09 de junho de 2009 às 20:12
Por meio de um brilhante artigo publicado no EnANPAD de 2008, prolegômeros a toda administrologia futura, Ariston Azevêdo e Paulo Sérgio Grave concluíram que a administração pode ser entendida como uma ação social virtuosa que ocorre a partir de uma organização visando uma determinada finalidade que existe fora dela, um serviço que deve ser prestado de modo que se garanta a produção de bens úteis capazes de promover o bem-estar social. A administração teria então três dimensões ou ações concomitantes em sua constituição: um ato de iniciar, um ato de mediar e um ato de gerenciar. Logo, a atividade adminstrativa precisaria ser compreendida como produto da articulação destas três esferas de ação em busca de sua virtude própria.
Dito isto, observa-se que o empreendedorismo é o conceito em uso adequado para compreender o ato de iniciar inerente à atividade administrativa. Para o compreendermos, precisamos entender o que é a liderança, conquanto a admitirmos como condição necessária para a atividade empreendedora. Ora, o ato de iniciar para ser efetivo precisa ser seguido dentro da organização, de modo que suas demais ações sociais se orientem por ele, pelo menos naquelas atividades organizacionais cuja colaboração depende o sucesso da iniciativa empreendida.
E isto nos remete a uma questão importante: a liderança gera alienação e submissão, ou emancipação e realização humana? Ou seja, qual é a ética da liderança?
Notemos inicialmente que o conceito de servir ao outro está encoberto nesta discussão. Segundo esta abordagem, o líder servidor orienta-se pelo "cliente", abrindo mão de sua subjetividade, dedicando-se de maneira puramente altruísta ao outro. Numa visão crítica, esta liderança seria do tipo autoritário no qual a dominação garantiria a emancipação do líder e a alienação do "rebanho". A autoridade carismática, por exemplo, em sua versão rotinizada, serviria para legitimar a estrutura organizacional e de autoridade escolhida pelo carisma com o intuito de preservar-se como autoridade. Essa seria a estratégia usada por neomonarcas como Fidel Castro para a sua preservação.
Karl Marx, baseado na obra de Charles Darwin( "A origem das espécies"), afirmou em O Capital que só podemos identificar a evolução de uma espécie para outra a partir da espécie superior, de modo que só podemos alcançar o progresso social a partir do conhecimento do sistema sócio-econômico mais evoluído. Deste modo, poder-se-á identificar o que precisa ser transformado e conservado de um sistema para outro para viabilizar o progresso social. Para Lênin, este seria o papel da vanguarda progressista, capaz de perceber e liderar a massa em direção ao progresso. Papel análogo corresponderia aos intelectuais de acordo com o pensamento do cientista político Antônio Gramsci.
A questão que surge é: quais os critérios que legitimariam a liderança desta vanguarda?
Aristóteles, na Metafísica, propôs a teoria da quatro causas e a distinção entre ato e potência. Potência seria o que existe como possibilidade no ser e ato seria o seu desenvolvimento, sua realização. Eis a etimologia da expressão "pessoa realizada", significando pessoa que foi capaz de transformar seus potenciais em realidade prática. Assim, o escultor ao esculpir o mármore partiria desta matéria e de uma idéia da estátua para formá-la. O mármore seria uma estátua em potência, mas apenas a ação virtuosa do escultor possibilitaria sua atualização e sua beleza consistiria na virtude do seu movimento.
As quatro causas seriam, portanto, causas materiais, eficientes, formais e finais. A primeira seria inerente à matéria a ser movimentada ou transformada, suas especificidades; a segunda inerente à eficácia da ação transformadora, causando praticamente a evolução; a terceira inerente à idéia que precisa ser atualizada e na qual a causa eficiente se orienta; e a última inerente ao fim a que se destina a transformação, a finalidade definidora de sua utilidade para a busca da felicidade humana.
Para Aristóteles, apenas um ser em ato, que atingiu a sua perfeição própria numa determinada atividade, pode orientar um ser imperfeito a fazê-lo, donde a importância do mestre e de Deus. O mestre seria o Filósofo, aquele que se libertou do mundo das aparências e das coisas sensíveis e que aprendeu a buscar a verdade intelectiva, sendo capaz de orientar o vulgo em sua busca por libertação, atualização e felicidade.
Retomando a questão progressista e admitindo que a perfeição não existe, podemos admitir que o líder seja constituído pelo portador do Insight , capaz de ver dentro e ver além para, partindo disto, propor a superação dos interditos presentes naquela forma de organização. O líder, de tipo democrático, seria um visionário, dotado de conhecimento empírico e intelectivo sobre a realidade a ser transformada. Podendo ser encarado como um mestre ou como interpreta Michel Foucault, como um igual que cuida do outro e assim cuida de si e da sua evolução.
Assim, o líder democrático, que inicialmente é parte de uma vanguarda se distingue do líder autoritário pelo compromisso com a emancipação do outro, tornando-o um igual. Este seria o critério de legitimidade da liderança: ser capaz de formar outros líderes.
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