sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Acão, Atualidade e Atualizacão

Textos Abordagem Rogeriana





TENDÊNCIA ATUALIZANTE

Ação, Atualidade e Atualização
na Abordagem Rogeriana e em Psicologia e Psicoterapia
Fenomenológico Existencial





Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.





Como sabemos, a concepção de tendência atualizante é um elemento central da concepção e metodologia da Abordagem Rogeriana. Está implícita na Gestalt Terapia; e é, certamente, fundamental em qualquer abordagem fenomenológico existencial de psicologia e psicoterapia. Na formulação rogeriana, a concepção teve e tem um importante papel na definição de uma prática humanista, fenomenológico existencial, de psicologia e de psicoterapia. O conceito tem, nessa formulação, um enfoque demasiadamente biologizante, deixando em falta a sua dimensão especificamente existencial. Para quem trabalha ao nível da psicoterapia, do trabalho com grupos, e do trabalho psicológico em geral, a questão não é simplesmente de potencialidades, no seu sentido genérico, biológico, mas de possibilidades existencialmente vividas, e do processo de sua atualização.



Somos, todos nós, ativos, nas dimensões mais originárias e essenciais da vivência de nós próprios; fenomenológico existenciais, ativos, precisamente, atualizantes, atuantes. Ou seja, somos seres que são, originariamente -- em sua vivência mais originária, mais essencial --, vivência fenomenológico existencial de força, potência, de força de possibilidade, de possível; que constantemente se desdobra, em vivência de ação, atu-ação, atu-aliz-ação.

Tendemos, assim a esta atualização de possibilidades. À ação.

Secundariamente, esta ação nos constitui, constantemente. E constitui ao mundo que nos diz respeito.

Secundariamente, porque o nosso mundo, a nossa realidade, e o nosso ser/vir a ser identitário, são sub produtos da nossa vivência; fenomenológica, existencial, ativa; do processo de nossa atualização, da vivência de nosso núcleo, de nossa dimensão, de força, de potência, de possibilidade, em seu perene e potente desdobramento vivencial, ativo. No que chamamos de poiese.

Poiese é, assim, a produtividade, e resultantes, deste processo vivencial, ativo, atualizativo, no qual, enquanto consciência fenomenológico existencial, vivenciamos a constância desta dimensão de nosso ser possível, e vivenciamos a atualização, o desdobramento, de possibilidades.

Poiética, na verdade, é a ética da poiese. Ou seja, um modo de ser e de proceder que privilegia, como referência vital, a vivencia, e a expressividade, deste processo fenomenológico existencial, poiético, de ser/devir.

Para a poiética, a possibilidade, e a sua atualização, é mais importante do que a realidade.

Inúmeros são os poiéticos. Classicamente, podemos entender assim a Aristóteles e a seus peripatéticos, a Brentano, a Nietzsche, a Heidegger, aos fenomenológico existenciais, a Buber... Da mesma forma que assim podemos entender a Carl Rogers e a Fritz Perls.

Nos tempos de Aristóteles, a questão sobre o ser se colocava como resolvida pela perspectiva de que o ser é tudo que é... Aristóteles vem a colocar a questão do possível, do que pode vir a ser. Quando coloca que o ser não pode simplesmente ser tudo o que é; na medida em que, igualmente, existe o possível, e o seu devir, a sua atualização, o seu vir a ser. De fato, o ser é o que é, e o que pode se atualizar, o que pode vir a ser.

Com isso, Aristóteles introduz no pensamento ocidental o possível, e o movimento de sua atualização; a potência e o ato, a atualização. Dados na imediaticidade empírica da vivência de consciência fenomenológica, fenomenoativa.

Franz Brentano é o grande receptor e mediador moderno de Aristóteles e de suas perspectivas. Dentre as suas inúmeras e importantes contribuições, estão o desenvolvimento da Fenomenologia, e da psicologia fenomenológico existencial; talvez possa mesmo ser reconhecido como o iniciador da Psicologia da Gestalt.

O certo é que os formuladores da Psicologia da Gestalt foram seminalmente influenciados pelas concepções de Franz Brentano. Foram alunos do principal discípulo de Brentano, Carl Stumpf. Ainda quando Brentano era vivo.

Neste caso, entre os psicólogos da Gestalt, Kurt Goldstein.

As perspectivas e concepções de Brentano e de Aristóteles, vão aparecer de um modo importante nas concepções de Kurt Goldstein. Tais como as concepções de organísmico, de organismo, de auto regulação organísmica, de auto-atualização, de experiência organísmica... E as concepções de Kurt Goldstein vão ter uma influência fundamental no desenvolvimento das idéias, e na formulação da concepção e método da abordagem de Carl Rogers. Assim, concepções como as de auto-regulação organísmica, auto-atualização, experiência organísmica, tendência atualizante, são concepções que constam já do arcabouço conceitual da psicologia organísmica de Kurt Goldstein, e têm um lugar e papel essenciais em momentos básicos do sistema conceitual de Carl Rogers.

A concepção de tendência atualizante vai ser a pedra fundamental do paradigma rogeriano. Vai permitir a Carl Rogers desenvolver experimentalmente um interessante paradigma fenomenológico existencial de psicologia e de psicoterapia.

Este paradigma só vai depurando plenamente as suas características fenomenológico existenciais, livrando-se, em sua prática, dos resíduos de pressuposições metafísicas e teorizantes, na última, e qualitativamente produtiva, fase da vida de Carl Rogers. Quando o trabalho com grupos, em suas várias modalidades -- de grupos residenciais e não residenciais, com pequeno, médio ou grande número de participantes, de curta ou longa duração, e outras modalidades -- leva a uma assombrosa radicalização fenomenológico existencial do paradigma de Rogers, e da experimentação, por parte dele, e de seu grupo de colaboradores.

A radicalização é tal que, neste momento, toda a produção teórica anterior -- que já experimentara, durante anos, um intenso processo de mudança e de metamorfose -- parece, de um modo muito propriamente fenomenológico existencial, distante e supérflua, apenas relativamente necessária. Em privilégio de um logos metódico fenomenológico existencial empírico, que se ancora simplesmente na constação fenomenológica, e existencial, de nossa ontológica condição de sermos ativos, atualizativos; da condição ontológica básica de ativos dos grupos humanos, e das pessoas.

O conceito de tendência atualizante permanece um instrumento interessante. Tanto do ponto de vista da Abordagem Rogeriana, como do ponto de vista de um paradigma fenomenológico existencial de psicologia e de psicoterapia. Ainda que ele seja, no âmbito da abordagem rogeriana -- onde está melhor elaborado e mereceu maior atenção, na psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial -- um conceito vago, impreciso, freqüentemente equívoco. Em razão de uma precária elaboração. Em particular, em função de um viés abusivamente biologista na sua formulação.

O conceito sempre se referiu à tendência, e ao exercício da tendência dos seres vivos para atualizarem as suas potencialidades, e se constituir como espécimens adultos, maduros, socialmente ajustados e produtivos, no caso dos seres humanos. É conhecida a ilustração que Rogers faz de sua idéia lembrando os brancos brotos das batatas que cresciam nos estoques invernais do porão da casa de sua infância... Pálidos e obstinados, em sua tendência atualizante em direção à luz...

É impressionante, porque, em seguida, Rogers dá ainda um passo "atrás" -- do biológico ao cósmico --, ao vincular o que ele entende como tendência atualizante a uma tendência formativa do universo, usando idéias de Ilya Prigogine, muito vigentes na new age, para corroborar as suas próprias concepções.

Não é que não seja interessante considerar a tendência atualizante de suas potencialidades por parte dos seres vivos, no sentido biológico, e evolucionista... Ou indicar a tendência sintrópica que caracteriza a vida, em contraposição aos movimentos deletérios da entropia... Mas, direto, do cósmico, e do biológico, para o pessoal? Sem passar pela mediação da história? Sem passar pela mediação do cultural e do social? Sem passar pela mediação da existência, e do existencial?

Há, efetivamente, aí uma incontornável lacuna. Em especial para quem se remete aos humanos, e aos grupos humanos: no que diz respeito à relação história-pessoa, e no que diz respeito à concepção existência-pessoa, em termos da concepção de tendência atualizante.

É interessante observar que a vivência, a experimentação, e o desenvolvimento do modelo rogeriano, como seria de se esperar, vai se deslocando, e se tornando cada vez mais independente dos pressupostos teóricos, com o privilégio de uma vivência fenomenológico existencial empírica. A um ponto tal que a teoria prossegue reincidindo em crises, de crescimento, e, defitivamente, não acompanha os resultados da experimentação, quedando-se em níveis muito precários, no que concerne à rica fase final do trabalho de Carl Rogers, principalmente com relação ao seu modelo de trabalho com grupos, e às repercussões dos resultados da experimentação com grupos sobre o modelo de trabalho na relação interindividual[1].

Aí também presente, de modo importante, as confusões determinadas pela crise epistêmica decorrente:

1. Do fato de que a abordagem rogeriana, de cunho fenomenológico existencial empírico, cresceu no meio de um empirismo objetivista, avêsso à teorização. Com os praticantes da abordagem rogeriana ainda influenciados, de um modo significativo, por esse tipo de empirismo objetivista; condição associada ao pouco conhecimento das perspectivas da Fenomenologia no meio da abordagem rogeriana;

2. Dos mal-entendidos e confusões relativos à precária compreensão acerca de qual é o lugar da teoria numa abordagem que é, em sua vivência, não teorizante; ou seja, acerca de qual o lugar da teoria numa abordagem fenomenológico existencial empírica e experimental.

Aparentemente confundida, ainda, influenciada e desorientada pela aversão à teoria e à teorização da cultura anglo-saxã, a cultura da abordagem rogeriana se quedou, e se queda, inteiramente baratinada com relação à questão dos nexos entre a vivência experimental empírica, não teorizante, e a teoria, a teorização, e a crítica...

A teoria foi evoluindo para uma fértil crise de perspectivas epistemológicas e ontológicas, até que Rogers e os seus colaboradores mergulharam na intensa experimentação fenomenológico existencial empírica de seus referenciais, num contexto grupal, com uma teorização ainda incipiente, e freqüentemente pautada pelos referenciais do empirismo objetivista -- incompetente para dar conta da riqueza e da complexidade dos produtos e processos de sua experimentação. De fato, neste momento, o fato de que Rogers e colaboradores estavam ricamente imersos nas dimensões existenciais de um tal processo, e em suas densidades e complexidades teóricas, não permitia, ainda, um afastamento que possibilitasse uma reflexão e produção teórica. Sem dúvida, o pouco conhecimento no seu meio, e no meio da cultura da abordagem, dos referenciais da Fenomenologia e do existencialismo, dificultava sobremaneira esta empreitada teórica.

O momento posterior à morte de Rogers é um momento de paralisia teórica, pelo menos em termos paradigmáticos, em que a teoria vai sendo cada vez mais alienada e alienígena, ainda que a força da obra ensaística de Rogers permaneça fazendo adeptos. E que o empirismo fenomenológico existencial característico de seu paradigma possa ser compreendido e desenvolvido por profissionais competentes e criativos.

A concepçao de atualização, e mesmo de tendência atualizante -- esta importante contribuição de Aristóteles, Brentano e Goldstein, que Carl Rogers soube valorizar, conceitual e metodológicamente, em psicologia e psicoterapia -- permanecem assim como concepções básicas, do paradigma rogeriano, e da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.

No caso da abordagem rogeriana, em particular, no sentido de sua reformulação e atualização. Isto porque são concepções que guardam a originalidade da formulação rogeriana, ao mesmo tempopermanacem como concepções atuais -- produtivas --, não só no contexto da abordagem rogeriana, como no contexto da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.



A atualidade da concepção de tendência atualizante, em sua acepção fenomenológico existencial, em psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, advém do fato, simplesmente, de que, ainda que um conceito teórico, ela se remete à dimensão vivencial, especificamente experienciável. Eespecificamente existencial. Remete-se ao próprio processo humano de realização, e de superação. Dimensão ontológica humana fundamental, e fundamental para a concepção e vivência da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, em específico da abordagem rogeriana, e da gestalt terapia, que são psicologias e psicoterapias do ato e da atualização, da atualidade. Abordagens poiéticas, estéticas.







[1] Vera Cury trabalhou esta última temática em sua tese de Doutoramento.
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