segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Criatividade: Os comos e os o quês - Lala de Heinzelin

Núcleo de Estudos do Futuro

Criatividade: os comos e os o quês

Autor(es): Lala de Heinzelin

Falar de ser humano sem criatividade é como falar de tartaruga sem carapaça, canguru sem pernas ou borboletas sem asas.

Criatividade, além de ser o atributo primeiro da vida em si, é a ferramenta básica que o ser humano possui para ser e estar no mundo.

É bem verdade que é possível sobreviver com pouco exercício de criatividade, assim como é possível sobreviver sem uma perna, ou sem um rim : é a própria natureza criativa do homem que - como uma faca de dois gumes - faz com ele se adapte até a viver mal...

Essa capacidade de criar é o que fez com que, em pouquíssimo tempo de presença na face da Terra, tenhamos transformado tanto, tudo.

O planeta passou 99,99% de sua existência sem nós e nesse 0,01% de tempo em que estamos presentes já fizemos uma bela bagunça...

O que pode ser até bom, se olharmos o aspecto complementar e pensarmos que, se esse serzinho tem capacidade de fazer uma tremenda bagunça deve ter na mesma proporção capacidade de fazer uma bela arrumação !

Será que estamos chegando perto desse momento da História onde faremos cada vez menos bagunça e mais arrumação ? Do momento de gerar mais harmonia do que separação?

E aqui chegamos a uma palavra chave que é também característica do Universo e portanto nossa enquanto microcosmos: harmonia.

O que é harmonia?

Talvez um arranjo agradável, funcional, entre partes diferentes. “Isso e aquilo” combinados, dentro de um todo coerente, gerando uma terceira coisa.

E o que é criatividade

Também não é juntar o “isso e aquilo” diferentes, gerando uma terceira coisa?

E, aliás, aquilo que junta” isso e aquilo” não é o amor?

Mas, se vida é criação, que é harmonia, que é amor, por que será que as coisas ainda não estão tão harmônicas como gostaríamos? E por que será que usamos só uns 5% do nosso potencial?

Num primeiro momento podemos dar um desconto a nós mesmos e dizer : “ainda não deu tempo”. E é verdade.

Por exemplo: o homem sempre escravizou outro homem, por milhões de anos. Faz só um século ( o que equivale a uma vida e meia ) que isso acabou - pelo menos em teoria - e a teoria em si já é um progresso. Então, não deu tempo de criarmos outras formas de relacionamento que não sejam baseadas na posse, naquele que manda e no que é mandado.

Parece que sempre pensamos e agimos de forma dividida: os que tem e os que não tem; os da religião e os de ciência; o masculino e o feminino; os da crença assim e os da crença assado; os de teoria assim e os de teoria assado; os de cor assim e os de cor assado.

Isso fez de nós verdadeiros “sacis”: sempre andando numa perna só: a perna do paradigma aceito naquele lugar e naquele momento.

Hoje, começamos a “andar em duas pernas” e isso fica evidente na moda, nas ruas, nos costumes e até nas novas visões da ciência.

A física e a biologia modernas propõem que o mundo mudou : não é mais aquele mundo onde as coisas são, um Universo relógio, feito de pequenas e grandes partes semelhantes num movimento contínuo sobre o qual não temos qualquer ação. Um mundo no qual não fazemos diferença. Um mundo onde tudo está separado.

Se tudo é energia e matéria em permanente mudança de estado, se tudo é processo, probabilidade e portanto escolha, significa que as coisas não apenas são, as coisas também estão. E essa sim é a questão.

“To be or not to be, this is the question.” O português tem o privilégio de ter palavras distintas que podem ser mais específicas. Provavelmente, em português, Shakespeare diria: “Ser ou estar, essa é a questão.”

E aí que fica tudo interessante : se as coisas estão, então elas podem “estar” de outro jeito. É uma questão de escolha. E aqui voltamos para a nossa questão: criatividade.

Criatividade é justamente aquilo que promove a mudança de estado, o “estar” de outro jeito.

E o Universo de hoje não é um Universo feito de probabilidades, de potencialidades que estão ali à espera de uma escolha para se concretizar?

Criatividade é isso também: enxergar em cada coisa a gama de potencialidades que ela contém. É o que transforma garrafas em paredes e instrumentos musicais ou em lixo entulhando as praias e ruas. É só uma questão de escolha.

Criatividade é aquilo que nos lembra que os problemas estão menos nos o quê e mais nos como. O que é ruim, a garrafa ou o uso que fazemos dela?

E quando chegamos nessa questão dos comos é que a coisa começa a ficar mais complicada. Primeiro, porque nossa visão de mundo foi sempre uma visão excludente : isso ou aquilo, certo ou errado, o quê ou como, essência ou forma.

Insistimos muito em andar na “perna” do o quê mas, se essa perna fosse suficiente, o mundo já estaria em harmonia. Afinal, nos o quê em geral concordamos: dificilmente se encontra um ser humano cujo objetivo não seja a felicidade, sua e dos outros.

A questão agora é conquistar a perna do como.É passar de pensamentos e ações exclusivas – palavra que até virou um adjetivo muito valorizado – para um jeito de “ser e estar” inclusivo.

“Isto ou aquilo” é exclusão e gera um mundo de excluídos.

“Isto e aquilo” é inclusão, criação e pode gerar um mundo de harmonia.

Partes diferentes gerando uma terceira. Partes diferentes gerando harmonia.

E por que só os o quê não bastam?

Matéria e energia estão em constante mudança de estado, e, se a observação pode influenciar essa mudança de estado, por que é que não é só a gente sentar, pensar um mundo melhor e pronto, ele muda?

Por causa dos comos, da forma. Da tendência que a energia tem de se organizar em formas pré-existentes.

E aí, novamente, nossa ferramenta é a criatividade pois, para permitir que uma nova idéia floresça, é preciso uma nova forma. Para novos o quês são necessários novos comos.

Isso é óbvio, não é? Estamos cansados de saber disso, não estamos ? Mas será que a gente aplica?

Quanta coragem nós temos de enxergar e agir em novos comos? O quanto de fato acreditamos que só o o quê não resolve?

Falar dos o quês, viver para os o quês, sacrificar-se para os o quês, dá uma sensação de grandeza, de poder. A sedução da “grande causa”.....

Já os comos, eles são pequenos, cotidianos, trabalhosos.

O que é mais fácil? Ler e falar sobre transformação ou mudar a própria alimentação? É mais fácil adquirir uma nova informação ou um novo hábito? É mais fácil escrever sobre novas formas de gestão e um novo tempo ou, digamos, tratar bem - e pagar bem - os empregados ?

Os comos são mais difíceis, por isso tendemos a continuar como sacis, seguindo numa perna só e botando a culpa no mundo por nosso movimento ser difícil.

E por que pôr a culpa em algo ou alguém? Porque é mesmo difícil ser dono do próprio nariz e das próprias pernas pois isso também implica em ser co – autor do nariz e das pernas do mundo.

Até ha pouco tempo acreditava-se que era preciso “ver para crer” . A nova ciência mostra que é quase o contrário: é preciso “crer para ver”.

Dá para resolver ?

Dá. Mas para isso é preciso transformar.

Dá para transformar ?

Dá. Para isso é preciso criar.

Dá para criar?

Dá. Para isso é preciso acreditar.

Crer, acreditar, confiar. Essa é a condição “si ne qua non” para haver criação. Se duvidamos, o processo criativo é abortado. É como se arrancássemos um broto da terra para se certificar de que as raízes dele estão de fato crescendo.

Criação é um ato de confiança. De crédito. Como resolver desigualdades sociais se não “damos crédito” ao nosso semelhante ? A palavra já diz: mesmo o acesso a recursos financeiros dependem de crédito, de acreditar .

Os comos todos dependem de acreditar, de confiança. E isso é o que a gente não tem. ..

Por que é mais fácil mudar de idéia do que de hábito?

Porque a mudança de hábito dá medo : “Se eu parar de comer carne vou ficar doente”. “Se eu falar o que sinto vão me achar louco”. “Se eu fizer o que quero vão me excluir”.

Medo de exclusão, medo de ser diferente. Medo.

Criação, harmonia e amor implicam em aproximação, união. O contrário disso é o medo : aquilo que separa.

É por medo que temos - durante milênios enquanto humanidade, ou décadas enquanto pessoas - mutilado a nós mesmos, cortando a outra “perna” que permitiria que saíssemos correndo, livres, harmônicos e com potência suficiente para dar um grande salto rumo à plenitude.

O medo tem sido nesses milênios o nosso professor mais assíduo. É o medo que faz com que só usemos os famosos 5%.

Os loucos, os gênios e os artistas, ao usarem um pouco mais , foram sempre considerados impertinentes. E de fato sempre foram. Essa palavra é interessante: impertinência acabou sendo sinônimo de atrevimento, descompasso, falta de bom senso.

Porém, impertinente é “aquele que não pertence”. É o excluído. Impertinente porque cada vez que usa um pouco mais a sua potência isso é percebido como ofensa. Como se a potência do outro significasse a nossa impotência.

E que potência é essa? Impotência, potência. Palavras que dão um certo desconforto... Por que? Pois são palavras associadas à sexualidade e poder, assuntos que continuam – mesmo que veladamente – sendo tabus. Isso porque, ao assumirmos a própria potência, deixamos de delegá–la a algo que acreditamos mais forte e fora de nós. Passamos a assumir que o poder criador está dentro e não fora e usando nomes diversos como “divindade”, “dinheiro”, “governo”.

Não se diz “criado à imagem e semelhança de Deus” ? E isso não quer dizer que somos criadores e portanto potentes ?

A gente fala e escreve muito sobre novos o quês, mas não tem ainda coragem de viver de acordo com novos comos.

Medo. Medo da própria potência e de potência do outro. Medo de acreditar em si que resulta em acreditar e seguir aos outros.

Medo que leva a achar que só alguns “sabem” , que só alguns “chegaram lá”, que só alguns criam, que só alguns são gênios ou artistas.

Até agora não usei a palavra “arte”, e foi de propósito, porque arte é um jeito de ver e viver com harmonia e não um atributo de alguns eleitos.

Beleza e harmonia são intrínsecas à própria vida, e não apenas aquilo que está nos teatros e museus.

A tartaruga tem carapaça, o canguru pula, o ser humano cria e cria porque escolhe.

Por isso podemos continuar sendo tartarugas, escondidos debaixo da carapaça do medo de ser diferente, ou podemos integrar nossas polaridades, conquistar as “duas pernas” e assim virar canguru e dar o tão famoso salto evolutivo.

É uma questão de escolha. De crer para ver. E ver sob vários pontos de vista para poder criar. De sentir que as coisas não são, elas estão. De criar o quês e os comos para que elas estejam de outro jeito. De coragem para viver de acordo com esses comos.

Herói é aquele que tem a coragem de ser e estar de acordo com os quê e os como em que acredita .

Herói é aquele que luta contra a banalidade, é aquele que trocou de professo r: aprende não mais com o medo – aquilo que separa, exclui, segrega - mas com o amor, a criação, aquilo que sabe que das diferenças vem a evolução.

Crer é um ato de coragem.

Criar é um ato de coragem.

A palavra coragem, assim como concórdia (ou discórdia) vem do radical core - que quer dizer núcleo, essência. Que também é o mesmo de cor-ação, agir com a essência, com o núcleo.

Esse núcleo é o criador, o “divino” que somos tanto nos o quê - as idéias, quanto nos como – o corpo.

Core é também o mesmo radical de cor-po e de cor, que nos lembra que é através da percepção, dos nossos sentidos, que a vida pode “fazer sentido”.

É uma questão de escolha: assumir a própria potência, acreditar em si e assim recriar –se e ao mundo, com todas as cores e sabores que desejamos, ou ...

Ou...continuar creditando a potência ao outro, à algo que está longe, fora. A algo que não sou eu, nem muito menos meu corpo.

Ao colocar no que está fora a potência, a divindade, a criação, cortamos nossa própria perna , escolhemos a impotência e um mundo sem cor, o mundo em branco e preto. Um mundo de polaridades que continuam brigando entre si para saber o que está mais certo: o lado de lá ou lado de cá.

Criatividade e harmonia são a natureza de nossa natureza... É uma questão de acreditar e ter coragem para escolher.

Acreditando e agindo abrimos caminho para que acreditem em nós. E nos dêem c

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