terça-feira, 8 de setembro de 2009

Emprender

Por Humberto Maturana e Equipe

A palavra empreender quer dizer iniciar uma realização, iniciar uma empresa. O que a
palavra empreender não revela é a intenção que guia o empreendimento do
empreendedor. As palavras que usamos nem sempre dizem o que dizem aqueles que as
usam.

O que dá sentido e significado ao que dizemos, não são propriamente as coordenações de
fazeres conotadas pelas palavras que usamos, mas sim as emoções que constituem o
espaço psíquico relacional, no qual pensamos e realizamos nosso fazer. Mas as palavras
em geral não evocam ou revelam a emoção ou intenção que nos move a fazer o que
dizemos que faremos.... ainda que haja algumas que palavras que assim o façam, como
rapina, por exemplo.

É interessante que freqüentemente falamos ou podemos dizer, que quase sempre falamos,
como se fosse evidente o significado do que dizemos. E esperamos que o outro ou outra
nos entenda. Sem dúvida, nos comportamos como se disséssemos o que dizemos, na
confiança de que os outros ou outras entendam o que dizemos.

Mas isto é sempre assim? É certo que queremos ser compreendidos pelos outros ou
outras? Ou, às vezes, dizemos o que dizemos na secreta esperança, consciente ou
inconsciente, de que o outro não nos compreenda?

Sem dúvida, a palavra empreender significa iniciar uma realização. Alguém empreende um
caminho... um interrogatório...uma aventura...uma guerra...um modo de conviver. Alguém
inicia a tarefa de usar algo..ou empreende a tarefa de abusar de algo?

Acontece que as palavras empreender e inovar não assinalam, por si mesmas, a direção
para a qual orientamos ou orientaremos nosso empreendimento, ou nossa inovação. E se
não explicitamos essa orientação, mostrando a emoção que nos move, nosso ou nossos
interlocutores não poderão saber, a partir de nós, a intenção última de nosso
fazer...terão que imaginá-la, para que haja confiança na honestidade mútua.

Alguns anos atrás, quando se colocava grande ênfase na necessidade de formar pessoas
que fossem empreendedoras e inovadoras, um amigo chegou a uma reunião na qual me
encontrava, deixando visível seu grande entusiasmo pela sua participação na criação de
um clube de empreendedores e inovadores. Os participantes da reunião, por sua vez,
começaram a felicitá-lo, e eu permaneci em silêncio. Meu amigo, ao notar minha
indiferença, perguntou-me o que me passava, e se eu não estava de acordo ou não me
interessava em formar empreendedores e inovadores. Eu lhe respondi dizendo que eu
preferiria participar da criação de um clube de empreendedores conservadores, um clube
de pessoas que querem conservar a honestidade, a ética, a seriedade nas realizações,
nos compartilhamentos, nas participações, no respeito por elas mesmas e pelos outros
seres humanos, e pelo mundo natural que torna nossa existência possível, em todas as
realizações que pudessem empreender. Quando terminei de falar, houve silêncio.

Eu às vezes me pergunto, qual o motivo que faz com que empresários que declaram, por
exemplo, que tem consciência social, ou que são conscientes de que é a comunidade na
qual sua empresa está imersa que torna possível sua existência, ou que são conscientes
de seus compromissos com a comunidade que os sustentam, rapidamente conduzam as
realizações de suas empresas, de modo a causar dano às mesmas comunidades que dizem
servir. O que acontece? Talvez não saibam o que fazem fora do contexto de suas
declarações. Mentem? Sabem o que fazem , sempre o souberam, mas o negam? É possível
ser honesto em alguns aspectos do viver relacional e não em outros? São talvez
servidores de outros senhores ou propósitos, que são para eles mais importantes que o
bem-estar da comunidade que os sustêm e que os torna possíveis?

A linguagem não nos conecta com uma realidade transcendente que seria independente
de nosso fazer. O linguajar constitui um modo de fluir na convivência, em coordenações
de coordenações de fazeres. Nosso viver humano, entretanto, ocorre no fluxo da
linguagem, através do entrelaçamento recursivo com as emoções, em um fluxo contínuo
de convivência, que entrelaça fazeres e tipos diferentes de condutas relacionais: é o que
chamamos de conversar.

Assim, nada dizemos ou podemos dizer, sem que no fundo se escute uma conversa que
mostra, se não na totalidade, ao menos em parte, a natureza da convivência que
vivemos, e que está no fundamento de tudo que fazemos, pensamos ou sentimos.

O mundo que vivemos e que criamos no fluxo recursivo de nosso conversar, nas
coordenações de fazeres e emoções que constitui o conversar, não é bom nem mal em si,
mas pode ser um ou outro, segundo seja o espaço psíquico emocional que defina o nosso
conversar.

Assim, podemos gerar uma convivência no bem-estar material e espiritual se não
mentirmos para nós mesmos,e não tivermos a pretensão de sermos melhores que outros
seres humanos. E somos éticos neste conviver, porque não mentimos. Ou podemos gerar
um convívio de mal-estar e miséria material e espiritual, se de alguma maneira
acreditarmos que somos melhores que os outros, e que podemos nos apropriamos do que
é deles. Esta é nossa condição humana em toda sua beleza: não podemos ocultar
totalmente o fundo emocional que guia o que fazemos, mas podemos inventar teorias que
ocultam e justificam este fundo, quando não gostamos dele.

Sabemos o que fazemos no contexto relacional: sabemos quando mentimos para nós
mesmos e quando não mentimos, sabemos quando geramos dor nos outros, e quando lhes
abrimos caminho para o bem-estar. E às vezes escolhemos um, às vezes outro, sempre
conscientes do que fazemos, e do resultado do que fizemos, a menos que mintamos. E se
nos equivocamos, ao percebermos nosso erro, nos tornamos conscientes do que fazemos
ou faremos dali em diante.

Esta consciência é possível porque os seres humanos somos seres biologicamente
amorosos, e, queiramos ou não, a menos que mintamos, e inventemos uma teoria para
justificar a rapina, em última instância, nossa condição amorosa nos levará a buscar o
bem estar na convivência. O desejável é que este encontro com nosso fundamento
biológico amoroso nos aconteça o quanto antes: Nós criamos o mundo em que vivemos
com nosso viver e conviver.



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