Se você não entendeu o que está por trás da atual crise do sistema financeiro mundial que ameaça instalar uma recessão na maior economia do globo, com prováveis efeitos colaterais nos demais países, inclusive o Brasil, fique tranqüilo. Você não está sozinho: a grande maioria das pessoas, até especialistas em finanças, tem a sensação de que o mercado financeiro – e seus “instrumentos” cada vez mais sofisticados – descolou-se da realidade concreta da vida das pessoas. De fato, bilhões, até mesmo trilhões de dólares, podem ser “criados” ou “destruídos” em um instante, enquanto os cidadãos médios cuidam de afazeres triviais e a Terra continua seu inexorável movimento ao redor do Sol. Para quem quer se aventurar nas razões que levaram à chamada crise das hipotecas, o quadro à pág. 21 arrisca algumas explicações. Talvez mais importante seja compreender as forças que mantêm o sistema financeiro, apesar das constantes perturbações – nos últimos 25 anos foram 165 crises bancárias e 196 crises monetárias, nas contas do economista belga Bernard Lietaer –, no centro da organização da sociedade e, por conseqüência, da relação dos homens com o ambiente que os cerca. A análise pode se beneficiar de pontos de vista que não meramente o fi nanceiro, em especial um que busque paralelos em outros sistemas complexos, em que o comportamento de uma parte infl uencia as demais, tais como o clima, os ecossistemas e as redes de distribuição de energia. Dessa perspectiva, é possível perceber que, apesar do atual consenso em manter as escolhas individuais no centro dos processos econômicos,o que importa são os resultados coletivos dessas escolhas. Da mesma forma, o sistema financeiro é parte do comportamento humano que determina a economia como a conhecemos hoje e esta, por sua vez, integra um sistema maior, a biosfera. Tentar uma reconexão não significa legitimar o horizonte de curto prazo com que opera a comunidade fi nanceira, mas talvez ajude a enxergar como a busca de soluções para a sustentabilidade das sociedades humanas no planeta pode incluir o sistema financeiro.“Ele não é tão desconectado das nossas vidas, tudo tem a ver com risco e recompensa”, diz George Sugihara, pesquisador da Scripps Institution of Ocenography, na Universidade da Califórnia, em San Diego. Ecologia para banqueiros Sugihara e dois ecólogos – Robert May, da Universidade de Oxford, e Simon Levin, da Universidade de Princeton – publicaram em fevereiro na revista Nature um artigo intitulado “Ecology for bankers”, resultado de um brainstorming promovido por ninguém menos do que o Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano. Em maio de 2006, o Fed de Nova York organizou uma conferência para explorar os paralelos entre o risco sistêmico no setor fi nanceiro e campos como a ecologia e a engenharia. Bem antes que a bolha imobiliária estourasse, os reguladores fi nanceiros estavam preocupados com a possibilidade de que um evento desse tipo colocasse em risco o sistema todo. “Mudanças catastróficas no estado geral de um sistema podem decorrer, em última instância, da forma como ele está organizado. (...) A mudança pode ser iniciada por algum evento externo, como uma guerra, mas é em geral detonada por um acontecimento aparentemente menor ou até mesmo um boato. Uma vez em andamento, tais mudanças podem se mostrar explosivas e (...) tornar a recuperação muito mais lenta do que o colapso. Em casos extremos, podem ser irreversíveis”, escreveram os autores de “Ecology for bankers”. Um exemplo de mudança dessa magnitude, segundo os pesquisadores, foram o crash do mercado de ações em 1929 e a depressão econômica que se seguiu. Não por acaso, o noticiário sobre a bolha imobiliária nos EUA de 2008 está recheado de lembranças do século passado. “Estamos pagando o preço de uma amnésia intencional”, escreveu o economista Paul Krugman no The New York Times. “Escolhemos esquecer o que aconteceu nos anos 30 – e, ao nos recusar a aprender, estamos repetindo a história.” O potencial para mudanças catastróficas, entretanto, não se aplica apenas às finanças, lembram Sugihara e seus colegas, mas também ao clima global, à medida que aumenta a concentração de gases de efeito estufa; aos serviços ambientais, com o desaparecimento de espécies; à indústria da pesca, a partir da superexploração dos estoques de peixes; e às redes de distribuição de energia ou à internet, ao receberem demandas crescentes. No caso financeiro, a pergunta é até que ponto mecanismos que aumentam a estabilidade em face de pequenas fl utuações podem predispor o sistema ao colapso, ao evitar que se adapte a mudanças. “A robustez (ou resiliência) refere-se à capacidade do sistema de continuar funcionando diante de algum tipo de estresse”, explica Simon Levin. “Basicamente há duas formas: uma é resistir ao estresse, outra é ser capaz de se recuperar. É esta última que tem a ver com a resiliência do sistema.” Ou seja, em caso de perturbação, o importante é que o sistema consiga absorver e volte a funcionar. Diante da possibilidade de não-absorção da Sterns, o Fed agiu, arquitetando sua venda para outro gigante, o JP Morgan, e avalizando seus ativos. Talvez tenha privilegiado a estabilidade em detrimento da robustez do sistema. “Estabilidade significa constância, e há riscos associados a isso, porque o sistema pode perder a capacidade de se adaptar”, diz Levin. “Há uma troca: de uma certa maneira, quanto mais estável for um sistema ao longo do tempo, mais frágil ele se torna.” Alguns ecossistemas, por exemplo, são resilientes devido à continuada existência, pois sobreviveram e se adaptaram a mudanças tão defi nidoras quanto a deriva continental, flutuações no clima e a evolução das espécies que os constituem. Topologia financeira Um estudo encomendado pelo Fed sobre a “topologia” do sistema de pagamentos interbancários americano identificou cerca de 700 mil transferências envolvendo US$ 1,2 trilhão entre pouco mais de 5 mil bancos, e uma “certa desigualdade”, com 75% dos pagamentos envolvendo menos de 0,1% dos bancos. “Se pensarmos no sistema de pagamentos bancários como uma rede de ‘nós’ e ‘interfaces’ – em que os bancos são os ‘nós’ e as transferências eletrônicas entre eles são as ‘interfaces’ –, vamos descobrir que ela tem a mesma estrutura de algumas redes ecológicas, com tendência à assimetria”, diz Sugihara. “E a maioria das redes ecológicas, por ter passado por milhões de anos de estresse, são relativamente robustas.” Assim, a estrutura do sistema fi nanceiro estaria, de alguma forma, preparada para absorver perturbações. Apesar de moldada pela “engenharia” humana, essa estrutura não foi desenhada, mas cresceu organicamente, lembra Sugihara. Em certa medida, é também auto-regulada, uma vez que o sistema, embora internacional, não dispõe de uma única autoridade reguladora. “Não podemos controlá-lo, introduzimos mecanismos para tentar infl uenciar os incentivos, especialmente os individuais, e alcançar os objetivos desejados, mas não somos muito bem-sucedidos”, afi rma Simon Levin. Nas sociedades humanas, ao contrário do estresse enfrentado pelos ecossistemas, as intervenções em sistemas como o fi nanceiro “visam aliviar distúrbios de alta freqüência e baixa amplitude”, nas palavras de Sugihara. Por exemplo, os diques construídos em lugares como Nova Orleans são suficientes para resistir a 50 anos de enchentes, mas não a um ou dois séculos. A superinoculação de uma população com antibióticos permite o surgimento de uma superbactéria a médio ou longo prazo. “É muito difícil para nós pensar a longo prazo”, diz o pesquisador, destacando que as carreiras no setor fi nanceiro tendem a ser curtas. “É parte da cultura ganhar a maior quantidade de dinheiro possível e sair do mercado antes que a casa pegue fogo.” Da mesma forma, ao gerir riscos, os bancos estão interessados na própria viabilidade no contexto maior da rede fi nanceira, da qual são apenas uma parte. “Está claro por que eles estão interessados em estabilidade, eles são os que têm mais a ganhar com o status quo”, afirma o oceanógrafo. A natureza da economia Junto com sistemas de policiamento, normas e outros mecanismos, as “regras” econômicas restringem o comportamento individual e ajudam a formar a estrutura da sociedade. Esse tipo de organização não é exclusividade dos homens – segundo Levin, os primatas e insetos como abelhas e formigas são bons exemplos em que a estrutura social emerge do coletivo. “Até as bactérias têm alto nível de organização social e a ação coletiva de centenas de espécies é uma das razões pelas quais temos de ir ao dentista. Ou seja, a ação coletiva vai das bactérias aos homens.” Coração da economia contemporânea, o sistema fi nanceiro, entretanto, opera sob a égide da “mão invisível”, uma força que permite que os indivíduos persigam seus próprios interesses sem restrições, sob a alegação de que o resultado será o bem coletivo. “Pode ser que alguém consiga provar que isso leva os sistemas ao equilíbrio, mas a longo prazo a robustez desse equilíbrio não está garantida, seja nos sistemas ecológicos, seja nos econômicos”, argumenta Levin. “Temos muitas evidências empíricas de que isso pode levar ao colapso do sistema.” Tornada famosa pelos economistas neoclássicos como o imperativo para que o mercado opere sem interferências, a noção da “mão invisível” foi forjada pelo escocês Adam Smith (1723-1790) com base em observações sobre as ciências naturais, segundo a fi lósofa Margaret Schabas, autora de The Naturalorigins of Economics (The University of Chicago Press, 2005). Ao situar os escritos de Smith na tradição iluminista, Margaret Schabas conta que a primeira menção à “mão invisível” aparece no tomo A História da Astronomia – e trata-se da mão de Júpiter. Ali, o “pai” da economia interpreta os céus como uma grande decepção, “afi nalo Sol não se levanta e se põe todo dia, independente do que pensem as pessoas comuns, e a astronomia decorrente do triunfo de Copérnico implica que o mundo foi desenhado de maneira complexa, criando ilusões de autocentrismo – a Terra como centro do universo – e de estabilidade – a Terra em estado de descanso” (mais sobre as relações da economia com a física em Ensaio à pag. 24). “A mão invisível é também um truque de mão. As classes baixas labutam porque acreditam, falsamente, que as riquezas valem o esforço, quando, na verdade, elas estão aptas a perder a serenidade que possuem: ‘É essa decepção que levanta e mantém em moto-contínuo a indústria da humanidade’”, escreve Margaret Schabas, citando Adam Smith. Outro conceito apropriado pelos neoclássicos, o laissez-faire, laissez-passer significava “deixe a natureza tomar seu curso”, para os fi siocratas, escola inspirada pelo francês François Quesnay (1694-1774) que floresceu na segunda metade do século XVIII e buscou sintetizar leis econômicas que operassem independente da vontade do homem e pudessem ser descobertas pela luz da razão. De acordo com Margaret, os fi siocratas e os fi lósofos iluministas fazem parte da tradição iniciada com os gregos de ver o mundo como um todo unificado. “Cientistas naturais e sociais contemporâneos, em contraste, implicitamente concordaram em dividir o mundo em duas partes. Quando os físicos hoje pensam no mundo que investigam, é um sem todas as instituições sociais. Matéria, força e energia são estudadas independentemente dos princípios que governam as taxas de juro e as leis do mercado imobiliário, sem falar na acumulação de capital. Os economistas adotaram um discurso igualmente segregado”, escreve a fi lósofa. “A frase laissez-faire perdeu todo o significado original. Pertence agora à políticas comerciais liberais, não às operações da natureza.” O processo de desnaturalização da economia, na visão de Margaret Schabas, consolida-se com John Stuart Mill (1806-1873), que vê o mundo econômico como produto da ação humana, forja a concepção de riqueza dissociada do aspecto físico na idéia de utilidade e reforça a visão de que, neutro, o dinheiro não afeta os fenômenos econômicos. Em oposição aos iluministas, Mill defende que a natureza é para ser conquistada, não obedecida – o progresso econômico consiste em aumentar o poder dos homens sobre ela. “O desenvolvimento histórico indica que esse comprometimento com uma economia criada pelos homens e separada da natureza é uma invenção nova.Se olharmos com cuidado, seus componentes tendem a integrar os campos que biólogos e físicos estudam”, diz Margaret Schabas. “É esse comprometimento que permite que se fale em estabilidade, engenharia, gestão da economia. Se for o caso de que o dinheiro ou a taxa de juro, por exemplo, não estejam só sob a ação humana, mas tenham ligação com o mundo físico, isso sugere que temos de entender a noção de engenharia da mesma forma que faríamos no mundo físico.” A taxa de juro tem vários níveis, segundo a filósofa.“No mercado de recursos para empréstimos, é um preço, formado quando a oferta e a demanda se encontram. Mas acredita-se que isso refl ita algo mais profundo, relacionado à acumulação de capital. (John Maynard) Keynes via a taxa de juro como o equivalente à eficiência marginal do capital. O compromisso com a acumulação de capital está mais próximo de nós, criaturas preocupadas com a auto-suficiência, que fazem estoques e desenvolvem tecnologia. Mas é possível ver a taxa de juro de forma mais fundamental, ligada a atitudes em relação ao tempo e, talvez, ao espaço.” Abaixo o monopólio Diante das raízes profundas lançadas pela visão neoclássica dos mercados e pela divisão entre os campos naturais e sociais da ciência, a economia dos homens e aquela da natureza permanecem bem separadas. Mas há sinais de que é preciso mudar, segundo Bernard Lietaer, economista que presidiu o Sistema Eletrônico de Pagamentos da Bélgica e ajudou a implantar a moeda única na Europa. Entre eles, a crise ambiental global, a pobreza e o fato de que o atual sistema monetário é “cego” para os aspectos da sustentabilidade. “A economia real não pode funcionar sem incluir, por exemplo, o que acontece nas famílias, em um nível em que não se usa dinheiro, mas fundamental para que se eduquem as crianças para trabalhar no mundo real”, exemplifica. A questão monetária e financeira é, na opinião de Lietaer, o link que falta no debate da sustentabilidade. “O pensamento de curto prazo é conseqüência direta do sistema monetário, uma vez que todo dinheiro carrega juros e isso faz com que qualquer pessoa que use critérios fi nanceiros pense a curto prazo, descontando o futuro a ponto de torná-lo um nada”, diz. A solução, porém, não está em livrar-se do sistema monetário como o conhecemos, mas em permitir que outros sistemas convivam com ele. “Temos o monopólio de uma moeda que carrega juros, criada com o objetivo do lucro, que concentra recursos”, afi rma o economista. “O sistema foimuito útil para a Revolução Industrial, mas hoje estamos no fim dela, os problemas que temos são conseqüência da Revolução Industrial: a mudança climática, a crise de energia.” A menina dos olhos de Lietaer são as moedas complementares, desenhadas para uso dentro das comunidades, a partir de um acordo comum, sem imposição hierárquica e sem juros, incentivando a circulação em vez da acumulação. O economista informa que mais de 5 mil comunidades ao redor do mundo usam moedas complementares. “Cuidar das crianças, dos velhos e do meio ambiente são funções que estão sendo suprimidas, não recebem energia, apoio. Dizemos que a coisa mais importante que temos são as crianças, mas um banqueiro ganha 100 vezes mais do que um professor. Por que isso é normal? Não remuneramos os professores o suficiente para incentivar que os melhores profi ssionais se tornem professores, e deveria ser assim se fôssemos consistentes com o fato de que as crianças são importantes.” Lietaer admite que o sistema financeiro traz benefícios ao incentivar a competição de idéias, a inovação. Para ele, os desenvolvimentos do mercado para dar valor a ativos naturais (entrevista à pág. 28) são importantes, mas não suficientes para lidar com a crise ambiental. O peixe-espada e a tartaruga Uma visão bem mais favorável ao sistema financeiro vem da Ecologia. O oceanógrafo George Sugihara, que trabalhou quatro anos no Deutsche Bank, enxerga preciosas oportunidades nos mercados voluntários de carbono, por exemplo. Mas, como Krugman, alerta que é preciso aprender com a história. “Se desenharmos os instrumentos financeiros reconhecendo o comportamento humano como uma realidade, talvez crises como a das hipotecas não ocorram”, diz. Um exemplo é sua proposta para a criação de créditos para a pesca não-intencional. Nos EUA, há limites para quantos animais a indústria pesqueira pode pegar como resultado da pesca de outras espécies – por exemplo, tartarugas pegas junto com o peixe-espada. Ao atingir o limite, todos os pesqueiros são fechados. O sistema, no entanto, incentiva a pesca agressiva, sem cuidado para não pegar outras espécies. “Esse comportamento colide com o bem comum do grupo, mesmo que você não pegue tartaruga, alguém pega e a indústria é fechada antes que tenha tempo de maximizar o pegado”, diz Sugihara. Ele propõe que o pesqueiro que pegue tartarugas seja obrigado a comprar créditos de um que não tenha pegado, incentivando a pesca cuidadosa. “Aqueles que não pegam tartaruga são recompensados e os que pegam, punidos. O preço da punição é determinado pelo mercado.” O design cuidadoso como propõe Sugihara pode ajudar a harmonizar interesses individuais e coletivos nos mercados, mas é bom ter em mente que estes são uma parte do todo. “A discussão sobre sustentabilidade começa com a pergunta: sustentabilidade de quê? Da oferta de energia, dos sistemas econômicos, da biodiversidade, dos serviços que os ecossistemas oferecem aos homens – alimento, fibras, combustível, fármacos, valores éticos e estéticos que damos a esses sistemas?”, diz Simon Levin. “Todos esses sistemas, o natural, o social e o econômico estão interconectados, não acredito que se possa pensar na sustentabilidade de um sem a do outro. O sistema econômico é, na verdade, essencial para a manutenção de um meio ambiente saudável e a maioria dos ecólogos reconhece isso, mas o contrário é muito menos reconhecido. É preciso ver essas coisas como ligadas umas às outras.” Das tulipas ao subprime Recorrente, o processo de inflar bolhas alimenta-se da visão de curto prazo “Há aqui um processo básico e recorrente. É a alta dos preços de ações, imóveis, arte ou qualquer outra coisa. Isso atrai atenção e compradores, aumenta o efeito e eleva mais os preços. As expectativas são justificadas pela mesma ação que aumenta os preços. O processo continua; o otimismo e seu efeito no mercado são a ordem do dia. Os preços sobem ainda mais. E então, por razões que serão eternamente debatidas, vem o fim. A descida é sempre mais repentina que a subida; um balão furado não se esvazia de forma ordenada.” O texto é de John Kenneth Galbraith, no prefácio da edição de 1997 do livro The Great Crash – 1929, em que o economista detalha os fatos que levaram à débâcle da bolsa e à Grande Depressão. “Esse fenômeno se manifestou muitas vezes desde 1637, quando especuladores holandeses viram nos bulbos das tulipas seu caminho mágico para a riqueza”. A mais recente manifestação teve início em 1998, quando os preços dos imóveis nos EUA, deprimidos devido à recessão do início da década, viraram uma barganha. Para incentivar empréstimos, o mercado passou a oferecer hipotecas com taxas ajustáveis, com um período inicial de juros baixos, mas que refl etiam o alto risco dos tomadores. Com a possibilidade de refi nanciamento dos contratos, a disparada dos preços dos imóveis – 124% de 1997 a 2006 – e a expectativa de que continuariam subindo, os consumidores infl aram a bolha. O mercado lançou mão da securitização – a transformação de um fl uxo de recursos futuro, como o pagamento de hipotecas, em papéis que podem ser negociados –, trazendo outros atores para o sistema. Para espalhar o risco decorrente do mau histórico de crédito dos tomadores, bancos de investimento como o Bear Sterns criaram instrumentos para agrupar tais papéis e fatiá-los em tranches de acordo com o grau de risco e retorno: as com retorno mais alto são também as mais arriscadas; as de menor retorno correm risco só se houver o colapso dos ativos nos quais toda a estrutura está baseada. Foi o que aconteceu quando os preços dos imóveis inverteram de sinal e os tomadores passaram a não pagar suas obrigações. “Para os críticos das fi nanças modernas, o fim rápido do Bear Sterns em 16 de março foi a conseqüência inevitável da fi losofi a de laissez-faire que permitiu que os serviços fi nanceiros inovassem e se espalhassem quase sem controle”, escreveu a revista The Economist. “Isso criou um sistema complexo, interdependente e disposto a confl itos de interesse. Fraudes desenfreadas ocorreram na venda de hipotecas subprime. Incentivados por recompensas baseadas em ganhos de curto prazo, banqueiros e gestores de fundos são acusados de embolsar seus bônus sem pensar nas conseqüências de longo prazo do que estavam fazendo. A aposta deles foi alimentada pelo conhecimento de que, em caso de desastre, alguém outro – tomadores, investidores, contribuintes – acabaria arcando com pelo menos parte das perdas.” |
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