A economia do amor
Musa dos movimentos sociais, a futurista Hazel Henderson defende a inclusão dos critérios de qualidade de vida para calcular a riqueza das nações
Darlene Menconi
Max G Pinto
“A natureza é a professora
que dita como as coisas podem
ser feitas neste momento”
Com fala mansa e língua ferina, a ativista e consultora inglesa Hazel Henderson não tem formação acadêmica, mas é doutora honoris causa em economia pelas universidades de Tóquio, San Francisco e Massachusetts. Naturalizada americana, Hazel prega uma globalização mais igualitária e humanista e viaja o mundo em defesa da inclusão de critérios sociais nos índices que revelam a saúde econômica das nações. Presença garantida nos fóruns sociais, ela foi uma das musas inspiradoras das esquerdas. Hazel aposta na diplomacia brasileira
para liderar um movimento contrário à hegemonia americana, com enfoque na qualidade de vida e na preservação da natureza. Seu modelo econômico contabiliza o espantoso crescimento de paraísos fiscais como as Ilhas Cayman, que em 1998 sediavam 200 mil empresas e hoje abrigam 1,5 milhão. Na base desse bolo estaria a economia informal e a exploração dos recursos naturais, que ela batizou de economia do amor. Hazel veio ao Brasil para divulgar a Conferência Internacional dos Indicadores de Sustentabilidade e Qualidade de Vida, que acontece
s este mês, em Curitiba.
ISTOÉ – Quais são os princípios da economia do amor?
Hazel Henderson – É como se fosse um bolo com várias camadas. Nas superiores estão a economia de mercado oficial, as transações em dinheiro e os investimentos privados. Depois vem o setor público. No recheio está a evasão fiscal. O que chamo de economia do amor é a metade produtiva do bolo. É todo o trabalho não remunerado dos colaboradores, das mulheres que cuidam dos filhos, dos idosos, dos serviços domésticos, dos voluntários e da agricultura de subsistência. Em 1995, a Organização das Nações Unidas (ONU) avaliou que essa economia representava US$ 16 trilhões. Desses, US$ 11 trilhões seriam gerados por mulheres e US$ 5 trilhões por homens.
ISTOÉ – Qual a moeda dessa nova economia?
Hazel – Todo o bolo está sustentado na mãe natureza. A moeda
não é dinheiro. O valor está na absorção dos custos da poluição, na reciclagem e no tratamento dos efluentes tóxicos, nas toneladas de
lixo espacial ao redor da Terra, na inclusão social, no investimento em saúde e em educação. Até mesmo o Banco Mundial concorda que o investimento em educação não deveria competir no orçamento com gastos como a construção de estradas. É um investimento que leva
20 anos para se pagar.
ISTOÉ – Como transformar os recursos naturais em riqueza?
Hazel – Antes é preciso olhar o cenário global. Os Estados Unidos estão perdendo credibilidade. Nesse contexto de falta de liderança, de repente o Brasil se torna um líder do grupo de 21, que já são 23, ou 24 países. Pelos critérios que usamos para avaliar uma economia saudável, o Brasil é o país mais rico do mundo, com toda sua biodiversidade. Nossos indicadores não consideram só o PIB. Usamos 12 aspectos para medir a qualidade de vida de um país: educação, emprego, energia, meio ambiente, saúde, direitos humanos, receita e sua distribuição, infra-estrutura, segurança nacional, segurança pública, lazer e moradia.
ISTOÉ – Qual o papel do meio ambiente nesse cenário?
Hazel – Este é o século das nações em desenvolvimento. Há um ano, todo mundo imaginava que seria a hora da hegemonia americana. Apesar do poderio militar, o século americano foi curto. O ponto fraco foi a economia. Vivemos hoje no mundo da informação, do conhecimento e da ecologia. Estamos redefinindo o progresso, numa direção sustentável, o que significa incluir no preço dos produtos o custo social e ambiental. Se deixarmos o mercado financeiro continuar como está, será como determinar a destruição mais acelerada dos recursos naturais. Este é o velho modelo, em que as empresas estão hipnotizadas pela idéia da lucratividade. Dinheiro não é riqueza. Não há como separar economia de ecologia. O mundo mudou e a economia tradicional precisa mudar. Não é à toa que o Prêmio Nobel de Economia de 2002, para Daniel Kahneman, foi sobre a psicologia dos mercados.
ISTOÉ – Por que instituições como o Banco Mundial estão interessadas em mapear as reservas de água do planeta?
Hazel – Elas querem transformar recursos naturais em dinheiro. Não pensam no retorno de longo prazo. No desenvolvimento sustentável,
não se aumenta a lucratividade a cada trimestre, como querem os acionistas. Estamos redefinindo o progresso, numa direção sustentável que considera o progresso econômico de pequenas comunidades
e a ecologia. Muita gente investe em fundos de empresas que
respeitam o meio ambiente.
ISTOÉ – Por que a sra. é chamada de acupunturista da economia?
Hazel – Nossos avós não tinham noção de que os recursos naturais
eram finitos. Se continuarmos no atual modelo econômico, precisaremos de dois, ou mesmo de três, planetas para suprir nossas necessidades.
A economia insustentável não apenas destrói o ambiente, mas perde dinheiro. No Brasil, a nova administração compreende essas questões. Meu papel é agir nesses locais. É como se eu tivesse uma agulha
de acupuntura para fazer pequenas contribuições úteis ao conjunto
que é o planeta.
ISTOÉ – Como as mulheres se inserem nesse tipo de sociedade?
Hazel – Espero que mais e mais rapidamente as mulheres entrem
no mercado de trabalho e na política. Nos Estados Unidos, as
empresas gerenciadas por mulheres já empregam um terço da força
de trabalho do país. Nos próximos anos, as mulheres serão as donas
das empresas privadas.
ISTOÉ – Qual a diferença entre a administração
feminina e a masculina?
Hazel – As mulheres têm motivações diferentes ao começar suas empresas. Elas querem ser independentes e ajudar sua comunidade. A outra motivação é que muitos negócios começaram em suas próprias casas, o que facilita tomar conta dos filhos. Muito abaixo na lista estão as mulheres que querem ficar muito ricas ou ter poder. As mulheres estão criando alimentos orgânicos e abrindo lojas de produtos saudáveis. Elas estão muito mais envolvidas com a ecologia.
ISTOÉ – Como é possível sobreviver no mundo
competitivo de hoje?
Hazel – O próprio Charles Darwin fala em altruísmo, cooperação e
como isso, e não a competição, levou à evolução das espécies. Os cientistas descobriram que um hormônio nos capacita a formar grupos para nos proteger. Não nos surpreende que as mulheres, e em particular as mães, precisem desse hormônio para se unir aos filhos. O importante
é notar que o modelo econômico atual, chamado de racional pelos teóricos, maximiza os interesses individuais. Por incrível que pareça,
o mundo que se preocupa em compartilhar e com o trabalho cooperativo é chamado de irracional. Só que é esse modelo que vai garantir a evolução da nossa espécie.
Nenhum comentário:
Postar um comentário