quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Os diferentes momentos de uma acão não violenta

Jean-Marie Muller





Gostaríamos de tentar identificar os diferentes momentos e etapas da estratégia de ação
não-violenta, desde as ações pontuais, dirigidas contra uma determinada injustiça que
caracterize a desordem estabelecida, até a tomada efetiva do poder político pelo povo e a
instauração de uma nova ordem social que seria regida, na medida do possível, segundo os
princípios e as exigências da não-violência. Temos consciência de que se trata de uma
tarefa arriscada e sentimo-nos fortemente inclinados a elaborar, de forma abstrata, o que
deveria ser a revolução não-violenta. No entanto, seria completamente ilusório distribuir
receitas a serem aplicadas em cada situação, pretendendo-se assim colher bons
resultados.



Porém, se é inútil perscrutar o futuro, pode ser de grande valia analisar o passado para
melhor agir no presente. Portanto, não nos parece infrutífero reunir os ensinamentos
extraídos das experiências de luta não-violenta ocorridas no passado, apresentando-os de
acordo com a ordem que corresponda à cronologia dos fatos. Não se trata de esterilizar a
imaginação, mas de mostrar um cenário no qual a experiência nos ensinou que havia
amplas possibilidades de exercitá-la de forma mais eficaz.



Se essas indicações não nos garantem êxito, pelo menos deveriam impedir que
incorrêssemos em inúmeros erros que inevitavelmente nos levam ao fracasso. Será
necessário, quando chegar a ocasião, adaptar-se ao terreno, diante de circunstâncias
amplamente imprevisíveis, e imaginar os meios mais adequados a mobilizar.



Charles de Gaulle afirma, em sua obra O fio da espada: "Aqueles que lutam se encontram
perpetuamente diante de uma situação nova e, pelo menos em parte, imprevista",
destacando, deste modo, a dificuldade de a inteligência conceber a ação que deveria ser
colocada em prática frente ao adversário. O instinto deverá aliar-se à inteligência para
que a ação seja corretamente adaptada às circunstâncias do evento. No entanto, o
esforço teórico não é inútil. Pois "se a inteligência é insuficiente para a ação, é natural
que aquela seja parte integrante desta e, quando da elaboração antecipada dos dados de
concepção, torna-os mais inteligíveis, mais explícitos, e reduz a margem de erro".





I. Análise da situação



A dinâmica de uma ação nasce na tomada de consciência de uma injustiça, e esta (que
não é necessariamente nova), com todo seu rigor, mostra-se literalmente "insuportável" e,
por conseguinte, temos o sentimento de que não podemos suportá-la por muito mais
tempo: "isso não pode mais continuar!". Decidimos, portanto, pôr termo a ela e
começamos a agir.



É essencial, contudo, que a decisão por uma determinada ação seja tomada a partir de um
conhecimento exato da situação na qual se inscreve a injustiça que queremos denunciar e
combater. Caso sejamos pegos em falhas no que diz respeito ao conhecimento dos fatos,
isso viria a desacreditar seriamente nossa iniciativa, reduzindo as possibilidades de êxito.



Num primeiro momento, sentimos o impulso de aumentar os fatos e exagerar-lhes a
gravidade ao expor a situação, chegando até a caricaturar a posição de nossos
adversários. No entanto, é ilusório pensar que essa estratégia possa ter alguma eficácia.
Ao contrário, será mais fácil para aqueles que acusamos enfatizar, apoiados em
argumentos convincentes, o aspecto exagerado das acusações formuladas contra eles e,
com isso, conseguir se justificar inteiramente. Em contrapartida, o conhecimento rigoroso
dos fatos e sua apresentação mais racional e objetiva possível constituem um trunfo maior
em nosso favor, reforçando nossa posição. A possibilidade de, em qualquer ocasião,
justificar as afirmações, baseando-se em provas, é um elemento de primeira importância
na relação de forças que se estabelecerá entre os adversários.



É necessário, assim, constituir um dossiê sobre os fatos que seja o mais completo
possível. Não é necessário ater-se à constatação dos fatos. É imprescindível, no entanto,
compreendê-los para saber por que e como a injustiça surgiu e se perpetuou. É preciso
conhecer as forças sociais, políticas e econômicas implicadas na situação, as atitudes
práticas das partes em confronto e suas justificativas teóricas. É importante analisar
também as estruturas de poder que caracterizam a situação, a fim de identificar onde
estão situados os centros de decisão. Além disso, é prudente conhecer as leis
concernentes aos litígios entre as partes confrontadas, para distinguir claramente os
direitos outorgados ou não pela mesma. Esta análise deve nos permitir identificar com
exatidão nossos aliados e nossos adversários no conflito.





II. Escolha do objetivo



Também a partir da análise da situação é que devemos escolher o objetivo a ser
alcançado. A escolha do objetivo é um elemento essencial de uma campanha de ação;
exclusivamente dele depende o êxito ou o fracasso.



É uma necessidade estratégica que o objetivo seja claro, preciso, limitado e possível.
Para isso, é adequado discernir o que seria desejável e o que é possível. Seria condenar-
se ao fracasso escolher um objetivo cuja importância seja desproporcional em relação às
forças que pretendemos razoavelmente mobilizar para conduzir à ação. Portanto, é
primordial que o objetivo esteja ao alcance do movimento social suscitado pela ação, para
que o objetivo escolhido possibilite a vitória.



A campanha de ação não deve estar circunscrita a uma simples campanha de protesto e
de sensibilização. É preciso obter ganho de causa. É preciso vencer. Essa vitória,
necessariamente parcial e limitada, dará confiança aos militantes e facilitará a busca de
objetivos mais ambiciosos.



Embora seja conveniente situar-se em uma perspectiva que englobe o conjunto do sistema
político que predomina na sociedade, é uma necessidade estratégica escolher um ponto
preciso do sistema que possa exercer influência sobre o mesmo, capaz de movimentá-
lo e oscilá-lo, atuando como uma alavanca. Esse ponto específico seria o ponto de apoio.
É preciso dedicar-se ao máximo para garantir que o ponto de apoio seja bom. Não se deve
soltá-lo nem deixá-lo que se distancie de nós.





III. Escolha da organização



A ação não-violenta compreende contar com a responsabilidade individual de cada
um. Mas, para tornar-se eficaz, deve ser coletiva e organizada. A própria organização
deve ser não-violenta, isto é, possibilitar que todos tenham uma participação efetiva nas
responsabilidades e decisões. Além disso, não deve minar a espontaneidade. Ao contrário,
deve tê-la como apoio e canalizá-la de forma que não se transforme em fator de dispersão
e de incoerência, mas uma mola propulsora que oriente a ação e lhe empreste sua força.



Uma das funções da organização é dividir as tarefas e coordenar as atividades daqueles
que aceitaram assumi-las. A urgência e a importância das decisões que irão
indubitavelmente surgir no decurso da ação não permitirão que a responsabilidade principal
esteja completamente diluída na coletividade, composta por todos que participam na ação.



A organização deverá ser constituída de um órgão de decisão, tendo bem claro que não é
a autoridade o que deve estabelecer os vínculos entre os responsáveis de um movimento
não-violento e seus militantes, mas sim a confiança, visto que é da natureza humana e
das coisas que alguns assumam maiores responsabilidades que outros. Como em qualquer
ação coletiva, surgem líderes, ou um líder, e poderão ocorrer alguns problemas, rivalidades
e, às vezes, conflitos entre as pessoas. É fundamental que o papel representado pelo líder
não adquira uma relevância desmedida na organização da ação. Deve-se evitar ao máximo
que a unidade, a coesão e a força do movimento estejam apoiadas apenas na
personalidade do líder. Diante dessa perspectiva, a parte emocional que une o líder aos
demais militantes deve ser a mínima possível e a parte racional a mais ampla. O melhor
meio para que o líder não se exceda é reforçar a democracia dentro da organização.



Geralmente, a ação será assumida por uma organização já existente (sindicato, partido,
movimento, associação...) ou por uma formação conjunta de organizações. Assim, a ação
poderá se beneficiar imediatamente de todo o potencial militante desta(s) organização
(ões). No entanto, às vezes, uma organização específica deve ser criada para dar início e
conduzir a ação.



Uma das tarefas que a organização deve tomar sob sua responsabilidade é a formação e a
capacitação dos militantes para a ação não-violenta. Para que a ação possa ser bem
conduzida, a iniciativa deve ser assumida e mantida por pessoas determinadas a ater-se
aos métodos não-violentos. Isso é indispensável para que o movimento não naufrague tão
logo surjam as dificuldades, os tumultos, o medo e, finalmente, a violência.



Além disso, o movimento poderá se fortalecer apenas à medida que puder beneficiar-se de
redes locais distribuídas pelo país que possam transmitir à população as informações e as
instruções de ação.





IV. Primeiras negociações



Convém, o mais rápido possível, entrar em contato direto com o adversário, antes mesmo
de tornar pública a discordância, a fim de propor-lhe uma solução negociada do conflito
em vez de partir para o confronto sistematicamente. Trata-se assim de expor aos
representantes da parte contrária as conclusões que nos conduziram à análise da situação
e de enfatizar nossas reivindicações, identificando com clareza o objetivo escolhido.



É possível que, na primeira tentativa, o adversário recuse qualquer negociação. Caso
aceite um encontro, raramente se chega a um acordo imediatamente. Essas primeiras
negociações permitirão, no entanto, avaliar as intenções de nossos interlocutores. Se é
imprescindível evitar qualquer atitude que possa enrijecer inutilmente o conflito e reforçar
as barreiras existentes, o que tornaria qualquer solução ainda mais difícil, é fundamental
demonstrar também grande firmeza e determinação.



Em hipótese alguma devemos ficar satisfeitos com promessas. Devemos exigir decisões.
Quando as negociações se encontram num impasse, devem ser suspensas e não rompidas
definitivamente, uma vez que a finalidade da ação direta é a retomada das negociações. À
medida do possível, poderá ser frutífero manter alguns contatos com o adversário durante
todo o tempo em que durar o conflito.



De acordo com um princípio fundamental de qualquer estratégia, o tempo dessas primeiras
negociações deve ser também o tempo de preparação da resistência.





V. Apelo à opinião pública



Diante do insucesso das primeiras negociações é preciso empenhar-se para deixar a
injustiça vir à tona publicamente por todos os meios de comunicação, informação,
sensibilização, conscientização e popularização passíveis de provocar mobilização,
buscando o máximo de "publicidade", no sentido técnico desta palavra, isto é, um maior
alcance junto ao público, para que conheça os motivos da ação e os objetivos atrelados à
mesma.



1.Meios de informação

Objetiva criar um "fato jornalístico" que divulgue a informação ao público. De início, é
preciso informar diretamente os jornalistas de diferentes veículos de mídia, enviando-lhes
um dossiê, o mais exaustivo possível, sobre o conflito em curso.



Uma coletiva de imprensa poderá também ser organizada, mas, num primeiro momento, os
contatos pessoais com os jornalistas poderão se revelar mais apropriados. Também, será
preciso passar informações aos partidos, sindicatos, movimentos, organizações e
personalidades que possam oferecer apoio, e talvez auxílio à campanha de ação em foco.



No entanto, será preciso passar imediatamente uma informação direta ao público, usando
diferentes métodos, tais como: distribuir folhetos em locais e horários mais adequados,
circular abaixo-assinados, "fazer os muros falarem" colando cartazes e grafitando
mensagens (nesse caso, zela-se para não sujar os muros e edifícios, mas, ao contrário,
encobrir a sujeira...), "congestionar" as calçadas etc. Para intensificar a divulgação do
movimento, será fundamental ampliar o número de reuniões de informação, se possível de
bairro a bairro, de cidade em cidade.



Informar significa estar com a palavra, e isso já significa ter o poder. É imprescindível que
essa fala seja e continue não-violenta no transcorrer de toda a ação. Acreditar-se mais
convincente ao proferir uma fala violenta contra o adversário é sempre uma ilusão,
incorrendo-se em grande risco de convertê-la em caricaturas, insultos, exageros e injúrias.
E isso somente desacredita a ação.



O alcance de uma palavra provém de sua exatidão e não de sua violência. A força
pedagógica de uma fala não-violenta é muito maior que a de um grito. Além disso, é
importantíssimo recorrer ao humor, por seu inigualável poder de convencimento. A
receptividade da opinião pública diante do humor é extremamente grande. Por outro lado,
o humor é uma das melhores proteções contra o ódio e a violência. Se fizéssemos muito
mais humor, haveria menos guerras... E, além disso, o humor nos permitirá ocupar posição
de força no confronto com nossos adversários, visto que e, sobretudo, se estiverem junto
ao poder, serão, de forma geral, incapazes de humor.



2.Intervenções diretas

Trata-se de manter, continuamente, contato direto com o público, para passar informação
e conscientizar, expressando-se não apenas por meio da fala, mas com todo seu corpo.
No decorrer destas intervenções públicas, a atitude corporal dos manifestantes é um
recurso essencial de expressão e de comunicação. As primeiras manifestações públicas
devem ser, prioritariamente, meios de persuasão em que prevaleça a legitimidade da causa
defendida, mas que já constituam meios de pressão e preparam a mobilização dos meios
de coerção. Destacamos, a seguir, alguns métodos de intervenção pública.



- Passeata: ou o que comumente chamamos manifestação. Trata-se de reunir, de formar
um cortejo e percorrer a cidade a pé, indo de um local simbólico para outro. O chamado à
manifestação não se dirige apenas aos militantes, mas também aos simpatizantes. É
possível ainda tomar a palavra em praça pública. A manifestação, mesmo a silenciosa,
deve ser "falante" para os espectadores, expressando-se por meio de faixas e cartazes
enquanto se distribuem folhetos aos transeuntes. Pode-se recorrer também a slogans e
músicas para expressar-se junto ao público.



- Marcha: os manifestantes percorrem longas distâncias – de cidade em cidade do país ou
atravessando vários países – com o objetivo de sensibilizar a população das regiões
percorridas no que tange à injustiça que se quer denunciar. Aqui, também, a marcha deve
ser "falante", por meio de cartazes, folhetos, placas e faixas. Em cada cidade-etapa
podem ser organizadas reuniões públicas, visando informar os habitantes e fomentar um
debate público sobre o problema em questão. Uma delegação pode solicitar ser recebida
pelas autoridades locais, com a finalidade de evidenciar o ponto de vista dos
manifestantes. O pleno êxito de tal iniciativa implica que comitês de apoio possam preparar
o itinerário dos andarilhos e acolhê-los quando de sua passagem.



Tal manifestação pode ser realizada também empregando qualquer meio de transporte: da
bicicleta a trator, passando pela mobilete...



Outras ações de sensibilização que mobilizem apenas um pequeno número de militantes,
dentre os mais determinados, podem também ser consideradas como, por exemplo:



. Teatro-performático: representa-se nas ruas uma cena de teatro de alguns minutos,
que possa transmitir uma mensagem tão condensada, tão simples e clara quanto aquela
exposta em um folheto bem formulado.

. Sit-in: manifestação em que todos permanecem sentados em um local simbólico.

. Manifestação silenciosa de mulheres e homens-sanduíche: manifestantes,
dispostos de acordo com um esquema específico, trajando vestuário que os identifique
(por exemplo, camiseta, avental simples de duas faces e sem mangas sobrepostos às
roupas), com inscrições de mensagens ou slogans, desfilam pelas ruas nos horários de
maior afluência. Nesta ocasião, podem ser distribuídos folhetos.

. Períodos de silêncio: Várias pessoas se reúnem em um local simbólico, andando e
permanecendo em pé e em silêncio, transmitindo a mensagem apenas por meio de cartazes
e faixas, enquanto outros manifestantes distribuem folhetos e conversam com as pessoas
que interpelam os manifestantes.

. Corrente humana: alguns militantes, trajando alguma vestimenta que os identifique,
permanecem acorrentados às grades de um edifício público. Geralmente, são soltos pelas
forças da ordem. Uma foto empresta e publicada pela imprensa, na maioria dos casos,
confere maior impacto a esta forma de manifestação.

. Greve de fome por período determinado: abstém-se de qualquer alimento
(imprescindível, porém, beber água) durante alguns dias, digamos entre 3 e 20 dias, a fim
de atrair a atenção tanto dos responsáveis pela injustiça, como da opinião pública. É uma
ação de protesto e de conscientização; no entanto, por estar circunscrita a um período,
não visa suprimir a injustiça. A personalidade da(s) pessoa(s) que faz(em) greve de fome
exerce um papel preponderante no impacto junto à opinião pública.





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VI. Envio de um ultimato



Caso haja uma recusa a qualquer solução negociada do conflito, torna-se necessário
fixar ao adversário um último prazo, após o qual os responsáveis pelo movimento
passarão instruções para ação direta. Diante do malogro dos meios persuasivos para
convencer o adversário a aceitar as reivindicações que lhe foram apresentadas, devem
ser aplicados meios de pressão que visem coagi-lo. O ultimato é a última tentativa de
obter um acordo negociado e marca o início da resistência.



É natural que o adversário recuse ceder diante do que é preciso denominar uma ameaça,
e que será considerada pela parte contrária como uma "chantagem inadmissível".
Rejeitará, assim, o ultimato afirmando que não teme qualquer resistência. O ultimato é
compreendido pela opinião pública também como sinal do início da ação.





VII. Ações diretas

1.Ações diretas de não-cooperação

É fundamental que os gestos de não-cooperação propostos pelo movimento estejam ao
alcance de um grande número de pessoas. Exigir gestos de ruptura cujas conseqüências
sejam muito sérias significa reservar a ação a uma elite, obrigando os demais a manter-
se à parte, na posição de simples espectadores. Portanto, é essencial que um grande
número de pessoas possa participar.



Aqui também não caberia elencar exaustivamente as diferentes ações de não-
cooperação, dado que uma situação específica requer uma determinada ação de não-
cooperação. Trata-se, portanto, de colocar a imaginação em movimento. A seguir,
destacamos alguns métodos freqüentemente adotados.

. Devolução de títulos e condecorações: este gesto é essencialmente simbólico e não
costuma estar ao alcance da maioria, mas seu impacto pode ser considerável junto à
opinião pública.

. Operação "cidade-deserta": pede-se à população para interromper quaisquer
atividades durante um dia inteiro, meio dia ou por algumas horas. As ruas devem ficar
desertas e as lojas fechadas. Cada pessoa permanece em sua residência ou local de
trabalho suspendendo, porém, suas atividades. O êxito desta operação pressupõe que a
população já tenha adquirido ampla consciência do desafio do conflito em curso e que já
tenha dado sinais concretos de determinação.

. Greve: a greve exemplifica diretamente o princípio de não-cooperação. Uma fábrica ou
uma administração só podem funcionar graças à colaboração dos operários ou
empregados. A partir do momento em que estes interrompam o trabalho, para conseguir
uma determinada reivindicação, passam a exercer uma real força de coerção sobre seus
dirigentes e diretores, os quais não podem ignorar por muito tempo as exigências que lhe
são solicitadas. O tempo corre contra eles, uma vez que não podem se acomodar com a
paralisação da empresa ou da administração. Quanto mais os trabalhadores estiverem
decididos a manter a greve, mais estarão em posição de força para negociar uma solução
do conflito. Uma greve, portanto, somente pode alcançar um objetivo caso seja por
tempo indeterminado. No entanto, podemos considerar as greves de advertência, com
duração prevista. Algumas dessas greves podem ser organizadas não por razões
econômicas, mas por motivos políticos para protestar, por exemplo, contra alguma
violação aos direitos humanos ou para manifestar solidariedade em relação a uma
determinada luta.

. Boicote: não se visa, aqui, organizar a não-cooperação dos trabalhadores, mas a dos
consumidores. O poder de compra dos consumidores é um verdadeiro poder econômico
para melhoria da qualidade dos produtos, ou para o reconhecimento dos direitos dos
trabalhadores de uma empresa. Um boicote visa reduzir as vendas de maneira a atingir o
faturamento da empresa, o suficiente para atender às exigências que constituem o
objetivo da ação. Para que o boicote seja eficaz não é preciso que seja total, porém é
importante que a população siga satisfatoriamente as instruções de boicote para que a
baixa nas vendas seja decisiva. Portanto, não é suficiente lançar a palavra de ordem do
boicote por meio de um comunicado na imprensa e alguns cartazes, é preciso organizá-
lo, distribuir folhetos e dar início aos piquetes de boicote nas proximidades dos pontos de
venda. É imprescindível que a ação possa persistir no tempo.

. Desobediência civil: uma ação de não-cooperação pode ser legal ou ilegal, de acordo
com a lei em vigência no local e o momento em que ocorre. Em uma mesma intervenção
não-violenta, alguns atores permanecerão na legalidade, enquanto outros irão entrar na
ilegalidade. Assim, em um boicote, é perfeitamente legal não comprar um determinado
produto, mas também, de forma geral, é ilegal fazer um apelo aberto ao público para não
comprá-lo.



A lei tem uma função legítima na sociedade. A função da lei é organizar a sociedade de
modo que a justiça seja respeitada por todos e para todos. À medida que a lei preenche
sua função, merece também nossa "obediência". No entanto, quando a lei afiança a
injustiça da desordem estabelecida, passa então não ser somente um direito de
desobedecer à lei, porém, pode ser um dever. O que constitui a injustiça não é a lei
injusta, mas a obediência à lei injusta, e a melhor forma de combatê-la é desobedecer à
lei. Geralmente, não basta exigir a extinção da lei injusta, é preciso exigir uma lei justa
que reconheça efetivamente e garanta os direitos daqueles que hoje são oprimidos.



Não caberia aqui enumerar todas as ações possíveis de desobediência civil, em virtude de
sua multiplicidade e diferenças, conforme a situação. A título de exemplificação,
mencionamos a seguir algumas particularmente específicas.

. Greve de locatários: a expressão é suficientemente explícita por si mesma. A ação
será bem mais eficaz se for encaminhada coletivamente.

. Auto-redução de tarifas: ou por considerar que algumas tarifas são excessivamente
abusivas, ou por julgar extremamente nefasta a política adotada pelo Estado ou pelos
dirigentes de empresas privadas, decide-se por si mesmo reduzir o valor cobrado por uma
determinada prestação de serviço. Conforme o caso, é possível auto-reduzir diretamente
as taxas de sua fatura (eletricidade, telefone...), ou elaborar, junto a órgãos oficiais
(sindicato de empregados, usuários...), documentos igualmente válidos, cujo valor seja
inferior à tarifa em vigor (bilhete de transportes...).



Para conseguir bons resultados, esta ação requer uma organização que reúna um grande
número de usuários.

. Recusa ao pagamento de imposto: não se trata de se opor ao próprio princípio do
imposto. O pagamento do imposto é um exercício prático da solidariedade que deve ligar
todos os membros de uma mesma coletividade. Porém, quando o imposto vem fomentar
injustiças, o dever de solidariedade em relação às vitimas pode implicar, então, à recusa
em financiar essas injustiças com o dinheiro proveniente de seu trabalho cotidiano. Cada
cidadão é responsável pelo uso que o Estado destina a seus impostos. O pagamento do
imposto não é uma simples formalidade administrativa, mas um ato político. De certa
forma, significa aprovar e votar o orçamento do Estado.



Para que a ação possa se popularizar, é preciso organizar uma recusa parcial, a qual não
necessariamente corresponda à realidade do total abrangido no orçamento do Estado.
Mas, reivindicar e exercer seu poder de contribuinte não deve consistir unicamente em
recusar o imposto. Trata-se também de redistribuí-lo, destinando-o a realizações que
contribuem para construir a justiça.

. Greve de fome por período indeterminado: diferentemente de uma greve de fome
com período determinado, esta não objetiva protestar contra uma injustiça e sensibilizar
a opinião pública. As pessoas que a adotam entendem suprimir a injustiça. A decisão de
iniciar tal ação é particularmente muito séria. É primordial que o objetivo escolhido seja
plenamente razoável para ser alcançado no prazo permitido por uma greve de fome.



Na hipótese de se adotá-la visando a um objetivo inatingível, seria somente um gesto de
protesto desesperado e desesperador, não seria uma ação não-violenta. Neste caso,
restariam apenas duas saídas: ou os grevistas colocam fim em sua decisão, antes que
seja irreparável e reconheçam o próprio fracasso, ou se tornam vitimas da própria
imprudência. Não se pode negar que, mesmo que o objetivo seja bem refletido, o grevista
de fome coloca em risco sua própria vida.



Várias condições devem ser preenchidas para que a greve de fome sem tempo
determinado seja bem-sucedida: inúmeras ações não-violentas já devem ter sido
concretizadas, uma mobilização real da opinião pública já foi conquistada, inúmeras redes
de apoio podem ser organizadas em vários pontos do país, os grevistas devem poder
contar com um ou vários negociadores que possam servir como intermediários entre eles
e os que decidem na parte contrária. Não é tanto a pressão moral exercida pela própria
greve de fome que fará os responsáveis pela injustiça cederem, mas a pressão social
exercida pela opinião pública mobilizada pela greve de fome.





2.Ações diretas de intervenção

Se a ação de não-cooperação visa exaurir as fontes de poder do adversário e suprimir os
meios pelos quais mantém sua posição, a intervenção não-violenta é uma confrontação
direta com o adversário, na qual há um grande empenho de nossa parte para provocar a
mudança. Intervêm-se diretamente nos negócios e atua-se contra os interesses da parte
adversária. O conflito é levado para o campo do adversário, e este irá se deparar com os
fatos já consumados.

. Ocupação: ocupa-se as instalações do adversário, comportando-se como se estivesse
em seu próprio espaço. Entende-se, com isso, que é preciso estar atento para não
degradar nada e abster-se de toda e qualquer violência verbal ou física em relação
àqueles que se encontram também no espaço deles... Compreende-se também, com a
ocupação, a possibilidade de consultar toda documentação referente ao conflito em
curso e, se necessário, apropriar-se dela para um estudo mais aprofundado. Se a
ocupação se der na presença do proprietário do local, ou de seu locatário designado, não
se deve infringir a regras da ação não-violenta, porém organizar um sit-in bem
condensado em frente à porta, para que ele não possa fugir do diálogo.

. Obstrução: consiste em obstruir a circulação da via pública ou impedir o acesso a um
edifício, fazendo de seu corpo um obstáculo inevitável para aquele que deseja passar. De
preferência, a obstrução deve ser feita por um grande número de pessoas em vez de
algumas poucas. Os riscos incorridos são menores e a ação terá uma maior compreensão
da opinião pública.

. Usurpação civil: em vez de abandonar seu local de trabalho e paralisar toda atividade,
pode ser mais eficaz permanecer na função e tirar proveito do poder que a mesma
confere, para agir no interesse daqueles que sofrem a injustiça e favorecer sua luta.
Assim, em vez de participar de uma greve, um funcionário pode atuar de forma bem mais
eficiente contra o sistema instaurado, disponibilizando "suas armas e bagagens" a serviço
das lutas sociais. A usurpação civil inscreve-se no interior das estruturas, mas para
desviá-las do alvo que lhes foi designado pelo poder político dominante, e devolver sua
eficácia contra ele. O "controle dos operários", tal como foi definido no contexto da luta
de classes é uma forma de usurpação civil. Assim, ao invés de dar início a uma greve
para reivindicar novas tendências em uma fábrica, os próprios operários decidem
trabalhar no ritmo dessas novas intenções e instauram dentro da fábrica uma situação de
fato.





VIII. Programa construtivo

O programa construtivo consiste em organizar (paralelamente às instituições e às
estruturas que contestamos e com as quais recusamos colaborar) instituições e
estruturas que possam trazer uma solução construtiva aos problemas que se
apresentam.



A realização do programa construtivo deve permitir aos que, até aquele momento, foram
mantidos em uma situação desprivilegiada no interior das estruturas econômicas e
políticas tomarem sob sua responsabilidade o próprio destino e participarem de forma
direta na gestão dos negócios que lhes dizem respeito. Não se trata, nesse caso, de
exigir do Estado ou do patrão uma solução justa ao conflito em curso, mas de mobilizar,
por si mesmo, os meios que podem inscrever essa solução dentro da realidade.



O programa construtivo é o complemento necessário das ações de não-cooperação, e
sem o qual a ação não-violenta permanece cativa de seus próprios protestos e recusas.
Por exemplo, a redistribuição do imposto é o programa construtivo que concede sua
verdadeira significação à recusa ao pagamento do imposto, assim como, o serviço civil
dos "objetores" de consciência, pelo qual procuram e experimentam os métodos da
defesa civil não-violenta, é o programa construtivo que concede sua coerência à recusa
ao serviço militar. Desse modo, mediante a realização do programa construtivo, a ação
não-violenta não mais vincula sua consistência exclusivamente ao que se opõe, mas,
também, ao que se propõe e realiza.





IX. Repressão



A ação não-violenta vem desafiar o poder estabelecido. Portanto, é natural que este
poder se defenda recorrendo a meios que lhe são próprios, isto é, os da repressão. Mas,
ao contrário do que se pode imaginar, um movimento não-violento é mais bem armado
para um confronto do que um movimento violento. Ao recorrer à violência, não fomento,
junto à opinião pública, um debate baseado na injustiça que combato, mas na violência
que cometo. A mídia não irá falar a respeito das motivações políticas que inspiraram
minha ação, mas dos métodos utilizados, por mim, para agir.



Para a opinião pública, eu seria o transgressor e não só irá aceitar como também irá
exigir que eu pague por isso. Assim, o poder terá toda disponibilidade para organizar
contra mim os meios de repressão dos quais dispõe. Ao empregar a violência, ofereço ao
poder estabelecido os argumentos necessários para justificar sua própria violência.



Mantendo-me firme aos métodos de ação não-violenta, opero uma inversão de papéis: se
recorro à violência, fico acuado a uma posição defensiva, uma vez que devo me justificar
diante da opinião pública que me acusa; se faço uso da não-violência, invariavelmente
conduzo o poder estabelecido a uma posição defensiva, pois cabe a ele, desta vez,
justificar sua própria violência frente à opinião pública. Ora, a repressão instaurada
contra atores não-violentos, que defendem uma causa justa por meios justos,
permanece sem uma verdadeira justificativa, ela emerge com toda sua brutalidade,
arriscando a desacreditar os responsáveis pela repressão e reforçando assim a audiência
da ação, mesmo porque o debate público provocado por uma ação não-violenta incide
diretamente sobre a causa defendida e, esta, deverá emergir com toda sua legitimidade.



A repressão é parte integrante de uma campanha de ação não-violenta e se inscreve na
lógica de seu desenvolvimento natural. Não somente é preciso levar em conta a
repressão, mas contar com ela. À medida do possível, é necessário "jogar com a
repressão", devolvendo toda sua eficácia contra os que a praticam. Para isso, é preciso
fazer todo o possível para ter o controle do jogo, e calcular, com a máxima exatidão, à
qual repressão se está exposto ao concretizar uma determinada ação de desafio contra o
poder estabelecido.



É fundamental provocar unicamente a repressão que podemos assumir, e não incorrer em
riscos não calculados. Portanto, é possível se servir da repressão para reforçar a
audiência do movimento. É preciso ser capaz de se servir do tribunal como de um púlpito
do alto da qual os acusados farão o processo de seus acusadores.



A repressão vem, assim, evidenciar os verdadeiros dados do conflito e seus verdadeiros
interesses. O percurso de um militante não-violento passa comumente pela prisão. E será
ali, talvez, seja ele mais eficaz. Tão eficaz que o poder poderá recusar colocá-lo na
prisão ou mantê-lo preso. Para enorme frustração do militante, mas também para sua
humildade...



O movimento poderá suportar melhor a repressão quanto maior for o número de
transgressores da lei. Aqui, é a quantidade ainda que faz a força. Pois existe um índice
de saturação das prisões políticas, acima do qual um governo não consegue mais
governar com toda serenidade. Quanto mais baixo for esse índice, maior é a democracia
instaurada no país. A qualidade não-violenta dos prisioneiros vem, da mesma forma,
abaixar esse patamar. Se uma determinada proporção de cidadãos estiver pronta para ir
à prisão, tratando-se de uma causa justa por meio justos, o povo se torna mais forte
que o governo.



Os militantes que irão sofrer sanções financeiras, ou irão perder seus empregos, ou
estarão presos, devem contar com a solidariedade ativa de todos os envolvidos no
movimento. É necessário que estes militantes e familiares possam ser rapidamente
beneficiados com um auxílio adequado à suas necessidades.



Um movimento de luta não-violenta não deve apenas confrontar-se com a repressão da
lei; deve também enfrentar às represálias que irão ocorrer fora da legalidade. Os
adversários do movimento nem sempre irão se contentar com medidas adotadas pelo
governo, e irão se organizar de forma a combatê-lo diretamente. Indo mais além, o
próprio governo ou pessoas bem colocadas junto a este, podem favorecer essas
represálias ou até mesmo organizá-las. Se a vantagem da repressão é a de ser exercida
sem máscaras, à vista de todos, o inconveniente das represálias é a de se exercê-las de
forma dissimulada, na obscuridade. Por isso mesmo, corre-se o risco de serem muito
perigosas para o movimento e de colocarem duramente à prova sua determinação e
capacidade de resistência.



O momento em que a repressão se torna mais forte é decisivo para o futuro da luta. Se o
movimento não consegue sobrepujar a repressão, se perde o fôlego e não consegue
recobrar a respiração, poderá morrer sufocado. Em contrapartida, se o movimento é
capaz de resistir às forças de repressão, então estará bem próximo da vitória, pois se a
repressão não consegue destruir a mola propulsora do movimento, o poder não terá outra
saída senão procurar uma solução negociada para o conflito.

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Os Diferentes Momentos de uma
Campanha de Ação Não-violenta


Jean-Marie Muller


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X. Negociações finais



As negociações, mesmo quando se espera racionalmente chegar a um acordo, continuam
se caracterizando uma demonstração de força e não um diálogo que se desenvolveria
com base na confiança mútua. Portanto, é fundamental "permanecer atento", não
suspender a ação, não dizer e não fazer nada que possa desmobilizar os militantes e a
opinião pública, pois seria extremamente difícil mobilizá-los novamente.



Nada seria mais prejudicial que "gritar vitória" cedo demais. Uma oferta de negociação
pode ser uma armadilha montada para os militantes, com o objetivo de desmobilizar sua
determinação. Imprescindível, portanto, permanecer extremamente vigilantes. Será,
talvez, necessário aceitar algum tipo de acordo que possibilite ao adversário "manter a
dignidade", porém não se deve ceder a nada no que diz respeito ao essencial, com
pretexto de conseguir semelhante acordo, pois este não conseguiria distinguir com
imparcialidade as vítimas da injustiça e os responsáveis pela mesma. É essencial que a
vitória do movimento seja tangível. Só assim a festa pode começar...





XI. Tomar o poder pela base



Uma vez atingido o objetivo, a vitória conquistada viria a trazer novas esperanças a
todos que, por todo o país, sofrem situações de injustiça comparáveis as que estiveram
na origem do conflito que termina. Este exemplo pode, portanto, criar uma dinâmica das
lutas populares que mobilizariam cada vez mais trabalhadores e cidadãos decididos a não
mais se submeter ao poder que lhe é imposto de cima, a empoderar-se e a exercer seu
próprio poder. Através dessas lutas, irão adquirir experiência na gestão de seus próprios
negócios, estarão em aprendizagem de autogestão.





XII. Organização política



Essa ascensão das lutas cria as condições que possibilitam à população reunir suas
forças dentro de uma organização política, na qual não se visa exclusivamente lutar
contra o poder estabelecido, mas também se apropriar do poder e exercê-lo não mais
segundo o interesse de uma classe dominante, mas de acordo com os interesses da
maioria.



Se a revolução não-violenta bem organizada começa por ela própria, também é correto
afirmar que revolução bem organizada termina com a tomada e o exercício do poder
político. Certamente, a não-violência nos leva a recusar o Estado enquanto instituição
que se arroga o monopólio da violência legítima, mas a luta não-violenta não poderia ser
concebida como uma guerrilha incessante contra os abusos do Estado. Quando o próprio
Estado torna-se um abuso é necessário levá-lo à decadência. É imprescindível que a não-
violência não se enclausure em sua função contestadora, mas que se torne gestora.



Ainda, aqui, a não-violência deve conceber e adotar uma alternativa à gestão estatizada
da sociedade. Neste aspecto, o projeto não-violento aproxima-se do projeto de
autogestão. A organização que tem um projeto com este escopo deve ser ela própria
auto-gestora; não deve, portanto, reproduzir as estruturas dos partidos políticos
tradicionais, os quais, como detentores de um projeto estatizado também são, por sua
vez, organizados segundo o modelo estatizado.





XIII. Tomada do poder político



Dois cenários de tomada de poder são possíveis: o eleitoral e o insurrecional.



Em uma sociedade suficientemente democrática para permitir uma real exposição do
sufrágio universal, as eleições são um procedimento normal pelo qual uma organização
que soube conquistar a maioria política do país chega ao poder. No presente caso, a
alternância abriria o caminho a uma verdadeira alternativa.



Contudo, numa sociedade em que a via democrática se encontra obstruída, um
movimento político que personifique a esperança e a determinação do povo é obrigado a
tomar uma outra via para ter acesso ao poder que lhe cabe por direito. Referimo-nos aqui
à organização, em escala nacional, da desobediência civil sistemática e de uma chamada
ao povo para uma verdadeira insurreição pacífica.



Antes mesmo da tomada efetiva do poder, os líderes do movimento de resistência podem
ser considerados representantes da autoridade legítima do país e possuem boas razões
para constituir um governo paralelo e provisório. Pego nas redes de uma resistência
política espalhada por todo o país, o governo ainda legal deverá acabar admitindo não
mais ser capaz de controlar a situação. Será necessário, quer queira ou não, ceder seu
lugar.



A mudança instaurada pelo simples fato da chegada ao poder dos homens e mulheres que
se inspiram na ação não-violenta seria evidentemente considerável. O cenário político de
um país se encontraria conturbado. Entretanto, as reformas necessárias não poderão se
efetivar de um dia para outro.



Quando se evoca a gestão não-violenta de uma sociedade é fundamental não imaginar
uma sociedade ideal onde todos os demônios da violência já estariam exorcizados e todos
os cidadãos viveriam em perfeita harmonia uns com os outros. Ao contrário, é preciso
considerar a realidade com todas as suas contradições e tentar conceber sua resolução.
Não se deve partir de um ideal da não-violência para tentar aplicá-lo à realidade, mas, ao
contrário, partir da realidade e esforçar-se para aproximar-se do ideal.





XIV. A revolução permanente



A revolução não termina com a tomada do poder político. Essa é apenas um momento de
uma revolução que jamais irá acabar. Pois a revolução é permanente...



Notas

Para uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, o leitor poderá consultar a obra de Jean-Marie
Muller, Stratégie de l'action non-violente, Éditions du Seuil, Collection Points Politiques, 1981. [Estratégia
da ação não-violenta]



Para aplicação da estratégia não-violenta ao problema específico da defesa, consultar, do mesmo
autor: Vous avez dit: "pacifisme"?, De la menace nucléaire à la défense civile non-violente, Ed. du Cerf,
1984. [Você disse: pacifismo? e Da ameaça nuclear à defesa civil não-violenta]



Métodos de ação não-violenta

1)Apelo à opinião pública

1.Meios de informação e de popularização

- Dossiê de imprensa

- Comunicado à imprensa

- Coletiva de imprensa

- Contatos com as associações

- Contatos com as organizações

- Folhetos, brochuras, livros

- Cartazes, exposições

- Reuniões

- Jornais, revistas

- Rádio, televisão

- Músicas, concertos



2.Intervenções diretas

- Manifestação

- Marcha

- Teatro-performático

- Sit-in, die-in

- Marcha silenciosa

- Períodos de silêncio

- Corrente Humana

- Jejum



2)Greve de fome por tempo determinado

Ações diretas

1.Ações diretas de não-cooperação

- Devolução de títulos e condecorações

- Operação "cidade-deserta"

- Greve

- Boicote

- Embargo

- Greve de locatários

- Auto-redução de tarifas

- Recusa ao pagamento de imposto

- Greve de fome por tempo indeterminado

2. Ações diretas de intervenção

- Ocupação

- Obstrução

- Bloqueio

- Usurpação civil



Tradução do francês: Inês Pollegato. Revisão Técnica: Lia Diskin



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