quinta-feira, 1 de julho de 2010

Maior produção agrícola sem afetar o ambiente - David Cronin


Bruxelas, 29/6/2010, (IPS) - Para muitos especialistas, pode ser uma utopia alimentar os nove bilhões de pessoas que, se presume, habitarão o planeta em meados deste século, mas não para o relator da Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, Olivier de Schutter.
Este professor belga dedica-se à agroecologia, especialidade que considera as plantas e seu ecossistema, em lugar de conquistar a natureza e substituí-la por uma tecnologia de laboratório.
O armazenamento de água e a rotação de cultivos são recursos da agroecologia para evitar o emprego de “insumos externos”, como o uso de pesticidas. Além disso, é muito menos prejudicial do que a agricultura intensiva, que prevalece no mundo, e tem maior rendimento, segundo seus defensores. A estratégia sustentável pode oferecer quase 80% mais de alimentos do que a agricultura “convencional”, afirma uma pesquisa feita pela Universidade de Essex, na Grã-Bretanha.
IPS: A agroecologia pode acabar com a fome no mundo?
Olivier de Schutter: Não é o caso de não se beneficiar de avanços modernos, mas de adotar a melhor tecnologia que os agricultores tenham desenvolvido, produzir no âmbito local os insumos necessários para fertilizar o solo e incentivar os cultivos, o que aumenta muito a produção. Com a agroecologia pode-se aumentar a produção, em média, 70%, concluiu o estudo feito em 57 países por Jules Pretty e sua equipe da Universidade de Essex.
IPS: A produção de alimentos se concentra em poucas empresas. O que pode ser feito para reverter a situação?
OS: Foi um erro ter levado técnicas de laboratório para o terreno, sem considerar as necessidades dos agricultores. São necessárias decisões políticas muito mais transparentes e democráticas. As autoridades não devem ser tão influenciadas pelos interesses corporativos.
IPS: Há lugar para fertilizantes químicos e transgênicos na agroecologia?
OS: Não se deve endemoniar os fertilizantes. A agroecologia utiliza adubos orgânicos, embora seja possível o uso de insumos como os fosfatos para revitalizar o solo. Mas a ideia é que a agricultura seja autossustentável. A agroecologia se concentra na planta em seu meio ambiente. Os transgênicos basicamente dissociam um elemento do outro. Com os transgênicos, os agricultores dependem muito de sementes protegidas por direitos de propriedade intelectual, pertencentes a umas poucas empresas, sendo de fato a Monsanto a principal. É uma enorme desvantagem para eles que podem ficar endividados.
IPS: Seu antecessor, Jean Ziegler, disse que, cada vez que morre uma criança, é cometido um assassinato. Concorda com ele?
OS: Na essência, sim. Três milhões de crianças desnutridas morrem todos os anos. Além disso, uma em cada três nasceu em um país em desenvolvimento de mãe anêmica. Quando é analisada a sucessão de fatos, descobre-se que na origem há decisões políticas erradas. Sempre se deve olhar além da questão técnica de “por que há fome?” e chegar à explicação política. Como isso pode ocorrer? Meu papel é rastrear as causas.
IPS: O bloqueio econômico imposto por Israel a Gaza fez disparar a desnutrição. É um caso de violação do direito à alimentação?
OS: Definitivamente. É óbvio que ao impedir o desenvolvimento econômico, Israel comete uma grave violação a esse direito. Os agricultores não têm insumos nem possibilidades de vender, e 80% da população não tem emprego, o que destroi totalmente essa comunidade.
IPS: O Programa Mundial de Alimentos, entre outras agências, afirma que a iniciativa da União Europeia (UE) de promover o uso de biocombustíveis piora a situação, mas esta se nega a mudar de política. O que pensa a respeito?
OS: A principal consequência do maior uso de biocombustíveis é a concentração da terra e a especulação que expulsa a comunidade indígena e pequenos agricultores que vivem de sua produção e que não necessariamente têm títulos de propriedade. Todos os agricultores dos países em desenvolvimento que visitei, e estive em muitos nos últimos anos, se queixam do mesmo. Temem ser expulsos de suas terras e a única razão é a produção de biocombustíveis. O critério de certificação apresentado pela Comissão Europeia, órgão executivo da UE, para garantir que a produção de biocombustível seja sustentada, não leva em conta essa situação. Um dos elementos que a Comissão desconhece é a equidade e a inequidade em áreas rurais. Estou convencido de que, na maioria dos casos, se não em todos, os cultivos para produzir combustíveis beneficiam uns poucos, e não os mais pobres, que são os mais prejudicados. IPS/Envolverde (FIN/2010)

Um comentário:

  1. Acabar com a fome do mundo não tem relação direta com a Agroecologia, mas com o egoismo, com o materialismo, com o capitalismo e com o consumismo. O mundo tem hoje alimento suficiente para acabar com a fome. O que falta é fraternidade e compaixão.

    Óbvio que a produção ecológica, orgânica ou biodinâmica com bases teóricas da Agroecologia são mais sustentávei e benéficas para a saúde e meio ambiente, mas tem nada que que ver com a fome.

    Ademais, já ultrapassamos a capacidade suporte planetária e estamos destruindo nosso planeta. Mesmo optando para um modelo Agroecológico, nossos costumes, nossas culturas são por demais consumistas. Teremos que modificar todos ou quase todos os nossos hábitos. Hábitos relacionados com a mobilidade - são tantos aviões rasgando a atmosfera com seus gases poluentes, carros demais, tudo demais. Temos que repensar nossos deslocamentos diários, viajens, turismos, passeios - isso tem que ser diferente do que praticamos. Nossa maneira de vestir, altamente engomados, muita sofisticação sintética e a simplicidade é menospresada. O mundo dominado pelo terno e gravata e, praticamente todos, quando precisam ter mais respeito cedem a esta cultura da aparência. Enfim, embalagens, aparências - tudo para satisfazer o "ego-consum-ista".

    Falar em soluções para nove milhões de ego-consum-istas. Não tem agroecologia que dê jeito!

    Paulo Ramos

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