domingo, 13 de setembro de 2009

Economia cognitiva - entrevista com André Gorz

GlobAL America Latina
Nùmero [1] - outubro/novembro 2003
Entrevista com André Gorz
Trabalho sem medida
Mercoledì 19 novembre 2003
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O saber e o conhecimento transformaram-se nos principais ingredientes da economia imaterial, cujo melhor exemplo é a indústria cultural e de publicidade, bem como o marketing e a informática.

Thomas Schaffroth
Tradução: Leonora Corsini

Olho 1:
"as empresas já vêm trabalhando em boa medida no âmbito de redes, unindo-se nos momentos de tomada de decisão. A auto-organização, a auto-coordenação e a livre troca estão hoje na base da produção social"

Olho 2:
"as três categorias fundamentais da economia política - o trabalho, o valor e o capital - não mais poderão ser definidas em termos aritméticos, nem medidas por parâmetros unitários. Além do mais, justamente em função dessa característica de não mensurabilidade, fica cada vez mais difícil aplicar conceitos como mais-valia, sobre-trabalho, valor de troca, produto social bruto".

O teórico social André Gorz publicou na França seu último livro intitulado L’immatériel. Connaissance, valeur et capital (Éditions Galilée, Paris, 2003). Dando seqüência a seu último trabalho publicado, Miséria do presente, riqueza do possível, em L’immatériel o filósofo octogenário desenvolve ainda mais suas reflexões sobre o trabalho imaterial, cuja importância já teria suplantado a do trabalho material. Mas, no sistema capitalista, o capital cognitivo só tem função quando é privatizado: esse processo acaba por acentuar os aspectos contraditórios de atribuir um valor ao saber, bem como de sua utilização e transformação em capital.

Global - Em seu novo livro o senhor questiona a sociedade capitalista do saber, chegando mesmo a colocar em dúvida a existência de tal sociedade. Na sua opinião, economia cognitiva e capitalismo são inconciliáveis. Por que motivo?
Gorz - Porque na assim chamada economia cognitiva, os parâmetros econômicos tradicionais não são válidos. A principal força produtiva - o saber - não é quantificável: a atividade laborativa fundada no saber já não pode ser medida por horas de trabalho. E, apesar de todos os possíveis artifícios, a transformação do saber em capital - capital monetário - encontra alguns obstáculos insuperáveis. Dentro em breve, as três categorias fundamentais da economia política - o trabalho, o valor e o capital - não mais poderão ser definidas em termos aritméticos, nem medidas por parâmetros unitários. Além do mais, justamente em função dessa característica de não mensurabilidade, fica cada vez mais difícil aplicar conceitos como mais-valia, sobre-trabalho, valor de troca, produto social bruto. Quando os especialistas em macroeconomia procuram quantificar com os instrumentos tradicionais os resultados econômicos e os padrões de desenvolvimento, estão, na realidade, tateando no escuro. A economia cognitiva representa de fato uma crise de fundo do capitalismo e antecipa uma outra economia, de tipo novo e ainda a ser fundada. E é a esse respeito que se desenvolve o debate mundial sobre o que é de fato a riqueza, e a que critérios deve corresponder. A economia tem sempre mais necessidade de parâmetros qualitativos que quantitativos.

Global - O estudioso americano Jeremy Rifkin sustenta, em seu livro "A era do acesso", que o capital cognitivo imaterial desempenha um papel central na criação de valor e representa o componente mais importante do capital empresarial. Importantes empresas no mundo todo terceirizam seu capital material e vendem apenas saber e serviços.
Gorz - Com efeito é assim. Mas a palavra saber vem sendo usada para definir coisas muito diversas, para as quais não dispomos de um parâmetro unitário. Consideremos a capacidade artística, a imaginação e a criatividade, requisitos muito demandados no âmbito publicitário, no marketing, no design, na inovação, uma vez que são necessários para conferir às mercadorias - mesmo àquelas mais banais - um valor simbólico e incomparável. A publicidade e o marketing constituem uma das maiores, ou talvez mesmo a maior indústria cognitiva: quando conferem a essas mercadorias qualidades únicas e incomparáveis, as empresas podem vender seus produtos, pelo menos por algum tempo, a preços mais elevados. Detêm uma espécie de monopólio e buscam assim uma renda monopolista, contornando temporariamente a lei do valor; em outras palavras, freiam a baixa do valor de troca das mercadorias ainda que seu custo de produção seja cada vez menor em termos de horas de trabalho e de pessoal alocado.

Global - Neste processo, qual é a relação entre saber e conhecimento?
Gorz - Os saberes, no sentido de competência e procedimentos técnicos e científicos, podem ter um papel similar, mas, em termos do alcance de seus efeitos e de seu valor de uso têm uma importância bem mais direta. Diferentemente da capacidade artística e de inovação, as competências e os procedimentos podem ser transmitidos ou formalizados também separadamente, por quem quer que faça uso deles. Podem ser transcritos em formato digital e informatizados para fins produtivos sem a necessidade de se agregar qualquer outro aporte humano. Deste ponto de vista, o saber é capital fixo, é meio de produção. Mas apresenta uma diferença fundamental com relação aos meios de produção do passado: é reprodutível, praticamente a custo zero, em quantidades ilimitadas. Por mais que tenham sido dispendiosas as pesquisas que lhe deram origem, o saber digitalizável tende a tornar-se acessível e utilizável a custo zero. Por ser reproduzido e utilizado em milhões de cópias, seus custos originais tornam-se praticamente irrelevantes. Isto vale para todos os programas de software, bem como para o conteúdo de saber embutido nos medicamentos. Para que funcione como capital fixo e admita a extração de mais-valia, o saber deve necessariamente converter-se em propriedade monopolista, tutelada por uma patente que assegure a seu possuidor uma renda por esse monopólio. A cotização em bolsa de capital constituído por saber dependerá das expectativas de renda futura. Sobre esta base podem ser criados gigantescas bolhas financeiras que, um belo dia, estouram de repente. O crack do mercado de capitais, prenunciado desde a metade dos anos 90, mostra bem o quanto é difícil transformar o saber em capital financeiro e fazê-lo funcionar como capital cognitivo.

Global - O senhor disse, em mais de uma ocasião, que a economia cognitiva antecipa a necessidade de uma outra economia, de outra sociedade, cuja possibilidade prática já está se delineando.
Gorz - Sim: o saber não é uma mercadoria qualquer e não se presta a ser tratado como propriedade privada. Aqueles que possuem o saber não se privam de o continuar transmitindo indefinidamente. Quanto mais se difunde o saber, mais rica se torna uma sociedade. Por sua própria natureza, o saber necessita ser tratado como um bem comum, precisa ser considerado, antes de mais nada, como o resultado de um trabalho social e coletivo. Privatizá-lo quer dizer limitar sua acessibilidade, seu valor de uso social. Nos últimos dez ou vinte anos isto tem-se tornado cada vez mais evidente, tanto que se formou uma frente anticapitalista mundial de luta contra a indústria cognitiva: podemos dar como exemplo a indústria química e farmacêutica e também a do software, em particular a Microsoft. Na verdade, o capitalismo cognitivo não se limita a apoderar-se do saber no qual teve origem, quer também privatizar aquilo que é incontestavelmente bem comum, como o genoma de plantas, animais e o humano. E se apropria a custo zero do patrimônio cultural comum para utilizá-lo como capital cultural ou capital humano. O termo capital humano designa principalmente as capacidades humanas e as formas de saber não formalizáveis que os indivíduos desenvolvem diariamente em suas relações interpessoais. São instrumentalizadas e exploradas no capitalismo cognitivo como o definem na França os teóricos próximos a Toni Negri - não apenas as horas de trabalho prestadas, mas também o tempo invisível dedicado ao próprio crescimento cultural e humano. Todas as atividades individuais desenvolvidas fora do tempo de trabalho e dedicadas à realização pessoal podem ser, portanto, consideradas atividades produtivas. Essas atividades tornam-se então uma das principais fontes de produtividade e criação de valor. Em uma verdadeira sociedade cognitiva, a economia deveria estar a serviço da cultura e da realização de si e não o contrário, como ocorre hoje. De resto, este conceito já o encontramos em Marx, quando escreve que a verdadeira riqueza é "o desenvolvimento de todas as energias humanas enquanto tais, não mensuradas por um parâmetro constituído a priori". É sobre esse princípio que se baseia a reivindicação de uma renda de vida garantida.

Global - O senhor disse que também no plano prático já está se delineando uma outra economia, a do capitalismo.
Gorz - Sim, por exemplo, nos freenets e na cultura do software livre, ou de livre acesso aos códigos e fontes pelos usuários da Internet. De resto, as empresas já vêm trabalhando em boa medida no âmbito de redes, unindo-se nos momentos de tomada de decisão. A auto-organização, a auto-coordenação e a livre troca estão hoje na base da produção social. E são realizados sem a necessidade de um planejamento central nem da intermediação do mercado. Os produtores, que se relacionam entre si em redes, colocam-se em comum acordo preventivamente e de maneira pactuada para produzir em função das necessidades, desenvolvendo sua função produtiva como um complexo de atividades essencialmente coletivas, promovendo um intercâmbio de bens e serviços sem que tenha sido previamente acertado o caráter dessas mercadorias. O dinheiro torna-se então supérfluo, e o capital teria assim sua própria base capturada. [Ainda que não subestimando os obstáculos implícitos em um desenvolvimento deste gênero].

Global - A sociedade cognitiva que o senhor descreve seria uma sociedade comunista.
Gorz - Exatamente.

Global - O senhor vem criticando os "abre alas" da inteligência artificial e da vida artificial que preparam não mais uma sociedade do saber mas uma civilização pós-humana..
Gorz - Este é para mim um ponto de suma importância. O filósofo alemão Erich Hörl demonstrou, por exemplo, em uma tese realmente magistral, que, no curso dos últimos 150 anos, a ciência tem-se distanciado cada vez mais da realidade perceptível através dos sentidos, da realidade sensorial: no mundo real, um pensamento mais matematizante privilegia somente as estruturas que podem ser enquadradas em termos matemáticos. Por exemplo, a linguagem matemática dos cálculos informatizáveis tem contribuído para alienar não apenas a ciência mas também o capitalismo dos aspectos do sentido e das interações sociais, excluindo como não real tudo o que não seja calculável. À custa de processos de pensamento não sensoriais e matemáticos, têm-se chegado a uma condição ambiental e a um tipo de vida que já não é, física e mentalmente, a medida do homem. Por isso os detentores do poder têm tido a necessidade de criar seres humanos mais eficientes. A loucura do poder econômico e militar e a obsessão eficientista criaram a necessidade de inteligência artificial, de máquinas humanas artificiais. Só poderemos efetivamente falar de uma sociedade do saber quando a ciência e a economia não estiverem mais sujeitas aos imperativos do capital, quando perseguirem objetivos políticos sociais, ecológicos e culturais. Idéias como essa são hoje compartilhadas por um número ainda reduzido, mas em constante ascensão, de expoentes do mundo científico.

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