segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ética e Cooperação - Eduardo Coutinho

Ética e Cooperação
Por Eduardo Coutinho de Paula
Ilustrando a Cooperação
Entre os vários modos de procurarmos ilustrar a COOPERAÇÃO,
aprecio particularmente aquela imagem que considera uma Balança,
tendo como um dos pratos a Solidariedade (valor com foco "no
outro", "no próximo") e, como segundo prato, a Competição (com
foco no "eu"). A Cooperação é então representada pela BASE da
Balança, dando sustentação à dinâmica entre a solidariedade e a
competição e possibilitando a posição de equilíbrio entre ambos os
pratos (foco em "nós"). O famoso co-operar: operar juntos!
Sabemos que, muito mais que uma ferramenta para atingir objetivos,
a Cooperação precisa ser aprendida e praticada em nossa sociedade.
Vista em termos sociais, a solidariedade é muitas vezes confundida e
reduzida ao sentido do assistencialismo e precisamos considerar
diversas outras possibilidades de a mesma se manifestar. A
cooperação nos leva a ver todo estranho como um amigo em
potencial, enquanto a competição nos leva a ver todo estranho como
um adversário em potencial. Essa mudança de atitude traz mudanças
de comportamento fundamentais.
Sobre o Significado da Ética
E a ÉTICA? Diante da crescente crise e inversão no sistema de
valores em nosso mundo nas últimas décadas, vivemos hoje a
"sociedade do sensacionalismo". A mídia promove a banalização da
agressividade e da corrupção generalizada e desinibe a violência e o
obsceno. O simples "escândalo" dos acontecimentos já foi há muito
superado e somos até levados a acreditar que a ética está totalmente
adormecida na sociedade contemporânea.
De um modo geral, as palavras ética e moral são usadas
indistintamente. Iniciemos clareando alguns conceitos:
• ETHOS => do grego, em Homero e Hesíodo significa "morada,
habitat, toca de animais, refúgio, estábulo".
• ÊTHOS => "caráter, hábito, índole, natureza, costume",
segundo os filósofos gregos pós-socráticos.
• MOR-MORES (moral) => na tradição latina significa "norma,
costume, conforme os bons costumes, regra".
Levando em conta os desafios e compromissos históricos dos povos
gregos e romanos, podemos afirmar que ÊTHOS é algo que se
constrói, educa, pratica, conquista pela ação conjunta do indivíduo e
a sociedade. MOR-MORES, entretanto, tem um caráter normativo,
vertical, autoritário, que implica obediência e uniformidade.
Como decorrência, podemos considerar que o termo MORAL está
mais associado a costumes consagrados como "bons", a um conjunto
de preceitos, à Lei, ao código de condutas, ao "de fora para dentro",
enquanto a ÉTICA está fundamentada na reflexão ou juízo crítico
sobre valores humanos em conflito, à prática concreta nas relações,
ao "de dentro para fora" e uma criativa interação entre o externo e o
interno.
Mergulhando em Algumas Concepções e Sentimentos
O traço característico que diferencia o ser humano dos outros animais
é sua capacidade de fazer perguntas sobre o mundo que o cerca:
filosofar, pesquisar, buscar respostas... O ser humano funda sua
própria imagem, sobre a realidade em que vive, a partir dos valores
que, em cada época, alcança ou consegue abarcar. Das relações
entre os homens, surgem os Valores em escala e a Ética.
A Ética expressa a atitude fundamental do ser humano em
relação ao bem e o mal e os princípios para colocá-la em ação.
Segundo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política
da USP - Universidade de São Paulo - e escritor premiado, é muito
complicado aplicar esse discurso de Bem versus Mal em uma época
em que os valores não são mais absolutos. É por isso que se torna
fundamental destacarmos a importância de as próprias pessoas
descobrirem e enunciarem seus próprios valores, e serem coerentes
com os mesmos, e não apenas seguirem valores impostos pelos
outros. A partir de uma escolha, elas devem pensar, também, quais
seriam os resultados, pessoais e para a coletividade. Uma ética do
certo ou do errado é totalmente contestável.
"É preciso estabelecer quais são os valores éticos que as pessoas
estão prontas a assumir. O que não podemos fazer em termos éticos
é dispensar as pessoas de suas próprias escolhas. Um pacote pronto
como um Código de Ética é uma expressão contraditória, pois ética e
lei são coisas diferentes, e até mesmo opostas. Quem pode ser ético
é o sujeito que pratica o ato e não o ato em si."
Tudo isso passa por um processo educativo. Pelo princípio de ouro da
reciprocidade, eu não devo fazer algo a outras pessoas que não quero
que façam comigo.
A Ética representa uma condição fundamental para a liberdade, a
opção com responsabilidade, com ausência de coerção e
preconceitos. Requer a humildade para a diferença e a grandeza para
mudar de escolha.
Vivemos num sistema pendular, entre o excesso de proibições e o
excesso de permissividade, que é conseqüência do enorme desafio de
percebermos que a ética, em última instância, significa
responsabilidade pessoal. Como nós não tomamos isso em conta e
nos baseamos em regras já prontas, não conseguimos entender que,
mesmo que eu aprenda uma regra que venha de fora, ela só terá
validade quando eu assumir sua autoria, por meio de um processo
de questionamento. É necessário superarmos a mera aquiescência
para uma verdadeira adesão e integralização pessoal da escolha ou
posição adotada.
A simples "boa intenção" não é uma garantia do caráter ético de uma
ação; muitas vezes, o discurso mais moralista esconde uma
agressividade extraordinária. Devemos pensar numa ética em que a
questão da intenção perca a importância. Assim, Renato Janine
Ribeiro nos apresenta a ética de responsabilidade, que libera todo
um potencial de ações criativas, em contraposição à tradicional ética
de valores, que parece já ter cumprido seu papel no passado.
É muito comum a contradição entre as tendências particulares e os
valores coletivos. A ética depende de nossa capacidade de perguntar:
será que agi certo? Ao contrário de uma atitude conformada com os
códigos vigentes, a pessoa que costuma se questionar é certamente
uma figura exemplar. A dúvida, o remorso, o tormento íntimo é
moralmente mais relevante do que qualquer código de conduta,
mesmo que este seja considerado por muitos ou por todos. A
qualidade ética é a assiduidade dos questionamentos íntimos para
inventar o cotidiano e novos modos de coexistência.
Roberto Romano, professor de Filosofia e Ética na UNICAMP
(Universidade Estadual de Campinas - SP) - doutorado em filosofia
em Paris e autor de diversos livros - propõe a ética da convivência
harmoniosa, cuja base é a confiança nas relações, ou seja, a
convicção de que o outro quer o meu bem, assim como eu quero o
bem do outro. O foco está no bem comum (família, tribo, nação,
planeta...). Considera que é necessário suspendermos e liberarmos o
aparato de nossas certezas e preconceitos, promovendo o
reconhecimento e a legitimação do outro (encontro de
dignidades) para assim evitarmos a exclusão.
Ética está associada à arte de tomar decisões, auto fundadas, com
autonomia (nomos => celebração). A ética está ligada ao modo como
interagimos com um conjunto de princípios e valores e a verdadeira
ética pode nos conduzir a transgredir leis evidenciadamente injustas,
até que as mesmas possam ser mudadas. Roberto Romano nutre o
ideal de que podemos criar um valor em comum na criação de um
novo mundo.
Presidente do Instituto de Estudo do Futuro/IEF, de São Paulo, além
de membro de diversas instituições nacionais e internacionais, o
Professor Ubiratan D'Ambrósio (UNICAMP) tem a autoria de diversas
obras e partilha da crença de que uma sociedade na qual são
satisfeitas as pulsões de sobrevivência e de transcendência, com
dignidade para todos, é viável. É entusiasta na criação de um novo
sistema educacional para o futuro da sociedade que contemple a
Cultura da Paz e a Ética da Diversidade. O Prof. Ubiratan
considera que os conflitos resultam das diferenças e são portanto
naturais e que o equívoco é tentarmos eliminar as diferenças para
eliminar os conflitos. Conflito é diferente de confronto e violência. A
prioridade é o cultivo da Paz: individual (interna), social, ambiental e
militar.
Na sua visão, uma ética maior, a Ética da Diferença, deve viabilizar a
sobrevivência e a transcendência da condição humana:
a) Respeito pelo outro (com todas as diferenças)
b) Solidariedade com o outro (na satisfação das necessidades
materiais e espirituais)
c) Cooperação (na preservação do patrimônio natural e cultural que
é comum a toda a humanidade)
O filósofo Schopenhauer sustentava que a raiz da ética é a empatia:
que o comportamento ético provém de uma profunda identificação
com o outro.
Através de seu conhecido livro, "A Profecia Celestina", James Redfield
nos indica sinais de uma Nova Ética Interpessoal, destacando "a
importância de exaltarmos as outras pessoas". É uma prática
bastante simples. Estando bem conectados ao momento presente,
numa atitude aberta, podemos assumir conscientemente a intenção
de olharmos com olhos renovados para a pessoa com quem estamos
conversando ou, no caso de um grupo de pessoas reunidas, podemos
colocar total foco de atenção à pessoa que está se expressando em
cada momento. Poderemos começar a ver o Eu superior dessa
pessoa, aquela expressão que reflete a consciência e o conhecimento
do indivíduo.
Também acredito que cada vez mais pessoas estejam usando este
processo como uma postura ética, mais elevada, para com os outros.
Há milhares de anos, sabemos que é importante amarmos uns aos
outros, e que o resultado pode ser uma transformação; agora
estamos aprendendo e incorporando os detalhes espirituais de como
enviar esse amor.
Se todas os membros de um grupo se dedicam e passam a interagir
dessa maneira intencionalmente, cada pessoa enfoca a melhor parte,
o gênio, a luz, no rosto de todos os outros e a reciprocidade é total e
simultânea.
Esse aumento sistemático da energia de todas as pessoas do grupo é
o potencial ampliado de cada grupo humano. É o fenômeno a que se
refere a passagem bíblica: "onde dois ou mais estiverem reunidos em
meu nome, ali estarei no meio deles".
Sempre que estivermos numa conversa com alguém ou reunidos em
grupo, podemos nos comprometer a exercitar as descobertas acima
relatadas. Esse processo é altamente cooperativo e pode aumentar
incrivelmente a inspiração e o poder criativo dos indivíduos nele
envolvidos e do grupo como um todo.
Nessa mesma linha, outra prática bastante fácil de exercitarmos é a
da apreciação, como sentido de ter em apreço - consideração - outra
pessoa. Pode ser manifestada naturalmente através da verbalização
sincera e direta, elogiando e destacando as qualidades da outra
pessoa em foco - nossos colegas de trabalho, de estudo, familiares,
vizinhos, etc... - ou simplesmente vibrando em intenção, numa
atitude silenciosa, amistosa e acolhedora. Essa pode ser chamada de
a ética da motivação e do entusiasmo, cujo único "efeito colateral"
pode ocorrer numa multiplicidade de apreciações mútuas em
gentileza, carinho e amorosidade. Como no caso das "doenças" do
sorriso e da alegria, ela pode ser altamente contagiante!
"Através da ÉTICA tornamo-nos cientes e responsáveis pelas
respostas que damos ao mundo. Talvez, o ponto mais alto de uma
proposta ética seja a responsabilidade universal". (Lia Diskin, co-fundadora
da Associação Palas Athena, São Paulo-SP)
Construindo uma Ética Planetária
Para finalizar, podemos perceber como estamos continuamente
imersos em questões éticas em nosso cotidiano. As oportunidades de
exercício são abundantes e o ponto de partida é a auto-observação e
o questionamento pessoal. O paradoxo de que só se pode ser livre na
medida em que se é responsável é básico em cada estágio de
liberdade. Mas o inverso também é verdadeiro: só se pode ser
responsável quando se é livre.
Iniciando pela relação concreta com aqueles que nos cercam no dia a
dia, passando também pela essencial responsabilidade em relação à
natureza, podemos certamente seguir rumo à construção de uma
ética planetária.
Para reflexão: através da Amizade e seu cultivo e no exercício da
Compaixão, muito mais que pela irmandade ou fraternidade - relação
entre iguais - o sentido de humanidade melhor se expressa - na
relação de diferenças. Assim, o ser humano se diviniza.
Lembrando da imagem inicial da "Balança da Cooperação" com os
pratos da Solidariedade e da Competição e tendo presente o desafio
que isso representa na nossa sociedade atual - podemos ter a
convicção de que a Cooperação é naturalmente ética e que a Ética é
extremamente cooperativa! Elas se mesclam e se fundem de um
modo orgânico. Apenas um último lembrete: ambas são criadas a
cada passo.
Referências Bibliográficas
• MURACHCO, H. - Algumas Considerações sobre a Ética de
Aristóteles, in Hypnos, n. especial - Educ-Palas Athena, São
Paulo, 1997.
• REDFIELD, J. - Guia de Leitura de A Profecia Celestina - São
Paulo: Ed. Objetiva.
• Revista "e" - Novembro 2001, N. 4 - Ano 8 - SESC São Paulo.
Outras Referências
• Seminário Internacional Ética e Cultura - realização SESC São
Paulo, UNESCO e Instituto ETHOS - Outubro/2001.
• Congresso Internacional Valores Universais e o Futuro da
Sociedade - realização SESC São Paulo, Palas Athena, ISA,
PUC-SP e UNESCO - Setembro/2001.
• II Festival de Jogos Cooperativos: Construindo Um Mundo Onde
Todos Podem VenSer - Taubaté - SP, SESC São Paulo,
Setembro/2001.
• Programa de Educação: Valores que Não Têm Preço - realização
Associação Palas Athena, São Paulo, 2000.
Artigo publicado na Revista Jogos Cooperativos, N º 11/12 - Ano I
- Junho/Julho 2002

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