sábado, 1 de agosto de 2009

Um círculo vicioso mortal

Estamos todos sentados em cima de paradigmas civilizacionais e econômicos falidos. É o que nos revela a atual crise global com suas várias vertebrações. Nada de consistente se apresenta como alternativa viável a curto e a médio prazo. Somos passageiros de um avião em vôo cego. O que se oferece, é fazer correções e controles à la Keynes, que, no fundo, são mudanças no sistema mas não do sistema. Mas é este sistema que comparece como insustentável, incapaz de oferecer um horizonte promissor para a humanidade. Por isso, a demanda é por um outro sistema e um outro paradigma de habitar este pequeno, velho, devastado e superpovoado planeta. É urgente porque o tempo do relógio corre contra nós e temos pouca sabedoria e parco sentido de cooperação. Em razão dos interesses dos poderosos que não fazem o necessário para evitar o fatal, as soluções implementadas mundo afora vão na linha de “mais do mesmo”. Mas isso é absolutamente irracional pois foi esse “mesmo” que levou à crise que poderá evoluir para uma tragédia completa. Estamos, pois, enredados num círculo vicioso letal. Dois impasses estão à vista, gostem ou não os economistas, “os salvadores” do mundo: um humanitário e outro ecológico. O primeiro é de natureza ética: a consciência planetária, surgida à deriva da globalização, suscita a pergunta: quanto de inumanidade e de crueldade aguenta o espírito humano ao verificar que 20% das pessoas consome 80% de toda a riqueza da Terra, condenando o resto à cruz do desespero, encurralada nos limites da sobrevivência? Esta aceitará o veredito de morte sobre ela? Ela resiste, se indigna e, por fim, se rebelará por instinto de sobrevivência O ideal capitalista de crescimento ilimitado num planeta limitado parece não ser mais proponível ou só sob grande violência. O segundo é o limite ecológico. O capitalismo criou a cultura do consumo e do desperdício cujo protótipo é a sociedade norte-americana. Generalizar esta cultura – cálculos foram já feitos – precisar-se-iam de duas ou mais Terras semelhantes à nossa, o que torna o propósito irrealizável. Por outra parte, encostamos nos limites dos recursos e serviços da Terra e os ultrapassamos em 40%. Todas as energias alternativas à fóssil, mantido o atual consumo, atenderia somente 30% da demanda global. Como se depreende, dentro do mesmo modelo, somos um sapo sendo lentamente cozido sem chances de saltar da panela. Há três propostas criativas: a da economia solidária que não mais se guia pelo objetivo capitalista da maximização do lucro e de sua apropriação individual. A do escambo com as moedas regionais. A terceira é a da biocivilização e da Terra da Boa Esperança, do economista polonês que dirige um centro de pesquisa sobre o Brasil em Paris: Ignacy Sachs. Ela confere centralidade à vida e à natureza, tendo o Brasil como o lugar de sua antecipação. As três são possíveis mas não acumularam ainda força suficiente para ganhar a hegemonia. Talvez elas nos poderiam salvar. Mas teremos tempo hábil? Bem dizia Gramsci: “o velho não acaba de morrer e o novo custa em nascer”. Não se desmonta uma cultura de um dia para outro. Quem está acostumado a comer bife de filé dificilmente se resignará a comer ovo. Meu sentimento do mundo diz que vamos ao encontro de uma formidável crise generalizada que nos colocará nos limites da sobrevivência. Chegando a água ao nariz, faremos tudo para nos salvar. Possivelmente seremos todos socialistas, não por ideologia mas por necessidade: os parcos recursos naturais serão repartidos equanimemente entre os humanos e os demais viventes da comunidade de vida. Santo Agostinho sabiamente ensinou que dois fatores ocasionam em nós grandes transformações: o sofrimento e o amor. Devemos aprender já agora a amar e a sofrer por esta única Casa Comum a fim de que possa ser uma grande Arca de Noé que albergue a todos.
Então será, sim, a Terra da Boa Esperança, um sinal de um Jardim do Éden ainda por vir.

Leonardo Boff é autor de Comer e beber juntos e viver em paz. Vozes 2008.

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