domingo, 20 de setembro de 2009

O movimento da prosperidade climática - Hazel Henderson

O movimento da prosperidade climática
Hazel Henderson
Tradução Leticia Freire, do Mercado Ético

Hazel Henderson

O movimento conhecido como Prosperidade Climática recebe diferentes nomes em diferentes partes do mundo. Para alguns é chamado de Global Green New Deal , Green Economy Initiative, Climate Prosperity Alliance, Transition Towns, One Planet, Green Jobs, Green for All, “green stimulus,” the Global Marshall Plan, the Post-Carbon Society, the State of the World Forum, the Phoenix Economy, Breaking the Climate Deadlock entre outras centenas de milhares de nomes que descrevem uma forma de vida mais sustentável. Estes grupos nem sempre estiveram unidos uns aos outros, nem mesmo aos grupos mais numerosos, ajudando a questionar o sistema financeiro mundial. As ONGs e governos estão dividindo responsabilidades para proteger as populações mais vulneráreis dos seus impactos cruéis da crise financeira: mulheres, crianças e os países mais pobres e menos desenvolvidos estão nessa lista.

Agora, mais do que nunca, é chegada a hora de se conectar a todos esses grupos que trabalham essencialmente com as mesmas crises interligadas. Todo esse novo ativismo é uma resposta positiva às crises mundiais “gêmeas”, ou seja, tanto a financeira quanto a crise climática. Ambas estão intimamente relacionadas ao paradigma antiquado e decadente do “economismo” - devoto implacável do crescimento econômico a qualquer custo, seja social ou ambiental.

Durante os últimos 30 anos, os movimentos sociais começaram a dialogar, com mais freqüência, por meio da internet e fóruns sociais mundiais, lançado em Porto Alegre, Brasil, no ano de 1999. Atualmente eles se unem em torno das constantes ameaças à vida no planeta, decorrência dos problemas climáticos globais. As Nações Unidas estão apoiando à sociedade civil ao encarar a crise financeira e climática como uma oportunidade de transição para formas de desenvolvimento humano mais sustentáveis, justas e eficientes.

Desde 1997, ano em que o Protocolo de Kyoto foi assinado, a comunidade científica vem alertando para as ameaças das mudanças climáticas para a sobrevivência humana. Os EUA, maior poluidor per capita, desempenhou papel reativo na questão, impondo sua própria versão de “economismo”: o fundamentalismo de mercado. Ao mesmo tempo em que o país se recusou a assinar o Protocolo de Kyoto, ele defendia suas equivocadas abordagens políticas nas sucessivas conferencias climáticas das Nações Unidas. Ainda que suas idéias sobre a redução da emissão de carbono fossem sensatas, propondo metas governamentais e regulamentação contínua para a redução, faltou ao país oferecer suporte para mudar o encargo dos impostos sobre a emissão de poluentes. Ou seja, os “fundamentalistas de mercado” nos EUA exigiram que “permissões” para emissão de carbono continuassem a ser dadas aos poluidores. Estas “permissões” também eram negociadas no mercado de commodities, junto com outros derivativos - como o credit default swap (CDS), que causou tamanha devastação nos mercados financeiros. Objeções públicas bem difundidas forçaram o governo a repensar as “permissões” para poluir, mas os lobistas do combustível fóssil mantiveram seus “prêmios”. A INTERPOL, agência das Nações Unidas de combate ao crime organizado, alertou sobre possíveis fraudes nas negociações de cotas de carbono poderia se tornar o crime do “colarinho branco” do futuro. (www.heatisonline.org).

Desta maneira a questão climática tornou-se refém, não somente do lobby político dos setores de combustível fóssil - óleo, carvão, gás e todas as suas indústrias dependentes: automobilística, química, plásticos, agronegócios e farmacêuticas - como também dos banqueiros e negociadores do mercado de capitais e de commodities, que visualizaram a questão do carbono como um novo tipo de “papel” - com valor, lucro e oportunidade. Claro que os resultados dessa lógica têm sido desastrosos. Ainda assim, grupos industriais poderosos tentaram obter novas “permissões” e “compensações” (implantando em troca das autorizações, duvidosos projetos “verdes”). As “permissões” foram posteriormente vendidas, gerando lucros inesperados. Na Europa, esse tipo de esquema chamado de “reduza e negocie” gerou uma série de novas burocracias, que proliferaram com a ação dos lobistas. Ironicamente, os próprios criadores dos planos que causaram a crise financeira global vêem a negociação do carbono como sua grande fonte de lucro. E pior, as nações não conseguiram reduzir as emissões de carbono, as quais ainda estão em franco crescimento. As conferencias das Nações Unidas sobre o clima tornaram-se limitadas, desde Bali até Poznan, Polônia. A conferência em Copenhague, que acontecerá em dezembro de 2009, é encarada por todos como sendo o ponto crítico da discussão climática.

Este debate, bem como a resposta sobre o que fazer para aliviar os impactos da crise financeira e como atingir as Metas das Nações Unidas de Desenvolvimento do Milênio e do Consenso de Monterrey de 2002, foi reduzido a um cálculo de custo pequeno no que se refere a dinheiro. Métodos econômicos normalmente favorecem a quantificação de custos para setores encarregados e instituições já existentes, ao invés de avaliar economias, benefícios e rendas vindas de novas formas de fazer negócios, novas tecnologias e regulamentos sociais. Por exemplo, o debate sobre o clima manteve seu foco nas “perdas” do crescimento do PIB. Críticas sobre a avaliação do crescimento do PIB, incluindo a minha própria crítica ao longo dos últimos 30 anos, estão finalmente ganhando força com alternativas através da Base da Nova Economia (New Economics Foundation). Ainda assim, o custo do socorro financeiro dos bancos em Wall Street é visto como necessário para “reestruturar” o sistema financeiro, ao passo que o investimento em saúde e educação para que nossas crianças tenham um futuro prospero é julgado como “muito caro”.

O foco nas emissões de carbono pelos setores energéticos obsoletos ainda sobressai à quantificação das incontáveis economias e benefícios em investimento na chamada economia verde, baseada na eficiência energética do vento, do sol entre outras. Guy Dauncey, autor de Stormy Weather calcula que poderiam ser poupados $1.7 trilhões. A consultoria McKinsey & Company acredita que só nos EUA, um investimento em eficiência energética na ordem de $520 bilhões pouparia $ 1.2 trilhões até 2020, reduzindo em 23% a demanda americana. Enquanto isso, os financiamentos para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas ainda são visto como um custo, quando na verdade, tal recurso pertence à categoria de investimento. Os atuais cálculos econômicos não devem mais dominar os debates sobre finanças e clima - espalhando medo e tristeza, enquanto os governos derramam trilhões para tentar restabelecer o status quo.

Enquanto isso, os setores sustentáveis crescem ao redor do mundo. Em 2008, os investimentos em fontes renováveis de energia excederam os investimentos em outras fontes. Os movimentos a favor da sustentabilidade, desde o Fórum Social Mundial até os novos indicadores de bem-estar e qualidade de vida para substituir o PIB, também estão crescendo. A administração de Obama e a Assembléia Geral das Nações Unidas agarraram-se ao potencial mundial de mudança para os setores “verdes”. A rígida cúpula do G-7 e G-20 deu espaço a todos os membros dos países das Nações Unidas se encontraram em Nova Iorque, em junho de 2009. Ali, adotou-se o Relatório da Comissão Stiglitz e ficou declarado apoio à nova e justa economia global sustentável, dirigidas pela UNEP, UNDP e OIT. Outras dezoito agências das Nações Unidas também apoiaram o que se chama hoje de Global Green New Deal.

Todos podem enxergar o desastre do cassino financeiro mundial e a crise climática como uma chance de criar uma nova economia “verde”, mais justa e fomentada por décadas pela sociedade civil. Finalmente o mundo pode colocar o “economismo” no seu devido lugar e reduzir o financiamento para um papel limitado, facilitando assim a produção real. Um setor financeiro eficaz deveria constituir-se de menos de 10% do PIB do país. Na Inglaterra e nos EUA, por exemplo, o financiamento espalhou-se para 25% do PIB, tornaram-se um predador da economia real. Trinta e quatro por cento do pacote de estímulo da China e 81% do pacote da Coréia do Sul estão focados no investimento em energia solar. A secretária das Nações Unidas Ban Ki-moon elogiou o Presidente da China Hu Jintao por estas iniciativas “verdes”.

O espetáculo da crise financeira estava na TV e ajudou a estimular a conscientização pública de que dinheiro não é uma riqueza real, mas uma invenção inteligente dos homens para rastrear e manter o controle das suas transações e usos dos recursos naturais. Estão florescendo alternativas de comércio descentralizado de troca de câmbio, como o Craigslist, Freecycle, Prosper e Zopa, facilitam o compartilhamento, reciclagem, doação e empréstimo direto entre as pessoas, bem como câmbios locais e sistemas LETS (Local Exchange Trading Systems. Hoje as negociações baseadas em informações ilustraram que o dinheiro é somente uma forma de informação e que nós não precisamos da Wall Street ou qualquer outro centro financeiro implodido. Estes monstros do século 20,”muito grandes para falharem”, acreditaram que eles eram “provedores de capital” e não meros intermediários, conectando poupadores com tomadores de empréstimos.

Esta nova visão de que o dinheiro é simplesmente uma forma de informação está ajudando as pessoas a perceberem que, com certeza, existe recurso suficiente para investir em um futuro comum. Centenas de cidades ao redor do mundo, incluindo no Brasil, imprimiram moeda local para ligar, conter e reverter o desemprego. O verdadeiro impedimento nunca foi o dinheiro, mas sim a errada visão limitada da economia. As sociedades humanas têm 10 anos para instalar uma economia global pós-carbono e substituir o cassino global falido. Portanto, o tempo é o impedimento chefe, e não o dinheiro. O movimento de Prosperidade Climática sofre a oposição das indústrias de carvão, óleo, gás e energia nuclear - que ainda estão lutando desesperadamente junto com seus lobistas. Novos estudos mostram que a energia nuclear é a mais cara e gasta muita água, mas ainda é grandemente subsidiada. Os países desenvolvidos não devem investir em energia nuclear, é muito pouco provável que possam dispor de abundante eletricidade por meio do carvão ou da combustão do óleo. Energias renováveis são as suas opções mais realísticas.

Os investidores socialmente responsáveis e muitos sindicatos e ONGs que ajudam a fundar diversos estudos sobre investimento climático, incluindo a WWF, já se uniram ao movimento de Prosperidade Climática. Essas e outras notícias sobre o movimento estão disponíveis no site www.ethicalmarkets.com.

A última peça do quebra cabeça da Prosperidade Climática é a meta de controlar a elevação da temperatura global. Investidores varejistas socialmente responsáveis estão se unindo a Green Economy Initiative do PNUD, UNEP e OIT e outros departamentos das Nações Unidas.

O novo esforço global pelo movimento Prosperidade Climática investiria $10 trilhões ao longo dos próximos dez anos e planeja dobrar a instalação das energias renováveis a cada ano. Estes $10 trilhões são menos que os $14 trilhões gastos pelos EUA em Wall Street e em outros suportes financeiros até agora - o financiamento real está agora avaliado em $23.7 trilhões pela TARP Special Inspector ( www.sigtarp.gov). De qualquer forma, a quantia sugerida de $10 trilhões para o movimento é menos de 10% dos $120 trilhões de ativos em fundos de pensão. Hoje a mudança climática é uma ameaça para eles assim como para toda a humanidade. Atualmente, o governo britânico avalia agora o mercado “verde” em £3 trilhões ao redor do mundo. Qual seria a melhor forma de investir estes ativos de fundos de pensão senão em uma economia verde sustentável e segura? Os títulos da Prosperidade Climática têm garantias governamentais e pagam os dividendos pela eficácia energética de energia eólica e solar. Tais títulos serão atraentes para os administradores de ativos de fundos de pensão conforme resumido no modelo a ser divulgado pela Climate Risk and the Network for Sustainable Financial Markets. O plano Breaking the Climate Deadlock pede $1 trilhão para atingir uma redução de 70% das emissões até 2020 - em grande parte por meio da eficiência energética. O grupo DESERTEC, composto por 12 companhias européias planejam investir €450 bilhões em energia solar em todo o norte da África, promovendo assim, 15% da eletricidade da Europa via linhas de transmissão sob o Mediterrâneo. Nos próximos 10 anos da nova economia global de baixo-carbono, o carvão e o óleo, bem como a energia nuclear, irão se tornar cada vez mais caras e menos competitivas. A lógica equivocada do “economismo”, que vê o problema como uma “falta de dinheiro”, é rebatida pelo movimento Prosperidade Climática, que estima um retorno do investimento em $30 trilhões após 10 anos. Isto ilustra, novamente, que o verdadeiro impedimento é o tempo, e não o dinheiro. Após desperdiçar décadas, nós humanos devemos agir agora.

O movimento de Prosperidade Climática, junto com muitos grupos levando a ampliação da conscientização, cidadania planetária e sabedoria contínua de povos indígenas e de todas as tradições de fé, está sendo bem sucedido na mudança do paradigma econômico mundial. Do “economismo” sombrio à uma visão de abundância por meio de compartilhamento, preocupação, voluntarismo e revitalização da comunidade - tudo construído através do uso da energia disponível no sol, vento, oceanos e o respeito pela vida na terra. Os 16 Princípios da Carta da Terra estão agora endossados por milhares de cidades, companhias e ONGs (www.earthcharter.org). Copenhague pode servir de anfitriã para um aconselhamento positivo. Ali, um grande número de críticos virá de várias partes do mundo e trarão suas culturas crescentes na “eco-conscientização”, ricos de informação emergente sobre a Era Solar.

_______________________________

Hazel Henderson, presidente da “Ethical Markets Media” (EUA e Brasil), foi autora do livro “The Politics of the Solar Age” (A Política na Era Solar) em 1981 e continua sua prática visão em “Ethical Markets” (Ética dos Mercados): (Growing the Green Economy (2006)) Fazendo a Economia Verde Crescer e Calvert-Henderson ( Quality of Life Indicators) Indicadores de Qualidade de Vida , atualizado regularmente no www.calvert-henderson.com. Confira o site pessoal de Hazel Henderson www.hazelhenderson.com.

_______________________________
(1) Veja por exemplo, ECLAC, INSTRAW, UNIFEM, Doha, (Financiando para o Desenvolvimento, Consenso Monterrey, Repensando Bretton, Forum Social Mundial), Financing for Development, Monterrey Consensus, Rethinking Bretton Woods, World Social Forum, ITUC
(2) New York Times, Hazel Henderson, (Economistas versus Ecologista), “Economists versus Ecologist” 1971; (Jornal de Análise Financeira), Financial Analysts Journal, 1973.
(3)(Encontro da Assembléia Gerald a NU), UN General Assembly Meeting, Junho 24-26, 2009
(4) IPCC, NU 2009, e Pew Center,(Resumo Científico), Science Brief, Junho 2009
(5) (Monitor Cristão Científico), Christian Science Monitor, Hazel Henderson, “Introduce ‘Green’ Tax” 1990
(6) (Carbono Positivo), Carbon Positive, “US Carbon Bill a Boon for World Offsets Markets,” Julho 8, 2009, www.carbonpositive.net
(7)(O Economista), The Economist, Julho 4, 2009, p. 24; Business Week, (Como os Bancos Vão se Lançar nas Negociações com Carbono)”How Banks Will Pounce on Carbon Trading,” Junho 8, 2009, p. 51
(8) Interpol
(9)(O Economista), The Economist, “Cap and Trade with Handouts and Loopholes,” Maio 23, 2009, pp 33-34
(10) (Investidor Institucional) Institutional Investor, (A Promessa de Ecologia)”The Promise of Eco,” Julho-Agosto, 2009
(11) www.neweconomics.org
(12) www.calvert-henderson.com
(13) www.beyond-gdp.eu
(14) (Jornal da Sociedade de Contadores Listados da Inglaterra e Wales), Journal of the Society of Charted Accountants of England and Wales, F. Capra and H. Henderson, (”Crescimento

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SER(ES) AFINS