quarta-feira, 4 de agosto de 2010

“Espiritualidade, economia e o mundo dos negócios” por Paulo Vieira de Castro e Marcus Eduardo de Oliveira





Extraído do site www.oeconomista.com.br


 O português Paulo Vieira de Castro*, consultor de empresas e diretor do Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto Superior de Administração e Gestão (Porto) e o economista brasileiro, Marcus Eduardo de Oliveira**, professor e especialista em Política Internacional, dialogam sobre espiritualidade, economia social e humana e o mundo dos negócios.
Paulo Vieira de Castro é consultor de empresas em Portugal. Foto: Divulgação.
Na essência, ambos os especialistas conversam sobre a necessidade de integrar o ser humano numa visão mais abrangente, tanto no contexto da economia, quanto dos negócios, envolvendo desde a busca da felicidade à realização plena de cada um, comungando, nesse aspecto, a vida humana e a espiritualidade.
MEO – Eu creio que a mais desafiadora tarefa que cabe ao mundo da economia nos dias de hoje é romper, sistematicamente, com a visão que predomina na teoria econômica tradicional que insiste em ignorar o ser humano e centralizar ações apenas nos mercados e, por conseguinte, nas mercadorias. A economia (enquanto ciência) é muito mais que meros gráficos e índices, taxas e projeções matemáticas. Sendo as ciências econômicas uma ciência puramente social, nada mais justo que priorizar e colocar as pessoas em primeiro lugar. Para tanto, é necessário afirmar algo mais: faz-se imprescindível, nesse intento, despertar nos economistas modernos, que são vistos, em geral, como sendo de natureza estreita e egoísta, um sentimento de sensibilidade às dimensões éticas e sociais da economia.
PVC – Aqui na Europa existe a ideia que esta crise vai durar mais um ou dois anos. A questão é: enquanto não mudarmos o sistema econômico esta crise vai durar! Como poderá a crise ser datada se ela é estrutural?
A lógica dos mercados terá que deixar de se basear na expectativa, ela terá de ter como outrora lastro. A economia baseada na especulação chegou ao seu término, afinal não é correto vender aquilo que não se tem.
Acredito numa economia que, enquanto disciplina intelectual, possa ser diferente da estudada nas universidades portuguesas, onde falta uma concepção de justiça econômica baseada em algo mais elevado que o dinheiro, longe da especulação de um mercado que tantas vezes vai por si mesmo, colocando-se, por isso mesmo, longe de compromissos profissionais, morais, éticos, espirituais.
Teremos de abandonar a perspectiva que atribui um poder sobrenatural ao dinheiro. O dinheiro não é o “Deus do Mundo”. O dinheiro, assim como a felicidade e o sucesso, não é uma estação de partida, ou mesmo de chegada. Ele poderá ser  uma ponte para algo maior.
O enfoque terá de ser na empresa humana. Certo é que a empresa humana chegou a um ponto em que terá de abandonar o ideal de crescimento para amadurecer, encontrando – finalmente – um sentido mais amplo para tudo o que faz ou diz. Esta ideia aplica-se ao que é realização humana, sendo assim, também a economia, a política, a religião e os negócios terão que amadurecer.
Este é um esforço que não depende de estratégias de guerra, muito menos de qualquer enigma, nem tão pouco dos mercados financeiros. Depende apenas do pensar sobre a ideia de o mundo muda se eu mudar.
Lembro que a crise presente, em especial a econômica é, mais que qualquer outra, resultado do nosso desamor. Aliás, cuidar tornou-se a palavra mais esquecida do competitivo mundo das empresas e, talvez por isso, das nossas vidas.
Também nas empresas, cuidar é poder existir, ter novamente esperança, promovendo condições de reciprocidade, cooperação e aceitação plena. Esta transformação será um elemento de distinção na construção de uma nova forma de ver o mundo com base em novos questionamentos. Para isso teremos de deixar de nos ver a nós próprios desde o exterior, voltando à espiritualidade como centro de vida. Para que isso aconteça no ambiente empresarial talvez seja necessária uma nova transparência de propósitos, novos valores e expectativas, um novo enfoque relacional. Refiro-me à criação de verdadeiras comunidades de proximidade real.
Relembro que será necessário voltar à verdadeira dimensão da transformação interior, deixando partir o que tem de partir. Para  simplesmente “ser humano”, porque não começar por aí?
MEO – Há certa pobreza de raciocínio dentro das ciências econômicas em torno da questão social. Mesmo a questão da ética e do discurso sobre a liberdade do homem. Muitas coisas relevantes, nesses aspectos, não são discutidas a fundo. É impossível aceitarmos, por exemplo, de forma pacífica, sem uma reflexão mais calorosa que, num país como o Brasil, com todas as potencialidades para ser uma das maiores economias do mundo, com mais de 600 milhões de hectares agricultáveis, com clima bom o ano inteiro e com muita gente disposta a trabalhar na terra, ainda tenhamos mais de 30 milhões de pessoas passando fome diuturnamente e uma produção agrícola de menos de 160 milhões de toneladas de grãos ao ano. Isso nada mais é que uma verdadeira patologia econômica. O que falta é justamente incutirmos nas políticas públicas, e na cabeça de quem as faz, esse “compromisso” com o social.

Marcus Eduardo de Oliveira é professor e especialista em Política Internacional. Foto: Divulgação.
PVC – As revoluções não acontecem pela fome nem pela miséria, elas são sempre fruto de uma nova consciência. O medo e o sofrimento de uns, o ego de outros, são forças que tantas vezes contaminam a nossa realidade, impedindo-nos de expressar a consciência de nós próprios em tudo o que realizamos. E, esta é, sem margem para dúvidas, a maior de todas as crises!  E como o mundo se cria a partir das nossas próprias razões, alguns entre nós iremos até onde os pensamentos os deixarem, outros até onde os pensamentos os levaram. Acredito que o retorno a nós próprios, assumindo definitivamente a espiritualidade como o mais alto patamar ético, poderá ser a solução para quase tudo. Freqüentemente encontro pessoas que me dizem estar à espera de um sinal do lado espiritual, algo que lhes diga onde ou como mudar. Perante esta inquietação, geralmente respondo: estás enganado! O mundo espiritual é que está à espera de um sinal teu, por isso te deixou livre, por isso te deu total liberdade para escolheres o teu próprio caminho.
Preocupa-me pensar que há quem gaste uma vida inteira nesta expectativa de ser tocado pela espiritualidade. Pela minha parte acredito que o mundo só muda se eu mudar, não tenho por que ou por quem esperar. É, pois nessa escolha de caminho que reside a honra de ser humano e, consequentemente, a atitude de cuidar, não havendo nada que melhor defina uma pessoa que aquilo que ela faz quando tem total liberdade de escolha.
E porque aquilo que faço e o que me acontece são uma e a mesma coisa, a espiritualidade não poderá ser um mero momento de contemplação; a espiritualidade é ação! A transformação, a mudança, a verdadeira revolução começará por esta tomada de consciência.
MEO – No entanto, me parece clara a ideia de que a mudança reside em nós mesmos. Concordo contigo Paulo Vieira quando afirma, em um de seus textos, que “ninguém é vítima do mundo, mas sim da forma como o percebe”. E mais ainda: que é necessário, primeiro, procurar um caminho e deixar, a seguir, surgir a solução.
PVC –  Feliz o nômade que, sem questionar a sua sorte, sem hesitar perante o seu destino, percebe o caminho em tudo o que faz, em todas as coisas, pois só assim se tornará caminho. Esta é a mais antiga de todas as leis.
Na realidade é neste confundir entre o futuro e o caminho que nos perdemos vulgarmente. É que todos queremos ir para o céu, mas nem todos queremos ir por onde se vai para o céu. Tantas vezes estamos unidos quanto ao destino, mas não quanto ao método que nos leva até ele.
O problema do Homem contemporâneo é que parte – quase sempre – de meio do caminho. Há que despertar a certeza ética da conquista de resultados com sentido para todos, permitindo elevar o nível de auto-realização de cada um através do desenvolvimento de afetos verdadeiros, propiciando deste modo o vôo espiritual, facilitador de uma comunidade de valores centrais à responsabilidade de ser humano.
Ao contrário da ideia avançada pela sociedade da informação e do conhecimento, onde se mostrava central conhecer, a proposta será a de auto-realizar integralmente o que se diz saber. Não é suficiente conhecer a responsabilidade como caminho para um mundo mais justo, é necessário cumpri-la, experimentando-a diretamente. Lembro que conhecer o caminho não é a mesma coisa que trilhá-lo até ao seu termo. Garanto-lhe que no final da caminhada estará alguém, muito importante, à sua espera: você! Sinto que, a todos os níveis, existe uma emergente necessidade de assumir novos vínculos relacionais, assim será o seu mais elevado desígnio, expressão maior da intencionalidade e propósito da existência humana.
Certo é que a perda de um centro de valores robusto colocou, muitos entre nós, à espera de “algo”, perdendo-se neste emaranhado de coisa nenhuma. Esta é uma postura que condiciona, irremediavelmente, a nossa atitude em todos os projetos, afetando vida profissional, afetiva e familiar.
MEO – Escrevi recentemente que a Economia e a Teologia precisam se “conhecer” melhor uma a outra, afinal, há um discurso de ambas as formas de pensar na mesma linha: qual seja, a valorização da vida humana (pelo lado da economia social e humana, e não da economia tradicional) e, pelo lado da teologia, quando resgata seu preceito mais importante: promover a libertação do homem. Nesse pormenor, urge entendermos que a qualidade de vida, que a ciência econômica tradicional estuda com certo desdém, é medida no eixo da liberdade.
PVC – Existe uma prece védica, samatwa, que nos fala do que fazer para trazer de volta a liberdade de ser humano. Para que tal seja possível ajudará a leitura deste pequeno trecho:
Senhor, dá-me serenidade para aceitar o que não pode ser mudado, dá-me coragem para mudar aquilo que pode ser mudado. E principalmente, dá-me sabedoria para discernir aquilo que pode ser mudado daquilo que não pode ser mudado.
Concordo que necessitamos de devolver ao Homem o seu verdadeiro lugar, e esse não se compadesse com o fazer o papel de Deus. Nem tão pouco nenhum de nós será a mensagem; apenas o mensageiro.
Claro que se faz habitualmente alguma confusão entre religião e espiritualidade. De uma forma muito simplista diria que religiões há muitas, enquanto espiritualidade há só uma, aquela que reside em todos nós, sendo muitas as vezes em que ambas andam de mãos dadas.
A teologia e a economia só se poderão encontrar através dos Homens. Na prática, antes de poder alinhar as minhas crenças pessoais com os valores de uma equipa, deverei refletir em torno dos vários níveis de consciência que estão a ser jogados, só depois disto poderei assumir um compromisso para algo maior. Por exemplo, nenhum de nós poderá almejar desenvolver a sua espiritualidade sem antes ter ultrapassado a responsabilidade de ser íntegro, ético, responsável perante os outros. A religião, a espiritualidade são compromissos consigo mesmo, em nada dependente da vontade dos outros.
MEO – O “Dharma Marketing”, cujo princípio essencial é o de criar a auto-liderança tem alguma relação com a economia quando se pensa especificamente nos atores econômicos que interagem na atividade produtiva?
PVC – Certo é que a competência organizacional, não depende exclusivamente de um conjunto de formalidades, de motivações externas ou materiais, existindo um grupo alargado de padrões não convencionais/inconscientes que constantemente interferem nas decisões empresariais, tornando-se, também por isso, necessário agir a um nível mais íntimo, muito especialmente quando pretendemos fundar-nos em valores tão profundos quanto os espirituais.
Assim, também nas empresas encontramos o potencial do princípio animador ou vital do ser humano (a espiritualidade), afirmando-se, deste modo, a existência de uma identidade supra-humana, através de uma imperceptível teia organizacional, pelo que o mundo das empresas deverá  ser visto como um todo, em constante relacionamento, e conseqüentemente, em transformação.
Costumo explicar esta idéia dando como exemplo o momento em que nos deparamos com alguém. Deste encontro nasce uma terceira entidade que é a alma da relação; porque seria diferente nas relações empresariais? Por estranho que pareça, esta é a única dimensão que perdura para além do tempo e do espaço, sendo a este nível – mais subtil – que se funda o inconsciente organizacional. E, se a espiritualidade tem a ver com ação logo é produção, então porque não administrar este capital relacional? A liderança para o terceiro milênio vai nessa direção.
Para que tal seja possível será necessário assumir um novo regime de serviço e de transparência, só concebível pela abertura dos canais intuitivo-anímicos da relação: o inconsciente organizacional.
Ao imaginarmos o Dharma Marketing propomos um conceito que se inscreve dentro da linha de entendimento do marketing relacional, não esquecendo que as organizações deverão estar focadas em valores, em estratégias, dependentes de hábeis negociadores, criativos, empreendedores, que saibam trabalhar sob pressão. Mas, ser-lhes-á isso possível na ausência da consciência e si mesmo? Partindo desta questão surge um novo conceito de marketing que se propõe chegar a mais inconsciente dimensão do psiquismo humano, antecipando o caminho para um marketing de proximidade real.
Se a consciência da oferta e da procura se altera, porque não mudaria o marketing? Este tem vindo a evoluir na sua orientação, indo para além do produto, da venda, do mercado, do cliente. Assim, depois do marketing massificado, do marketing de segmentação, do marketing one to one, surge igualmente o marketing orientado para a perspectiva holística da relação: o inconsciente organizacional.
Habitualmente explico a mudança de focus estratégico proporcionado pelo Dharma Marketing utilizando a parábola da terceira margem do rio. Do rio que tudo arrasta, dizemos que é violento, esquecendo-nos o quão arrebatadoras são as margens que o comprimem. A violência do rio enquanto questão estratégica não está nele próprio, mas sim nas suas margens, ou seja, no constrangimento imperceptível que tudo condiciona. Ao transportamos este modelo para as relações humanas em contexto empresarial surgem novos desafios e, com estes, um renovado marketing: a quarta vaga do marketing relacional.
MEO – Talvez seja necessário, ademais, reforçarmos a idéia de que a vida humana e a espiritualidade jamais poderão ser separadas. Há que enfatizar-se, no entanto, que a espiritualidade – e não as diversas formas de religiões – têm muito a ajudar na construção de uma nova sociedade, à medida que faz também surgir um “novo homem”, despido de velhos vícios. Afinal, a espiritualidade está dentro de cada um de nós. O Reino de Deus não está no mercado e nem nas prateleiras de algum shopping center, mas sim dentro de nós.
PVC – Tem uma história – que conheço como sendo brasileira – onde um homem por ser tão apaixonado pelas estrelas inventou a luneta para vê-las melhor. Certo dia formou-se uma escola para estudar a sua luneta. Desmontaram a luneta, analisaram-na por dentro e por fora, observaram os seus encaixes, mediram as suas lentes e estudaram a suas características ópticas. Sobre a luneta de ver as estrelas escreveram-se muitas teses de doutoramento, assim como muitos congressos aconteceram para investigar a luneta. Toda a gente estava encantada, tão fascinados ficaram pela luneta que nunca mais olharam para as estrelas. Do mesmo modo, os humanos especializaram-se no acessório esquecendo o essencial, o estruturante à vida. Infelizmente, há muito que deixamos de nos encantar com as estrelas.
Pretendendo explicar esta afirmação coloco uma simples questão: porque é que a vaca está feliz no pasto? A resposta é simples: porque lhe pedem para ser vaca. O ser humano distraiu-se do devir de viver a sua verdadeira natureza, a sua realidade primeira.  E aqui o problema não está na economia. Acontece que no mundo dos conceitos, muitos são os que  andam enredados numa vida que não é a deles. O despertar espiritual ajuda ao entendimento que todos os caminhos vêm do centro e voltam para o centro.
Nós somos os únicos seres da natureza capazes de nos imaginarmos fora dela, vivendo num mundo fora do mundo onde tudo são conceitos. Para isso em muito tem contribuído o marketing, e em especial a publicidade ao passar de um registo lingüístico de denotação, para outro de conotação. Esta mesma lógica foi-se estendendo à felicidade, ao sofrimento, ao sucesso ou à falta dele..
Por exemplo, se perguntarmos a um operário fabril, há 30 anos funcionário da mais famosa marca de roupa íntima feminina: o que é que você faz? Ele vai responder soutiens, etc. Se colocarmos essa mesma pergunta ao responsável pelo marketing, a resposta será: sonhos! Ou, dependendo do posicionamento estratégico da empresa: erotismo!
Então, parece que o grande pecado das empresas terá sido querer dar às pessoas o que elas tanto desejavam, colocando-se novamente a responsabilidade do lado dos consumidores. Por exemplo, muitas vezes ouvimos comentários pouco elogiosos à programação televisiva e eu pergunto, porque é que à noite só passam telenovelas? A resposta é simples: porque as pessoas só querem ver telenovelas. Eu sei que isto é cruel, mas é real!
Para além disso, o Homem tornou-se um ser de convicções, animado pelo desejo de convencer. Aliás, persuadir é uma experiência específica do gênero humano. Os restantes seres da natureza informam e exprimem, nunca assumindo a postura do convencer, pelo que só o ser humano pode fantasiar a respeito de si mesmo e dos outros.  É aqui que um novo Homem terá de aprender mais com a Natureza, e menos com a Civilização.
Para o desnorte dos consumidores muito terá contribuído o ideal neoliberal, associado à concepção de “um mundo que vai por si mesmo”. O mercado torna-se, deste modo, uma entidade não controlável, afetando irremediavelmente o comportamento do homem moderno, transformando-se a exaltação do consumo de tal modo presente no indivíduo que a Organização Mundial da Saúde se viu forçada a atribuir à Oniomania (febre das compras) a referência IM-10 da classificação internacional das doenças, sendo-lhe, ainda, atribuída a menção DSM-IV na Statistical Manual of Mental Disorder. A minha apreensão a este respeito tem sido, essencialmente, ao nível da responsabilidade e da ética nas empresas. Aqui nenhuma organização poderá ser maior que o horizonte espiritual dos seus líderes. O mesmo se aplicará aos países, mas também às famílias, logo a todos nós.
MEO – Certo é que não dá mais para negar a natureza social da economia. Assim como não se pode ocultar – ainda que os tradicionais queiram – que há mecanismos econômicos que “geram” e perpetuam a pobreza.
PVC – A noção de interdependência econômica tem de ser ajustada a outros vínculos. Certo é que o ser humano sai altamente prejudicado pela forma redutora como tem entendido o mundo como algo que pode ser só de alguns, em especial no contexto da economia e dos negócios. Mas de que mundo falo eu?
Marcus, imagine a sua vida representada por uma velha cabana construída em madeira. As dificuldades que vão surgindo ao longo da sua existência deixam vestígios, estes são aqui representados por fendas que a marcam, mais ou menos, violentamente.
Agora que está lá dentro olhe o enegrecido telhado. Se eu lhe der a escolher um dos buracos e lhe pedir para o descrever, como é que o referiria? Preto? Castanho? Azul? Ou limitar-se-ia a ver o contorno, isto é a parte do telhado à volta do buraco?
Sem que nos apercebamos disso, esta é uma escolha que temos de fazer todos os dias, cometendo, invariavelmente, o mesmo erro. Não é possível separar o buraco do telhado e vice-versa. Afinal, a sua vida e a dos outros são uma mesma tela; inseparáveis.
Pela mesma ordem de razões vida humana e a espiritualidade jamais poderão ser separadas, assim como o conhecimento não poderá ser separado de quem conhece, acontecendo o mesmo na relação professor aluno, ou entre o dançarino e a dança. É isto que se passa com a nossa vida, não sendo, por isso mesmo, possível separar nenhum momento de uma existência, onde problemas e soluções são duas faces de uma mesma moeda. Este entendimento traz-nos outro horizonte sempre que tomamos decisões, pelo que para além de partirmos das questões certas, teremos de seguir o caminho menos trilhado: a via interior dos negócios. A economia terá de estar definitivamente ao serviço de uma visão integral do ser humano.
MEO – Pergunto-lhe se, no mundo dos negócios, é possível estabelecer laços de sociabilidade repletos de comunhão e solidariedade? E que tipo de sucesso se deve perseguir nas empresas? Afinal, os economistas, em geral, confundem sucesso e prosperidade com aquisição e acúmulo de bens materiais.
PVC – A palavra central na resposta à sua pergunta é: felicidade! Tenho para mim que a felicidade não repousa em grandes posses, mas sim em grandes anseios. Esta é, afinal, a única grande riqueza da vida humana; ser lembrado pela nossa generosidade, pela nossa gentileza. Como acontece com o bem, a felicidade é pré-existente à natureza do mundo, pelo que é algo que está desde sempre em nós, isto ao contrário da infelicidade. Esta última é uma criação exclusiva dos Homens. Isto acontece porque existe uma resistência inconsciente que nos obriga a procurar sempre fora de nós, levando-nos a seguir pensamentos dos outros, o sucesso dos outros, a felicidade dos outros.
Aquilo que não custa dinheiro será o que mais nos poderá inspirar. Veja: para si qual é o valor real de um sorriso, ou de um abraço sincero? Refiro-me, ainda, a outros recursos infinitos de sentido, patrimônio de todos os homens e mulheres, valores como a bondade, a compaixão, o desapego, etc..
Certo é que todos viemos ao mundo de mãos vazias, regressando de mãos vazias, sem exceção.
Tendo como intenção gerar felicidade aos outros e a si mesmo, dar é a mais profunda das formas de purificação. Só o que você der será eternamente seu, o que não der tiram-lhe, acredite!
Mas, porque será que quando falamos em dar tendemos a pensar em dinheiro? Essa é uma resposta que facilmente encontramos em cada um de nós.
No futuro teremos de valorizar essencialmente o dar responsável, relegando para um segundo plano a solidariedade meramente material.
Aceitar a importância de tais dimensões da existência humana obriga que cada um de nós seja um cientista interior, cuja maior valência será a de experimentar a (sua) própria realidade interdependente.
Tratando-se de uma terra sem caminho, viver nesta convicção será assumir a maior responsabilidade das nossas vidas: ter como missão o confiar que é possível um mundo melhor para todos. Para que isso aconteça já hoje faça o que é necessário, amanhã o que é possível, e de repente estará realizando o impossível. Lembre-se que os milagres não acontecem em contradição com a natureza, mas sim com o que dela conhecemos. Certo é que nas organizações, como em tudo na vida, existem unicamente duas escolhas para todos os problemas. A primeira é aceitar as condições que existem, a outra é aceitar a responsabilidade de mudá-las.
*Consultor de empresas português, professor e diretor do Centro de Estudos Aplicados em Marketing (Porto).
**conomista brasileiro, professor de Teoria Econômica e especialista em Política Internacional.

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