segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pedagogia da Terra e Cultura da Sustentabilidade Moacir Gadotti

Revista Lusófona de Educação,2005,6,15-29
O presente artigo pretende ser um desafio à reflexão sobre os grandes pro-
blemas que se colocam aos seres humanos nas sociedades actuais.As reflexões
que se fazem têm,sobretudo,um carácter antropológico e ético.Antropológico,
porque se trata de promover uma nova concepção de homem que,inserido
no Cosmos,se questione sobre o sentido da vida,que,por sua vez,não está
separado do sentido do Planeta;ético,porque os novos princípios reguladores
da actividade humana terão de se basear num novo paradigma que tenha a Terra
como fundamento e centro.A mudança de paradigma terá,por certo,implicações
na Educação.A Pedagogia da Terra,ou Ecopedagogia,entendida como movimento
pedagógico,como abordagem curricular e como movimento social e político,
representa um projecto alternativo global que tem por finalidades,por um lado,
promover a aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida quotidiana e,
por outro,a promoção de um novo modelo de civilização sustentável do ponto
de vista ecológico.A educação para a cidadania planetária implica uma revisão
dos nossos currículos,uma reorientação de nossa visão de mundo da educação
como espaço de inserção do indivíduo não numa comunidade local,mas numa
comunidade que é local e global ao mesmo tempo.Uma cidadania planetária é,
por essência,uma cidadania integral ,portanto,uma cidadania ativa e plena,
o que implica,também,a existência de uma democracia planetária.
Pel a pri mei ra vez na hi stóri a da humani dade ,não por efei to de armas nucl eares,
mas pel o descontrol e da produção,podemos destrui r toda a vi da do pl aneta 1 .É
a essa possi bi l i dade que podemos chamar de era do extermi ni smo.Passamos do
modo de produção para o modo de destrui ção;teremos que vi ver daqui para a
f rente conf rontados com o desaf i o permanente de reconstrui r o pl aneta.Temos
tal vez pouco mai s de 50 anos para deci di r se queremos ou não destrui r o pl aneta.
Os paradi gmas cl ássi cos que ori entaram,até agora,a produção e a reprodução da
exi stênci a no pl aneta col ocaram em ri sco,não apenas a vi da do ser humano,mas
todas as formas de vi da exi stentes na Terra.Al er tas vêm sendo dados há décadas
por ci enti stas e f i l ósofos desde os anos 60.Preci samos de um novo paradi gma que
tenha a Terra como fundamento.
Moacir Gadotti
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Revista Lusófona de Educação
Por outro l ado,vi vemos numa próspera era da i nformação em tempo real ,da
gl obal i zação da economi a – mas para poucos – da real i dade vi r tual ,da I nternet,da
quebra de f rontei ras entre nações,do ensi no a di stânci a,dos escri tóri os vi r tuai s,
da robóti ca e dos si stemas de produção automati zados,do entreteni mento.Vi ve-
mos o ci berespaço da formação conti nuada.As novas tecnol ogi as da i nformação e
da comuni cação marcaram todo o sécul o XX.Marx sustentava que a mudança nos
mei os de produção transformava o modo de produção e as rel ações de produção.
I sso aconteceu com a i nvenção da escri ta,do al f abeto,da i mprensa,da tel evi são
e hoj e vem acontecendo com a I nternet.O desenvol vi mento espetacul ar da i n-
formação,quer no que di z respei to às fontes,quer à capaci dade de di f usão,está
gerando uma verdadei ra revol ução que afeta,não apenas a produção e o trabal ho,
mas pri nci pal mente a educação e a formação.
O cenári o está dado:gl obal i zação provocada pel o avanço da revol ução tecno-
l ógi ca,caracteri zada pel a i nternaci onal i zação da produção e pel a expansão dos f l u-
xos f i nancei ros;regi onal i zação caracteri zada pel a formação de bl ocos econômi cos;
f ragmentação que di vi de gl obal i zadores e gl obal i zados,centro e peri feri a,os que
morrem de fome e os que morrem pel o consumo excessi vo de al i mentos,ri val i da-
des regi onai s,conf rontos pol í ti cos,étni cos e confessi onai s,terrori smo.
O termo “sustentabi l i dade ” pode não ser mui to apropri ado para o que preten-
demos col ocar a segui r.Estamos tentando dar a esse concei to um novo si gni f i cado.
De f ato,é um termo “sustentável ” que ,associ ado ao desenvol vi mento,sof reu um
grande desgaste .Enquanto para al guns é apenas um rótul o,para outros el e tor-
nou-se a própri a expressão do absurdo l ógi co:desenvol vi mento e sustentabi l i dade
seri am l ogi camente i ncompatí vei s.Para nós,é mai s do que um qual i f i cati vo do
desenvol vi mento.Vai al ém da preser vação dos recursos naturai s e da vi abi l i dade
de um desenvol vi mento sem agressão ao mei o ambi ente .El e i mpl i ca um equi l í bri o
do ser humano consi go mesmo e com o pl aneta,mai s ai nda,com o uni verso.A
sustentabi l i dade que defendemos refere-se ao própri o senti do do que somos,de
onde vi emos e para onde vamos,como seres do senti do e doadores de senti do a
tudo o que nos cerca.
Esse tema deverá domi nar os debates educati vos das próxi mas décadas.O
que estamos estudando nas escol as?Não estaremos construi ndo uma ci ênci a e
uma cul tura que ser vem para a degradação do pl aneta e dos seres humanos?A
categori a sustentabi l i dade deve ser associ ada à pl anetari dade .A Terra como um
novo paradi gma.Compl exi dade ,hol i smo,transdi sci pl i nari dade aparecem como ca-
tegori as associ adas ao tema da pl anetari dade .Que i mpl i cações tem essa vi são de
mundo sobre a educação?O tema remete a uma ci dadani a pl anetári a,à ci vi l i zação
pl anetári a,à consci ênci a pl anetári a.Uma cul tura da sustentabi l i dade é,também,
por i sso,uma cul tura da pl anetari dade ,i sto é,uma cul tura que par te do pri ncí pi o
que a Terra é consti tuí da por uma só comuni dade de humanos,os terráqueos,e
que são ci dadãos de uma úni ca nação.
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1.Soci edade sustentável
Pretendemos,a segui r,l ançar o debate a respei to de uma Pedagogi a da Terra,
que compreenda a ecopedagogi a e a educação sustentável .Esse debate j á teve
i ní ci o com o surgi mento do concei to de “desenvol vi mento sustentável ” uti l i zado
pel a pri mei ra vez pel a ONU em 1979,i ndi cando que o desenvol vi mento poderi a
ser um processo i ntegral que deveri a i ncl ui r as di mensões cul turai s,éti cas,pol í ti -
cas,soci ai s,ambi entai s e não somente as di mensões econômi cas.Esse concei to foi
di ssemi nado mundi al mente pel os rel atóri os do Worl dwatch I nsti tute na década de
80 e ,par ti cul armente ,pel o rel atóri o “Nosso Futuro Comum ”,produzi do pel a Co-
mi ssão das Nações Uni das para o Mei o Ambi ente e Desenvol vi mento,em 1987.
Mui tas foram as crí ti cas fei tas a esse concei to,mui tas vezes pel o seu uso re-
duci oni sta e ,posteri ormente ,sua tri vi al i zação,apesar de aparecer como “pol i -
ti camente correto ” e “moral mente nobre ”.Há outras expressões que têm uma
base conceptual comum e se compl ementam,tai s como:“desenvol vi mento hu-
mano ”,“desenvol vi mento humano sustentável ” e “transformação produti va com
eqüi dade ”.A expressão “desenvol vi mento humano ” tem a vantagem de si tuar o
ser humano no centro do desenvol vi mento.O concei to de desenvol vi mento hu-
mano,cuj os ei xos centrai s são “eqüi dade ” e “par ti ci pação ” é um concei to ai nda
em evol ução,e se opõe à concepção neol i beral de desenvol vi mento.Concebe a
soci edade desenvol vi da como uma soci edade equi tati va que ,por sua vez,deve esta
a ser al cançada através da par ti ci pação das pessoas.
Como o concei to de desenvol vi mento sustentável ,o concei to de desenvol -
vi mento humano é mui to ampl o e ,por vezes,ai nda vago.As Nações Uni das,nos
úl ti mos anos,passaram a usar a expressão “desenvol vi mento humano ” como i ndi -
cador de qual i dade de vi da f undado em í ndi ces de saúde ,l ongevi dade ,maturi dade
psi col ógi ca,educação,ambi ente l i mpo,espí ri to comuni tári o e l azer cri ati vo,que
são,também,os i ndi cadores de uma soci edade sustentável ,i sto é,uma soci edade
capaz de sati sf azer as necessi dades das gerações de hoj e sem comprometer a ca-
paci dade e as opor tuni dades das gerações f uturas.
As crí ti cas ao concei to de desenvol vi mento sustentável e à própri a i déi a de
sustentabi l i dade vêm do f ato de que o ambi ental i smo trata separadamente as ques-
tões soci ai s e as questões ambi entai s.O movi mento conser vaci oni sta surgi u como
uma tentati va el i ti sta dos paí ses ri cos no senti do de reser var grandes áreas natu-
rai s preser vadas para o seu l azer e contempl ação.A Amazôni a,por exempl o,não
era uma preocupação com a sustentabi l i dade do pl aneta,mas com a conti nui dade
do seus pri vi l égi os,em contraste com as necessi dades da mai ori a da popul ação.
Di ante dessas crí ti cas,o sucesso da l uta ecol ógi ca hoj e depende mui to da ca-
paci dade dos ecol ogi stas convencerem a mai ori a da popul ação,a popul ação mai s
pobre ,de que se trata,não apenas de l i mpar os ri os,despol ui r o ar,ref l orestar
os campos devastados para vi vermos num pl aneta mel hor num f uturo di stante .
Moacir Gadotti
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Revista Lusófona de Educação
Trata-se de dar uma sol ução,si mul taneamente ,aos probl emas ambi entai s e aos
probl emas soci ai s.Os probl emas de que trata a ecol ogi a não afetam apenas o mei o
ambi ente .Afetam o ser mai s compl exo da natureza que é o ser humano.
O concei to de “desenvol vi mento ” não é um concei to neutro.El e tem um con-
texto bem preci so dentro de uma i deol ogi a do progresso,que supõe uma concep-
ção de hi stóri a,de economi a,de soci edade e do própri o ser humano.O concei to
foi uti l i zado numa vi são col oni zadora,durante mui tos anos,em que os paí ses do
gl obo foram di vi di dos entre “desenvol vi dos ”,“em desenvol vi mento ” e “sub-desen-
vol vi dos ”...remetendo-se sempre a um padrão de i ndustri al i zação e de consumo.
El e supõe que todas as soci edades devam ori entar-se por uma úni ca vi a de acesso
ao bem-estar e à fel i ci dade ,a serem al cançados apenas pel a acumul ação de bens
materi ai s.Metas de desenvol vi mento foram i mpostas pel as pol í ti cas econômi cas
neo-col oni al i stas dos paí ses chamados “desenvol vi dos ”,em mui tos casos,com
enorme aumento da mi séri a,da vi ol ênci a e do desemprego.Junto com esse model o
econômi co,com seus aj ustes,por vezes cri mi nosos,foram transpl antados val ores
éti cos e i deai s pol í ti cos que l evaram a desestruturação de povos e nações.Não é
de se estranhar,por tanto,que mui tos tenham reser vas quando se f al a em desen-
vol vi mento sustentável .O desenvol vi menti smo l evou a uma “agoni a do pl aneta ”.
Temos hoj e consci ênci a de uma i mi nente catástrofe se não traduzi rmos essa cons-
ci ênci a em atos para reti rar do desenvol vi mento essa vi são predatóri a,concebê-l o
de forma mai s antropol ógi ca e menos economi ci sta e sal var a Terra.
Parece cl aro que entre sustentabi l i dade e capi tal i smo exi ste uma i ncompati bi l i -
dade de pri ncí pi os.Essa é uma contradi ção de base que está i ncl usi ve no centro de
todos os debates da Car ta da Terra e que pode i nvi abi l i zá-l a.Tenta-se conci l i ar doi s
termos i nconci l i ávei s.Não são i nconci l i ávei s em si ,metaf i si camente .São i nconci l i á-
vei s no atual contexto da gl obal i zação capi tal i sta.O concei to de desenvol vi mento
sustentável é i mpensável e i napl i cável neste contexto.O f racasso da Agenda 21 o
demonstra.Nesse contexto,o “desenvol vi mento sustentável ” é tão i nconci l i ável
quanto a “transformação produti va com eqüi dade ” defendi da pel a CEPAL.Como
pode exi sti r um cresci mento com eqüi dade ,um cresci mento sustentável numa
economi a regi da pel o l ucro,pel a acumul ação i l i mi tada,pel a expl oração do traba-
l ho e não pel as necessi dades das pessoas?Levado às suas úl ti mas conseqüênci as,a
utopi a ou proj eto do “desenvol vi mento sustentável ”,col oca em questão,não só o
cresci mento econômi co i l i mi tado e predador da natureza,mas o modo de produ-
ção capi tal i sta.El e só tem senti do numa economi a sol i dári a,numa economi a regi da
pel a “compai xão ” e não pel o l ucro.
Os graves probl emas sóci o-ambi entai s e as crí ti cas ao model o de desenvol vi -
mento foram gerando na soci edade mai or consci ênci a ecol ógi ca nas úl ti mas déca-
das.Embora essa consci ênci a não tenha ai nda provocado mudanças si gni f i cati vas
no model o econômi co e nos rumos das pol í ti cas governamentai s,al gumas experi -
ênci as concretas apontam para uma crescente soci edade sustentável em marcha,
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como o demonstrou a Conferênci a de Assentamentos Humanos Habi tat I I ,orga-
ni zada pel as Nações Uni das em I stambul ,na Turqui a,em 1997.Nessa Conferênci a
foram apresentadas experi ênci as concretas de combate à “cri se urbana ” como
vi ol ênci a,desemprego,f al ta de habi tação,de transpor te ,de saneamento,que vem
degradando o mei o ambi ente e a qual i dade de vi da.Essas experi ênci as apontam
para o nasci mento de uma ci dade sustentával .Pol í ti cas de sustentabi l i dade econô-
mi ca e soci al ,aos poucos,vêm surgi ndo,consti tui ndo-se em verdadei ra esperança
de que podemos,em tempo,enf rentar “nossos desaf i os gl obai s ”.
2.Educação sustentável
A sensação de per tenci mento ao uni verso não se i ni ci a na i dade adul ta e nem
por um ato de razão.Desde a i nf ânci a,senti mo-nos l i gados com al go que é mui to
mai or do que nós.Desde cri anças nos senti mos prof undamente l i gados ao uni ver-
so e nos col ocamos di ante del e num mi sto de espanto e de respei to.E,durante
toda vi da,buscamos respostas ao que somos,de onde vi emos,para onde vamos,
enf i m,qual o senti do da nossa exi stênci a.É uma busca i ncessante e que j amai s
termi na.A educação pode ter um papel nesse processo,se col ocar questões f i l o-
sóf i cas f undamentai s,mas também se souber trabal har ao l ado do conheci mento,
essa nossa capaci dade de nos encantar com o uni verso.
Hoj e ,tomamos consci ênci a de que o senti do das nossas vi das não está sepa-
rado do senti do do própri o pl aneta.Di ante da degradação das nossas vi das,no
pl aneta chegamos a uma verdadei ra encruzi l hada entre um cami nho Tecnozói co,
que col oca toda a f é na capaci dade da tecnol ogi a de nos ti rar da cri se sem mudar
nosso esti l o de vi da pol ui dor e consumi sta e um cami nho Ecozói co,f undado numa
nova rel ação saudável com o pl aneta,reconhecendo que somos par te do mundo
natural ,vi vendo em harmoni a com o uni verso,caracteri zado pel as atuai s preocu-
pações ecol ógi cas.Temos que f azer escol has.El as def i ni rão o f uturo que teremos.
Não me parece ,real mente ,que sej am cami nhos total mente opostos.Tecnol ogi a e
humani smo não se contrapõem.Mas,é cl aro,houve excessos no nosso esti l o de
vi da pol ui dor e consumi sta e que não é f ruto da técni ca,mas do model o econô-
mi co.Este é que tem que ser posto em causa.E esse é um dos papéi s da educação
sustentável ou ecol ógi ca.
O desenvol vi mento sustentável ,vi sto de forma crí ti ca,tem um componente
educati vo formi dável :a preser vação do mei o ambi ente depende de uma consci ên-
ci a ecol ógi ca e a formação da consci ênci a depende da educação.É aqui que entra
em cena a Pedagogi a da Terra,a ecopedagogi a.El a é uma pedagogi a para a pro-
moção da aprendi zagem do “senti do das coi sas a par ti r da vi da coti di ana ”,como
di zem Franci sco Guti érrez e Cruz Prado 2 em seu l i vro Ecopedagogi a e ci dadani a
pl anetár i a .Encontramos o senti do ao cami nhar,vi venci ando o contexto e o pro-
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cesso de abri r novos cami nhos;não apenas obser vando o cami nho.É,por i sso,
uma pedagogi a democráti ca e sol i dári a.A pesqui sa de Franci sco Guti érrez e Cruz
Prado sobre a ecopedagogi a ori gi nou-se na preocupação com o senti do da vi da
coti di ana.A formação está l i gada ao espaço/tempo no qual se real i zam concreta-
mente as rel ações entre o ser humano e o mei o ambi ente .El as se dão sobretudo
no ní vel da sensi bi l i dade ,mui to mai s do que no ní vel da consci ênci a.El as se dão,
por tanto,mui to mai s no ní vel da sub-consci ênci a:não as percebemos e ,mui tas ve-
zes,não sabemos como el as acontecem.É preci so uma ecoformação para torná-l as
consci entes.E a ecoformação necessi ta de uma ecopedagogi a.Como destaca Gas-
ton Pi neau em seu l i vro De l ’ai r :essai sur l ‘écofor mati on 3 ,uma séri e de referen-
ci ai s se associ am para i sso:a i nspi ração bachel ardi ana,os estudos do i magi nári o,a
abordagem da transversal i dade ,da transdi sci pl i nari dade e da i ntercul tural i dade ,o
construti vi smo e a pedagogi a da al ternânci a.
Preci samos de uma ecopedagogi a e uma ecoformação hoj e ,preci samos de uma
Pedagogi a da Terra,j ustamente porque sem essa pedagogi a para a re-educação do
homem/mul her,pri nci pal mente do homem oci dental ,pri si onei ro de uma cul tura
cri stã predatóri a,não poderemos mai s f al ar da Terra como um l ar,como uma toca,
para o “bi cho-homem ”,como f al a Paul o Frei re .Sem uma educação sustentável ,a
Terra conti nuará apenas sendo consi derada como espaço de nosso sustento e de
domí ni o técni co-tecnol ógi co,obj eto de nossas pesqui sas,ensai os,e ,al gumas vezes,
de nossa contempl ação.Mas não será o espaço de vi da,o espaço do aconchego,
de “cui dado ”4 .
Não aprendemos a amar a Terra l endo l i vros sobre i sso,nem l i vros de ecol ogi a
i ntegral .A experi ênci a própri a é o que conta.Pl antar e segui r o cresci mento de
uma ár vore ou de uma pl anti nha,cami nhando pel as ruas da ci dade ou aventuran-
do-se numa f l oresta,senti ndo o cantar dos pássaros nas manhãs ensol aradas ou
não,obser vando como o vento move as pl antas,senti ndo a arei a quente de nossas
prai as,ol hando para as estrel as numa noi te escura.Há mui tas formas de encanta-
mento e de emoção f rente às maravi l has que a natureza nos reser va.É cl aro,exi ste
a pol ui ção,a degradação ambi ental ,para nos l embrar de que podemos destrui r
essa maravi l ha e para formar nossa consci ênci a ecol ógi ca e nos mover à ação.Aca-
ri ci ar uma pl anta,contempl ar com ternura um pôr de sol ,chei rar o perf ume de
uma fol ha de pi tanga,de goi aba,de l aranj ei ra ou de um ci preste ,de um eucal i pto...
são múl ti pl as formas de vi ver em rel ação permanente com esse pl aneta generoso
e compar ti l har a vi da com t odos os que o habi tam ou o compõem.A vi da t em sen-
ti do,mas el e só exi ste em rel ação.Como di z o poeta brasi l ei ro Carl os Drummond
de Andrade:“Sou um homem di ssol vi do na natureza.Estou f l orescendo em todos
os i pês ”.
I sso,Drummond só poderi a di zer aqui na Terra.Se esti vesse em outro pl aneta
do si stema sol ar el e não di ri a o mesmo.Só a Terra é ami gável com o ser humano.
Os outros pl anetas são f rancamente hosti s a el e ,embora tenham si do ori gi nados
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na mesma poei ra cósmi ca.Exi sti rão outros pl anetas fora do si stema sol ar que abri -
gam a vi da,tal vez a vi da i ntel i gente?Se l evarmos em conta que a matéri a da qual se
ori gi nou o uni verso é a mesma,é mui to provável .Mas,por ora,só temos um que
é f rancamente nosso ami go.Temos que aprender a amá-l o.
Como se traduz na educação o pri ncí pi o da sustentabi l i dade?El e se traduz por
perguntas como:até que ponto há senti do no que f azemos?Até que ponto nossas
ações contri buem para a qual i dade de vi da dos povos e para a sua fel i ci dade?A
sustentati bi l i dade é um pri ncí pi o reori entador da educação e ,pri nci pal mente ,dos
currí cul os,obj eti vos e métodos.
É no contexto da evol ução da própri a ecol ogi a que surge e ai nda engati nha,o
que chamamos de “ecopedagogi a ”,i ni ci al mente chamada de “pedagogi a do desen-
vol vi mento sustentável ” e que hoj e ul trapassou esse senti do.A ecopedagogi a está
em desenvol vi mento,sej a como um movi mento pedagógi co,sej a como abordagem
curri cul ar.
Como a ecol ogi a,a ecopedagogi a também pode ser entendi da como um movi -
mento soci al e pol í ti co.Como todo movi mento novo,em processo,em evol ução,
el e é compl exo e pode tomar di ferentes di reções,até contradi tóri as.El e pode ser
entendi do di ferentemente como o são as expressões “desenvol vi mento sustentá-
vel ” e “mei o ambi ente ”.Exi ste uma vi são capi tal i sta do desenvol vi mento susten-
tável e do mei o ambi ente que ,por ser anti -ecol ógi ca,deve ser consi derada como
uma “armadi l ha ”,como vem sustentando Leonardo Bof f .
A ecopedagogi a também i mpl i ca uma reori entação dos currí cul os para que
i ncorporem cer tos pri ncí pi os defendi dos por el a.Estes pri ncí pi os deveri am,por
exempl o,ori entar a concepção dos conteúdos e a el aboração dos l i vros di dáti cos.
Jean Pi aget nos ensi nou que os currí cul os devem contempl ar o que é si gni f i cati vo
para o al uno.Sabemos que i sso é correto,mas i ncompl eto.Os conteúdos curri -
cul ares têm que ser si gni f i cati vos para o al uno,e só serão si gni f i cati vos para el e ,
se esses conteúdos forem si gni f i cati vos também para a saúde do pl aneta,para o
contexto mai s ampl o.
Col ocada neste senti do,a ecopedagogi a não é uma pedagogi a a mai s,ao l ado
de outras pedagogi as.El a só tem senti do como proj eto al ternati vo gl obal onde a
preocupação não está apenas na preser vação da natureza (Ecol ogi a Natural )ou
no i mpacto das soci edades humanas sobre os ambi entes naturai s (Ecol ogi a Soci al ),
mas num novo model o de ci vi l i zação sustentável do ponto de vi sta ecol ógi co
(Ecol ogi a I ntegral )que i mpl i ca uma mudança nas estruturas econômi cas,soci ai s
e cul turai s.El a está l i gada,por tanto,a um proj eto utópi co:mudar as rel ações
humanas,soci ai s e ambi entai s que temos hoj e .Aqui está o senti do prof undo da
ecopedagogi a,ou de uma Pedagogi a da Terra,como a chamamos.
A ecopedagogi a não se opõe à educação ambi ental .Ao contrári o,para a eco-
pedagogi a,a educação ambi ental é um pressuposto.A ecopedagogi a i ncorpora-
a e oferece estratégi as,propostas e mei os para a sua real i zação concreta.Foi
Moacir Gadotti
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j ustamente durante a real i zação do Fórum Gl obal 92,no qual se di scuti u mui to
a educação ambi ental ,que se percebeu a i mpor tânci a de uma pedagogi a do de-
senvol vi mento sustentável ou de uma ecopedagogi a.Hoj e ,porém,a ecopedagogi a
tornou-se um movi mento e uma perspecti va da educação mai or do que uma peda-
gogi a do desenvol vi mento sustentável .El a está mai s para a educação sustentável ,
para uma ecoeducação,que é mai s ampl a do que a educação ambi ental .A educação
sustentável não se preocupa apenas com uma rel ação saudável com o mei o am-
bi ente ,mas com o senti do mai s prof undo do que f azemos com a nossa exi stênci a,
a par ti r da vi da coti di ana.
3.Consci ênci a pl anetár i a,ci dadani a pl anetár i a,
ci vi l i zação pl anetár i a
A gl obal i zação,i mpul si onada sobretudo pel a tecnol ogi a,parece determi nar,
cada vez mai s,nossas vi das.As deci sões sobre o que nos acontece no di a-a-di a
parecem nos escapar,por serem tomadas mui to di stante de nós,comprometendo
nosso papel de suj ei tos da hi stóri a.Mas não é bem assi m.Como fenômeno e como
processo,a gl obal i zação tornou-se i rreversí vel ,mas não esse ti po de gl obal i zação
– o gl obal i smo – ao qual estamos submeti dos hoj e:a gl obal i zação capi tal i sta.Seus
efei tos mai s i medi atos são o desemprego,o aprof undamento das di ferenças entre
os poucos que têm mui to e os mui tos que têm pouco,a perda de poder e auto-
nomi a de mui tos Estados e Nações.Há poi s que di sti ngui r os paí ses que hoj e co-
mandam a gl obal i zação – os gl obal i zadores (paí ses ri cos)– dos paí ses que sof rem
a gl obal i zação,os paí ses gl obal i zados (pobres).
Dentro deste compl exo fenômeno,podemos di sti ngui r também a gl obal i zação
econômi ca,real i zada pel as transnaci onai s,da gl obal i zação da ci dadani a.Ambas se
uti l i zam da mesma base tecnol ógi ca,mas com l ógi cas opostas.A pri mei ra,sub-
metendo Estados e Nações,é comandada pel o i nteresse capi tal i sta;a segunda
gl obal i zação é a real i zada através da organi zação da Soci edade Ci vi l .A Soci edade
Ci vi l gl obal i zada é a resposta que a Soci edade Ci vi l como um todo e as ONGs
estão dando hoj e à gl obal i zação capi tal i sta.Neste senti do,o Fórum Gl obal 92 se
consti tui u num evento dos mai s si gni f i cati vos do f i nal de sécul o XX:deu grande
i mpul so à gl obal i zação da ci dadani a.Hoj e ,o debate em torno da Car ta da Terra
está se consti tui ndo num f ator i mpor tante de construção desta ci dadani a pl anetá-
ri a.Qual quer pedagogi a,pensada fora da gl obal i zação e do movi mento ecol ógi co,
tem hoj e séri os probl emas de contextual i zação.
“Estrangei ro eu não vou ser.Ci dadão do mundo eu sou ”,di z uma das l etras de
músi ca cantada pel o cantor brasi l ei ro Mi l ton Nasci mento.Se as cri anças de nossas
escol as entendessem em prof undi dade o si gni f i cado das pal avras desta canção,
estari am i ni ci ando uma verdadei ra revol ução pedagógi ca e curri cul ar.Como posso
senti r-me estrangei ro em qual quer terri tóri o se per tenço a um úni co terri tóri o,Pedagogia da Terra e Cultura da Sustentabilidade
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a Terra?Não há,na Terra,l ugar estrangei ro para terráqueos.Se sou ci dadão do
mundo,não podem exi sti r para mi m f rontei ras.As di ferenças cul turai s,geográf i -
cas,raci ai s e outras enf raquecem,di ante do meu senti mento de per tenci mento à
Humani dade .
A noção de ci dadani a pl anetári a (mundi al )sustenta-se na vi são uni f i cadora do
pl aneta e de uma soci edade mundi al .El a se mani festa em di ferentes expressões:
“nossa humani dade comum ”,“uni dade na di versi dade ”,“nosso f uturo comum ”,
“nossa pátri a comum ”,“ci dadani a pl anetári a ”.Ci dadani a Pl anetári a é uma expres-
são adotada para expressar um conj unto de pri ncí pi os,val ores,ati tudes e compor-
tamentos que demonstra uma nova percepção da Terra como uma úni ca comuni da-
de .Freqüentemente associ ada ao “desenvol vi mento sustentável ”,el a é mui to mai s
ampl a do que essa rel ação com a economi a.Trata-se de um ponto de referênci a
éti co i ndi ssoci ável da ci vi l i zação pl anetári a e da ecol ogi a.A Terra é “Gai a ”,um su-
per-organi smo vi vo e em evol ução,o que for fei to a el a repercuti rá em todos os
seus f i l hos.
Cul tura da sustentabi l i dade supõe uma pedagogi a da sustentabi l i dade que dê
conta da grande taref a de formar para a ci dadani a pl anetári a.Esse é um processo
j á em marcha.A educação para a ci dadani a pl anetári a está começando através de
numerosas experi ênci as que ,embora mui tas del as sej am l ocai s,el as nos apontam
para uma educação para nos senti rmos membros para al ém da Terra,para vi ver
uma ci dadani a cósmi ca.Os desaf i os são enormes tanto para os educadores quanto
para os responsávei s pel os si stemas educaci onai s.Mas j á exi stem cer tos si nai s,
na própri a soci edade ,que apontam para uma crescente busca,não só por temas
espi ri tual i stas e de auto-aj uda,mas por um conheci mento ci entí f i co mai s prof undo
do uni verso.
Educar para a ci dadani a pl anetári a i mpl i ca mui to mai s do que uma f i l osof i a
educaci onal ,do que o enunci ado de seus pri ncí pi os.A educação para a ci dadani a
pl anetári a i mpl i ca uma revi são dos nossos currí cul os,uma reori entação de nossa
vi são de mundo,da educação como espaço de i nserção do i ndi ví duo,não numa
comuni dade l ocal ,mas numa comuni dade que é l ocal e gl obal ao mesmo tempo.
Educar,então,não seri a como di zi a Émi l e Durkhei m,a transmi ssão da cul tura “de
uma geração para outra ”,mas a grande vi agem de cada i ndi ví duo no seu uni verso
i nteri or e no uni verso que o cerca.
O ti po de gl obal i zação de hoj e está mui to mai s l i gado ao fenômeno da mundi a-
l i zação do mercado,que é um ti po de mundi al i zação;e mesmo esta mundi al i zação,
f undada no mercado,pode ser vi sta como uma gl obal i zação cooperati va ou como
uma gl obal i zação competi ti va sem sol i dari edade .Entre o estati smo absol uti sta e a
mão i nvi sí vel do mercado,pode exi sti r (e exi ste)uma nova economi a de mercado
(há mercados e mercados!)onde predomi na a cooperação e a sol i dari edade e não
a competi ti vi dade sel vagem,uma economi a sol i dári a,a verdadei ra economi a da
sustentabi l i dade .Por tudo i sso,preci samos construi r uma “outra gl obal i zação
Moacir Gadotti
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Revista Lusófona de Educação
uma gl obal i zação f undada no pri ncí pi o da sol i dari edade .
A gl obal i zação em si não é probl emáti ca,poi s representa um processo de avan-
ço sem precedentes na hi stóri a da humani dade .O que é probl emáti co é a gl oba-
l i zação competi ti va onde os i nteresses do mercado se sobrepõem aos i nteresses
humanos,onde os i nteresses dos povos se subordi nam aos i nteresses corporati vos
das grandes empresas transnaci onai s.Assi m,podemos di sti ngui r uma gl obal i zação
competi ti va de uma possí vel gl obal i zação cooperati va e sol i dári a que ,em outros
momentos,chamamos de processo de “pl anetari zação ”.A pri mei ra,está subor-
di nada apenas às l ei s do mercado e a segunda,subordi na-se aos val ores éti cos e
à espi ri tual i dade humana.Para essa segunda gl obal i zação é que a Car ta da Terra,
como um códi go de éti ca uni versal ,deveri a dar uma contri bui ção i mpor tante ,não
apenas através da procl amação que os Estados podem f azer,mas,sobretudo,pel o
i mpacto que seus pri ncí pi os poderão ter na vi da coti di ana do ci dadão pl anetári o.
Como se si tua o movi mento ecol ógi co di ante desse tema?É i mpor tante no-
tar,como o fez Al í ci a Bárcena,no pref áci o do l i vro de Franci sco Guti érrez,que a
formação de uma ci dadani a ambi ental é um componente estratégi co do processo
de construção da democraci a.Para el a,a ci dadani a ambi ental é verdadei ramente
pl anetári a poi s no movi mento ecol ógi co,o l ocal e o gl obal se i nterl i gam.A der-
rubada da f l oresta amazôni ca não é apenas um f ato l ocal :é um atentado contra a
ci dadani a pl anetári a.O ecol ogi smo tem mui tos e reconheci dos méri tos na col oca-
ção do tema da pl anetari dade .Foi pi onei ro na extensão do concei to de ci dadani a
no contexto da gl obal i zação e também na práti ca de uma ci dadani a gl obal ,de tal
modo que ,hoj e ,ci dadani a gl obal e ecol ogi smo f azem par te do mesmo campo de
ação soci al ,do mesmo campo de aspi rações e sensi bi l i dades.Porém,a ci dadani a
pl anetári a não pode ser apenas ambi ental j á que exi stem agênci as de caráter gl o-
bal com pol í ti cas ambi entai s que sustentam a gl obal i zação capi tal i sta.Uma coi sa
é ser “ci dadão da Terra ” e outra é ser “capi tal i sta da terra ”.A construção de uma
ci dadani a pl anetári a tem ai nda um l ongo cami nho a percorrer no i nteri or da gl o-
bal i zação capi tal i sta.
A ci dadani a pl anetári a deverá ter como foco a superação da desi gual dade ,a
el i mi nação das sangrentas di ferenças econômi cas e a i ntegração da di versi dade cul -
tural da humani dade .Não se pode f al ar em ci dadani a pl anetári a ou gl obal sem uma
efeti va ci dadani a na esfera l ocal e naci onal .Uma ci dadani a pl anetári a é,por essên-
ci a,uma ci dadani a i ntegral ,por tanto,uma ci dadani a ati va e pl ena não apenas nos
di rei tos soci ai s,pol í ti cos,cul turai s e i nsti tuci onai s,mas também econômi co-f i nan-
cei ros.El a i mpl i ca também na exi stênci a de uma democraci a pl anetári a.Por tanto,
ao contrári o do que sustentam os neol i berai s,estamos mui to l onge de uma efeti va
ci dadani a pl anetári a.El a ai nda permanece como proj eto humano,i nal cançável se
for l i mi tada,apenas,ao desenvol vi mento tecnol ógi co.El a preci sa f azer par te do
própri o proj eto da humani dade como um todo.El a não será uma mera conseqüên-
ci a ou um subproduto da tecnol ogi a ou da gl obal i zação econômi ca.
Pedagogia da Terra e Cultura da Sustentabilidade
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4.Movi mento pel a ecopedagogi a
Essa travessi a de mi l êni o caracteri za-se por um enorme avanço tecnol ógi co
e também por uma enorme i maturi dade pol í ti ca:enquanto a I nternet nos col oca
no centro da Era da I nformação,o governo do humano conti nua mui to pobre ,
gerando mi séri as e deteri oração.Podemos destrui r toda a vi da do pl aneta.500
empresas transnaci onai s control am 25%da ati vi dade econômi ca mundi al e 80%
das i novações tecnol ógi cas.A gl obal i zação econômi ca capi tal i sta enf raqueceu os
Estados Naci onai s i mpondo l i mi tes para a sua autonomi a,subordi nando-os à l ógi -
ca econômi ca das transnaci onai s.Gi gantescas dí vi das externas governam paí ses e
i mpedem a i mpl antação de pol í ti cas soci ai s eqüal i zadoras.As empresas t ransnaci o-
nai s trabal ham para 10%da popul ação mundi al que se si tua nos paí ses mai s ri cos,
gerando uma tremenda excl usão.Esse é o cenári o da travessi a,um cenári o ai nda
mai s probl emáti co pel a f al ta de al ternati vas.
Os paradi gmas cl ássi cos estão esgotando suas possi bi l i dades de responder,
adequadamente ,a esse novo contexto.Não conseguem expl i car essa travessi a,
mui to menos,passar por el a.Há uma cri se de i ntel i gi bi l i dade di ante da qual mui tos
f al sos profetas e charl atães oferecem sol uções mági cas.Uma nova espi ri tual i dade
surge mui to bem aprovei tada pel as mercorel i gi ões.A resposta dada pel o estati smo
burocráti co e autori tári o é tão i nef i ci ente quanto o neol i beral i smo do deus-mer-
cado.O neol i beral i smo propõe mai s poder para as transnaci onai s e os estati stas
propõem mai s poder para o Estado,reforçando as suas estruturas.No mei o de
tudo i sso,está o ci dadão comum que não é,nem empresári o,nem Estado.A res-
posta parece estar al ém destes doi s model os cl ássi cos,mas cer tamente não numa
suposta “tercei ra vi a ” que desej a apenas dar sobrevi da ao capi tal i smo sof i sti cando
a domi nação pol í ti ca,a expl oração econômi ca e provocando enorme excl usão
soci al .A resposta parece vi r hoj e do for tal eci mento do control e do ci dadão f rente
ao Estado e ao Mercado,a Soci edade Ci vi l for tal ecendo sua capaci dade de gover-
nar-se e control ar o desenvol vi mento.Aqui ,entra o papel i mpor tante da educação,
da formação para a ci dadani a ati va.
Podemos di zer que há uma comuni dade sustentável que vi ve em harmoni a com
o seu mei o ambi ente ,não causando danos a outras comuni dades,nem para a co-
muni dade de hoj e ,e nem para a de amanhã.E i sso não pode consti tui r-se apenas
num compromi sso ecol ógi co,mas éti co-pol í ti co,al i mentado por uma pedagogi a,
i sto é,por uma ci ênci a da educação e uma práti ca soci al def i ni da.Nesse senti do,
a ecopedagogi a,i nseri da nesse movi mento sóci o-hi stóri co,formando ci dadãos ca-
pazes de escol herem os i ndi cadores de qual i dade do seu f uturo,se consti tui numa
pedagogi a i ntei ramente nova e i ntensamente democráti ca.
O Movi mento pel a Ecopedagogi a ganhou i mpul so sobretudo a par ti r do Pri mei -
ro Encontro I nternaci onal da Car ta da Terra na Perspecti va da Educação,organi za-
do pel o I nsti tuto Paul o Frei re ,com o apoi o do Consel ho da Terra e da UNESCO,
Moacir Gadotti
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de 23 a 26 de agosto de 1999,em São Paul o e do I Fórum I nternaci onal sobre
Ecopedagogi a,real i zado na Facul dade de Psi col ogi a e Ci ênci as da Educação da
Uni versi dade do Por to,Por tugal ,de 24 a 26 de março de 2000.Desses encontros,
surgi ram os pri ncí pi os ori entadores desse movi mento conti dos numa “Car ta da
Ecopedagogi a ”.Ei s al guns del es:
1.O pl aneta como uma úni ca comuni dade .
2.A Terra como mãe ,organi smo vi vo e em evol ução.
3.Uma nova consci ênci a que sabe o que é sustentável ,apropri ado,e f az senti do
para a nossa exi stênci a.
4.A ternura para com essa casa.Nosso endereço é a Terra.
5.A j usti ça sóci o-cósmi ca:a Terra é um grande pobre ,o mai or de todos os
pobres.
6.
Uma pedagogi a bi óf i l a (que promove a vi da):envol ver-se ,comuni car-se ,com-
par ti l har,probl emati zar,rel aci onar-se entusi asmar-se .
7.Uma concepção do conheci mento que admi te só ser i ntegral quando com-
par ti l hado.
8.O cami nhar com senti do (vi da coti di ana).
9.Uma raci onal i dade i ntui ti va e comuni cati va:afeti va,não i nstrumental .
10.Novas ati tudes:reeducar o ol har,o coração.
11.Cul tura da sustentabi l i dade:ecoformação.Ampl i ar nosso ponto de vi sta.
As pedagogi as cl ássi cas eram antropocêntri cas.A ecopedagogi a par te de uma
consci ênci a pl anetári a (gêneros,espéci es,rei nos,educação formal ,i nformal e não-
formal ...).Ampl i amos o nosso ponto de vi sta.Do homem para o pl aneta,aci ma de
gêneros,espéci es e rei nos.De uma vi são antropocêntri ca para uma consci ênci a
pl anetári a,para uma práti ca de ci dadani a pl anetári a e para uma nova referênci a
éti ca e soci al :a ci vi l i zação pl anetári a.
Não se pode di zer que a ecopedagogi a represente j á uma tendênci a concreta
e notável na práti ca da educação contemporânea.Se el a j á ti vesse suas categori as
def i ni das e el aboradas,el a estari a total mente equi vocada,poi s uma perspecti va pe-
dagógi ca não pode nascer de um di scurso el aborado por especi al i stas.Ao contrá-
ri o,o di scurso pedagógi co el aborado é que nasce de uma práti ca concreta,testada
e comprovada.A ecopedagogi a está ai nda em formação e formul ação como teori a
da educação.El a se está mani festando em mui tas práti cas educati vas que o “Movi -
mento pel a ecopedagogi a ”,l i derado pel o I nsti tuto Paul o Frei re ,tenta congregar.
O Movi mento pel a Ecopedagogi a,surgi do no sei o da i ni ci ati va da Car ta da
Terra está dando apoi o ao processo de sua di scussão,i ndi cando j ustamente uma
metodol ogi a apropri ada que não sej a a metodol ogi a da si mpl es “procl amação ” go-
vernamental ,de uma decl aração formal ,mas a tradução de um processo vi vi do e
da par ti ci pação crí ti ca da “demanda ”,como di z Franci sco Guti érrez.
Pedagogia da Terra e Cultura da Sustentabilidade
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A Car ta da Terra deve ser entendi da,sobretudo,como um movi mento éti co
gl obal para se chegar a um códi go de éti ca pl anetári o,sustentando um núcl eo
de pri ncí pi os e val ores que f azem f rente à i nj usti ça soci al e à f al ta de eqüi dade
rei nante no pl aneta.Ci nco pi l ares sustentam esse núcl eo:a)di rei tos humanos;b)
democraci a e par ti ci pação;c)eqüi dade;d)proteção das mi nori as;e)resol ução pa-
cí f i ca dos conf l i tos.Esses pi l ares são ci mentados por uma vi são de mundo sol i dári a
e respei tosa da di ferença (consci ênci a pl anetári a).
O i ntercâmbi o pl anetári o que ocorre hoj e em f unção da expansão das opor tu-
ni dades de acesso à comuni cação,notadamente através da I nternet,deverá f aci l i tar
o di ál ogo i nter e transcul tural e o desenvol vi mento desta nova éti ca pl anetári a.A
campanha da Car ta da Terra agrega um novo val or e oferece um novo i mpul so a
esse movi mento pel a éti ca na pol í ti ca,na economi a,na educação etc .El a se tornará
real mente for te e ,tal vez,deci si va,no momento em que representar um proj eto
de f uturo um contraproj eto gl obal e l ocal ao proj eto pol í ti co-pedagógi co,soci al e
econômi co neol i beral ,que não só é i ntri nsecamente i nsustentável ,como também
essenci al mente i nj usto e desumano.
5.A Ter ra como paradi gma
Gai a,i gual a vi da.Mui tos entendem que é i l egí ti mo consi derar a Terra como
um organi smo vi vo.Esta qual i dade a Terra não teri a.Enxergamos a vi da apenas
pel a percepção que temos da nossa e da vi da dos ani mai s e das pl antas.É verdade ,
não temos o di stanci amento que têm,no espaço,os astronautas,mas podemos
ter o mesmo di stanci amento dos astronautas no tempo,mui to mai s di l atado que
o nosso própri o tempo de vi da.A “hi pótese Gai a ” que concebe a Terra como um
superorgani smo compl exo,vi vo e em evol ução,encontra respal do na sua hi stóri a
bi l i onári a.A pri mei ra cél ul a apareceu há 4 bi l hões de anos.De l á para cá o proces-
so evol uci onári o da vi da não cessou de se compl exi f i car,formando ecossi stemas
i nterdependentes dentro do macrossi stema Terra que ,por sua vez,é um mi cros-
si stema,se comparado com o macrosssi stema Uni verso.Só consegui mos entender
a Terra como um ser vi vo nos di stanci ando del a no tempo e no espaço.
A vi são que os astronautas ti veram “de l onge ” transformou mui to a el es e a
nós mesmos que não vi vemos di retamente essa experi ênci a f antásti ca.Não só el a
foi vi sta como uma bol a azul no mei o da escuri dão do uni verso,mas foi percebi da
como uma só uni dade .Por tanto,i nterferi u também na vi são que temos de nós
mesmos,como uma “úni ca comuni dade ” (Leonardo Bof f ),como um “si stema vi vo ”
(Fri tj op Capra).Essa vi são mexeu por tanto com a nossa consci ênci a,com o pa-
radi gma que nos ori entava até então.Com a consci ênci a pl anetári a,nasceu nossa
consci ênci a de ci dadani a pl anetári a.
É verdade ,o paradi gma da razão i nstrumental nos conduzi u à vi ol ênci a e à
negação de val ores humanos f undamentai s como a i ntui ção,a emoção,a sensi bi l i
Moacir Gadotti
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Revista Lusófona de Educação
dade .Somos humanos porque senti mos,percebemos,amamos,sonhamos.Mas há
também um peri go ou uma armadi l ha nesse novo paradi gma:el e pode nos l evar à
contempl ação da natureza e até à mi sti f i cação da real i dade ,a uma espi ri tual i dade
canal i zada por uma rel i gi osi dade baseada na passi vi dade .Em vez da sol i dari edade
e da l uta pel a j usti ça,estarí amos esperando por um mundo mel hor sem trabal ho,
sem esforço,sem conqui sta,sem sacri f í ci os.Novos val ores humanos que não l evam
em conta a compl exi dade e a contradi ção i nerente a todos os seres,obj etos e pro-
cessos destrói a possi bi l i dade de uma mudança qual i tati va em di reção de um novo
e necessári o proj eto ci vi l i zatóri o.Para nos di mensi onar como membros de um
i menso cosmos,para assumi rmos novos val ores,baseados na sol i dari edade ,na afe-
ti vi dade ,na transcendênci a e na espi ri tual i dade ,para superar a l ógi ca da competi -
ti vi dade e da acumul ação capi tal i sta,devemos tri l har um cami nho di f í ci l .Nenhuma
mudança é pací f i ca.Mas el a não se tornará real i dade ,orando,rezando,pel o nosso
puro desej o de mudar o mundo.Como nos ensi nou Paul o Frei re ,mudar o mundo
é urgente ,di f í ci l e necessári o.Mas para mudar o mundo é preci so conhecer,l er o
mundo,entender o mundo,também ci enti f i camente ,não apenas emoci onal mente ,
e ,sobretudo,i nter vi r nel e ,organi zadamente .
O raci onal i smo deve ser condenado sem condenarmos o uso da razão.A l ógi ca
raci onal i sta nos l evou a saquear a natureza,nos l evou à mor te em nome do pro-
gresso.Mas a razão também nos l evou à descober ta da pl anetari dade .A poéti ca e
emoci onante af i rmação dos astronautas de que a Terra era azul foi possí vel depoi s
de mi l hares de anos de domí ni o raci onal das l ei s da própri a natureza.Devemos
condenar a raci onal i zação sem condenar a raci onal i dade .Ao chegar à Lua pel a
pri mei ra vez,o astronauta Loui s Amstrong af i rmou:“um pequeno passo para o
homem e um grande passo para a humani dade ”.I sso foi possí vel através de um
descomunal esforço humano col eti vo que l evou em conta todo o conheci mento
técni co,ci entí f i co e tecnol ógi co acumul ado até então pel a humani dade .I sso não
é nada desprezí vel .Se hoj e formamos redes de redes no emaranhado da comuni -
cação pl anetári a pel a I nternet,i sso foi possí vel graças ao uso tanto da i magi nação,
da i ntui ção,da emoção,quanto da razão,pel o gi gantesco e sof ri do esforço hu-
mano para descobri r como podemos vi ver mel hor neste pl aneta,como podemos
i nteragi r com el e .O f i zemos de forma equi vocada,é verdade .Nos consi deramos
“superi ores ” pel a nossa raci onal i dade e expl oramos a natureza sem cui dado,sem
respei to por el a.Não nos rel aci onamos com a Terra e com a vi da com emoção,
com afeto,com sensi bi l i dade .Nesse campo estamos apenas engati nhando.Mas
estamos aprendendo.
Estamos assi sti ndo ao nasci mento do ci dadão pl anetári o.Ai nda não consegui -
mos i magi nar todas as conseqüênci as desse evento si ngul ar.No momento senti -
mos,percebemos,nos emoci onamos com esse f ato,mas não consegui mos adequar
nossas mentes e nossas formas de vi da a esse aconteci mento espetacul ar na hi stó-
ri a da humani dade .Percebemos,como Edgar Mori n,que é necessári o tudo ecol oPedagogia da Terra e Cultura da Sustentabilidade
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gi zar e ,assi m,ensai amos a vi da nesse nosso pl aneta cuj os habi tantes descobri ram
a pl anetari dade .O que podemos f azer desde j á?Podemos nos i nterrogar prof un-
damente sobre os paradi gmas que nos ori entaram até hoj e e ensai ar a vi vênci a de
um novo paradi gma que é a Terra vi sta como uma úni ca comuni dade .E conti nuar
cami nhando,j untos,para que possamos chegar “l á ” ai nda em tempo.
Correspondência:
Instituto Paulo Freire
Rua Cerro Corá,550 Conj.22.2o.andar -CEP 05061-100 -São Paulo -SP – Brasil
Email:gadotti @paulofreire.org
Notas 1
Este artigo é resultado de diversos debates em encontros e congressos e particularmente na Conferência
Continental das Américas ,em Dezembro de 1998,em Cuiabá (MT)e durante o Primeiro Encontro Interna-
cional da Car ta da Terra na Perspectiva da Educação ,organizado pelo Instituto Paulo Freire,com o apoio do
Conselho da Terra e da UNESCO,de 23 a 26 de Agosto de 1999,em São Paulo e do I Fórum I nternacional
sobre Ecopedagogia ,realizado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto,
Portugal,de 24 a 26 de Março de 2000.O autor vem acompanhando esse tema desde 1992 quando re-
presentou a ICEA (Internacional Community Education Association)na Rio-92 (Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento),chamada de “Cúpula da Terra ”,que elaborou e aprovou
a Agenda 21.No Fórum Global-92,na mesma época,coordenou,ao lado de Moema Viezer,Fábio Cascino,
Nilo Diniz e Marcos Sorrentino,a “Jornada Internacional de Educação Ambiental ” que elaborou o “Tratado
de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global ”.Este texto retoma idéias
tratadas no livro Pedagogia da Terra publicado pela Editora Petrópolis de São Paulo (2000).
2 Farancisco Gutierrez &Cruz Prado,Ecopedagogia e Cidadania Planetária,São Paulo,IPF/Cortez,1998.
3 Gaston Pineau,Del ’air.Essai sur l ’eco-formation,Paris,Païdeia,1992.
4 Leonardo Boff,Saber cuidar ,Petrópolis,Vozes,1999.
5 Milton Santos,Por uma outra globalização:do pensamento único à consciência universal .São Paulo,Record,
2000.

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