Sob o ponto de vista sistêmico, o dinamismo é inerente aos organismos vivos, cujas formas visíveis são “manifestações estáveis de processos subjacentes”. A compatibilidade entre os processos e as manifestações estáveis acontece quando “os processos formam modelos rítmicos – flutuações, oscilações, vibrações, ondas. Na dinâmica da auto-organzação, as flutuações são decisivas, por ser a base da ordem no mundo vivo: as estruturas ordenadas resultam de modelos rítmicos”.
A manifestação de modelos rítmicos pode ser encontrada em todos os níveis, do micro ao macrocosmo: desde os átomos que “são modelos probabilísticos”, passando pelas moléculas que “são estruturas vibratórias”, até os organismos que são modelos de flutuações “multidimensionais e interdependentes”. Ciclos de atividade e repouso, com funções que oscilam em ritmos periódicos são característicos tanto das plantas, como dos animais e dos seres humanos. “Os componentes dos ecossistemas estão interligados através de trocas cíclicas de matéria e energia, as civilizações ascendem e caem em ciclos evolutivos, e o planeta como um todo tem seus ritmos e recorrências enquanto gira em torno de seu eixo e se move ao redor do sol”.
As diferentes formas de agir e de estar no mundo são também a expressão de modelos rítmicos. “A manifestação de uma identidade pessoal única é uma importante característica dos humanos, e parece que essa identidade pode ser essencialmente uma identidade de ritmo”. Cada um de nós pode ser reconhecido pelo modo de falar, respirar, movimentar o corpo, pelos gestos que nos são peculiares, todos eles representando diferentes tipos de modelos rítmicos. Mas também existem ritmos “fixos” como, por exemplo, as impressões digitais e a caligrafia, que identificam um único indivíduo. Os modelos rítmicos que caracterizam um ser humano em sua individualidade “são diferentes manifestações do mesmo ritmo pessoal, uma pulsação interior, que é a essência da identidade pessoal”.
O ritmo tem um papel fundamental tanto na auto-organização e auto-expressão, como na percepção sensorial e na comunicação. “Quando enxergamos, nosso cérebro transforma as vibrações da luz em pulsações rítmicas dos seus neurônios. Transformações semelhantes de modelos rítmicos ocorrem no processo auditivo, e até a percepção do odor parece estar baseada em frequências que envolvem ritmos. A noção cartesiana de objetos separados e nossa experiência com máquinas fotográficas levaram-nos a supor que nossos sentidos criam alguma espécie de imagem interna que é uma reprodução fiel da realidade. Mas não é assim que a percepção sensorial funciona”. É o nosso mundo de signos, conceitos e idéias que atribui às imagens a condição de objetos separados. “A realidade à nossa volta é uma contínua dança rítmica”, e nossos sentidos só conseguem traduzir algumas de suas vibrações de acordo com as frequências que o nosso cérebro está sendo capaz de processar.
Assim como no processo perceptivo, o ritmo tem um importante papel nos diferentes modos de comunicação e de interação dos seres vivos. Na comunicação humana há uma sincronização e uma interligação de ritmos individuais. “Toda conversação envolve uma dança sutil” (em sua maior parte invisível, ou não percebida quando não se está atento a isso) na qual se dá uma sincronização entre: o que e como se fala, os mínimos movimentos corporais de quem fala e os movimentos correspondentes de quem ouve. Todos os envolvidos na conversação “estão entrelaçados numa sequência intrincada e precisamente sincronizada de movimentos rítmicos, que dura enquanto eles permanecem atentos e envolvidos em sua conversa”.
É possível relacionar essa dança sutil da conversação com o que diz Humberto Maturana em relação à linguagem:
A linguagem como fenômeno, como um operar do observador, não ocorre na cabeça nem consiste num conjunto de regras, mas ocorre no espaço de relações e pertence ao âmbito das coordenações de ações, como um modo de fluir nelas. Se minha estrutura muda, muda meu modo de estar em relação com os demais e, portanto, muda meu linguajar. Se muda meu linguajar, muda o espaço do linguajeio no qual estou e mudam as interações das quais participo com meu linguajeio .
Daí a importância de reconhecermos que os processos de aprendizagem, de desenvolvimento e de evolução são expressões de processos de autotransformação e de autotranscendência. Pois os seres vivos trazem em si, potencialmente, a capacidade de superar a si mesmos, criando novas estruturas, novos comportamentos, novas formas de interagir. E é justamente essa auto-superação criativa em busca do novo que, em seu devido tempo, leva a um desdobramento ordenado da complexidade, que parece ser uma propriedade fundamental da vida, uma característica básica da dança do universo.
“Quem dança
Não é quem levanta poeira
Quem dança
é quem reinventa o chão”
Não é quem levanta poeira
Quem dança
é quem reinventa o chão”
(Mia Couto)
Fonte: PISTÓIA, Lenise Henz Caçula. “A perspectiva sistêmica da vida”, em Gregory Bateson e a educação: possíveis entrelaçamentos. Tese de Doutorado em Educação, UFRGS, 2009, p. 74-76.
Marly Segreto
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