Imagem: Corbis/Charles Waller
[EcoDebate] Inicialmente, devemos deixar claro que essa palavra implica entendimento de duas acepções na atividade comercial. O que o padeiro, pipoqueiro, lavrador, cabeleireiro e pequenos comerciantes obtêm na sua atividade, legitimamente não pode ser chamado de lucro. É apenas uma conversão de trabalho em dinheiro necessário à sua sobrevivência. É uma paga pelo seu trabalho individual. É o mesmo que um ordenado. Não é lucro; é uma remuneração.
O arrazoado de que tratamos a seguir se refere ao que conduz nossa vida, embalado pelo sistema econômico, constituindo uma aferição final das atividades corporativas da grande indústria, dos cartéis e o deus a que veneram: o sagrado lucro.
Os acadêmicos de economia ensinam que a avaliação do grau de eficiência de administração de uma empresa é medida pelo resultado financeiro, isto é, o lucro. Só isso. Tudo o mais são considerados “meios” necessários à obtenção daquele objetivo. Isso é o que importa numa empresa comercial. De nada adianta, no âmbito administrativo, pôr-se em relevo outras considerações tais como benefício social, perfeição, utilidade, educativo, ambiental e o que mais se imaginar. Se no balanço não aparecer o lucro, todos os fatores são tidos como supérfluos, inócuos ou prejudiciais aos interesses da empresa.
Na análise de um empreendimento, o que conta mesmo é o seu potencial de lucro. Se o produto tem todos ou alguns aspectos prejudiciais à saúde, ao ambiente, à virtude ou o que mais for, mas produz lucro, esse é o caminho em que a administração vai prosseguir e investir mais. Ele gera, pela sua capacidade de capitalização, a posse de bens, riqueza e poder que, por sua vez, produz mais lucro e todas as vantagens consequentes. Em última análise, essa engrenagem injusta retira da comunidade social recursos básicos de sobrevivência. Se assim não fosse, se todos pudessem igualmente usufruir os recursos que a Natureza nos fornece gratuitamente, não haveria as qualificações de rico e pobre na sociedade humana.
As atividades econômicas que, na atual civilização se constituem como um esqueleto social de suporte e linguagem de relacionamento dos indivíduos, são como antolhos que impedem a visão ampla e total dos olhos e da mente, dirigindo-a para um único e estreito ângulo que aponta para um só rumo, o lucro.
Mas o que é o lucro afinal? Em outras palavras, podemos dizer que, em entendimento mais palpável, é um papel (cédula, promissória, título participativo, nota de crédito, direitos documentados) representativo de bens materiais. A abundância desses bens traz consigo a capacidade para uma casta especial tomar decisões para o mundo, objetivando exclusivamente a ampliação de seus próprios poderes. Esse grupo internacional é exclusivamente materialista, não se submetendo – por anestesia mental provocada pela ambição ilimitada – a qualquer assunto de natureza espiritual. Negócios, negócios; sentimentos à parte. Dinheiro, dinheiro; vida à parte.
Para bem raciocinar sobre o tema, temos que pedir auxílio às ciências, principalmente à Física. Diz a lei básica da ciência que nada se destrói e nada se cria; tudo se transforma. Ora, o lucro é a obtenção de um bem. Se alguém se apossou dele, outro perdeu o mesmo bem ou valor correspondente.
Conclusão: lucro é a transferência de bens. Alguém poderá perfeitamente discorrer sobre a legitimidade do lucro, argumentando que ninguém perde, mas não se consegue fugir do entendimento de que ele constitui uma simples transferência. Aí está situado o calcanhar de Aquiles. Se incluirmos nessa equação os bens do planeta Terra – o que é razoável e matematicamente correto – vamos concluir, depois de percorrer toda a escala produtiva, que é ela a verdadeira espoliada em seus recursos que são transformados em lucro.
Tudo no mundo tem custo. E aquele é o custo que geralmente não é computado nos planejamentos econômicos. Em outras palavras, o planeta Terra está sendo sugado além de suas possibilidades de regeneração. Podemos dizer, em síntese, que o lucro é a resultante do saque irracional dos bens necessários à vivência da biosfera. Isso, sob qualquer grau de ajuizamento, se constitui em um crime. E, nesse caso específico, crime ambiental, crime global, crime absoluto.
Sabe-se que o planeta recebe do Sol as energias que se transformam em bens pelos diversos processos vitais, mas a atividade gananciosa que objetiva o lucro está num processo de desgaste desses meios superior a 30% da capacidade de recomposição.
A Economia não pode agir impunemente se não levar em consideração os custos dos bens que lhe são postos à disposição pela Natureza. Ir além desse limite passa a ser um processo lento de suicídio. Sob esse enfoque, passaria a valer a definição clássica de Economia: é “a administração da escassez”. Se a população mundial não fosse tão volumosa, fútil e inconseqüente.
O primeiro economista a enxergar essa situação foi o romeno Nicholas Georgescu-Roegen, falecido em 1994, que lutou em vão para que a Economia se inserisse nas considerações maiores da Natureza. Ficou tido entre seus pares como um visionário e tratado como cultivador de ciência esotérica. É sempre assim nas ciências: os primeiros a perceber a visão fora dos cânones em moda são desconsiderados ou implacavelmente combatidos.
O economista americano Herman Daiy foi tido como um obtuso porque pregava que o desenvolvimento deveria parar a fim de que a Natureza tivesse tempo para se recompor. Em nosso meio, o preclaro economista Marcus Eduardo de Oliveira, com seu excelente trabalho, tem batido incessantemente nessa tecla.
Hoje, são muitos os economistas que se conscientizaram dos ensinamentos de que a Economia deve se submeter à lógica ambientalista por ser parte dela. E vem ganhando corpo tal entendimento.
Essa nuvem de economistas de visão vem tomando espaço dos tradicionais e acadêmicos profissionais da área, mostrando-nos que, em breve, será maioria, pois se apóiam na lógica da Natureza.
Deixamos claro que essa pequenina e despojada palavra – lucro – com aparência angelical, benéfica, saudável, construtiva, carrega, no seu verdadeiro significado, um imenso poder destrutivo.
Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e colunista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.
Nota: o livro “Agora ou Nunca Mais“, está disponível para acesso integral, gratuito e no formato PDF, clicando aqui.
EcoDebate, 10/08/2010
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