sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A Abundância Sustentável e Insustentável - Rose Marie Muraro

Abundância Sustentável e Insustentável
(Rose Marie Muraro)
Conta uma antiga lenda australiana que uma comunidade isolada vivia sua atividade
econômica sob a forma de trocas (escambo) fazendo intermináveis negociações para cada
troca. Um dia, apareceu um homem elegantemente trajado que convenceu o grupo de que eles
estavam perdendo muito tempo nas negociações. Como eram cem pessoas divididas em dez
famílias deu-lhes cem rodelas de couro de vaca dizendo:
– Vocês estão perdendo muito tempo nas trocas. Eu vou dar uma rodela a cada um para
que possam fazê-las através desta nova “moeda”. Vocês vão ver como o tempo vai render
mais, vão poder trabalhar mais e ter maior abundância. Voltarei daqui a um ano. A única coisa
que peço é que cada família me dê de volta onze moedas e não dez como recompensa pelo
meu trabalho.
Os nativos ficaram muito contentes pela possibilidade e trabalharam durante um ano
com a nova “moeda”. O fato foi que quando o homem voltou e recebeu de volta as onze
moedas de cada família, dez pessoas ficaram sem nada, pois não havia cento e dez moedas
para devolver. De uma comunidade auto-sustentável em que todos ganhavam (relação ganha-ganha)
surgiu outro tipo de relação, em que uns ganhavam e outros perdiam (relação ganha-perde)
e a comunidade deixou de ser auto-sustentável. Tinha nascido assim o Capital/Dinheiro
como o conhecemos hoje, em que para conseguir a sua moeda uns tinham que prejudicar os
outros, isto é, competir para conseguir conservar as suas moedas e ganhar uma a mais. E os
menos aptos ficavam sem nada.
Tinha sido inventada, desta maneira, a relação ganha-perde em que a moeda se tornou
abundante para uns e escassa para outros. Esta lenda mostra como nasceu, em sua forma
primitiva, o Capital(sistema)/Dinheiro(mediador) a partir dos juros. Não é o dinheiro em si
que trás a escassez, mas a existência dos juros que é o preço do dinheiro. Tudo o que
escrevemos na vida até agora tem a ver com esta antiga e sábia lenda. A sociedade de classes,
a diferença entre países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos, a barbárie que está sendo
a globalização, este sistema no qual vivemos, leva a limites extremos a dependência que temos
daqueles que detém o dinheiro.
Hoje, mesmo depois de todas as bolhas e crises do capitalismo, o dinheiro é
extremamente abundante nas mãos de cada vez menos pessoas e cada vez mais escasso na
mão das grandes maiorias. A fome passa a ser endêmica no mundo e cada vez mais aguda por
causa das leis do capital mundial integrado que rege a globalização. Antes, com a relação de
trocas (ganha-ganha) a abundância era sustentável.
O mundo perece.
A nosso ver, só reinventando a natureza do Capital/Dinheiro é que podemos ter alguma
esperança de sobrevida e de sairmos de uma sociedade competitiva e violenta que vai do nível
internacional ao individual mais profundo, geração após geração. E, assim, retornarmos a uma
sociedade que em vez de dividir desigualmente a riqueza, distribua igualitariamente a pobreza.
Contamos esta lenda porque está se aproximando a reunião do G-20 que,
arrogantemente, quer transformar a economia mundial sem tocar na natureza do
Capital/Dinheiro. Nenhum G-20, nem as nações hegemônicas sozinhas poderão mudar
qualquer coisa de sério na estrutura financeira mundial se não transformarmos a natureza do
dinheiro, e isto ninguém fará no mundo capitalista.
A crise que estamos vivendo é tão importante que está mostrando que se não
transformarmos essencialmente as leis do capitalismo e criarmos um mundo solidário,
inclusive como exige a destruição do meio ambiente que está ameaçado exatamente por causa
da existência do Capital/Dinheiro, nada acontecerá.
Bolhas após bolhas, crises após crises virão até que nos destruamos a todos mutuamente.
A situação é muito semelhante a que está acontecendo na natureza. Clima desequilibrado
aumenta a quantidade de furacões, tempestades, secas, etc. Assim como finanças
desequilibradas pelo excesso de moeda circulante aumentarão bolhas e mais bolhas, crises e
mais crises até que elas sejam a regra e tornem nossa vida asfixiante e impossível de ser
vivida.
O desequilíbrio financeiro e o desequilíbrio ambiental são uma única entidade porque a
crise ambiental é a resposta enfurecida da Mãe Natureza à arrogância humana de querer ter
tudo ao mesmo tempo. O consumo de tudo é impossível.

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