A TRADIÇÃO REICHIANA
A vida de Reich, a curva orgástica e o 3º milênio
palestra dada por Liane Zink e Rubens Kignel,
no 2º Congresso Nacional do Instituto Brasileiro de Biossintese em Natal, RN, agosto de 1999
O mundo está atravessando um período de tensão pré milênio, com todos os desconfortos irritabilidades, fadigas, tormentas, mau humor e, acima de tudo, medo. Terrores geralmente infundados. Profecias e noticiários de TV formam um coro que reforça a nova TPM e produz uma repetição estafante: fome, miséria, guerras, assaltos, assassinatos hediondos, tráfico de drogas e influências, corrupção, impunidade, protecionismos, sonegações, precária sociabilização(taxa de desemprego em São Paulo superou 20% em Maio), maior exigência por escolaridade, conhecimento e aparências, deflação, instabilidade financeira, solidão.
O medo nunca escolheu seu objeto de terror, tão pouco pode ser delimitado em fronteiras geográficas. Nos EUA, adolescentes armados exterminam colegas no pátio da escola e se suicidam em seguida, na Europa grupos de extrema direita atentam contra minorias étnicas, renutrindo o ideal da purificação pelo extermínio.
O poder é um demônio que não dá descanso, não havendo exorcismo que o resolva. Totalitário, ele se apossa do corpo e da alma; exige lealdade total e não deixa sobrar tempo para mais nada. Tal qual São Jorge, o presidente passa os dias e as noites lutando contra um dragão que ressuscita a cada manhã, não lhe sobrando tempo para dedicar-se às coisas essenciais.
O planeta nunca foi uma ilha de paz. A diferença é que hoje o pânico social, do modo como tem se apresentado, induzindo as pessoas à solidão e paralisia está vinculado a um catastrofismo paranóico. Medos como o de perder o emprego, não conseguir falar inglês em 3 meses, ou descobrir que o filho tornou-se dependente químico, exigem uma confrontação com a realidade. Os piores medos se baseiam em mitos e ou preconceitos culturais. Precisamos construir pontes de entendimento entre percepção e a realidade. A rigor, o medo infundado não escolhe o seu agressor.
Estamos vivendo a era das finalizações, a era de decretar o fim de tudo. Não escapam nem as matrizes de pensamento que podem nos levar a entender de um jeito ou de outro a natureza e o funcionamento do homem. O funcionamento do homem tem a ver com educação.
Lembrando o mestre Rubem Alves: o Autor Sagrado que nos perdoe trocar a frase "No Principio era o Verbo" para " No Principio era a Educação". "Principio" em grego, é palavra filosófica, que não significa só começo do tempo, mas fundamento - aquilo que é a base do que existe. A educação em essência é precisamente isto: o exercicio do Verbo.
Há uma diferença qualitativa entre o que a administração e a educação de um país deveria fazer. A primeira cuida do "hardware" do país; lida com a "musculatura" nacional. O segundo cuida do "software", da "inteligência" nacional. Seu objetivo é fazer o povo pensar. Porque um país - ao contrario do que se aprende na escola - não se faz com as coisas físicas que se encontram no seu território, mas com os pensamentos de seu povo.
Desse modo a educação nunca é uma imposição. Convidamos os outros para partilhar, dialogar e compreender o testemunho de cada um. A educação é, assim, o fundamento e a força propulsora da esperança de um povo em marcha. Ela é a busca persistente da prática da justiça, da fraternidade e da paz. Essa é a pedagogia que garante a liberdade e leva a respirar a esperança da história humana. <
O fim parece estar longe, dizemos para nós mesmos, talvez para aliviar nossas suspeitas mais íntimas. Mas todo sinal de inquietação, será benvindo desde que não paralise o desenvolvimento da educação. Antes de pensar em monopolizar a nostalgia de um passado, melhor que o presente, é preciso conhecer o medo, enfrentá-lo e confrontá-lo com a realidade, já que a chuva de fatos-boatos-acontecimentos-notícias apocalípticos é como uma torneira aberta dia e noite.
É preciso saber o que realmente acontece, e o que nos acontece a cada mil anos.
Estamos em 1999, prestes a entrar no novo milênio, há 103 anos atrás, em 1897 nascia Wilhelm Reich que cresceu na fazenda de seu pai e teve um papel ativo na administração da mesma. Durante sua infância esteve profundamente interessado em biologia. Quando estudante de medicina, estudou não apenas biologia, mas filosofia, literatura, sexologia, psicanálise e a história do materialismo. Estas foram as primeiras influências nas suas tentativas de compreender os processos orgânicos e o modo pela qual a realidade subjetiva da experiência humana surgiram a partir destes, incluíram o trabalho de Bergson sôbre a evolução criativa, Peer Gynt de Ibsen, o conceito de Kammerer da energia biológica criativa, os estudos de Driesch sôbre a filosofia do orgasmo, o trabalho de Semon sôbre a memória, o Budha de Grimm e o estudo de Bloch em relação ao comportamento sexual nesta época.
Em 1919 apresentou Conceitos da Libido de Forel a Jung no qual expos o contraste entre o uso do termo libido pelos autores pre freudianos e o uso pelo próprio Freud. Enquanto que o uso inicial parecia identificar libido com o desejo sexual consciente, Freud a via mais como a energia da pulsão sexual.
A energia do instinto sexual, formulada pela primeira vez por Freud, foi um conceito central, retomado e ampliado por Reich como energia presente em todos os seres vivos, na atmosfera e no cosmos.
Segundo Andre Gaiarsa, Freud e Reich tiveram três divergencias fundamentais:
A primeira divergencia foi política: Reich tentou unir Marx e a Psicanálise, enquanto que a paixão política para o fundador da psicanálise, pouco se distinguia da religiosa; a segunda divergencia trata da genitalidade, ou seja, Reich postula que há uma diferença entre a sexualidade genital adulta e a infantil. Reich ressaltava essa diferença em função do valor que atribuia a dimensão corporal dos acontecimentos psíquicos. A terceira divergencia foi a absoluta repulsa Reichiana à hipótese do instinto de morte, formulada por Freud em Alem do Principio do Prazer.
Reich sempre se preocupou com a investigação da energia. Fundou seu laboratório em Maine, USA, e continuou ali com seus estudos sôbre a prevenção social da neurose. Fundou o Instituto Wilhelm Reich Infant Trust, um trabalho de pesquisa e prevenção do encouraçamento infantil. Pesquisou a diversidade de sistemas políticos tão diferentes como o socialismo, o nazismo europeu, a política macartista norte-americana. Sucumbiu a esta última no final da vida e acabou preso por não saber como defender-se deste sistema.
Grande humanista, foi importante para todos nós psicoterapeutas corporais. Atuou transformando o campo social e pedagógico, cuja preocupação era a canalização adequada do fluxo da energia para o bem estar do indivíduo na sociedade.
Colocou-se frontalmente contra todo tipo de dogmatismo, totalitarismo , etc. Sua proposta era ajudar o indivíduo a recuperar e reapropriar-se de sua própria energia paralisada na musculatura, que chamou de couraça muscular e couraça de caráter. Acreditava que a estase da energia era a principal causa das doenças sociais e individuais.
A teoria de Reich focalizou a questão central na função do orgasmo. O papel primordial da sexualidade aparece no amor e no trabalho, e são as fontes de conhecimento da nossa vida. O amor expressa, sem dúvida nenhuma, um sentimento universal de apego, simplicidade e dá significado à vida sexual.
Em 1927, Reich afirma que sexualidade é: "A Força que Deseja", é a potência específica do corpo sexual, a energia orgânica que atinge sua expressão plena na convulsão orgástica. Em outras palavras, reflexo orgástico é igual a explosão orgástica e potência orgástica. Reich busca a saúde emocional falando que, ao criar ondas de excitação, as experiências emocionais evoluem do orgasmo genital pra expandir no corpo todo: "pulsação, contração e expansão".
Para Freud a quantidade de excitação descrevia a energia aparente das emoções e sintomas dos pacientes. Em 1894, chegou a visualizar esta excitação "como capaz de aumentar, diminuir, deslocar e descarregar, e que se estende através de traços de memória de uma idéia como uma carga elétrica na superfície do corpo. Podemos aplicar esta hipótese no mesmo sentido que o físico se utiliza da concepção de uma corrente elétrica"
Neste ponto Freud se dirigiu à psicologia do ego e Reich à teoria econômico sexual: a teoria do orgasmo.
O conceito de potência orgática:
Reich resolveu investigar com seus clientes, quais experiências qualitativas reforçavam observações vagas como: "Eu dormi com fulano de tal..." Ouvindo as descrições dos pacientes e sensações no ato sexual ou masturbação, compreendia que todos êles, sem exceção, sofriam de um distúrbio severo de satisfação orgástica.
Em 1924 escreveu o seguinte artigo:"A importância terapêutica da libido genital", no qual introduziu formalmente o conceito de POTENCIA ORGÁSTICA definindo-a como a capacidade de: ENTREGAR-SE AO FLUXO DE ENERGIA BIOLÓGICA SEM INIBIÇÃO, A CAPACIDADE PARA A DESCARGA COMPLETA DE TODA A EXCITAÇÃO SEXUAL REPRIMIDA ATRAVÉS DE CONTRAÇÕES INVOLUNTÁRIAS DO CORPO.
O FUTURO
Reich via as implicações sociológicas decorrentes de seu trabalho se restrigirem a 3 problemas básicos:
1. O problema da prevenção da neurose: a questão da educação e criação das crianças.
2. O problema das atitudes sexuais negativas na sociedade: a questão da reforma sexual.
3. O problema da repressão autoritária na sociedade: a questão da reformulação social como um todo.
A repressão sexual trouxe obstáculos terríveis, criando desvios, neuroses, carências, que Reich denominou "miséria sexual". Desde Reich a única certeza que temos, é que a moral atual continua repressora, o homem atual é dividido em homem coração, que foge para a falsa espiritualidade, ou o homem sexualizado, que tem medo de amor.
A falta de contato amoroso, o desvio de interesses para a imagem narcísica ou a sociedade de consumo faz com que o homem viva isolado, usando todas as complexidades tecnológicas distorcidas-armadilhas colocadas para que tudo que parece simples e afetivo , vire profanação. Como se namora hoje em dia? Como se expressa o amor e a sexualidade? O questionamento reichiano, formulado a cinquenta anos trás, se mantém incrivelmente atual..............
Na situação atual de nosso país, ninguém nega a importância da educação. Ela é mesmo proposta como prioridade diante dos atrasos históricos da cidadania plena e democrática, diante do clamor dos desempregados e da marginalização da infância e da juventude. A educação é um caminho urgente de esperança. O saudoso Paulo Freire, percebeu que a educação é caminho de liberdade e processo da libertação dos oprimidos. Ato de conhecimento criativo, em um aproximar-se da realidade social e política de maneira crítica.
Educar é suscitar a conscientização que liberta e refaz a vida de um povo oprimido e excluído. A conscientização penetra num ambiente, para desvendar a realidade e chegar à essência dos fenòmenos e dos fatos sociais que nos desafiam e para assegurar a vida de um povo livre.
Bibliografia:
Boadella, David - Nos Caminhos de Reich (Summus)
Boadella, David - Correntes da Vida (Summus)
Alves, Prof. Rubem - Jornal "A Folha de São Paulo" - 1998
Arns, D. Paulo Evaristo - Jornal "A Folha de São Paulo"- 1998
Reich, Wilhelm - Função do Orgasmo
Reich, Wilhelm - Psicologia de Massa do Fascismo
Autores:
Rubens Kignel
psicoterapeuta corporal,
diretor do Instituto Brasileiro de Biossintese e da Escola Brasil França de Psicologia Biodinamica Evolutiva, trainer internacional em Biossintese.
Liane Zink
psicoterapeuta corporal,
diretora do Instituto Brasileiro de Biossintese e do Instituto do Nordeste de Analise Bioenergética,
trainer internacional em Biossintese.
Web page http://www.ax.apc.org/~jgco/ibb/tradicao.htm
Página confecionada por José Guilherme Oliveira
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