A tradicional receita econômica tão simplista, de curtissímo prazo, tem sido clara: para acabar com a pobreza, distribuir renda e gerar empregos, basta fazer a economia crescer. Será isso verdadeiro? Sendo verdadeiro, haverá um “ponto de quebra” do qual ultrapassar torna-se preocupante e perigoso? Em outras palavras, haverá limites para esse crescimento ou deve o sistema econômico buscar, a todo custo, expandir esse crescimento, tendo em vista que urge diminuir o fosso social que caracteriza, por exemplo, a situação em que vive quase metade da população mundial? Nesse pormenor, lembremos de uma triste cifra: há um bilhão de estômagos vazios vagando pelo mundo.
Contudo, antes de se pensar em qualquer modelo de crescimento econômico, as ações dos governantes devem (ou deveriam) repousar, prioritariamente, sobre a existência factual de limites ao crescimento. O fato concreto, real, que não é passível de dúvidas, é que há limites para o crescimento econômico e para o progresso material e esses passam, inevitavelmente, pela preservação dos recursos naturais e energéticos.
Numa situação como a atual em que o nível de consumo mundial tem sido exageradamente inconseqüente, os “gargalos” do crescimento logo se fazem presentes, e as situações sociais e econômicas advindas de um crescimento exagerado e ambientalmente destruidor se tornam a cada dia insustentáveis.
De concreto, cumpre apontar que uma vez ultrapassados esses “gargalos” (limites) chegar-se-á a uma situação de total inversão dos ganhos: de crescimento econômico “pretensamente capaz” de diminuir a desigualdade social, entraremos, posteriormente, numa situação contraproducente com forte tendência a gerar mais desequilíbrios por conta do excessivo crescimento que não “respeitou” antes esses limites, até mesmo porque crescer economicamente não significa (e nunca significou) assegurar, por consequência, qualidade de vida.
Metaforicamente, essa situação pode ser ilustrada da seguinte forma: é como encher um copo com água até que este transborde. O excesso, nesse caso, irá gerar desperdício e esse, no ambiente econômico atual de escassez de recursos, produzirá custos (passivos) na tentativa (vã) de se recuperar a situação anterior. Portanto, crescer de forma exagerada, sem o devido controle e cuidado com a questão ambiental, é como crescer em área movediça: não há sustentabilidade. Não há ganhos, mas, sim, custos (perdas consideráveis).
Outra boa maneira de verificarmos essa situação é atentar-se para a questão do ponto de vista estritamente social. Atualmente, apenas 20% (vinte por cento) da população mais rica do mundo utilizam ¾ (75%) dos recursos naturais, numa situação em que metade da população (3 bilhões) está na pobreza, conforme apontamos logo no início desse artigo.
Henrique Rattner, economista brasileiro estudioso da questão ambiental, nos afirma que “pelo menos 1/3 da população vegeta nos limites de sobrevivência, não tendo acesso à água potável, saneamento, alimentação básica e serviços essenciais como educação e saúde e isto, apesar da incorporação de centenas de milhões de deserdados como produtores e consumidores na China e, em grau menor, na Índia”.
A desigualdade não pára por ai: o caso da água pótavel é gritante. É sabido que a quantidade de água doce disponível na Terra é de apenas 0,5% do total das águas, incluindo as calotas polares geladas. Devido à urbanização intensa, os desmatamentos e a contaminação por atividades industriais e agrícolas (bases de um crescimento econômico sem limites), mesmo esta pequena quantidade de água está diminuindo, causando a desertificação progressiva da superfície da terra. O consumo de água, em consequência da urbanização (o crescimento econômico que não encontra fronteiras) dobra a cada 20 anos, mais rapidamente que o crescimento da população. Se, de acordo com as estatísticas das Organizações das Nações Unidas (ONU), centenas de milhões de pessoas carecem de acesso à água potável, por outro lado, continua o consumo de desperdício (o exagero) desse precioso líquido por parte dos mais afortunados que podem pagar pelo serviço. Vejamos que: enquanto regiões imensas na África, Ásia e América Latina carecem de recursos hídricos mínimos, nas regiões “desenvolvidas”, além de excesso de consumo, aumenta a poluição de rios, lagoas e lençóis freáticos e aqüíferos subterrâneos (novamente, é o crescimento sem limites se fazendo presente), tudo em nome de um suposto crescimento econômico que, reitero, parece não encontrar freios a sua expansão.
Ainda pelo lado da questão ambiental, outra boa maneira de analisarmos o atual “estrago” desse crescimento econômico sem “respeito” aos recursos naturais e energéticos é considerarmos oÍndice Pegada Ecológica.
Esse conhecido índice que mede a área de terra e água que uma população humana requer para produzir os recursos que consome e para absorver seus desperdícios, considerando a tecnologia existente nos mostra que há 1,8 hectares de área disponível para cada habitante, dentro do padrão que se pode considerar sustentável. No entanto, o consumo global atual vem apresentando uma média de consumo relativo a 2,2 hectares por habitante.
O ensaísta alemão Robert Kurtz, num esclarecedor e aterrorizante artigo intitulado “O Programa Suicida da Economia” alerta que as condições elementares da vida, como a água, o ar e a terra, estão expostos a um crescente processo de envenenamento. A camada protetora de ozônio na atmosfera é corroída. Diz Kurtz que “no Sul da Argentina e na Austrália, uma infinidade de ovelhas já pasta com cancros à mostra. Os desertos avançam dia a dia, e há prognósticos de que a guerra do século 21 terá como estopim o controle de mananciais hídricos”.
Essa preocupação em conciliar o crescimento da economia com a questão ambiental remonta do início dos anos 1970, quando da primeira reunião do Clube de Roma e da divulgação do relatório “The Limits to Growth” que já alertava ao seguinte:
Se as atuais tendências de crescimento da população mundial industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial.
Os custos do transporte e a emissão de poluentes
Fora isso, resulta, todavia, outro problema: a insensatez em face ao processo de globalização, em não se atentar aos exorbitantes custos do transporte nesse “intercâmbio produtivo” para levar diversos produtos às geladeiras mais distantes, pouco importando se, para tanto, a emissão de poluentes, o gasto energético e a quantidade de CO2 geradas serão maléficos.
A esse respeito cabe perguntar: como desconsiderar, por exemplo, o custo do petróleo, em contrapartida do uso abusivo de veículos automotores? A título de melhor esclarecimento, cumpres ressaltar que apenas nos Estados Unidos circulam 80 veículos para cada 100 habitantes (aproximadamente 250 milhões); na Alemanha são 55 por 100 habitantes e índices semelhantes são encontrados em outros países desenvolvidos somando quase um bilhão de veículos a motor, hoje alimentados por petróleo cujos preços oscilam ao doce sabor das vontades dos chefões da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Quanto às “viagens” dos produtos de um lugar ao outro, em nome dessa globalização que pretende estreitar fronteiras, tomemos como exemplo que um simples frango congelado nos Estados Unidos viaja, em média, 3.000 milhas antes de ser consumido.
Um estudo realizado na Alemanha apontou que um pote de iogurte de morango produzido nesse país acumula 5 mil quilômetros de transporte. O leite vem do Norte da Alemanha, o morango vem da Áustria, o pote é francês e o rótulo vem da Polônia. A Noruega manda bacalhau para a China. As ervilhas consumidas na Europa são cultivadas e embaladas no Quênia. O kiwi, uma fruta natural da Nova Zelândia encontra mercado nos Estados Unidos que, por sua vez, a compram da Itália. Essa fruta nas mãos da empresa Sanifrutta, exportadora italiana, viaja por mar em contêineres refrigerados: 18 dias até os Estados Unidos, 28 dias até a África do Sul e mais de um mês para chegar de volta à Nova Zelândia. O Reino Unido vende anualmente 20 toneladas de água engarrafada para a Austrália. Esse mesmo Reino Unido consome uvas vindas da África do Sul, a erva-doce vem da Espanha e a abóbora, da Itália.
As batatas Pringles, fabricadas pela Procter & Gamble, por exemplo, atualmente são vendidas em mais de 180 países, apesar de serem fabricadas apenas em alguns poucos lugares. Isso é simplesmente a orgia do desperdício e do custo em termos de poluição, especialmente o dióxido de carbono. Esse aparente “custo invisível” se “esconde” nas sombras dos menores custos produtivos e dos salários baixos, não importando a localidade para onde vai. O que conta nesse caso são os ganhos monetários em detrimento da própria sustentabilidade ambiental.
Se tomarmos apenas os custos advindos da poluição notaremos que esses, apenas fora das fronteiras de uma cidade como São Paulo, conforme estudos do Laboratório de Poluição da USP (Universidade de São Paulo), consome a importância de R$ 14 porsegundo (R$ 459,2 milhões anuais) para tratar seqüelas respiratórias e cardiovasculares de vítimas do excesso de partícula fina – poluente da fumaça do óleo diesel. Esse valor é dispensado por unidades de saúde públicas e privadas de seis regiões metropolitanas do país.
O caso específico da cidade de São Paulo merece maior atenção. Todos os dias, 8,2 toneladas de poluentes são despejadas sobre a cidade. São mais de 3 milhões de toneladas/ano, 90% delas provenientes de veículos automotores. A pior parte vem dos motores movidos a diesel.
Nas seis regiões metropolitanas do país, esse quase meio milhão de reais gastos serve apenas para tratar de questões relativas à poluição advindas, em especial, do intenso trânsito (leia-se: congestionamento) nas grandes cidades que diariamente nos “brindam” com emissões de poluentes diversos e seus resultantes: Monóxido de Carbono (CO), que causa tonturas e dores de cabeça; Hidrocarbonetos (HC) que contribui para a irritação nos olhos, nariz, pele e parte do sistema respiratório; Óxido de Nitrogênio (NOx) com irritação e contrição das vias respiratórias e, Materiais Particulados (MP).
Outro risco: a inflação
Se já não bastasse o custo com a poluição, outro risco desse transporte de alimentos de um lugar para outro é a inflação – prestes a “explodir” a qualquer momento. De acordo com a FAO (Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), o comércio de alimentos ficará nesse ano (2010) mais caro devido ao custo de transportes. Desde janeiro do corrente ano, o frete a partir dos EUA para importadores principais, como o porto de Roterdã, Egito e Bangladesh, está 400% mais alto que em 2000.
Tudo isso, além de problemas climáticos, guerra e conflitos civis em países produtores pioraram o cenário para importação. De acordo com estudos da FAO (Fundo de Alimentos e Agricultura, da ONU) os preços da maioria das commodities agrícolas (produtos agrícolas básicos) tiveram grande aumento nos últimos dois anos, desde fins de 2008 e início de 2009. São exemplos disso o arroz (217%), trigo (136%), milho (125%) e soja (107%). Ao final de 2009, de acordo com a FAO, o custo global de importação de alimentos deve chegar a US$ 1.035 bilhões, 26% a mais do que no ano de 2008. Os países economicamente mais vulneráveis vão pagar a maior conta no custo de importação de alimentos – é a inflação que poderá chegar em breve. A despesa total dos países em desenvolvimento deve aumentar entre 37% e 40% em relação aos dois últimos anos. A preocupação nesse caso é o risco de termos uma inflação causada pelos custos do transporte de alimentos que repicará em várias economias. Pelo jeito, os limites do crescimento, por não serem respeitados, começam a causar outros males que a ciência econômica logo tratará de encontrar suas “justificativas” e, de quebra, também encontrar os “culpados”.
Marcus Eduardo de Oliveira, economista brasileiro, é professor universitário em São Paulo. Possui mestrado em Estudos da América Latina e especialização em Política Internacional. Seus estudos ainda passam pela Universidade de La Habana (Cuba) e pelo Centro de Estudos Sociais e Políticos de Buenos Aires (Argentina).
Contato: prof.marcuseduardo{at}bol.com.br
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