Os jornais andam cheios de siglas: CPMF, IOF, CSLL. Todas as baterias se voltam contra o Estado, o grande vilão, que estaria nos espoliando, levando embora nosso rico dinheirinho. Como se trata realmente de um bem precioso para nós, vale a pena esclarecer como a coisa toda funciona: com raras exceções, nossas transações econômicas, sejam elas recebimento de salário, pagamento de um imposto ou compra de uma geladeira, utilizam intermediários financeiros. Como as movimentações são geralmente e
No
Brasil, as taxas praticadas pelo mercado de crédito estão na faixa dos
7% ao mês e isso não nos parece tão excessivo. Na realidade, 7% ao mês
são 125% ao ano! Tal cifra provocaria taquicardia em qualquer consumidor
americano ou europeu, sem falar do japonês, que paga menos de 2% ao ano
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por Ladislau Dowbor |
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Os
jornais andam cheios de siglas: CPMF, IOF, CSLL. Todas as baterias se
voltam contra o Estado, o grande vilão, que estaria nos espoliando,
levando embora nosso rico dinheirinho. Como se trata realmente de um bem
precioso para nós, vale a pena esclarecer como a coisa toda funciona:
com raras exceções, nossas transações econômicas, sejam elas recebimento
de salário, pagamento de um imposto ou compra de uma geladeira,
utilizam intermediários financeiros. Como as movimentações são
geralmente eletrônicas, muitas vezes com caixas impessoais, o
intermediário fica na sombra. No entanto, é nessa obscuridade que reside
o essencial do problema. É nela que se cobram os juros e as tarifas.
No
exterior, as taxas de juros são amplamente conhecidas. Não se usa taxa
mensal, pois isso confundiria as pessoas. Elas são sempre apresentadas
anualmente, o que permite ao consumidor do crédito ter uma visão mais
correta dos custos para o seu bolso. No Brasil, as taxas são mensais.
Jogando com a desinformação do cliente, elas ficam parecendo mais
decentes, o que estão longe de ser.
As taxas anuais praticadas no
mercado de crédito de diversos países situam-se na faixa de 5% ao ano
para o mercado imobiliário e até 8% ao ano para os bens de consumo.
Aqui, um intermediário financeiro ou comercial nos informa que cobra 7%
ao mês e isso não nos parece tão excessivo. Na realidade, 7% ao mês são
125% ao ano! Tal cifra provocaria taquicardia em qualquer consumidor
americano ou europeu, sem falar do japonês, que paga menos de 2% ao ano.
A Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração
e Contabilidade (Anefac) realiza mensalmente uma pesquisa desses juros,
à disposição de qualquer um via internet1. Mas, como a
maioria das pessoas acha que não entende nada de finanças, poucos
demonstram interesse em acompanhar esse tipo de informação. Os dados
mais recentes da entidade correspondem à taxa média de juros do mês de
novembro de 2007. Para pessoa jurídica, cobrou-se 4,10% ao mês – o que
corresponde a 61,96% ao ano. Uma taxa desse porte é capaz de travar os
investimentos produtivos, a menos que a empresa tenha como repassar o
custo para o consumidor via preço. Se optar por isso, reduz a capacidade
de consumo da população. Se arcar com o ônus, reduz o investimento
empresarial. Em qualquer hipótese, tal custo financeiro causa um impacto
altamente negativo sobre a economia.
Para pessoa física, o juro
médio praticado em novembro passado foi de 7,23% ao mês, correspondente a
131,10% ao ano. Notem que o intermediário financeiro remunera as nossas
economias – pelo menos a parcela que aplicamos – na faixa de 10% ao
ano. A diferença é educadamente chamada de spread. Se déssemos o
nome certo aos bois, e falássemos em lucro financeiro, a desproporção
pareceria exorbitante. O uso do jargão, de preferência estrangeiro, é
essencial para gerar a desinformação do cliente. E, quando reclamamos, o
banqueiro invoca imediatamente a insustentável carga tributária, o
compulsório e, acima de tudo, a inadimplência, que, aliás, tem origem
nos próprios juros cobrados.
A culpa da situação é sempre
atribuída ao Estado. Menciona-se a taxa básica Selic, que é fixada pelo
governo e deveria balizar as cobranças do sistema financeiro. Mas, na
verdade, a pesquisa da Anefac constata que houve uma redução da Selic em
8,5 pontos percentuais, o que representa uma queda de 43,04%. A taxa
passou de 19,75% ao ano em setembro de 2005 para 11,25% ao ano em
novembro de 2007. E o que fez o sistema financeiro? No mesmo período, a
taxa de juros média para pessoa física caiu de 141,12% para 131,10%. E a
taxa de juros média para pessoa jurídica diminuiu de 68,23% para
61,96%. Fica evidente, segundo afirma de maneira comedida a Anefac, “que
não foram repassadas integralmente todas as quedas da taxa básica de
juros”2.
Os bancos transnacionais instalados no Brasil
aproveitam o comportamento geral dos intermediários financeiros e
praticam juros semelhantes. Para quem sabe que o Santander espanhol
garante um crédito de até três mil euros por seis meses com taxa de 0%,
por considerar isso um serviço prestado ao cliente, é difícil entender
porque, no Brasil, o cheque especial é cobrado na faixa média de 139%,
segundo o Banco Central (BC). Fica evidente que os astronômicos juros
brasileiros financiam o crédito barato nos países mais ricos – um
processo curioso de dumping invertido3. Ainda
conforme os dados do BC, o Banco Carrefour S.A cobra 17,32% no crédito
pessoal de pessoa física, o que equivale a 580% ao ano4.
Imagine o que aconteceria se cobrasse tais juros na França! Lá, o Banque
de France fixou como limite legal – chamado limite de taxa de usura – o
percentual de 11,53% ao ano para compras a prazo, a partir de janeiro
de 20085.
Ganhar dinheiro com o dinheiro dos outros
Os
intermediários financeiros não trabalham com o seu próprio dinheiro,
mas com o dinheiro que a população deposita nas contas. Esta é a
principal razão da área ser regulada pelos bancos centrais na maioria
dos países. Trata-se, portanto, de ganhos sobre as nossas economias sem
que o intermediário financeiro tenha obrigação de desenvolver qualquer
atividade produtiva. Ele é apenas um repassador. Ao “facilitar” a compra
– o termo em si já é significativo –, fica parecendo que o
intermediário ajuda no processo econômico. E realmente é mais fácil
comprar um eletrodoméstico a prazo. Mas, ao cobrar juros do porte
referido anteriormente, o pobre, que é quem mais compra a prazo, passa a
pagar o dobro pelo mesmo produto. Isso significa que, no conjunto, esse
cliente poderá comprar menos produtos, pois grande parte da sua
capacidade de compra se transforma em juros. Não é à toa que todos os
consultores de crédito aconselham os consumidores a evitar o crédito:
poupe primeiro e pague à vista, exigindo o desconto correspondente,
dizem.
A comunidade dos intermediários financeiros – o que inclui
muitos comércios que hoje se concentram mais em administrar crediários
do que em prestar bons serviços – constitui o setor que mais ganha
dinheiro e, ao mesmo tempo, onera todas as atividades econômicas. Essa
comunidade gosta de se chamar de “mercado”: “o mercado está nervoso”, “o
mercado está eufórico”, é o que ouvimos na mídia. Na realidade, nos
países onde existe efetivamente mercado, ou seja, concorrência, se um
banco aumentar os juros, perderá cliente. O que realmente impressiona,
no caso brasileiro, é que os níveis fantásticos de juros e tarifas
constituem realidades escandalosas em todas as instituições.
Este
ponto é essencial, pois, se os juros e as tarifas praticados pelos
diferentes bancos habitam a mesma área estratosférica, não temos
escolha: sair de um banco para entrar em outro sempre gera custos
burocráticos para o usuário e simplesmente não compensa, dada a pequena
diferença. Não há aqui nenhuma teoria conspiratória. Os intermediários
não precisam formalizar acordos, assinar pactos ou constituir cartéis – o
que é ilegal. Basta que acompanhem na internet o que os outros fazem e
se mantenham no mesmo nível médio, aproveitando a dificuldade das
pessoas entenderem juros compostos. Quando o cliente não tem escolha,
pois todos mantêm juros altíssimos e tarifas semelhantes, pagar o que é
cobrado se torna obrigatório. Não temos como escapar desse sistema que
nos é imposto pelos atravessadores financeiros.
E as siglas? Bem,
CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), IOF
(Imposto sobre Operações Financeiras) e CSLL (Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido) são impostos sobre operações financeiras que os
intermediários deveriam pagar. Repassam-nos para o consumidor e enchem a
mídia com mensagens sobre como o Estado está onerando a população. As
pedras são importantes, mas estamos esquecendo a montanha.
Intermediários financeiros cumprem a função de facilitar o acesso ao
dinheiro dos outros. Mas, quando viram atravessadores, se tornam um
desastre. Já é hora de pôr um pouco de ordem na selva que virou a
intermediação financeira no Brasil.
Ladislau
Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de
Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da
PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).
1 Para localizá-la, basta acessar o site www.anefac.com.br e buscar “Pesquisa de Juros”.2
A “Taxa média” apresentada pela Anefac é uma média simples, quando
deveria ser ponderada. Os dados do Banco Central do Brasil, com outra
metodologia, são menores, mas igualmente escandalosos.3 Dados colhidos no site www.bancosantander.es em 15 de janeiro de 2008 4 Dados colhidos no site www.bcb.gov.br em 11 de janeiro de 2008 5 www.banque-france.fr/fr/poli_mone/taux/credit/usure.htm acessado em janeiro de 2008
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04 de Fevereiro de 2008 |
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Palavras chave: Economia, Brasil |
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letrônicas, muitas vezes com caixas impessoais, o intermediário fica na sombra. No entanto, é nessa obscuridade que reside o essencial do problema. É nela que se cobram os juros e as tarifas.
No exterior, as taxas de juros são amplamente conhecidas. Não se usa taxa mensal, pois isso confundiria as pessoas. Elas são sempre apresentadas anualmente, o que permite ao consumidor do crédito ter uma visão mais correta dos custos para o seu bolso. No Brasil, as taxas são mensais. Jogando com a desinformação do cliente, elas ficam parecendo mais decentes, o que estão longe de ser.
As taxas anuais praticadas no mercado de crédito de diversos países situam-se na faixa de 5% ao ano para o mercado imobiliário e até 8% ao ano para os bens de consumo. Aqui, um intermediário financeiro ou comercial nos informa que cobra 7% ao mês e isso não nos parece tão excessivo. Na realidade, 7% ao mês são 125% ao ano! Tal cifra provocaria taquicardia em qualquer consumidor americano ou europeu, sem falar do japonês, que paga menos de 2% ao ano.
A Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) realiza mensalmente uma pesquisa desses juros, à disposição de qualquer um via internet1. Mas, como a maioria das pessoas ACHA que não entende nada de finanças, poucos demonstram interesse em acompanhar esse tipo de informação. Os dados mais recentes da entidade correspondem à taxa média de juros do mês de novembro de 2007. Para pessoa jurídica, cobrou-se 4,10% ao mês – o que corresponde a 61,96% ao ano. Uma taxa desse porte é capaz de travar os investimentos produtivos, a menos que a empresa tenha como repassar o custo para o consumidor via preço. Se optar por isso, reduz a capacidade de consumo da população. Se arcar com o ônus, reduz o investimento empresarial. Em qualquer hipótese, tal custo financeiro causa um impacto altamente negativo sobre a economia.
Para pessoa física, o juro médio praticado em novembro passado foi de 7,23% ao mês, correspondente a 131,10% ao ano. Notem que o intermediário financeiro remunera as nossas economias – pelo menos a parcela que aplicamos – na faixa de 10% ao ano. A diferença é educadamente chamada de spread. Se déssemos o nome certo aos bois, e falássemos em lucro financeiro, a desproporção pareceria exorbitante. O uso do jargão, de preferência estrangeiro, é essencial para gerar a desinformação do cliente. E, quando reclamamos, o banqueiro invoca imediatamente a insustentável carga tributária, o compulsório e, acima de tudo, a inadimplência, que, aliás, tem origem nos próprios juros cobrados.
A culpa da situação é sempre atribuída ao Estado. Menciona-se a taxa básica Selic, que é fixada pelo governo e deveria balizar as cobranças do sistema financeiro. Mas, na verdade, a pesquisa da Anefac constata
redução da Selic em 8,5 pontos percentuais, queda de 43,04%.
de 19,75% ao ano em setembro de 2005 para 11,25% ao ano em nov/07.
E o que fez o sistema financeiro? No mesmo período, a taxa de juros média para pessoa física caiu de 141,12% para 131,10%.
E a taxa de juros média para p. jurídica de 68,23% para 61,96%.
Fica evidente, segundo afirma de maneira comedida a Anefac,
“que não foram repassadas todas as quedas da taxa básica de juros”2.
Os bancos transnacionais instalados no Brasil aproveitam o comportamento geral dos intermediários financeiros e praticam juros semelhantes. Para quem sabe que
o Santander espanhol garante um crédito de até três mil euros por seis meses com taxa de 0%, por considerar isso um serviço prestado ao cliente, é difícil entender porque, no Brasil, o cheque especial é cobrado na faixa média de 139%, segundo o Banco Central (BC). Fica evidente que os astronômicos juros brasileiros financiam o crédito barato nos países mais ricos – um processo curioso de dumping invertido3. Ainda conforme os dados do BC,
o Banco Carrefour S.A cobra 17,32% para pessoa física, 580% ao ano4. Imagine o que aconteceria se cobrasse tais juros na França!
Lá, o Banque de France fixou como limite legal
– chamado limite de taxa de usura – o percentual de 11,53% ao ano para compras a prazo, a partir de janeiro de 20085.
Ganhar dinheiro com o dinheiro dos outros
Os intermediários financeiros não trabalham com o seu próprio dinheiro, mas com o dinheiro que a população deposita nas contas. Esta é a principal razão da área ser regulada pelos bancos centrais na maioria dos países. Trata-se, portanto, de ganhos sobre as nossas economias sem que o intermediário financeiro tenha obrigação de desenvolver qualquer atividade produtiva. Ele é apenas um repassador. Ao “facilitar” a compra – o termo em si já é significativo –, fica parecendo que o intermediário ajuda no processo econômico. E realmente é mais fácil comprar um eletrodoméstico a prazo. Mas, o pobre passa a pagar o dobro pelo mesmo produto (...) e comprar menos produtos, pois grande parte da sua capacidade de compra se transforma em juros. Não é à toa que todos os consultores de crédito aconselham os consumidores a evitar o crédito: poupe primeiro e pague à vista, exigindo o desconto correspondente, dizem.
A comunidade dos intermediários financeiros – o que inclui muitos comércios que hoje se concentram mais em administrar crediários do que em prestar bons serviços – constitui o setor que mais ganha dinheiro e, ao mesmo tempo, onera todas as atividades econômicas. Essa comunidade gosta de se chamar de “mercado”: “o mercado está nervoso”, “o mercado está eufórico”, é o que ouvimos na mídia. Na realidade, nos países onde existe efetivamente mercado, ou seja, concorrência, se um banco aumentar os juros, perderá cliente. O que realmente impressiona, no caso brasileiro, é que os níveis fantásticos de juros e tarifas constituem realidades escandalosas em todas as instituições.
Este ponto é essencial, pois, se os juros e as tarifas praticados pelos bancos habitam a mesma área estratosférica, não temos escolha: sair de um banco para entrar em outro sempre gera custos burocráticos para o usuário e não compensa, dada a pequena diferença. Não há aqui nenhuma teoria conspiratória. Os intermediários não precisam formalizar acordos, assinar pactos ou constituir cartéis – o que é ilegal. Basta que acompanhem na internet o que os outros fazem e se mantenham no mesmo nível médio,aproveitando a dificuldade das pessoas entenderem juros compostos. Quando o cliente não tem escolha, pois todos mantêm juros altíssimos e tarifas semelhantes, pagar o que é cobrado se torna obrigatório. Não temos como escapar desse sistema que nos é imposto pelos atravessadores financeiros.
E as siglas? Bem, CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) são impostos sobre operações financeiras que os intermediários deveriam pagar. Repassam-ndras são importantes, mas estamos esquecendo a montanha. Intermediários financeiros cumprem a função de facilitar o acesso ao dinheiro dos outros. Mas, quando viram atravessadores, se tornam um desastre. Já é hora de pôr um pouco de ordem na selva que virou a intermediação financeira no Brasil.
Ladislau Dowbor é doutor em Cios para o consumidor e enchem a mídia com mensagens sobre como o Estado está onerando a população. As peências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).
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