A economia só faz sentido se for usada para atender as necessidades humanas. A economia precisa respeitar os limites físicos impostos pela natureza, até porque ela é um subsistema da bioesfera finita. Urge promover a conciliação entre a economia e o meio ambiente e extirpar o pensamento econômico tradicional que recomenda o crescimento econômico infinito e exponencial. Os agentes econômicos não são os donos da Terra, e sim seus hóspedes. Não podemos mais fingir que vivemos em um ecossistema ilimitado. O crescimento econômico permanente é impossível. Há espaço para certa irracionalidade econômica, em lugar de se pensar que todas as decisões são pautadas, exclusivamente, pela mais pura racionalidade. O eixo central da economia não pode ser estritamente o mercado e, o objeto, a mercadoria, mas, sim, o indivíduo e suas necessidades elementares.
Não basta fazer a economia crescer para acabar com a pobreza. Contra o desemprego não basta apenas só intensificar a demanda por bens e serviços, baixando os juros e estimulando investimentos. O ritmo econômico atual baseado na exploração desenfreada de recursos naturais e no super-consumo é insustentável. A práxiseconômica deve ser buscada no sentido de ser solidária, participativa e coletiva, trocando, assim, o atual modelo econômico baseado na competição pelo de cooperação. O objetivo primordial da atividade econômica não deve ser a produção de riqueza, mas, sim, o bem-estar das pessoas.
Todas essas afirmações, sem exceção, sopram em ventos contrários à ordotoxia econômica. Tais argumentos ferem uma espécie de pensamento único que tem dominado, sobremaneira, o cenário acadêmico das ciências econômicas.
As afirmações que fizemos acima refutam, na essência, os manuais de introdução à economia que são largamente usados nos cursos universitários. Esses manuais insistem em defender uma economia hermeticamente padronizada, além de propagarem a prática do individualismo em economias centradas apenas, e, tão somente, na valorização de ganhos máximos. Pouco, quase nada, é expresso em termos da valorização do indivíduo, do respeito aos limites físicos e naturais e de uma economia voltada ao bem-estar coletivo.
É nesse sentido, da refutação consistente e bem alinhada, que os chamados economistas alternativos (aqueles que fogem, pois, do dito padrão tradicional e fazem o vento soprar em direção contrária) se apresentam e vão, aos poucos, ganhando mais espaço no cenário acadêmico.
Relacionando temas como economia e meio ambiente, economia comportamental (ou psicologia econômica), e os mais inusitados temas e situações do coditiano, alguns desses economistas já são, hoje, vistos como referência.
A economia ecológica
No que toca, em especial, as preocupações com o meio ambiente, desde os primeiros trabalhos acadêmicos sobre essa questão, na década de 1970, defendidos por Nicholas Georgescu-Roegen, principalmente com a publicação de The Entropy Law and the Economic Process, as preocupações com o meio ambiente tem sido trazidas à tona dentro da análise econômica. É verdade que não com a intensidade que se espera, dada a gravidade do problema em se pensar, de forma tradicional, que uma economia mais produtiva e mais abundante, em matéria de bens e serviços, será a solução de todos os males que afligem o mundo.
O fato é que os economistas alternativos, ou os ecologistas da economia, têm trabalhado intensamente para propagarem suas idéias em torno da conscientização de todos para os graves problemas e conseqüências que cercam o modo de produção da atualidade.
É, pois, na mesma linha de pensamento de Roegen que, infelizmente continua sendo ignorado pela comunidade acadêmica, como ignorado também continua o prêmio Nobel de Química, Frederick Soddy (1877-1956) – um dos precursores da economia ecológica -, que o professor da Universidade de Maryland, Herman Daly, vem fazendo críticas consistentes ao atual sistema que insiste em não olhar para a questão ambiental como se deve. Daly tem insistido, veementemente, sobre a necessidade de levar em conta os efeitos da atividade econômica sobre os recursos naturais não renováveis.
O ponto básico do pensamento de H. Daly é a idéia daquilo que ele intitulou “crescimento deseconômico”, ou seja, aquele crescimento que, pela expansão da economia, afetou (e afeta) excessivamente o ecossistema circundante sacrificando o capital natural (peixes, minerais, a água, o solo, o ar…). Daly salienta que uma vez ultrapassado a escala de crescimento ótimo, esse crescimento torna-se custoso e estúpido no curto prazo e impossível de ser mantido no longo. A prática maciça desse “crescimento deseconômico” tem um final já vaticinado: uma catástrofe ecológica que tende a reduzir sensivelmente o padrão de vida de todos os hóspedes do planeta Terra.
É nesse pormenor que a economia tradicional (a que consta dos manuais) peca de forma considerável, pois não reconhece, ou ignora, por exemplo, que a biosfera, além de ser finita, não cresce e é fechada. É por ir contra essa economia tradicional que cerra os olhos para essa questão, que os trabalhos dos economistas alternativos vem ganhando corpo.
No entanto, ir contra o pensamento tradicional, enraizado por longa data, não é tarefa fácil. Essa dificuldade esbarra, em grande medida, no fato de que os ditos padrões estão, há muito, bem estabelecidos. Um desses padrões mais expostos, por exemplo, recomenda que o modelo de qualidade e felicidade (utilidade) de cada um está no acúmulo de bens materiais.
Para isso, a receita econômica é simples: basta fazer a economia produzir mais, afinal, um belo dia, esse crescimento excessivo chegará a nossas mãos em termos de mais produtos disponíveis no mercado de consumo. Será? É claro que não! Para tudo há algo que a tradicional teoria econômica não percebeu: existem limites.
Percebe-se, então, que para a teoria econômica convencional o que importa são mais produtos; portanto, deve-se buscar, a qualquer custo, aumentar a quantidade (crescimento). Essa teoria ortodoxa convencional não “entende” que quantidade (crescimento) não significa qualidade (desenvolvimento).
É pela qualidade, e não pela quantidade, que o economista chileno Manfred Max-Neef vem lutando, arduamente, para implantar novos modos de produção econômica em que as pessoas sejam alçadas para o primeiro plano, em lugar dos objetos.
Para Max-Neef, o crescimento econômico está alinhado à qualidade de vida das pessoas até certo ponto. Ultrapassado esse ponto, não há ganhos, mas sim perdas; não há benefícios, mas, custos, e, o principal deles, é a deterioração da qualidade de vida.
Essa é a base teórica da “Teoria do Umbral”, propugnada por Max-Neef que aponta dedo em riste para os custos excessivos do processo produtivo a qualquer preço. Custos que, por sinal, não são quantificados, mas sentidos por todos: a poluição das águas, do ar, dos solos, a degradação ambiental, a emissão de gás carbônico para se produzir de tudo e transportar para lugares cada vez mais distantes.
Para Manfred Max-Neef, esse economista alternativo ganhador doPrêmio Nobel Alternativo de Economia, uma economia “saudável” se sustenta em seis postulados:
- A economia está para servir as pessoas, e não as pessoas para servir a economia;
- O desenvolvimento se refere a pessoas, e não aos objetos;
- O crescimento não é o mesmo que desenvolvimento, e o desenvolvimento não precisa necessariamente de crescimento;
- Nenhuma economia é possível à margem dos serviços que prestam os ecossistemas;
- A economia é um subsistema de um sistema maior e finito, que é a biosfera, e, portanto, o crescimento permanente é impossível; e,
- Nenhum processo ou interesse econômico, sob nenhuma circunstância, pode estar acima da referência à vida.
Dessa forma, vemos que a realidade econômica atual, avalizada pelos manuais econômicos tradicionais, está completamente oposta a esses princípios. E por serem esses princípios algo que faz a “roda da economia”, por vezes, travar, esses economistas alternativos, quase sempre, são taxados de personas non gratas.
Necessidades humanas preteridas
Assim sendo, por irem contra o tipo de economia que recomenda que tudo deva ser transformado em números e, por conseqüência, em valores, esses pensadores são postos à margem.
Ao praticarem uma economia em que tudo circula ao redor de números e valores, as necessidades humanas ficam cada vez mais preteridas na escala das preferências. Dessa forma, o modelo de economia que vigora é aquele em que o valor está nas prateleiras dos supermercados e nas vitrines das lojas, portanto, apenas nos produtos, e não nos seres humanos.
É contra esse tipo de pensamento econômico que Herman Daly, Manfred Max-Neef, Riane Eisler, Gary Backer e tantos outros estão construindo suas opiniões. Foi contra isso que Georgescu-Roegen marcou presença.
Definitivamente, a economia não está nos números, mas sim nas pessoas. Pessoas que agem, que sentem, que fazem e que pensam a economia (atividade econômica) em seu dia a dia. Mesmo que esse pensamento esteja nos mais inusitados assuntos, nas mais interessantes situações, a economia, certamente, lá está (e estará) presente. Basta, para isso, atentar para as recentes abordagens de outros economistas que também podem ser classificados como economistas alternativos, que são capazes de observar fatos econômicos onde poucos enxergam tal ocorrência.
Outros economistas alternativos
Mas as obras que versam sobre esse olhar diferenciado da economia não param de surgir. Muitos têm sido os casos de novos autores que estão explorando esse lado “oculto” das ciências econômicas. É o caso específico de Steven Levitt e Stephen Dubner, com “Freakeconomics”, que se tornou, em pouco tempo, best-sellerem vários lugares. É o caso ainda de Tim Harford, com “O Economista Clandestino”; de Diane Coyle, com “Sexo, Drogas e Economia”; de Riane Eisler, com “A Verdadeira Riqueza das Nações” e, principalmente, dos trabalhos do economista norte-americano laureado com o Nobel, Gary Becker, que levou o prêmio justamente por ter estendido o domínio da análise microeconômica para uma escala de comportamento humano e interações, incluindo o comportamento extra-mercado. Becker chega a analisar situações inusitadas como crime, divórcio e consumo de drogas à luz do comportamento econômico de cada um.
Para finalizar, cumpre ressaltar, nesse pormenor, as mais recentes abordagens sobre a Teoria da Economia Comportamental ou “psicologia econômica” que, aos poucos, vem dominando a leitura das novas gerações, à medida que incorpora em suas análises certo grau de irracionalidade econômica nas ações das pessoas, contrariando, assim, a teoria tradicional que preconiza que toda e qualquer ação do indivíduo está pautada pela mais absoluta racionalidade econômica.
Como podemos perceber, o “mundo econômico” exposto nos livros-técnico-didáticos, não é bem assim, como tenta nos fazer crer a ortodoxia econômica.
Marcus Eduardo de Oliveira, articulista do EcoDebate, é economista e professor do Depto. de Economia da FAC-FITO e do Depto de Comércio Exterior do UNIFIEO (Centro Universitário FIEO). Mestre em Integração da América Latina (USP) e Especialista em Política Internacional (FESP),com especialização pela Universidad de La Habana – Cuba.
Autor dos livros “Conversando sobre Economia” (ed. Alínea) e “Pensando como um economista” (eBookBrasil). Seu trabalho mais recente é “Provocações Econômicas” (no prelo). prof.marcuseduardo{at}bol.com.br
EcoDebate, 18/06/2010
Exelente!Seus artigos são muito bons!
ResponderExcluirParabens!
E aí galera do PV....Esse texto é pura reflexão.
ResponderExcluirToninho Prado