terça-feira, 20 de outubro de 2009

Caos e Complexidade nas Organizações

Caos e Complexidade nas Organizações
Ruben Bauer
Resumo: O maior dos desafios para as empresas tem sido a tentativa (freqüentemente mal-sucedida) de
acompanhar a evolução de seus ambientes. Tamanha dificuldade se deve a dois fatores: primeiro, as
empresas desejam sempre chegar a algum estado estável, acreditando ser isto possível pela adaptação às
mudanças ocorridas no ambiente externo (princípio do retorno ao equilíbrio); segundo, acredita-se também que
decisões e ações conduzam aos resultados previstos (princípio da linearidade causa-efeito). O que a ciência
contemporânea vem demonstrando, por meio das Teorias do Caos e da Complexidade, é que tanto o equilíbrio
quanto as relações lineares de causa e efeito são antes exceção do que regra, meros casos-limite no mundo
dos eventos naturais. Por que assim também não haveria de ser no mundo dos eventos sociais? Um tal
entendimento vem nos permitir compreender melhor as dinâmicas organizacionais nestes contextos de forte
turbulência, bem como divisar novas possibilidades para que as empresas tornem-se capazes não apenas de
"dialogar" com esta turbulência, mas de tirar partido dela para poder evoluir.
Palavras-chave: teoria das organizações; complexidade; teoria do caos; auto-organização.
1. O retrospecto histórico
Toda a história da teoria das organizações (como aliás toda a história das ciências sociais) encontra-se
permeada pela noção de que quaisquer modelos sejam construídos apenas a partir de premissas que já
tenham sido validadas pela ciência natural. Isto se deve à busca de uma explicação única para a totalidade dos
fenômenos, de um fundamento único para o Universo.
Como exemplos, Adam Smith concebeu a ação de uma "mão invisível" (natural) guiando o comércio e a
indústria conforme a lei também natural da oferta e da procura, e para James Madison o equilíbrio entre as
forças políticas, tal qual o equilíbrio gravitacional entre os corpos celestes, proveria a democracia de uma
harmonia intrínseca. Mas provavelmente nada tem sido mais dramático que o darwinismo social utilizado para
dissolver a compaixão e "esclarecer" serem os pobres os "inadaptados" na "seleção natural" do capitalismo.
Desde Newton, a visão científica universalmente aceita afirmou estar o Universo em equilíbrio (ainda que em
equilíbrio dinâmico, ou seja, em movimento), nem evoluindo nem involuindo, no qual "nada se cria, tudo se
transforma". E acreditou-se também num encadeamento causa-efeito estritamente determinista e linear, onde a
cada causa corresponderia necessariamente um dado efeito.
Tais idéias de equilíbrio e de causalidade legitimavam-se mutuamente: acreditou-se haver uma equivalência
plena entre causas e efeitos. Matematicamente falando, se num dado instante do tempo fossem
simultaneamente invertidas as direções de todas as forças que caracterizam um dado movimento, o tempo
"daria marcha-a-ré", e as causas seriam reconstituídas a partir dos efeitos. Por exemplo, um móvel que desce
um plano inclinado perde altitude, mas adquire uma velocidade que é aquela que lhe seria necessária para
retornar à sua altitude original. E um Universo no qual jamais surge qualquer força nova (ou seja, onde um
corpo não pode adquirir força sem que outro a tenha perdido na mesma medida) é um Universo em equilíbrio.
Disto decorre a idéia de um Universo-máquina, onde a totalidade dos fenômenos poderia ser descrita por leis
matemáticas perfeitas e imutáveis. Era inevitável que acabasse surgindo também a idéia de um homem-
máquina, levada a cabo por Frederick Taylor no início deste século a partir da... ciência. Na segunda metade
do século XIX, as leis recém-descobertas da termodinâmica permitiram aos cientistas finalmente conceber
máquinas projetadas para um rendimento máximo. Eficiência tornava-se a palavra da moda, e Taylor declarou
não mais poder se conformar com o "desperdício dos esforços humanos provocados pelos desastrados,
ineficientes, ou mal-dirigidos movimentos dos homens" [apud Freedman 1992, p. 27]. A doutrina científica das
"leis fundamentais" é então expressa nos conceitos tayloristas de "one best way" e "one best method", com a
fisiologia da época dando respaldo à idéia de uma eficiência humana inferida a partir de parâmetros de
eficiência das máquinas, o que levou a técnicas que estabelecessem o perfil do "homem médio", e à seleção
de mão-de-obra em função de tais critérios.
Logo as organizações seriam concebidas para funcionar como máquinas orientadas à minimização da
incerteza. A palavra-chave explícita era, sem sombra de dúvida, "eficiência", mas a palavra-chave implícita era
"equilíbrio", e os objetivos eram: estabilidade, regularidade, confiabilidade e precisão.
Ora, os enfoques mecanicistas da organização só podem funcionar bem em condições nas quais máquinas
funcionem bem, por exemplo quando as mesmas tarefas precisam ser desempenhadas continuamente, ou
quando se produz apenas produtos padronizados. Uma empresa-máquina é projetada para atingir objetivos
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pré-determinados, e por isso apresenta dificuldades de adaptação a mudanças no ambiente externo. De uma
máquina espera-se que seja eficiente, não que seja criativa ou inovadora diante do imprevisto.
Mas ao longo do século XX a ciência atualizou sua visão clássica de uma realidade em permanente equilíbrio
para a visão de uma realidade sujeita, sim, a perturbações - mas que tendia naturalmente a retornar ao
equilíbrio. Nessa nova etapa, a palavra-chave eficiência foi substituída pela palavra-chave eficácia. Não
bastava mais fazer bem feito, era preciso agora que este bem-feito fosse adequado às circunstâncias vigentes.
Era preciso fazer a coisa certa de um modo "suficientemente certo" enquanto ainda fosse tempo, de nada
adiantando fazer certo a coisa errada, ou fazer a coisa certa tarde demais. Atributos como flexibilidade e
criatividade adquiriam mais importância que a mera eficiência.
Reconhecia-se a importância de um meio ambiente (mercado) instável e em permanente evolução, no qual as
organizações competem entre si por recursos limitados, numa seleção natural que determina as outras duas
palavras-chave deste novo paradigma: competitividade e sobrevivência.
E as organizações passam a ser vistas como sistemas sujeitos a oscilações; crê-se, porém, que estas
oscilações possam ser amortecidas, ou seja, que os sistemas sejam capazes de retornar ao equilíbrio. O
modelo universal é agora o de um sistema auto-regulado, onde os desvios são identificados por sinalizações
de feedback e então compensados, corrigidos, atenuados ou neutralizados, sempre por meio de mudanças
incrementais. Chegou-se a tal modelo acreditando-se que oscilações que se amplificassem com o tempo
conduziriam o sistema ao colapso, e que apenas os sistemas capazes de manter-se estáveis sobreviveriam no
tempo.
Surgiram o Desenvolvimento Organizacional (D. O.) e a Teoria da Contingência. A principal proposição do D.
O. é a "mudança planejada": parte-se do princípio que inexiste um modelo ideal de organização aplicável a
quaisquer condições, e que portanto as organizações devam adaptar-se a suas circunstâncias específicas -
mas sempre de forma planejada. O D. O. preconiza assim um processo dirigido, pelo qual decisões e ações
(causa) levariam a uma adequada adaptação (efeito) ao ambiente.
Já o Contingencialismo parte do pressuposto que as organizações são moldadas por seus ambientes; mesmo
assim, e tal como o D. O., as considera capazes de determinar e dirigir sua evolução, desde que consigam
prospectar adequadamente as tendências de evolução do ambiente externo (causa). A partir daí, elas serão
também capazes de modificar-se para acompanhar tais mudanças, ou seja, capazes de moldar seu próprio
futuro (efeito).
2. Os novos caminhos da ciência
Falamos até aqui de sistemas "abertos", ou seja, que trocam energia e informação com seus ambientes, e são
por eles influenciados. Na década de 80, entretanto, os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco
Varela revolucionaram a ciência com sua teoria da autopoiesis, que afirma ser a vida produtora de si própria (e
não produzida por condicionantes externas). Quando um ser vivo troca informações com seu ambiente, tais
informações terão para o sistema um significado próprio, único, e não necessariamente idêntico ao que têm
para um observador externo ao sistema (por exemplo, um cientista estudando este mesmo ser vivo). Ou seja,
os sistemas vivos trocam energia com seus ambientes (são termodinamicamente abertos) mas são
organizacionalmente fechados. Se são fechados, como se dá então a adaptação ao ambiente externo? Por
meio daquilo a que chamamos auto-organização - a constante produção e atualização de sua organização, em
congruência, sim, com as mudanças ambientais - mas sempre procurando orientar esta auto-organização
segundo premissas internamente determinadas. Cada sistema vivo é, para si, o centro do Universo; assim, em
última análise, a finalidade de um sistema vivo é a produção de sua identidade.
Para Maturana e Varela, a idéia clássica de que os seres vivos são sistemas plenamente abertos ao ambiente
decorre do esforço de se tentar compreender tais sistemas a partir do nosso ponto de vista, como
observadores externos que somos; na verdade, o que caracteriza a vida como tal é justamente o fechamento
organizacional. A autopoiesis afirma que o sistema nervoso não processa informações vindas do ambiente,
nem tampouco constrói representações deste ambiente em sua memória; ao invés disto, ele cria referências do
ambiente e lhes atribui padrões de comportamento como uma forma de expressar de sua própria lógica interna
de organização. Assim, o sistema irá procurar interagir com o ambiente externo sempre de acordo com uma
lógica que prioriza a afirmação de sua identidade - ainda que para isto deva estar permanentemente
atualizando-a.
Uma outra vertente de estudo da auto-organização é a de Henri Atlan e seu princípio da complexidade por
auto-organização através do ruído, onde "ruído" corresponde a toda desordem, incerteza, instabilidade e
aleatoriedade.
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As visões clássicas a respeito da desordem foram todas depreciativas, pois a ciência esteve sempre orientada
à descoberta de certezas. Todo conhecimento reduzia-se à ordem, e toda aleatoriedade seria apenas
aparência, fruto de nossa ignorância, a ser necessariamente dirimida em algum momento futuro. O que as
teorias da Complexidade estão fazendo, em essência, é demonstrar que tudo no Universo é composto tanto
por ordem como por desordem, cabendo à ciência aceitar que a incerteza não tem como ser dirimida. O
objetivo último do conhecimento não deve mais ser o de desvendar todos os segredos do mundo, mas sim o de
propor-se a dialogar com este mundo e suas incertezas.
Nesse sentido, o princípio da complexidade por auto-organização através do ruído afirma que os seres vivos
são sistemas dotados de grande complexidade (fruto da riqueza de interações entre suas partes constituintes)
descrevendo tais sistemas como capazes não apenas de resistir às perturbações externas (desordem, ruído),
mas de tirar partido delas para redefinir seus próprios modos de organização. Esta seria a essência de todo o
processo evolutivo. O ruído continua exercendo assim seu tradicional papel destrutivo (pois pode inviabilizar o
funcionamento do sistema), mas ao mesmo tempo exerce um papel potencialmente positivo (pois permite ao
sistema aprender, o que lhe possibilita auto-reorganizar-se e adquirir assim uma complexidade ainda maior).
Passemos agora à questão da mudança. Durante a Idade Média, as visões de mundo predominantes excluíam
qualquer idéia de mudança, sendo as sociedades da época tidas como estáticas e invariantes no tempo. Com
o fim desta era, o advento da mudança na vida dos homens (mudança econômica, social, política, cultural,
científica, tecnológica) levou à busca por novas visões de mundo que pudessem explicá-la, e foi exatamente
isto que a física clássica, através da dinâmica newtoniana, logrou fazer. Por meio de linguagem matemática e
de noções como "espaço", "trajetória" e "forças" expressas por "vetores", a mudança (percebida na qualidade
de movimento) pôde ser descrita, mensurada, modelada e, mais importante, prevista em termos de suas
causas e efeitos. A idéia de um Universo regido por leis matemáticas e invariantes decorre do determinismo
que assegura poder-se prever os efeitos a partir do conhecimento das causas. Assim, eventuais oscilações nas
condições iniciais (presentes em qualquer mensuração física) não invalidam as relações causa-efeito
matematicamente expressas, pois os efeitos incorporam proporcionalmente tais oscilações.
E os fenômenos naturais começaram a ser modelados, um a um - quer dizer, começaram a ser simplificados,
reduzidos à modelagem matemática. Diante de fenômenos um pouco mais complexos (como no caso da
dinâmica dos fluidos), a ciência por inúmeras vezes não obteve sucesso, mas tais insuficiências foram
atribuídas ao conhecimento ainda "imperfeito" e "incompleto" da época.
Porém, em 1962, ao modelar matematicamente um fenômeno extremamente complexo - a meteorologia -
Edward Lorenz descobriu que perturbações ínfimas nas condições iniciais impediam qualquer previsibilidade,
pois levavam a efeitos não mais apenas quantitativamente distintos, mas qualitativamente distintos. Lorenz
cunhou então a célebre metáfora "o bater das asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado
no Texas". A meteorologia, tal como inúmeros outros fenômenos da natureza (como os batimentos cardíacos
ou os movimentos sísmicos), é um sistema não-linear.
Surgia assim uma "terceira via" entre o determinismo dos sistemas lineares, onde mudanças nos estímulos
levam a mudanças proporcionais nas respostas, e o indeterminismo do puro acaso: o chamado "caos", um
meio-termo entre determinismo e acaso, um "diálogo" entre ordem e desordem...
- onde até um certo ponto (o "horizonte temporal") os sistemas apresentam comportamento bastante
previsível, tornando-se imprevisíveis somente a partir daí;
- onde o domínio dos resultados possíveis revela a existência de padrões recorrentes (fractalidade);
- onde sistemas de naturezas totalmente distintas apresentam propriedades universais (criticalidade);
- onde a identificação da dimensão fractal do sistema permite uma compreensão qualitativa do
fenômeno estudado.
O emprego do termo "caos", tradicionalmente associado à desordem, é na verdade traiçoeiro. Caos, em
ciência, não é desordem, "é uma ordem mascarada de aleatoriedade" (Lorenz). O advento da Teoria do Caos
veio a legitimar a desordem e o acaso no campo científico; doravante, pode-se continuar conceituando alguns
fenômenos como estritamente deterministas, mas reconhece-se que tais fenômenos são minoritários no
domínio dos eventos naturais.
Já havíamos visto como, em biologia, a desordem e a instabilidade podem levar a mudanças qualitativas
(Atlan). O cientista russo naturalizado belga Ilya Prigogine (Nobel em 1977) verificou que isto ocorre também
em termos estritamente inorgânicos, ou seja, ele demonstrou que a matéria como um todo, e não somente os
organismos vivos, é capaz de evoluir, pela aprendizagem e superação criativa de limites. Sua teoria das
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"estruturas dissipativas" é desta forma tida como o elo perdido que re-une a biologia à física e à química. A
exclusão dos compostos estritamente físico-químicos da categoria de seres vivos, a partir de agora, deve-se
unicamente a antigos critérios convencionais, como os que definem a vida pela ocorrência de células e da
reprodução.
Prigogine, estudando sistemas químicos não lineares, verificou que sob condições instáveis tais sistemas
tornam-se capazes de subverter o segundo princípio da termodinâmica (que afirma que os sistemas térmicos
tendem necessariamente a dissipar energia, rumo ao estado de equilíbrio - o princípio da entropia sempre
crescente). A partir de um certo limiar de distanciamento do equilíbrio estes sistemas tornam-se capazes de
importar energia e exportar entropia, sendo por isso denominados "dissipativos". Sob tais condições, o sistema
torna-se susceptível a "flutuações". Pequenas perturbações aleatórias podem ser rapidamente amplificadas,
levando o sistema a uma ainda maior instabilidade, até um limite denominado "ponto de bifurcação", a partir do
qual rompe-se a estrutura do sistema (uma "quebra de simetria"). Após o ponto de bifurcação, o
comportamento do sistema torna-se errático por algum tempo, mas tende a estabilizar-se em um novo
equilíbrio - só que qualitativamente distinto do original. O sistema agora apresenta novos modos de
organização, estruturalmente mais complexos - ele evoluiu.
O mais notável neste processo é o fato de ser impossível prever que caminho evolutivo o sistema irá tomar a
partir do ponto de bifurcação. Durante a fase de instabilidade, o sistema "experimenta" inúmeras variantes de
"futuros possíveis", antes de "decidir-se" por seu novo patamar estável de complexidade. Todo o processo é,
em suma, um processo de auto-organização, que resguarda o sistema de ingressar no caminho da entropia,
isto é, da inexorável decadência.
Tudo na natureza evolui. Nada no Universo é passivo; a noção de "equilíbrio" passa a ser compreendida como
um caso-limite particular.
E o fim da causalidade linear enquanto fundamento único impõe o fim definitivo do sonho de explicar a
totalidade do Universo por meio de leis fundamentais invariantes e eternas. A descrição de um sistema não-
linear afastado do equilíbrio deixa de ser única, tornando-se função de sua atividade a cada instante. A ciência
não poderá jamais cumprir a missão a que se havia historicamente proposto: a de descobrir a verdade última
explicativa do Universo.
3. Uma nova ciência das organizações
Como vimos, a concepção das empresas como sistemas sujeitos a perturbações mas tendentes ao equilíbrio
por adaptação a estas perturbações enfatiza apenas um único tipo de mudança, incremental ou passo-a-passo.
E - como estamos dolorosamente verificando na prática - as mudanças incrementais não têm como dar conta
de acompanhar mudanças ambientais abruptas, exatamente como as que cada vez mais estão ocorrendo.
Este eterno esforço de retorno ao equilíbrio, embora possa nos parecer uma tendência natural, é na verdade
profundamente disfuncional. A longo prazo, à medida que o ambiente muda cada vez mais e mais rápido,
sistema e ambiente tornam-se cada vez mais desalinhados um em relação ao outro; quanto maior o
desalinhamento, menos a empresa será capaz de importar do ambiente a energia e informação de que
necessita para evitar incorrer em entropia - o que mais cedo ou mais tarde acaba acontecendo.
Funções administrativas tradicionais como análise e planejamento não são de modo algum indicadas a
condições de grande incerteza, mas têm sido cada vez mais utilizadas exatamente sob tais circunstâncias. Na
verdade, os gerentes apoiam-se em tais processos para tentar reduzir a ansiedade que a incerteza provoca.
Aquilo que atualmente é praticado na qualidade de "planejamento estratégico" assume ser possível vincular
causas a efeitos específicos ou, em outras palavras, ações a resultados específicos. As empresas são desta
forma percebidas como sistemas nos quais um agente externo (um consultor) ou um agente interno privilegiado
(o líder) está apto a adotar escolhas e tomar decisões que direcionem o futuro da organização, para então
requerer dos demais que sigam estes planos.
De acordo com Peter Senge, "A percepção de que alguém ‘lá em cima’ está no controle é baseada numa ilusão
- a ilusão de que alguém possa dominar a dinâmica e detalhada complexidade de uma organização a partir do
topo do hierarquia" [apud Freedman 1992, pp. 33-34]. Quanto mais complexo se torna o ambiente de mercado,
mais precários e menos duradouros serão os laços entre causa e efeito. É claro que no curto prazo as pessoas
ainda podem prever com precisão as conseqüências de seus atos, mas com o passar do tempo, ou seja, sob
cada vez mais influência de outros atos praticados por outras pessoas, tais conseqüências tornam-se
imprevisíveis.
Tomemos como exemplo o caso da fusão entre as gigantes de telefonia Bell Atlantic e de TV a cabo TCI nos
EUA [Taylor 1994, p. 66], inesperadamente desfeita quatro meses apenas após anunciada, e cuja finalidade
seria a de construir uma rede de alta capacidade capaz de fornecer serviços interativos aos domicílios. O
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anúncio da fusão foi sentido pelo mercado como uma dramática evidência do advento da chamada information
superhighway, o que deslanchou uma frenética corrida de anúncios de investimentos em infra-estrutura por
parte de outras companhias. A nova Bell-TCI percebeu então que iria enfrentar muito mais competição do que
previra, e também que não havia mais tanta urgência para a construção de uma rede própria, uma vez que
seus sistemas poderiam agora operar sobre alguma infra-estrutura alheia. E a fusão foi desfeita - as causas
haviam levado a efeitos imprevisíveis.
Ao longo de toda a história da humanidade, os homens procuraram sempre equacionar o problema das
mudanças, mas jamais se preocuparam com o problema da mudança. Mudanças, no plural, são percebidas
como eventos singulares, distintos uns dos outros, e que afetam uma realidade que sem elas seria estável.
Mas o que a ciência descobre hoje é que não existem mudanças, só existe a mudança. Tanto o estado dito "de
equilíbrio" como o determinismo e a causalidade linear seriam meros casos-limite particulares num Universo
primordialmente evolutivo, onde tudo é fluxo, tudo é transformação, tudo é mudança.
Uma nova ciência das organizações impõe uma profunda quebra de paradigma. Mais que considerarmos as
"mudanças" que afetam a empresa, temos que legitimar a mudança, no singular, como realidade única. Mais
do que classificar os ambientes como "instáveis" ou "turbulentos", precisamos compreender que neles só será
capaz de sobreviver uma empresa também instável ou turbulenta - uma empresa altamente dinâmica, cuja
organização seja, em essência, auto-organização.
Mas, afinal de contas, o que poderia ser uma empresa "auto-organizante"?
- uma organização com ricos padrões de interação e conectividade entre as pessoas, de modo a
permitir e fomentar o surgimento espontâneo de sinergias catalisadoras de novas possibilidades;
- uma organização que reconhece ser inevitável a existência de contradições, de ambigüidade e de
conflitos (ou seja, de "desordem"), e que procura utilizá-los em seu proveito, como fonte de
aprendizado, criatividade e inovação;
- uma organização onde seus elementos constituintes apresentam alto grau de diferenciação, sem
prejuízo de um alto grau de integração que confere identidade à empresa como um todo.
E o que poderia ser uma empresa "autopoiética"?
- uma organização que compreende residir em seus próprios recursos internos todo o potencial
necessário para sua evolução;
- uma organização que busca permanentemente atualizar sua identidade, em congruência com as
mudanças em seu ambiente externo;
- uma organização que faz uso da criatividade, da inovação e da experimentação para desenvolver e
aprimorar seus estoques de conhecimento.
E uma empresa "dissipativa"?
- uma organização na qual a sinergia entre seus membros pode, a partir de uma determinada massa
crítica, vir a produzir autonomamente alternativas e caminhos inovadores;
- uma organização que interpreta as possibilidades de vir a sofrer uma "quebra de simetria" (uma
ruptura estrutural) imposta pelo ambiente externo, sendo capaz de tirar partido de tal eventualidade
para redefinir sua estruturação interna.
Enfim, a Teoria do Caos nos diz que de pouco ou nada adianta tentar "dirigir" uma organização sob condições
instáveis; nestas, ao contrário, o que prevalece é a auto-organização. Já a autopoiesis nos permite
compreender que tal capacidade de auto-organização é um atributo inerente ao simples fato de a organização
existir. Por sua vez, a complexidade por auto-organização através do ruído nos mostra como esta auto-
organização pode (ou não) ser facilitada pelo modo no qual a organização encontra-se estruturada. Finalmente,
as estruturas dissipativas descrevem como a auto-organização fornece a base para saltos qualitativos, ou seja,
para mudanças estruturais.
O conceito de auto-organização, presente em todas estas teorias, é o que permite finalmente sistematizar,
formalizar e dar sustentação científica a diversos outros conceitos que ao longo dos últimos anos têm sido
veiculados de forma dissociada, como o de "organizações em rede", "times auto-gerenciáveis" e "learning
organization". E, para sermos justos, devemos lembrar que as primeiras proposições nesse sentido remontam
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à década de 50, quando pesquisadores ligados ao Instituto Tavistock de Londres como Fred Emery e Eric Trist
pioneiramente elaboraram o conceito de "grupos semi-autônomos".
O leitor mais atento não deve ter-se esquecido que, ao início deste texto, nós mesmos criticamos a forma como
historicamente foram aplicados às ciências sociais, por analogia, conceitos oriundos das ciências naturais.
Ocorre que a ciência de ponta não está apenas descobrindo novos campos científicos, ela agora redefine o
próprio sentido do que seja "fazer ciência". Vejamos:
- A ciência abandona o determinismo, e aceita o indeterminismo e a incerteza, inerentes ao homem e
suas sociedades;
- A ciência abandona a idéia de uma simplicidade inerente aos fenômenos do mundo natural, e abraça
a complexidade também inerente ao homem e suas sociedades;
- A ciência abandona o ideal de objetividade como única forma válida de conhecimento, assumindo
enfim a subjetividade, marca maior da condição humana.
Estão portanto abertas as possibilidades para um diálogo inédito entre ciência e vida, entre natureza e homem.
Daqui por diante, analogias continuarão a ser analogias, mas estarão fundadas em novos pressupostos -
derivados não mais de uma identidade forçada, mas real, entre as ciências naturais e as sociais, da qual
podem e devem brotar as raízes de uma nova Teoria das Organizações.
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