domingo, 13 de junho de 2010

Psicoeconomia e Ambiente - Mauricio Andrés Ribeiro*



“Existem recursos suficientes neste planeta para atender às necessidades de todos, mas não o bastante para satisfazer o desejo de posse de cada um.”
Mahatma Gandhi


É cada vez mais clara a importância das questões subjetivas para a teoria e a prática de respeito ao meio ambiente e para o comportamento humano na economia. Na subjetividade estão fincadas as raízes do consumismo, da pressão sobre os recursos naturais, da agressão e destruição da biosfera, da extinção de espécies, das mudanças climáticas. É na subjetividade que se encontram os potenciais e os recursos mais valiosos para desenvolver comportamento ecologizado e amigável em relação à natureza e para ecologizar a economia.

A economia é movida por impulsos e por motivações psicológicas que, quando predatórias, destroem o equilíbrio ecológico. A psicoeconomia – além de outros campos como a economia do comportamento, a neuroeconomia, a economia evolucionária, a psicologia econômica - tratam da relação entre a psicologia e a atividade econômica, e de como as necessidades, expectativas, esperanças e aspirações subjetivas influenciam e formam as demandas de consumo e de produção. Edgar Morin observa que a economia carrega em si necessidades, desejos, e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos.

Na economia, trabalha-se com a oferta e a demanda. Demanda e necessidade têm um forte componente subjetivo. Demandas são distintas de necessidades, que também são diferentes de desejos e de aspirações. A economia é movida por desejos ou medos próprios ou induzidos de fora para dentro. O desejo pode ser por um bem material ou de consumo, e pode ser o desejo por algo intangível e imaterial, como por exemplo, a felicidade. Desejos ou sonhos de consumo constituem impulsos básicos dos consumidores.

Uma parte do consumo deriva de necessidades biológicas, como por exemplo saciar a fome. A propaganda para o consumo explora os aspectos psicológicos, de satisfação, segurança, conforto, comodidade, sobrevivência, e também manipula os instintos básicos. Assim, o medo e o pânico, referentes a perigos imaginários ou reais, insuflam a produção e consumo de armas; o desejo de alterar estados de consciência insufla o mercado de drogas; o desejo de velocidade infla a indústria de automóveis; o anseio pela beleza alimenta o mercado da moda e dos cosméticos, bem como as cirurgias plásticas. Subliminares, a propaganda e o marketing induzem, influenciam, provocam hipnose pelo desejo. Os desejos de consumo induzidos pela propaganda, são manipulados, inclusive nas crianças. (Por essa razão em alguns países é restrita a propaganda voltada para os muito jovens, presas fáceis das ilusões e estímulos da propaganda na TV).
O consumo estimulado pela economia industrial inventa e cria novas necessidades e demandas, para cuja satisfação pressionam-se os recursos naturais. Cria-se uma relação pouco amigável e agressiva do ser humano com seu meio ambiente.

O estilo de vida norteamericano com sua pesada pegada ecológica e alta emissão de gases de efeito estufa, influencia fortemente os desejos de consumo em nossa sociedade, na medida em que em nos meios de comunicação e também nas salas de cinema, é intensa a exibição de filmes produzidos nos EUA e que difundem o “american way of life”. Enquanto o consumidor americano optar por carros grandes e pesados, o segmento dos compradores brasileiros mais abonados imitará esse padrão de consumo ecologicamente incorreto. Se e quando o consumidor americano vier a optar por veículos pequenos e leves, pelo efeito de demonstração, eles poderão se tornar objetos de desejo. Para certos consumidores, a ostentação de status social e de poder econômico é mais forte que um valor ecológico.

Estar por cima na hierarquia social é um desejo de muitos, para demonstrarem poder e se diferenciarem dos pobres. A renuncia voluntária ao conforto material é uma atitude rara e a aversão a perdas – de conforto, status social, poder - é um instinto forte e antigo. Observa James Lovelock, em A Vingança de Gaia que “A ironia disso tudo é que nós, do mundo desenvolvido, somos os principais poluidores, as pessoas mais destrutivas do planeta, e embora disponhamos do dinheiro e dos meios para impedir a Terra de transpor o limite mortal que tornará a mudança global irreversível, somos paralisados pelo medo.”

Nesse contexto é útil delimitar quais são as necessidades básicas dos indivíduos, das sociedades e da espécie humana, para que possam ser prioritariamente atendidas com o mínimo de agressão ao ambiente.
Ecologizar as demandas e substituí-las por outras que sejam ecologicamente menos destrutivas é, também, um processo psicológico e subjetivo, pois implica em dissolver, reduzir ou eliminar certos tipos de desejo.

Reorientar a demanda é, portanto, um processo mental, relacionado com a razão e o conhecimento objetivo, mas também com o equilíbrio ou o desequilíbrio emocional, os sentimentos, instintos e intuições subjetivas.
Abolir o atendimento acrítico e não seletivo a demandas do mercado é uma forma de reduzir a pressão sobre o ambiente. Demandas ilimitadas exercem pressão ilimitada sobre a capacidade de suporte do ambiente, e levam à degradação climática e ambiental.

Para evitar impactos ambientais e climáticos, será necessário suprimir demandas supérfluas ou destrutivas.
Ao conhecer os processos psicológicos, pode-se lidar com o desejo e ecologizá-lo. Para tanto, pode ser util responder algumas questões:
• Como se formam os desejos e os medos?
• Qual a nossa relação individual e coletiva com os desejos e sua satisfação?
• Por que se deseja algo que é negativo para a saúde ambiental, o clima e para o meio ambiente?
• Como identificar o que é uma demanda não essencial ou que não atende a necessidades básicas?
• Como reduzir o atendimento a demandas não essenciais e aumentar o atendimento a necessidades básicas?
• Como dissolvê-los, superá-los, saciá-los?
• Que aspirações mais elevadas, intangíveis, não-materiais é necessário cultivar?
• A sociedade deve impor interdições, restrições ou multas ao atendimento de desejos antiecológicos? (Na União Européia, cogita-se impor multa de 5.500 euros sobre o carro que emite mais do que o permitido de gases de efeito estufa, em gramas por quilômetro rodado, como forma de onerar seus proprietários).
• Como tomar consciência dos impactos ambientais do desejo e promover o licenciamento ambiental do desejo, antes de que se realize e provoque impactos destrutivos sobre o clima e o ambiente?
• Como tomar consciência e enfrentar os aspectos psicológicos da economia e da formação da demanda a partir de desejos, necessidades, aspirações, e promover as mudanças de consciência, mentais, emocionais, que facilitam transmutar a sociedade em direção a valores pós-materialistas?

Trabalhar sobre os processos psicológicos que aumentam demandas ilimitadas, reverter e transformar tais desejos e necessidades, podem ser formas de reduzir as pressões sobre o ambiente e de mitigar a degradação ambiental, as mudanças climáticas e suas conseqüências nefastas.

Da mesma forma como o marketing, a publicidade e a propaganda atuam sobre o inconsciente e excitam o desejo de consumo, também poderiam, caso houvesse consciência, vontade e impulso coletivos, promover o desejo por saúde ambiental, com a redução da demanda por bens cujo processo de produção é destrutivo, degradador, poluidor.

O estilo de vida minimalista, que preserva a natureza dos danos do consumo desenfreado, é parte integrante de uma cultura em sintonia com o meio ambiente. A redução da demanda por objetos e por recursos naturais deverá estar presente nas civilizações futuras ecologizadas.

Ao se reduzirem voluntariamente ou ecologizarem os desejos para focos pós-materialistas, ecologicamente menos destrutivos e mais aceitáveis, reduzem-se as demandas e as pressões delas decorrentes, sem prejudicar o atendimento de necessidades fundamentais para o bem estar humano e para a saúde da natureza.

Atualmente tornam-se perceptíveis os limites do crescimento externo, com o esgotamento da capacidade de suporte da natureza para atender às pressões sobre ela exercidas pela espécie humana. Nesse contexto, é necessário investir na expansão interior da consciência e nos processos introspectivos. O pensador indiano Sri Aurobindo prenunciou o advento da era subjetiva, na qual será desenvolvida uma psicologia mais refinada, que ao mesmo tempo mergulhe nas profundezas do inconsciente e que se eleve em direção a aspirações mais sutis.

Enquanto não se trabalhar sobre a formação dos desejos individuais e coletivos, a exploração da natureza será cada vez mais intensa. Não são suficientes os ganhos de produtividade e de eficiência nos processos produtivos pois eles são neutralizados pelo crescimento acelerado das demandas.

(*) www.ecologizar.com.br 
mandrib@uol.com.br

Um comentário:

SER(ES) AFINS