando meu filho era mais novo, banana era seu “doce especial” (risadas). Quando ele tinha quatro anos nós fomos para Queensland (estado no nordeste da Austrália) para uma visita e prometemos que compraríamos “um balde” de banana para ele. Isso, que é algo tão comum para a maioria das pessoas, foi muito especial para ele. Nós fazemos coisas que celebram o lugar em que você vive, então quando você vai para outro lugar, pode diferenciar. Su (sua esposa) foi vegetaria por 15 anos, antes de me conhecer. No início morávamos na cidade. Eu nunca fui vegetariano, mas na cidade comíamos comida vegetariana na maior parte do tempo. Quando mudamos para o campo, expliquei para ela que carne era muito mais fácil de produzir naquele lugar. Então por muito tempo consumimos apenas carne de nossos próprios animais. Usamos muitos produtos de laticínio. Então alguma carne nós comemos, mas nunca comprada no sistema habitual. Isso faz com que nosso consumo de carne seja ocasional. Temos muitos amigos que são vegetarianos, mas cada vez mais conhecemos pessoas envolvidas em permacultura que seguem esse nosso padrão: comem um pouco de carne, mas só quando há uma conexão com o animal. Acredito também que isso varie de acordo com a localização da pessoa. É mais natural ser mais vegetariano em determinados lugares e ser mais carnívoro em outros. É assim que acontece na natureza e é como os indígenas tendiam a ser.
Silvia – Como a permacultura vê isso?
Holmgren - A permacultura sempre vê as coisas dentro de um contexto, de um ponto de vista relativo. Depende da situação. Muitas idéias e coisas filosóficas podem ser consideradas absolutas, dizendo que se algo é bom, seria bom se todos fizessem e vice-versa. Já na natureza depende. O exemplo que costumo dar é que quando estava em Israel, em 1994, vimos muitos porcos selvagens começando a se desenvolver em florestas e os judeus não comem porcos. Então perguntei para eles se ninguém os caçava. Eles disseram que às vezes moradores de vilas cristãs. Eu olhei para ele e disse que ele vai precisar de mais cristãos no futuro, pois vai haver cada vez mais porcos (risos). Então, você não precisa ser como outras pessoas para estar numa relação ecológica. Digo algo parecido com isso eu digo para meus amigos “vegans”. Se você imaginar uma sociedade na qual todos são vegetarianos ou particularmente “vegans” seria uma existência miserável. Porém, se esse for o caso de apenas 10% da população, já não é um problema. O mesmo acontece se pararmos para pensar numa civilização com pouca energia no futuro, que não deixa de ser uma possibilidade, se continuarmos a viver como vivemos. Eu percebi essa relação falando com pessoas que cuidavam de uma casa de hóspedes, enquanto eu dava cursos de design permacultural. Estávamos negociando pela primeira vez o que podíamos fazer. Eu sugeri que não usássemos muitos ovos e, quando usássemos, que fossem apenas de galinha. No entanto, para eles, como “vegans”, se algo é ruim, é sempre ruim; assim ovos não poderiam ser usados. No caso da permacultura, depende do contexto, da quantidade e das conexões, entre outros fatores que podem variar. Nessa discussão eu percebi que a permacultura sempre olha para as coisas dessa maneira. Isso significa que talvez um grupo de regras que funciona num lugar, pode não funcionar em outros. Por isso, não existem regras propriamente ditas.
Silvia – E quanto você acha que é possível ser auto-suficiente?
Holmgren - Nós conhecemos pouquíssimas pessoas na Austrália que produzem tanto o que consomem, como nós fazemos. Isso dificilmente acontece pelo limite do que pode ser produzido num lugar, mas geralmente pelo que se escolhe comer, mais ou menos como falamos anteriormente. Se você escolhe comer uma grande variedade de coisas, vindas de diferentes lugares, vai ser bem mais difícil de ser providenciado. Se você está preparado para comer o que cresce localmente, então é possível, de um ponto de vista técnico, que sejamos auto-suficientes em termos de comida. Nós ainda não fazemos isso pelo fato de que certas coisas são mais difíceis de serem produzidas em nosso sistema.
Silvia – Então é mais fácil comprar?
Holmgren - Então é mais fácil comprar de produtores locais (orgânicos) que estão perto de nós. Eles possuem a terra e o equipamento para produzir os grãos. Certa vez que viajei pela Europa, em 1994 para dar cursos de permacultura, durante seis meses ficamos em apenas dois lugares nos quais as pessoas produziam mais comida em suas terras do que nós. A impressão que eu tenho é que nos países mais ricos é muito, muito raro que as pessoas produzam sua própria comida. Quando estivemos na Eslovênia, no ano de 2005, visitamos uma comunidade que produzia toda a sua comida. Eles eram em 20 pessoas. No entanto, se você olha para auto-suficiência além de comida, daí eu não posso fazer um computador sozinho. Hoje estamos envolvidos num mundo no qual, para a maioria das coisas que usamos, não podemos alcançar a auto-suficiência. Do meu ponto de vista, nós podemos escolher não usar essas coisas ou podemos escolher usá-las apenas para atividades que são absolutamente essenciais. Então, com algo tão complicado como computadores, minha escolha é lidar com eles cada vez mais para o meu trabalho e não torná-lo essencial. Isso significa utilizá-lo pela sua função, apenas para a busca e divulgação de informações. Eu diria que (o computador) é a cobertura do bolo e nunca o próprio bolo. Outra abordagem que buscamos é saber o máximo possível de uma coisa, para estar hábil a fazer sozinho. Ou seja: aprender a usar e não ser dependente de profissionais o tempo todo. Outra coisa é que, no nosso caso sobre computadores, meu filho Oliver é um técnico e ele faz a assistência. Isso ilustra talvez a cultura de “self-reliance”. Eu digo tudo isso para ilustrar que não é algo preto e branco, não é uma coisa absoluta. A comida é a paixão de Su e ela se esforça muito para, em tudo aquilo que não produzimos, achar alguém que produza. Dessa maneira nós sabemos de onde vem toda a nossa comida e, de qualquer modo, temos uma conexão com aquilo. Não compramos nada do supermercado. Além disso, Su compra dos fazendeiros em grande quantidade e redistribui para outras pessoas. Isso mostra que há um sistema de comida. Também estamos envolvidos em um CSA (Community Suportive Agriculture), que é uma fazenda que vende caixas de vegetais para serem compradas com uma semana de antecedência. Ela organiza esse sistema, mesmo que a gente não vá comer os vegetais, nós os colocamos nas caixas e redistribuímos. Tudo isso traz muitos aspectos de subsistência.
Silvia – Você considera possível reverter a situação ambiental e como a permacultura pode ajudar nisso?
Holmgren - Eu acho que tem duas coisas que afetam mais drasticamente o futuro da humanidade: o fornecimento de petróleo e o aquecimento global. Eu estou convencido de que no futuro haverá menos fontes de energia e temos que tomar rumos diferentes do que seguimos agora. Várias coisas que fazemos agora terão impacto em séculos. Acredito que, com isso, com o passar do tempo as pessoas terão menos força para causar impactos ambientais. Algumas das alterações que veremos em séculos serão boas e outras ruins para nós, mas a trajetória até essas mudanças ainda é incerta. A permacultura tem várias contribuições para essa trajetória e isso se deve principalmente pela menor intervenção na natureza. Ela indica que as pessoas vivam através daquilo que vem da terra, simplificando a vida. A permacultura também pode mostrar para as pessoas um jeito de reduzir a pobreza vivendo em vilas, sítios ou fazendas. O maior problema é que essas pessoas aceitem mudar o jeito como vivem, passando a ter uma vida simples. E eu acredito que precisamos fazer isso, pois o planeta está morrendo.
Outro papel da permacultura é dar a possibilidade de pessoas que não tem nada na cultura tradicional se inserirem de alguma forma. Com isso, alguns elementos da permacultura definitivamente podem ajudar nesse processo. Chamando de permacultura ou não, esse tipo de pensamento deve se tornar normal no futuro. Através da permacultura o processo pode ser menos doloroso e mais produtivo, mas é inevitável que haja um pouco de dor no caminho. É difícil dizer se tem alguma coisa na cultura humana que vai ajudar mesmo a resolver o problema que enfrentamos hoje. Não é assim um problema que pode ser arrumado. Devemos começar mudando a nós mesmos. É um problema que não esta no escopo do projeto humanidade, mas sim, num sistema mais amplo. A gente não pode mudar o clima de uma hora para outra. A humanidade está queimando recursos naturais que foram reunidos em centenas de milhares de anos. Acontecem muitas discussões sobre como podemos consertar esses problemas, mas isso é uma analise puramente técnica para que seja possível manter esse nível de produção que temos atualmente. Com isso, a única coisa que temos o real poder de mudar é a nós mesmos. O lado bom é que as pessoas mudam o comportamento de maneira mais rápida e poderosa do que qualquer outro animal. Podemos nos tornar totalmente diferentes impressionantemente e rápido. Olhando para a permacultura como tecnologia podemos usar essa palavra num sentido mais amplo. Como métodos e técnicas para o homem que podem ser muito poderosas. Principalmente se pensarmos em pessoas de baixa renda. Elas podem não ter as habilidades que se usam nos métodos tradicionais, mas combinando corretamente todas essas coisas terão um instrumento em suas mãos. No entanto, nada é suficientemente poderoso para atingir pessoas ricas, para que elas tenham uma vida mais fácil e simples. Para elas todas as soluções da permacultura parecem pequenas e frágeis perto das soluções que as sociedades industriais possuem. Por exemplo, pegue algo como a idéia da cerca viva. Você pega galhos e os entrelaça, fazendo uma barreira contra animais. Em algumas comunidades africanas os animais comem a produção, então as pessoas não conseguem plantar nada. Uma pequena ação gera uma transformação. De repente as pessoas podem proteger as plantações. Só que elas não fazem isso, pois é mais fácil ir a uma loja e comprar arame farpado. Muito da permacultura é instalar essa mudança de comportamento. Não podemos mudar o sistema externo, mas podemos mudar as pessoas. Desse jeito estamos sempre trabalhando dos dois lados da equação. Mudando o comportamento, você muda o sistema externo. Muito da permacultura fala de mudança de comportamento e de ver essa experiência como positiva. Como um progresso diante daquilo que se faz agora. Não sabemos se a mudança em larga escala poderá ser feita de maneira rápida suficiente e sem essa sensação de dor. Podemos ver que num contexto social é um processo lento. No entanto, chega uma hora que vai ser natural, assim como respirar.
Página: www.holmgren.com.au
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