terça-feira, 8 de junho de 2010

Por uma transdiciplinaridade radical - Nelson Job

Publicado no Blog Cosmo e Consciência

Um Milhão de Platôs

Por uma transdisciplinaridade radical
Nelson Job




Chega de ubiqüidades da taxonomia. Chega da domesticação do pensamento, seja na arte, na ciência, na filosofia e na fé.

É verdade, venho convocando muito alguns autores, preciso ainda citar? Hermes Trimegisto, Spinoza, Leibniz, Bergson, Deleuze, Penrose... Se cito Deleuze e sua “tchurma” não é para pertencer a um certo estilo de pensamento. Se cito Deleuze e seus apêndices de autores da diferença é para me inspirar a sair dele. Ele é muito bom nisso, ainda que a maioria faça o contrário em seu nome. Criei o trampolim com o meu “Deleuze e o Tarô”, para citar exemplo recente. Se cito Penrose, não é pra ter um “Sir” entre meus preferidos, mas para me alimentar de uma proposta provisória-experimental-especulativa (precisa mais?) de uma consciência quântica. Se cito Hermes Trimegisto, não é para me alinhar à turba de esquizotéricos, mas para ressoar saberes tão antigos (egípcios, babilônicos) com todos os conceitos mais belos.

Eis que enumeram os inimigos de Deleuze. Hegel? Kant? Besteira. O inimigo de Deleuze é apenas um, o resto deriva desse: o clichê. Sim, pois o clichê permeou todos os aspectos - dos mais ínfimos, aos mais óbvios - de nossas vidas. Pensamos, amamos, apreciamos “arte”, nos drogamos, rezamos etc com clichê. O clichê se tornou a mais terrível ubiqüidade de nossa era. Não que seja fácil eliminá-lo, ou mesmo suavizá-lo. Deleuze evoca o pintor Francis Bacon que evoca Cézanne: ao longo de toda uma obra de diversos quadros, compondo a mais terrível luta contra o clichês, desse embate restam apenas “uma maçã, e um ou dois vasos”. O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro já nos lembrou que para os nativos da Amazônia, o inimigo é imanente. Então vale a pena citar o poeta Manuel de Barros (ou seria Freud?): “repetir-repetir: até ficar diferente.” Árdua batalha contra o clichê.

Deleuze é um ótimo exemplo, como já dissemos em “Tripaterapia”. Se ele é pródigo em articular filosofia, literatura, biologia, antropologia, física, pintura, cinema etc, seus asseclas citam os mesmos autores que o filósofo cita, ad nauseum. Quando colocamos o pensamento de Deleuze copulando com conceitos nunca antes articulados por ele – consciência quântica, a literatura de Philip K. Dick, o hermetismo (e por conseqüência, o tarô) etc – é porque assim é a única forma autêntica de se pensar com ele. Atravessando rumo ao novo.

Propomos uma transdisciplinaridade radical. Os conceitos atravessam e são oriundos de “saberes” dos mais diversos: várias filosofias (da diferença, da ciência, e seus desdobramentos religiosos: a filosofia taoísta, budista, hermética). Mas também a ciência em várias vertentes: a “comprovada” (física quântica, teoria do caos), a especulativa (a supercordas e tantas outras teorias da unificação) e todos os tipos de arte, inclusive as “de massa” como os filmes blockbusters (se consistentes), as histórias em quadrinhos, os seriados de TV, como “Lost” - que é transdisciplinar e ótimo exemplo além do clichê televisivo: drama, ficção científica, terror, mistério, suspense e atemporalidades em flashback, flashfoward e tempos paralelos - enfim, arte pop em geral.

Quando se fala em transdisciplinaridade, geralmente se faz multidisciplinaridade: põe-se os saberes lado a lado, sem cópula, sem mistura, sem hibridização. É comum citar Freud com Jung ou Winnicott (clichê!...), mas é raro relacionar Guattari com “Lie to me” ou “The Killers”. Os autores elaboram conceitos cheios de hífen, como o insuportável “bio-psico-socio-eco-antropo-cultural” (chamemos de cartesianismo enrustido) aarrgh! Vício taxonômico, apenas ligado por hífens para saudar uma pseudo inteligência “pós-moderna”: autores que dizem que nosso mundo é fumaça e que nós somos seres a vagar rumos a descobrir aspectos da fumaça.

Vivemos em uma era que evidencia-se as potências transdisciplinares. Bruno Latour já avisou em “Jamais fomos modernos”, mas agora, as crises econômicas, geológicas, e anímicas (depressão, transtornos de todos os gostos e taxonomias psiquiátricas: bipolar, de ansiedade, de pânico: o verdadeiro "transtorno psiquiátrico" é o transtorno que a psiquiatria faz nas vidas humanas pra alimentar a indústria farmacêutica...) anunciam que a crise é transdiciplinar e apenas uma compreensão que atravessa os saberes (incluindo a arte e as filosofias religiosa-místicas) podem apreender bem o fenômeno e buscar alternativas. Alternativas que não são novos modelos econômicos, e sim, uma economia de modelos, ou seja, abandonar o método repetitivo, científico-empírico e desenvolver conceitos mistos que se operam recriando-se a cada problemática.

A mídia vem tentando manter uma suposta tranqüilidade de que apenas o modelo vai ser trocado, como se a crise fosse a de um modelo apenas. Não, a crise é do modelo! A crise é a crise do clichê enquanto estilo. A crise é, sobretudo, da preguiça existencial. Se pulamos da Madonna para Britney Spears, apenas consumimos o novo clone, assim como passamos de “Matrix” para “Avatar”. Então vale lembrar: se Madonna (pop e feminismo), então Amy Winehouse (black, soul, politicamente incorreto). Se “Matrix” (realidade virtual ciberpunk), então “Anticristo” de Lars Von Trier (neo-animismo lírico). “Não só, mas também...”

Sejamos sonhadores ontológicos (“Ontologia Onírica”), sejamos poetas ontológicos: criar, em nossa era, não é uma quimera artística, criar agora é uma potência ecológico-cósmica (ai, esses hífens...)! Saiam de si e criem mundos!
POSTADO POR NELSON JOB ÀS 22:50
MARCADORES: BRUNO LATOUR, CARTESIANISMO ENRUSTIDO, CLICHÊ, DELEUZE, LOST, MODELO, NELSON JOB, TAXONOMIA, TRANSDISCIPLINARIDADE RADICAL
2 COMENTÁRIOS:

Cla Leal disse...
Maravilhoso, Nelson!!

7 DE MARÇO DE 2010 04:48
Tadeu Borges disse...
Olá Nélson,
O comentário acerca dos precursores ou antecessores do Deleuze, na hist. do pensamento e da arte com relação à luta contra o clichê. Talvez tenhamos aí uma linha quebrada de pensadores e visionários, místicos, "loucos", que acabou por ser reprimida pelo poder. Uma linha que se tornou subterrânea e cujos autores foram perseguidos, indexados, censurados etc. Hume com a noção de crença, Spinoza com a sua postulação da consciência como lugar da ignorância, Bergson desqualificando a memória-lembrança, o instinto e mesmo a inteligência como insuficientes para se pensar a vida, Tarde com sua crítica da imitação e da oposição, em favor da invenção, Castaneda denunciando os fazeres do homem comum, as rotinas do cotidiano que constituem a "história pessoal", Whitehead buscando quebrar o "bom senso" na ciencia, Nietzsche, Proust e Artaud com sua crítica da idéia de "uma boa-vontade" do pensamento, como faculdade que tem acesso, "de direito" à verdade. As cosmologias (Spinoza, Whitehead, Leibniz, Rudhyar) rompendo com o individualismo. A lista é longa.

21 DE MARÇO DE 2010 08:25
Postar um comentário

LINKS PARA ESTA POSTAGEM

Criar um link

Postagem mais recente Postagem mais antiga Início
Assinar: Postar comentários (Atom)
QUEM SOU EU


NELSON JOB
Psicólogo, doutorando em História da Ciência, Técnicas e Epistemologia/UFRJ, coordenador do grupos de estudos Cosmos e Consciência , cursos e (co)movido pelas confluências entre filosofia, arte e ciência: Muitos seguem versões d' "O Caminho" para desembocar no "Caminho do Não-caminho". Prefiro já, descaminhando, pegar o atalho.
VISUALIZAR MEU PERFIL COMPLETO
GRUPO DE ESTUDOS

Cosmos e Consciência: encontros todas às terças, de 19:00 às 21:00 numa casa no Largo dos Leões (cidade do Rio de Janeiro) para mergulhar em uma transdisciplinaridade radical entre filosofia, ciência e arte, onde se cultiva a alegria do sonhar coletivo.
Módulo atual: Ontologia Onírica: hermetismo e suas ressonâncias na filosofia, ciência e arte

NOTÍCIAS (TWITTER)

Daft Punk etc na cantina de Star Wars! http://www.youtube.com/watch?v=3Zd_khk6zXo&feature=player_embedded about 16 hours ago
follow me on Twitter
DRUAM

Druam está sendo um romance em devir emergindo entre cosmos paralelos: este blog e o outro.
FALE CONOSCO

nelsonjob1@yahoo.com.br
ÍNDICES

Índice de textos por autor
Índice de textos por tema
ARQUIVO DO BLOG

▼ 2010 (48)
► Junho (1)
► Maio (3)
► Abril (4)
▼ Março (3)
Ficção Científica no Metrô
Deus joga dados viciados?
Um Milhão de Platôs
► Fevereiro (5)
► Janeiro (32)
► 2009 (31)
PESQUISAR ESTE BLOG


powered by

POSTAGENS SELECIONADAS

Amarnifesto
A Era do Conjugalismo
Ontologia Onírica
Ser-tão Cósmico
Tratado da Inconstância
GLOSSÁRIOS

Glossário dos principais conceitos deste blog
MÚSICAS: SINGLES RECENTES

"Como se sente" Capital Inicial (áudio)
"Ain't no grave" Johnny Cash
Katy Perry "ET (futuristic lover)" (áudio)
"The Suburbs" Arcade Fire (áudio)
"Bloodbuzz, Ohio" The National
"SDP" The Kissaway Trail
"Travel in Time" Comfortable Cave Goodbye (áudio)
"Swim" Surfer Blood
"Beat The Devil's Tattoo" Black Rebel Motorcycle Clube
"Let go" JJ
TRAILERS

"The Adjustment Bureau" George Nolfi
"Les aventures extraordinaires d'Adèle BlanSec" Luc Besson
"A Origem" Christopher Nolan
"Ágora" Alejandro Amenabar
"Exit Through The Gift Shop" Banksy
"Jonah Hex" Jimmy Hayward
"Galerianki" Katarzyna Roslaniec
"Submarino" Thomas Vinterberg
"The Runaways" Floria Sigismondi
"Daybreakers" Michael e Peter Spierig
DICAS DE LIVROS

"O Anti-Édipo" Deleuze e Guattari
"O que Keith Richards faria em seu lugar?" Jessica West
"2666" Roberto Bolaño
"Sobre o Teatro" Gilles Deleuze
"Do Big Bang ao Universo eterno" Mário Novello
"Parição da Presença" Sergio Seixas e Lygia Franklin de Oliveira
"A Dança da Realidade" Alejandro Jodorowsky
"Evolução em 4 dimensões" Jablonka e Lamb
"Os alquimistas judeus" Raphael Patai
"O Médico do Demônio - Paracelso e o Mundo da Magia e da Ciência Renascentista" Philip Ball
VÍDEOS

Abecedário de Deleuze
Atrator Estranho
Dualidade onda/partícula (Dr. Quantum - dublado)
Emaranhamento quântico (Dr. Quantum)
Estorninhos formando atratores
Faixa de Moebius
"A Formiga Elétrica" Philip K. Dick (em inglês)
Fractais
Números de Fibonacci (em inglês)
Universo quântico auto-organizado
Xamanismo no filme "Blueberry"
GALERIA

"En el andén" Grete Stern
"Autumn Rhythm" Pollock
"The Burial of the Count of Orgaz" El Greco
"Cowan City" Jacek Yerka
"Jardim das Delícias" Bosch
"Melencolia" Dürer
"Snow storm"" Turner
"Study after Velazquez's Portrait of Pope Innocent X" Francis Bacon
"Reflexo de Kether" Michel Mille
"La tempesta" Giorgione
LINKS

Dossiê Deleuze
Manuel Delanda - Bibliography
NANSI - Núcleo de Antropologia Simétrica
Omelete (entretenimento pop)
Protopia
A New Kind of Science
Quantum Consciousness
Seed Magazine
SEGUIDORES


INSCREVER-SE

Postagens
Comentários
TEXTOS DE OUTREM

Borges "O Aleph"
Chediak, Karla "O problema da individuação na biologia"
Crumb, Robert "A Experiência religiosa de Philip K. Dick"
Garcia dos Santos, Laymert "Demasiadamente pós-humano"
Giegerich, Wolfgang "Matanças"
Guimarães Rosa "A Terceira Margem do Rio"
Heráclito "Fragmentos"
Hermes Trimegisto "A Tábua das Esmeraldas"
Lao Tsé "Tao te king"
Leibniz "A Monadologia"
Lima, Jorge de "Poema do Cristão"
Osho "10 Mandamentos"
Plotino "Do Belo"
Viveiros de Castro, Eduardo "Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena"
Worms, Frederic "A concepção bergsoniana do tempo"
TEXTOS DE OUTREM EM INGLÊS

Dema, Leslie "'Inorganic, Yet Alive': How Can Deleuze and Guattari Deal With the Accusation of Vitalism?"
Dick, Philip K. "How to Build a Universe That Doesn't Fall Apart Two Days Later"
Gefter, Amanda "Is the universe a fractal?"
Simondon, Gilbert "Form and Matter"
Simondon, Gilbert "The Position of the Problem of Ontogenesis"
LIVROS (DOWNLOAD)

Bateson, Gregory "Steps to an ecology of mind"
Bergson, Henri "Matéria e memória"
Dick, Philip K "Minority Report - a nova lei"
Gibson, William "Neuromancer"
Spinoza "Ethics"
Tarde, Gabriel "Monadologia e sociologia"


Contador de acesso

Um comentário:

  1. adorei a sua proposta para um mundo diferentemente postado rotulado e saturado pelo empirismo radical; pois nós seres humanos precisamos mais de desenvolvimento interno, infelizmente a humanidade não consegue perceber o quanto esse racionalismo excedente é mau para reconhecermos-nos a nós mesmos como pessoa...
    (soul estudante de filosofia da puc sp).

    ResponderExcluir

SER(ES) AFINS