segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Greenwashing, Autorregulação e Certificação: Camuflagem ecológica, entrevista com Tim Bartley



Greenwashing
Um dos principais especialistas da academia americana em novos parâmetros para o desenvolvimento sustentável e condições decentes de trabalho, o sociólogo Tim Bartley é uma das estrelas do seminário Oficina sobre Governança Corporativa Conduzida pela Sociedade Civil na América Latina: Questões de Pesquisa Crítica e Oportunidades para Colaboração, organizado pelo Núcleo de Economia Sócio-Ambiental da USP, juntamente com a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e o Instituto Lozano Long de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas.
Bartley abrirá o evento, que acontece segunda e terça-feira, tratando dos limites da autorregulação social do capitalismo contemporâneo. O professor da Universidade de Indiana é um cético quando se trata da capacidade do mercado de ir além de termos que tomaram o mundo do consumo desde o fim dos anos 1980, como selos ambientais e marcas de qualidade. Para ele, os chamados produtos de sistemas de regulamentação privados tiveram o inegável mérito de popularizar o debate sobre os danos causados a trabalhadores e ao ambiente, mas também modificaram de forma intensa os movimentos sociais, com militantes transformados em fiscais e o conveniente fim das pressões para uma redução planetária do consumo. Deixa-se de lado a ideia de menos consumo e abraça-se o mote do consumo consciente. Reportagem de Eduardo Graça, para o Valor Econômico, de Nova York.
Valor: Qual é o principal problema com os selos de qualidade e de autenticidade sustentável?
Bartley: Pense no caso da soja, por exemplo. Um dos focos dos selos de qualidade é o desenvolvimento sustentável. Um dos problemas do desaparecimento das florestas tropicais é justamente o fato de áreas florestais serem usadas para agricultura e produção de biocombustíveis. Há toda uma nova onda de certificação envolvendo tanto a soja quanto o azeite extraído das palmeiras. Há uma enorme controvérsia: esses selos são o que chamamos de “greenwashing”, branqueamento ecológico, por analogia com branqueamento de capitais à camuflagem de capitais, com políticas ou iniciativas aparentemente ecológicas, mas sem resultado real, ou são de fato um atestado de segurança para o consumidor?
Valor: É uma realidade presente no Brasil?
Bartley: O que espero aprender melhor sobre o Brasil é como o relacionamento entre programas de certificação se relacionam com os movimentos sociais, especialmente no caso da reforma agrária. Será que eles estão retardando programas governamentais de redistribuição de terra? Ou o contrário?
Valor: Os movimentos sociais viraram vítimas da autorregulamentação das corporações?
Bartley: É preciso ter em mente que os programas mais significativos nas áreas ambiental e de condições de trabalho são fruto da pressão exercida pelos movimentos sociais contra práticas de governos e corporações. Algumas vezes, essas regulamentações foram criadas para que empresas se protegessem contra essa mesma pressão. Uma preocupação é a de que esse tipo de regulamentação acabe desmobilizando os movimentos sociais. O sistema de certificações e a autorregulamentação privada não podem ser acusados de ser fatores centrais na desmobilização dos movimentos sociais. Mas certamente desviaram a atenção de militantes. Muitos deles se transformaram em fiscais dessas iniciativas. Em alguns casos, protestos contra certas empresas são natimortos desde que elas concordem em seguir as diretrizes propostas por certas iniciativas. Não houve uma “desrradicalização” dos movimentos sociais por causa desse novo foco, mas claramente uma mudança de objetivos.
Valor: Parece uma mudança importante na própria noção do que, afinal, seria considerado um movimento social.
Bartley: Sim. Preocupa-me, por exemplo, que essas iniciativas estejam corroendo movimentos sociais formados nos países desenvolvidos em torno da ideia de diminuir o consumo como forma de luta política. Do fim dos anos 1980 até o fim da década seguinte, os movimentos sociais na América do Norte e na Europa batiam tanto na tecla do consumo verde (compre orgânico, compre produtos produzidos perto de sua casa) quanto da diminuição do consumo como fim. Era uma proposta de repensar o excesso de consumo. Essa crítica foi deixada de lado.
Valor: Por quê?
Bartley: Os movimentos sociais se cansaram de dizer “não”. Não compre isso, não consuma aquilo. Havia uma pressão enorme para que se apresentasse uma mensagem positiva. E há também o fato de que os movimentos sociais surgidos nesse período recebem dinheiro de ONGs muitas vezes financiadas pelas mesmas empresas interessadas no processo de regulamentação e especialmente concentradas na continuidade da compra de seus produtos, agora dentro dessa categoria de “sustentável”, de “seguro” para o consumidor.
Valor: Onde fica o consumidor nessa equação? Os certificados são mesmo efetivos? Modificam a maneira pela qual se vai às compras?
Bartley: Um pequeno segmento de consumidores nos Estados Unidos e um outro, pouco maior, na Europa, estão mais cientes do processo de produção, que começa do outro lado do planeta, até que aquele produto chegue à sua casa. Mas isso não é importante para a maioria dos consumidores. A importância dos certificados é a de chamar a atenção para o impacto do consumo. A questão é: quando você escolhe um projeto com um certificado, qual é a diferença na vida real? Eles estão de fato mudando as condições de trabalho de um país emergente, por exemplo, ao levar o consumidor a fazer uma escolha moral?
Valor: Estão?
Bartley: Os estudos já realizados não nos oferecem um quadro claro. Em alguns casos, há uma melhoria nas relações trabalhistas. Em outros, a certificação é apenas “greenwashing”. Os consumidores querem cada vez mais ter certeza de que estão comprando algo puro, limpo, sem impacto negativo, mas isso é uma falácia. A natureza do capitalismo contemporâneo e a cadeia moderna de suprimentos transformam essa garantia verde em uma impossibilidade. Se esperamos que um produto certificado seja perfeito, então estamos comprando uma ilusão. Se concordamos que ele é um pouco menos danoso do que um produto similar, mas não certificado, então pode ser o caso. E aí pergunto: essa é a melhor maneira de tratar a questão ecológica? Não se teria um maior efeito com um maior envolvimento do Estado?
Valor: Em sua opinião, qual deveria ser o papel do governo na regulamentação da produção agrícola e industrial?
Bartley: Não há substituto para um governo democrático na política de regulamentação de produtos. Não podemos esperar que o mercado e as corporações vão, por uma questão racional e prática, por meio dos selos de qualidade, por exemplo, se autorregular de forma perfeita. Há aspectos importantes nessa discussão, como no caso da agricultura, da posse de terras, da reforma agrária, que precisam continuar sendo regulamentadas por políticas públicas.
EcoDebate, 30/08/2010
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