Ecologia e Socialismo
A proposta do Protocolo de Kyoto é absolutamente insuficiente para conter o aquecimento global e
transforma o direito de poluir em mercadoria
12/02/2007
Michael Löwy *
Quando o tema é ecologia e socialismo, o primeiro a ser considerado é até que ponto a razão
capitalista está levando o nosso pequeno planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação
catastrófica do ponto de vista do meio-ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e
da vida em geral. Aproxima-se um desastre de proporções ainda incalculáveis e os sinais disso já
são visíveis.
Atualmente estão se produzindo tempestades tropicais que já assolaram regiões dos Estados
Unidos. Especialistas no tema acenam para a possibilidade de que esses desastres chamados
naturais tenham relação com o aquecimento global do planeta e das águas oceânicas.
Os dramáticos resultados do desequilíbrio ecológico provocado pela lógica destrutiva da
acumulação capitalista são agora evidentes, e os sofreremos ainda mais dentro de dois, dez,
cinqüenta anos. Não é uma questão para ser resolvida dentro de um século, nem sequer para trinta
anos, é para agora; portanto, requer uma urgente resposta política, ética e humana.
Como a oligarquia dominante está enfrentando estes problemas? Sua resposta é lamentável. Os
setores ecologicamente mais avançados do capital internacional - a burguesia européia e outras,
como os japoneses - chegaram a um acordo para encarar o problema que consideravam de maior
urgência, que é o do efeito estufa: o chamado Protocolo de Kyoto.
Daqui a alguns anos, esse efeito estufa vai provocar o degelo nas zonas glaciais, com o que o nível
do mar vai subir, inundando várias cidades costeiras. Este é um cenário bastante provável, e pode
estar começando agora mesmo, com o exemplo mais conhecido da tragédia de Nova Orleans.
A resposta dos capitalistas mais conscientes, mais abertos à questão ecológica, se resume no
Protocolo de Kyoto, que é absolutamente insuficiente. O Protocolo busca, eventualmente, estabilizar
o efeito estufa para dentro de 10 ou 15 anos, com base num mecanismo absurdo chamado
"mercado dos direitos de poluir". Os países mais ricos seguem poluindo o mundo, mas baseados na
possibilidade de comprar dos países pobres o direito de poluir o que eles não utilizam. Transformam
o direito de poluir em mercadoria. Deste modo, as nações continuam poluindo: tanto quanto podem
ou estejam dispostos a pagar. Isso é o mais avançado que a elite dominante conseguiu produzir.
Esse acordo mínimo, vazio, falido, é perfeitamente incapaz de responder ao problema: os Estados
Unidos, que são o país mais poluidor do mundo, se negam a assinar o Tratado de Kyoto e,
enquanto isso, seguem desenvolvendo sua economia na lógica da destruição e da poluição.
O ecossocialismo
Necessitamos pensar em soluções radicais para esse problema. A solução de Kyoto é
absolutamente insuficiente e rechaçada pelos Estados Unidos. Se vamos pensar em termos de
soluções radicais, necessitamos pensar na questão do socialismo. Por isso, existe um movimento,
uma idéia, um programa, que é o ecossocialismo.
O ecossocialismo parte de algumas idéias fundamentais de Marx sobre a lógica do capital e de
alguns dos descobrimentos, avanços e conquistas científicas do movimento ecológico e da ciência
ecológica. Marx não havia colocado ainda a questão da ecologia em sua análise porque, na sua
época, a questão era muito pouco evidente. Mas ele afirma, em O Capital, que o sistema capitalista
esgota as forças do trabalhador e as forças da Terra. Traça um paralelo entre o esgotamento do
trabalhador e o esgotamento do planeta. Portanto, o desenvolvimento do capitalismo acaba com a
natureza.
As atuais fontes de energia do capitalismo são nocivas e perigosas; o que é perigoso para o meio-ambiente, também o é para a humanidade: quer sejam as energias fósseis, em particular o petróleo
que vai acabar dentro de algumas décadas - e se sabe matematicamente que vai acabar -, quer seja
a energia atômica, que é uma falsa alternativa, pois o lixo nuclear é um problema gigantesco, muito
perigoso, e que ninguém consegue resolver.
Então, a transformação revolucionária das forças produtivas passa pela questão das novas fontes
de energia, pelas chamadas fontes de energia renováveis. No lugar do petróleo poluidor e da
energia nuclear devastadora, necessita-se buscar energias renováveis, como a energia solar. Mas
ela não interessa aos capitalistas, porque é gratuita, difícil de vender e não é mercadoria.
O capitalismo não se interessa pela energia solar, não investe em seu desenvolvimento.
Obviamente, do ponto de vista socialista, é absolutamente prioritária a pesquisa científica e o
desenvolvimento tecnológico da energia solar. Não é a única, mas, com certeza terá um papel
central no processo de transformação radical do projeto ecossocialista.
Por isso, alguns velhos socialistas relacionam diretamente nossa utopia revolucionária, o socialismo,
o comunismo, com o Sol, com a energia solar. Essa expressão de "comunismo solar" já aparece em
alguns trabalhos de ecossocialistas. Haveria uma espécie de profunda afinidade entre a energia
solar e o projeto comunista.
Os balanços negativos
Outro tema que deve ser examinado é o balanço negativo do que foi, a partir da visão ecológica, a
experiência do chamado "socialismo real" da União Soviética e outros Estados burocráticos. Do
ponto de vista da transformação do aparelho produtivo, que avançou muito pouco, os resultados
foram enormes catástrofes ecológicas. Essa experiência é um caminho que nós não devemos
seguir.
Outro balanço negativo é o do reformismo verde. Os partidos verdes que se formaram nos anos
sessenta e setenta, no começo com certa perspectiva radical, terminaram quase todos, entrando em
governos de centro-esquerda e convertendo-se ao social-liberalismo. As soluções que se requerem
não passam por uma reforma ecológica aqui ou acolá; isso não resolve nenhum dos problemas. O
balanço desse eco-reformismo verde é, portanto, bastante decepcionante.
Necessitamos levantar esta utopia revolucionária, essa possibilidade que é o ecossocialismo,
que é o comunismo solar. A probabilidade de uma transformação radical da sociedade implica a
expropriação do Capital. Mas, ficar apenas na expropriação dos capitalistas não enfrentará a
questão do meio-ambiente.
A perspectiva ecológica, compreendida na sua radicalidade como a própria perspectiva socialista,
implica a superação do capitalismo, a possibilidade de uma sociedade mais humana, justa,
igualitária, democrática e capaz de estabelecer uma relação harmoniosa dos seres humanos entre si
e com o meio-ambiente, com a natureza.
Não basta estabelecer este objetivo, essa utopia revolucionária. É preciso começar a construir
esse futuro desde já. É necessário participar de todas as lutas, inclusive das mais modestas;
como, por exemplo, a de uma comunidade que se defende contra uma empresa poluidora; ou
a defesa de uma parte da natureza que esteja ameaçada por um projeto comercial destrutivo.
É importante ir construindo a relação entre as lutas sociais e as ambientais, pois elas tendem a
concordar, unidas ao redor de objetivos comuns. Por exemplo, as comunidades indígenas ou
camponesas que enfrentam as multinacionais desenvolvem um combate antiimperialista, mas
também social e ecológico. A luta pelo transporte coletivo moderno e gratuito é um combate para
avançar na solução do problema da poluição do ar. Conquistar uma rede de transporte público
gratuito significa que a circulação de automóveis vai diminuir, que a poluição será menor, que o ar
se tornará mais respirável.
Necessitamos perceber como, na prática, com essa perspectiva radical, as batalhas diárias vão se
combinando, convergindo, articulando.
Hoje o ecossocialismo é não só trabalho de pensadores ou revistas especializadas, está presente
nos movimentos sociais; mesmo que alguns deles não se chamem ecologistas ou socialistas, está
presente no espírito, na radicalidade, na dinâmica dos movimentos sociais, em particular nas nações do Terceiro Mundo como a Índia, os países africanos e os latino-americanos.
Mas alguns ideólogos da ecologia colocam falsos problemas. Por exemplo, que a degradação do
meio-ambiente é culpa de nosso consumismo, que cada um de nós consome muito, que é
necessário reduzir o consumo para proteger o meio-ambiente. Isso responsabiliza os
indivíduos e redime o sistema. É verdade que o consumo dos indivíduos é um problema, mas
o consumo do sistema capitalista, do militarismo capitalista, da lógica de acumulação do
capital, é muito maior.
Então, em vez de apregoar a autolimitação individual, é necessário chamar à organização para lutar
contra o sistema capitalista; essa deve ser nossa resposta.
Outra visão equivocada é aquela que declara que a culpa é do ser humano, que mediante o
antropocentrismo e o humanismo se pôs no centro e desprezou os outros seres vivos. Creio que
esta concepção causa falsos problemas. Porque é do interesse da humanidade, da sobrevivência
dos seres humanos, dos homens e das mulheres, preservar o meio do qual dependem
inevitavelmente.
Não se trata de contrapor a sobrevivência humana à de outras espécies, trata-se de entender que
elas são inseparáveis e que nossa sobrevivência como seres humanos depende da salvaguarda do
equilíbrio ecológico e da diversidade das espécies; portanto, desde o ecossocialismo estaríamos
falando de um humanismo biocentrista.
Michael Löwy é cientista social, leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da
Universidad de Paris. É autor de As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen
(Cortez Editora, 1998) e A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo. (Civilização Brasileira, 2002),
entre outras obras.
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