sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Como os negócios estão mudando - por Amit Goswami



Tudo muda, pelo menos quanto ao conteúdo. Os negócios não são uma exceção. Em épocas anteriores, eles estavam relacionados com a agricultura; depois, veio a indústria; em seguida, a tecnologia; e agora, temos a alta tecnologia. Essa é uma mudança e tanto, bem como destacam vários autores, incluindo (e especialmente) Alvin Toffler. A questão que pretendo discutir aqui é se as práticas de negócios, ao longo dos anos, vêm refletindo uma evolução da consciência. Em outras palavras, podemos perceber uma evolução da nossa capacidade de processar significados na forma como os negócios mudaram nos últimos séculos? Eu acho que sim.

Nos velhos tempos, na Índia, os comerciantes eram separados numa casta chamada Vaishya. À casta Vaishya era permitido ir atrás do significado, mas tinha uma limitação: um indivíduo vaishya só podia fazê-lo dentro do contexto imposto pela classe superior, os Brahmins.

Outras culturas, em especial as ocidentais, nunca tiveram um sistema de classes tão explícito, mas práticas semelhantes eram prevalentes até os dias de Adam Smith, no século 18. Na Inglaterra da época em que ele nasceu, os reis (por exemplo, George III, conhecido de todos os norte-americanos) definiam o contexto e os donos de terras, comerciantes e industriais perseguiam seus propósitos. Em contrapartida à lealdade ao rei, a eles era concedido um poder sobre a economia da Inglaterra, muito corrupto e concentrado. Segundo a terminologia de Adam Smith, esse era o ?sistema mercantil?.

Uma das motivações da criatividade de Adam Smith veio do desejo de romper essa corrupção. Em apenas um século, o resultado foi a transição de uma economia mercantil/ feudal para o capitalismo. No capitalismo, um maior número de pessoas está envolvida com a busca de sentido, o que significa a expansão do processamento. A consciência evolui na direção de uma preocupação e o processamento de significados crescentes.

Smith percebeu claramente que as forças criativas e inovadoras vinham se desenvolvendo por várias décadas, e que elas poderiam revolucionar a indústria, assim que isso fosse permitido. A corrupção do sistema mercantil significava a perda de oportunidades criativas e a solução foi uma realocação do poder de definição dos contextos (do processamento de significados) das mãos alguns poucos afortunados para as ?mãos invisíveis? da competição num mercado livre. Qualquer contexto cabia no novo sistema; qualquer idéia pode ser explorada para um novo tipo de indústria, desde que ela sobrevivesse à competição do mercado livre.

Foi assim que se iniciou a fase bem sucedida do capitalismo. Nos Estados Unidos, a epítome deste sucesso foi representada por industrialistas inovadores como Henry Ford e Thomas Edison.

No entanto, alguma coisa aconteceu com a visão de Adam Smith, no que diz respeito a atingir a plenitude de uma sociedade capitalista perfeita. Eu já mencionei essas dificuldades nos dois últimos artigos desta série: o limite da base de recursos; a poluição ambiental surgindo a partir da limitação do meio ambiente; perda de liberdade no mercado livre; o desaparecimento dos dois fatores que capacitavam a classe trabalhadora a perseguir propósitos, que são, a relativa afluência e o tempo de lazer; e, por fim, o fato das multinacionais terem deixado, para os acionistas, os compromissos gerência-empregados sobre o processamento de propósitos e, conseqüentemente, num caos ainda pior.

Assim sendo, tem que haver uma mudança no paradigma da economia, do capitalismo para o que eu chamo de ?economia espiritual?. Enquanto o capitalismo leva em conta a satisfação das necessidades básicas mais egocêntricas das pessoas, a economia spiritual leva em conta o bem-estar holístico (que inclui energia vital, necessidades mentais, da alma e espirituais, além das necessidades físicas). A questão seguinte se refere aos sinais que indicam que essa nova economia chegou. Para Smith, o sinal para a necessidade do capitalismo foi o espírito inovador que ele percebeu que já havia aflorado na sociedade. Quais são os sinais de mudança que percebemos hoje, se é que eles existem?

No presente artigo, eu pretendo mostrar como os próprios negócios estão mudando, uma nova onda está se formando a partir do termo de Toffler, o que implica em abrir espaço para uma economia espiritual mais apropriada e evolucionária.

Eu me dei conta disso a mais de uma década, quando pesquisava a criatividade e acabei entrando em contato com um livro chamado ?Creativity in Business?, escrito por um professor de Stanford. Desde então, surgiram vários livros sobre o assunto (incluindo alguns muito bons de Willis Harman) e, hoje, é um fato bem conhecido que muitas empresas e corporações, em especial as de alta tecnologia, estão estimulando a criatividade não só de suas equipes de pesquisa, como também de seus gerentes.

Voltemos aos fatos básicos, e analisemos o costumeiro modelo capitalista do início de uma atividade de negócio. Inicialmente, temos que ter uma visão inovadora de um produto ou um serviço. Agregamos, então, pessoas que acreditamos serão leais a essa visão, levantamos o capital e damos início ao negócio. No entanto, quando mudamos de uma sociedade industrial para uma sociedade tecnológica, esse modelo teve que ceder espaço porque a criatividade de uma pessoa (ou de alguns diretores) não era mais suficiente para sustentar a produtividade de um negócio. O peso da inovação criativa passou dos ombros dos altos cargos para o gerenciamento intermediário. Nessa nova onda do capitalismo, um número de pessoas muito maior está participando no processamento criativo do significado. Isso certamente sugere uma evolução da consciência. E mais ainda. Sugere que existe a semente para uma nova economia espiritual, uma vez que o processamento criativo do significado envolve um salto quântico do nosso ser, da mente para a alma. Não só isso satisfaz o ego, como envolve a alma de maneira crucial e satisfaz os propósitos da alma. Além disso, aumenta a liberação global de significado mental.

Um outro fator-chave no desenvolvimento dos negócios é o green business, que cresceu com o movimento ecológico. O green business tem dois componentes. O primeiro é a conscientização que as considerações ecológicas podem ser empregadas para se obter ganhos econômicos e lucros. Um exemplo é a reciclagem. A Xerox Corporation teve um retorno econômico dez vezes maior que o investimento feito na reciclagem de cartuchos de tinta. O segundo é a conscientização que, no longo prazo, a sustentabilidade ecológica ? a harmonização da atividade comercial com aquilo que pode ser suportado pela Terra ? é um excelente objetivo a ser alcançado. Mais cedo, ou mais tarde, isso será uma imposição dos governos, ou da própria natureza.

Mas em que é baseada a ecologia? Num conceito de uma relação muito entrelaçada entre a vida e seu ambiente. Os ecologistas se referem a conexões locais, separadamente. A partir da ecologia, só é necessário um pequeno salto para o conceito que a conexão da vida com o meio ambiente é bem mais profunda. Não só apenas por sinais materiais e locais, mas também através da energia vital, e da própria consciência, via uma conexão não local quântica.

Verifica-se assim, que os negócios ecológicos também estão indo além da mera satisfação das necessidades do ego, na direção das necessidades mais sutis da consciência não local. Os negócios ecologicamente sustentáveis estão, literalmente, aumentando a liberação de energia vital global.

A diretoria de uma corporação, de preceitos capitalistas antigos, cuida dos negócios visando à garantia de um ganho egoísta de lucros materiais para seus acionistas. A diretoria de uma corporação, inserida na nova onda capitalista, não só procura aumentar os lucros materiais de seus acionistas, como contribui, literalmente, para os lucros em energia vital e significado para todos. Isso já é um bom começo para a economia espiritual.

Algumas outras tendências também merecem ser mencionadas. Uma delas é que as corporações começaram a perceber que seus funcionários se desempenham melhor se sua estrutura de valores não está em conflito com a estrutura de valores da empresa, como pode ser representado por produtos e práticas. Isso indica que as atividades comerciais estão reconhecendo o valor dos valores (a dimensão supra-mental da humanidade). A outra tendência vai mais além. Em face dos recentes escândalos relacionados com o mercado, muitas atividades comerciais se perguntam hoje, em alto e bom tom, se não vale mais a pena, em termos de relações públicas, seguir práticas mais éticas. Elas não querem dizer, com isso, o bem maior para um maior número em ética, mas sim o McCoy verdadeiro, a maneira como ética é definida na tradição espiritual.

Dessa forma até mesmo a dimensão supra-mental está se inserindo nos negócios.

O que mais é necessário para se fazer a transição completa do capitalismo para a economia espiritual? Nós ainda temos chão pela frente. E eu acho que os negócios podem e irão liderar o caminho para essa transição.

O objetivo da economia espiritual é maximizar os lucros, não só materiais, como também os de energia vital, de significado mental e do supra-mental. Mesmo com a criatividade, a ecologia e a ética incluídos no ambiente de trabalho, nós apenas arranhamos as possibilidades.

Numa próxima etapa, nós podemos estimular a criatividade não só das equipes de diretores e de pesquisa, mas de todos. É verdade que apenas um profissional pode dar saltos quânticos de criatividade, que irão resultar na apresentação de um novo produto na arena externa, mas todos podem ser criativos dentro da nossa arena interna. Eu denomino essa criatividade de criatividade interna. O que acontece quando uma corporação estimula a criatividade interna de todos os seus funcionários (e um importante componente disso é a transformação de emoções negativas em positivas), permitindo a eles que abram suas almas? O meio corporativo, como um todo, torna-se mais feliz, e cheio de vitalidade e de significado. Isso é valioso? É claro que sim! Isso vem a contribuir com a produção de nossas dimensões sutis. É fato que pessoas felizes produzem melhor. Mais ainda, a criatividade interna pode aumentar a criatividade externa de pessoas já abertamente criativas, e espinha dorsal de uma corporação inovadora.

A partir da sustentabilidade ecológica, o próximo passo é a conscientização do movimento evolucionário da consciência. Não só demandamos uma sustentabilidade ecológica, mas também questionamos se nossos negócios estão contribuindo positivamente para o movimento da consciência, ou pelo menos não o estão prejudicando. E é aí que nós focamos uma atenção explícita, e não implícita, voltada à produção tangível de valores de setores da economia humana, como de energia vital, significado mental e supra-mental.

É claro que muita coisa ainda tem que acontecer antes que os negócios tomem estes passos remanescentes. A mudança do paradigma da primazia da material para a primazia da consciência tem que formar raízes tanto na ?academia? como na sociedade. Nossa política tem que mudar de política do poder para uma de significados. Nossas instituições educacionais têm que parar de se preocupar com o treinamento profissional e renovar o significado e a alma em sala de aula. Nossas religiões têm que parar de dizer às pessoas como votar e de influenciar políticos, e voltar à busca da divindade e ensiná-la as pessoas. E assim por diante. Eu acredito que tudo isso irá acontecer em breve, e já temos em vista algumas iniciativas.

O capitalismo teve um papel crucial no mundo em que hoje vivemos, e como o próprio Adam Smith previu, os pequenos negócios são a espinha dorsal do capitalismo e do mercado livre. Da mesma forma, o caminho para uma economia espiritual também deverá ser aberto por pequenos negócios. Nós não devemos, portanto, nos desanimar com o fato que hoje as multinacionais são corruptas e estão longe das práticas discutidas acima. Não é muito diferente da corrupção mercantil da época de Adam Smith. A economia mercantil corrupta degringolou quando surgiu uma nova maneira de se fazer negócios, mais satisfatória para as necessidades das pessoas. O mesmo irá agora acontecer com o capitalismo. Ele se desintegrará, diante de nossos olhos, abrindo espaço para uma economia espiritual. As pressões evolutivas existem, são as ?novas mãos invisíveis?, e guiarão tais mudanças.

*Amit Goswami é PHD em física quântica pela Universidade de Calcutá, pesquisador e professor-emérito do Departamento de Física da Universidade do Oregon, autor de várias obras que abordam a relação entre a física e a espiritualidade, como os livros A Física da Alma, O Universo Autoconsciente, O Médico Quântico, A Janela Visionária e Quantum Creativity.

Este artigo foi publicado originalmente pelo Mercado Ético. A tradução é de Bia Jordão

Um comentário:

  1. Muito bom este artigo. Realmente trata das necessidades de o homem se vê como ser espiritual e saber que o material faz parte e é útil ao seu viver, mas não faz parte da sua vida. Ele precisa viver dentro e com o material, mas este não é dentre de si.

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