Sociedade globalizada, rede: mais que palavras e novas idéias acerca das relações sociais e de produção, estamos diante de desafios que nos levam a rever conceitos e paradigmas, bem como, indicam a necessidade de construção de outras formas de agir/pensar. Não cabe mais para as organizações atuais e, mesmo em nossas vidas particulares, manter os mesmos padrões de comportamentos e de expectativas quanto aos resultados presentes e proposições de futuro. Não é mais possível, por exemplo, ignorar posturas que privilegiam o ganho individual em função de perdas coletivas. Perdas que poderão levar, em uma análise mais extrema, até mesmo, à extinção do planeta. Assim, nos vemos impelidos a, no desenvolvimento de novas relações do homem consigo mesmo, com o seu semelhante e com o mundo, captar as dimensões da mudança em marcha e desenhar uma nova ordem mundial. Aqui estamos nós, sujeitos históricos, determinantes/determinados na relação de interdependência da grande rede e nela, sujeitos de escolhas individuais e coletivas. A cada escolha existem responsabilidades que lhe são inerentes. Somos responsáveis pelos resultados de nossas escolhas históricas, tanto pelos benefícios quanto malefícios. Segundo CAILLÉ (1998)¹, o que prevalece é um sentido de cooperação inerente ao próprio movimento da vida: dar, receber e retribuir. Para o autor, uma tríplice obrigação. Decisões anteriores nos trouxeram até aqui. Criamos um cenário no qual podemos constatar o crescimento da humanidade em diversos aspectos: humano, social, econômico, político, científico e tecnológico. Podemos ainda, verificar outros efeitos, oriundos das formas pelas quais promovemos tal desenvolvimento: desigualdades sociais, destruição do meio ambiente, adoecimento de relações, pessoas e organizações, além de dois grandes fardos culturais. O fardo de uma especialização exacerbada que tende a cristalização ou como quer BUKMINSTER (1985) ², “uma forma elegante de escravidão”, - que gera uma cultura de dependência e, portanto, de salvadores - e, o da individualidade competitiva. Estamos agora, em nível planetário, vivendo um período de transição. A passagem do velho para o novo mundo implica em mudar o jeito de fazer, em aprender a compartilhar e se desapegar de velhas certezas. É neste contexto, que nos deparamos com a discussão acerca da “CULTURA DA COOPERAÇÃO”. Uma discussão pertinente ao momento e fundamental como suporte para as mudanças em curso. Iniciar a conversa, fazer as primeiras incursões sobre o tema, eis a proposta deste trabalho. Nas produções teóricas – síntese de múltiplas leituras sobre o homem e seus fazeres – aprendemos que qualquer reflexão temática pressupõe contextualização. Contextualizar é localizar historicamente, no campo da prática humana e do pensamento científico, o momento em que se iniciou o estudo sobre o tema, suas bases e o movimento do conhecimento gerado sobre ele. Aqui, entretanto, decidimos iniciar buscando em outro lócus de conhecimento o entendimento dos termos cultura e cooperação. Termos que compõem uma expressão significativa para uma humanidade que anseia gerar uma nova realidade. Um olhar mais atento ao nosso redor e acessamos múltiplos exemplos de cooperação. Múltiplos e diferentes em níveis e formas: desde parcerias “ganha-ganha” como no caso de algumas flores com seus poliminizadores aos exemplos mais extremos em que um cede a própria vida para que a do outro permaneça, como no caso de alguns insetos que vivem apenas até o momento da cópula, de forma a garantir a perpetuação da espécie. Uma imensa e complexa rede se movimenta e, mesmo que por vezes desatentos, ocupados em ser apenas seus “usuários”, dela fazemos parte de forma privilegiada, uma vez que, somos capazes de significá-la. Iremos assim, buscar na botânica, ou mais propriamente em um jardim, uma metáfora que nos ajude na compreensão do que seja uma Cultura de Cooperação. Vamos, portanto, falar de flores. Escolhemos, entre várias, o girassol. Ele não é apenas uma flor, é uma comunidade de flores – uma inflorescência – sustentada por uma haste ou pedúnculo. Múltiplas flores se estruturam, ajustam-se e se diferenciam na formação do girassol. Um olhar mais atento, do biólogo ou de um botânico, por exemplo, nos diria das diferenças entre elas. O que conhecemos por pétalas são flores modificadas que perderam, ou abriram mão, de sua capacidade reprodutiva e cresceram de forma a cumprir funções específicas: proteger a comunidade dos predadores e, ao mesmo tempo, atrair os poliminizadores que garantirão a reprodução de novas inflorescências. Não é o mesmo que acontece na comunidade dos homens? Múltiplos e diferentes, nós assumimos diversos papéis, formando grupos, organizações e comunidades. Há, entretanto, uma diferença fundamental: os homens têm consciência de si, do outro, de seus papéis e de sua condição humana – sujeitos de escolhas. Podemos encontrar, ainda, outras semelhanças entre inflorescências e comunidades humanas. A haste, por exemplo, para as flores, além de suporte, é veio condutor de suprimentos. É sobre ela que se edifica e se sustenta a comunidade. A haste, na comunidade dos homens, se chama relação. Relações diferentes e em níveis cada vez mais complexos sustentam os fazeres e as experiências humanas – sócio-culturais, econômicas e políticas. Tão vivas quanto à haste do girassol, elas traduzem um movimento permanente em que são trabalhadas desde as necessidades básicas – manutenção do corpo saudável – até sonhos e desejos criados incessantemente pelos homens. Hoje, falamos cada vez mais em qualidade de vida, conforto, beleza, prazer e, principalmente, na qualidade das relações que estabelecemos. Refletir sobre esta haste e seus movimentos implica em entender os suportes que dão sustentação à construção humana: os valores universais, a ética e a prudência nas decisões que envolvem o indivíduo e o coletivo. Das sociedades primitivas às mais modernas, a cooperação – comportamento de indivíduos que trabalham juntos, visando alcançar objetivos comuns – aparece juntamente com as práticas competitivas – disputa de espaço, recursos e poderes. São hegemônicos, até então, os paradigmas e as práticas competitivas. Segundo Leonardo Boff, em texto publicado na Folha de São Paulo em Junho de 2003, “... É difícil para a grande maioria da humanidade saber o que é correto e o que não é. Esse obscurantismo do horizonte ético redunda numa insegurança muito grave na vida e numa permanente tensão nas relações sociais, agravada pela lógica dominante da economia e do mercado, que se rege pela competição, e não pela cooperação, dificultando destarte o encontro de estrelas guias e de pontos de referência comuns”. (BOFF, 2003 – grifo nosso). Hoje, vemo-nos diante da necessidade de repensar e resignificar a lógica dominante referida por Boff. O que seria então, passar de uma relação predominantemente competitiva para uma outra que pressuponha prudência e cooperação? Ao nos depararmos com tal indagação corremos alguns riscos. O mais visível deles é o de permanecer em extremos. Mudar a lógica da economia e de mercado hoje predominante para a de cooperação, não implica em eliminar a competição, uma vez que, também ela é da natureza humana. Equilíbrio seria a palavra chave. Introduzir compaixão nas ações, considerar a inteireza, a afetividade, a amorosidade, a harmonia e a paz. A referência deverá ser o homem na sua integralidade: razão, emoção e transcendência – capacidade de ir além de si mesmo, de pensar e significar suas ações, de se projetar para Deus ou, como o girassol, teimar pela luz. O homem se diferencia dos demais seres por sua capacidade de fazer e pensar sobre o seu feito, por mudar a realidade conforme seus valores, crenças e atitudes. Assim, ele produz a vida, produz a si mesmo e desenha sua face no planeta. Uma face múltipla que se renova a cada momento. A todas as simbologias, crenças, visões de mundo, conhecimentos, produções, materializações e sentimentos que compõem esse fazer humano, chamamos Cultura. Cultura é uma produção coletiva própria dos homens, transmitida, modificada e partilhada pelas comunidades de geração em geração. Assim como os girassóis, também as margaridas, as palmas-de-Santa-Rita, os crisântemos, ipês e hortênsias são inflorescências. Juntas formam o jardim: uma comunidade de comunidades, demonstrando algo que poderíamos, fazendo uma analogia, chamar de Cultura da Cooperação. Cultura da cooperação é resultado de um fazer humano pautado no diálogo das diferenças. Um diálogo que se dá numa relação de interdependência visando, invariavelmente, o bem coletivo. Segundo ROMANO (2002), diferentes atores, em lugares diferentes, em interação, complementando-se, sem se opor ou se mesclar, “experimentando o desafio de serem autônomos na ação e interdependentes na missão”. Eis o convite! Um convite para todos aqueles que acreditam, desejam e sonham com um mundo melhor, mais humano, mais justo e mais feliz. Um convite para os que defendem a convivência justa e pacífica das diferenças culturais e individuais. Um convite para sujeitos históricos que se sabem não só atores, mas, também autores de seus destinos. Para facilitadores – educadores, gestores, agentes de mudança – mais que um convite, há nesta proposição um desafio: o desafio do “homem que age” tendo como referência a rede. | ¹ CAILLÉ ² FULLER R. Bukminster. Manual de Operação para Espaçonave Terra. Brasília, Editora UnB, 1985 in WEIL Pierre, D’AMBRÓSIO Ubiratan, CREMA Roberto. Rumo à Nova Transdisciplinaridade – Sistemas Abertos de Conhecimento. Summus Editora, 1993. | |
Nenhum comentário:
Postar um comentário