17 SÃO LEOPOLDO, 24 DE SETEMBRO DE 2007 | EDIÇÃO 237
Bergsonismo, uma filosofia do futuro, do tempo, da
transformação
ENTREVISTA COM PIERRE MONTEBELLO
“Bergson faz-nos entrever nossa participação num movimento criador do universo, do qual nós
não somos nem a origem, nem o fim. Esta idéia de um universo aberto, criador, que em nada
corresponde àquele que a metafísica grega ou clássica descreveu, exerce hoje uma grande
influência. O bergsonismo é uma filosofia do futuro, do tempo, da transformação”, assegura o
filósofo francês Pierre Montebello, em entrevista exclusiva, concedida por e-mail à IHU On-Line.
Outro dos aspectos atualíssimos que Montebello aponta na filosofia bergsoniana é a idéia de
que “a filosofia não deve abandonar a ontologia, de que ela não deve contentar-se com a
fenomenologia que só descreve o mundo a partir da consciência humana, mas que é preciso
tentar descrever o mundo tal como ele é, é preciso tentar captar de que modo matéria, vida e
consciência comunicam fora de nós”. A respeito da obra A evolução criadora, o entrevistado não
poupou palavras: é um livro “assombroso”, um dos raros de filosofia contemporânea “que
retoma as grandes questões deixadas em suspenso após a crítica kantiana da metafísica”.
Felizmente, menciona Montebello, hoje A evolução criadora recebe seu devido valor e pode ser
comparado a O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, “duas trovoadas no céu
das idéias”.
Montebello leciona Filosofia Moderna e Contemporânea na Universidade de Toulouse-le-Mirail
e dirige o departamento de Filosofia dessa instituição. É membro do Comitê científico
internacional dos Anais Bergsonianos PUF Epiméthée: três tomos publicados (Annale I, 2002, 560
p., Annales II, 2004, 534 p., Annales III, 207, 540 p.) e da Sociedade Bergson, criada em 2006 na
base do comitê científico internacional dos Anais Bergsonianos. Escreveu inúmeras obras, das
quais citamos Vie et maladie chez Nietzsche (Paris: Ellipses, 2001); Nietzsche, La volonté de
puissance (Paris: PUF, 2001); e L’autre métaphysique (Paris: Desclée de Brouwer, 2003).
IHU On-Line - Quais são os aspectos mais atuais da
filosofia bergsoniana?
Pierre Montebello - O melhor representante da
modernidade da filosofia de Bergson terá sido, sem
dúvida, o filósofo francês Gilles Deleuze. Ele nos fez
redescobrir Bergson, de cuja filosofia tirou o mais
interessante e moderno: uma compreensão da relação
entre consciência e universo, entre percepção subjetiva
e cosmo. Bergson faz-nos entrever nossa participação
num movimento criador do universo, do qual nós não
somos nem a origem nem o fim. Esta idéia de um
universo aberto, criador, que em nada corresponde
àquele que a metafísica grega ou clássica descreveu,
exerce hoje uma grande influência. O bergsonismo é uma
filosofia do futuro, do tempo, da transformação. A
segunda idéia é de que a filosofia não deve abandonar a
ontologia, de que ela não deve contentar-se com a
fenomenologia, que só descreve o mundo a partir da
consciência humana, mas que é preciso tentar descrever
o mundo tal como ele é e tentar captar de que modo
matéria, vida e consciência se comunicam fora de nós.
IHU On-Line - Quanto à obra A evolução criadora,
qual é sua representatividade na filosofia
contemporânea, cem anos após sua publicação?
Pierre Montebello - Cem anos após sua publicação, A
evolução criadora continua sendo um livro realmente
assombroso: ele é hoje relido e estimado em seu justo
valor. Este livro deslocou integralmente o
questionamento filosófico. Depois que a filosofia de
Husserl 17 e de Heidegger 18 dominaram o cenário francês,
nos damos realmente conta de que este livro trouxe algo
totalmente novo. Ele é um dos raros livros de filosofia
contemporânea que retoma as grandes questões deixadas
em suspenso após a crítica kantiana da metafísica: a
psicologia, a biologia, a cosmologia... Este livro não se
contenta em dizer que o eu, a vida, o cosmo são
17 Edmund Husserl (1859-1938): filósofo alemão, principal
representante do movimento fenomenológico. Marx e Nietzsche, até
então ignorados, influenciaram profundamente Husserl, que era um
crítico do idealismo kantiano. Husserl apresenta como idéia
fundamental de seu antipsicologismo a “intencionalidade da
consciência”, desenvolvendo conceitos como o da intuição eidética e
epoché. Pragmático, Husserl teve como discípulos Martin Heidegger,
Sartre e outros. (Nota da IHU On-Line)
18 Martin Heidegger (1889-1976): filósofo alemão. Sua obra máxima é
O ser e o tempo (1927). A problemática heideggeriana é ampliada em
Que é metafísica? (1929), Cartas sobre o humanismo (1947),
Introdução à metafísica (1953). Sobre Heidegger, a IHU On-Line
publicou na edição 139, de 2-05-2005, o artigo O pensamento
jurídico-político de Heidegger e Carl Schmitt. A fascinação por
noções fundadoras do nazismo. Sobre Heidegger, confira as edições
185, de 19-06-2006, intitulada O século de Heidegger, e 187, de 3-07-2006,
intitulada Ser e tempo. A desconstrução da metafísica,
disponíveis para download no sítio do IHU, www.unisinos.br/ihu.
Confira, ainda, o nº 12 do Cadernos IHU Em Formação intitulado
Martin Heidegger. A desconstrução da metafísica. (Nota da IHU On-Line)
incognoscíveis. Esta filosofia traça um caminho, o mais
próximo possível da experiência que temos de nós
mesmos e do conhecimento que as ciências nos trazem,
para desenhar uma imagem plausível do que querem
dizer “consciência”, “vida”, “matéria”, “universo”,
“evolução”... É um livro riquíssimo. Deve-se comparar
esta obra ao grande livro de Schopenhauer 19 sobre O
mundo como vontade e como representação (5. ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1991). São duas trovoadas no céu
das idéias, dois questionamentos da visão demasiado
intelectualista que a filosofia nos deu do mundo.
IHU On-Line - Quanto ao conceito bergsoniano de
intuição, qual é sua relevância para que possamos
entender o livre arbítrio?
Pierre Montebello - A intuição bergsoniana é um
método: ela consiste em situar-nos no próprio movimento
das coisas, a pensar em duração quando temos tendência
em forjar conceitos demasiado estáticos.
A intuição opõe-se à inteligência. Não que a
inteligência seja inútil: ela serve para fabricar, é
principalmente geométrica, técnica... O mundo
tecnológico é sua obra. Mas a intuição não serve para
agir, e sim para compreender. Não se compreende nada
da vida quando se pensa através de conceitos que são
destinados a agir sobre a matéria (conceitos matemático-físicos...),
é preciso partir da intuição, da experiência
“de ser vivos”, do movimento da própria vida. E isto vale
para todas as coisas. A intuição é, pois, método de
conhecimento, e ela é também libertação, já que sem
ela somos condenados a viver apenas num mundo útil.
19 Arthur Schopenhauer (1788-1860): filósofo alemão. Sua obra
principal é O mundo como vontade e representação, embora o seu
livro Parerga e Paraliponema (1815) seja o mais conhecido. Friedrich
Nietzsche foi grandemente influenciado por Schopenhauer, que
introduziu o budismo e a filosofia indiana na metafísica alemã.
Schopenhauer, entretanto, ficou conhecido por seu pessimismo e
entendia o budismo como uma confirmação dessa visão. (Nota da IHU
On-Line)
Ora, a intuição nos desvela que o movimento das coisas é
criador: o universo é um movimento de expansão, a vida
é uma evolução criadora, a personalidade psíquica
consiste em produzir atos livres. É este plano criador que
a intuição nos faz encontrar.
IHU On-Line - Como pode a filosofia deste pensador
ajudar-nos a repensar a liberdade e a eticidade no
mundo contemporâneo?
Pierre Montebello - Repensar a liberdade e a ética
hoje em dia é, e todo o mundo que se dá conta disso, pôr
o mundo ante o homem, e não o homem ante o mundo.
Os desastres de nossos dias vêm daquilo que Spinoza 20
vira tão bem: o homem se crê um “imperador num
império”. Mas o homem não é o centro de nada: seu
passado e seu futuro são o próprio universo. A filosofia,
diz Bergson, deveria ser um esforço “para superar a
condição humana”. Bergson nos faz compreender que
pertencemos a um todo, e não é este todo que nos
pertence. Esta tomada de consciência é fundamental, ela
deve convidar-nos a reconsiderar nosso lugar no seio do
todo, do universo e dos viventes. A filosofia de Jonas 21
prolongará esta reflexão, sem, no entanto, conhecer ou
citar Bergson.
20 Baruch de Espinosa (1632-1677): filósofo holandês, pertencente a
uma família judia originária de Portugal. Publicou um Tratado Político
(Tractus Tehologico-Politicus), e a Ética e deixa várias obras
inéditas, que são publicadas em 1677 com o título de Opera Posthuma.
(Nota da IHU On-Line)
21
Hans Jonas (1902-1993): filósofo alemão, naturalizado
norte-americano, um dos primeiros pensadores a refletir sobre
as novas abordagens éticas do progresso tecnocientífico. A sua
obra principal intitula-se: Das Prinzip Verantwortung.
Versuch einer Ethik für die technologische Zivilisation,
1979, publicada em português como O princípio
responsabilidade (Rio de Janeiro: Contraponto, 2006). (Nota
da IHU On-Line)
IHU On-Line - Se, como afirmava Bergson, o tempo
real não existe, mas um continuum de tempo num
fluxo constante, então o que existe são mecanismos
mentais que compartimentam nossas experiências
sensoriais? Ao tomar consciência disto, como pode o
ser humano ter sua consciência afetada?
Pierre Montebello - O tempo real existe para Bergson.
Sua filosofia é uma filosofia da duração e, por
conseguinte, do tempo. Mas não é o tempo da física, não
é um tempo matematizado e dividido em instantes. É um
movimento contínuo que traz o passado e gera o futuro
no presente. Todas as coisas são ritmos de duração,
matéria, vida, consciência, maneiras de gerar um futuro
no presente recolhendo o passado. Mesmo a matéria que
parece ser pura repetição é um movimento contínuo de
expansão, uma transformação, uma evolução cósmica. Eu
creio que a física não pode contestá-lo, ela que delineia
uma história do cosmo a partir do Big Bang. O tempo é,
pois, a própria realidade, o próprio estofo das coisas e do
mundo. A filosofia de Bergson, como a de Heidegger, faz
o tempo passar ao primeiro plano. Ela recusa o
substancialismo que define as coisas por uma essência
estável. A metafísica clássica, dirá Bergson, não se deu
conta do tempo. O homem deve tomar consciência que
ele também age no tempo, que a criação se faz no
tempo. Não repetir, mas criar, tal é o sentido do ser que
a existência humana deve reencontrar. Caso contrário,
ela se fecha em sociedades estáticas, sociedades
fechadas, sem criação artística, sem movimento
espiritual, sem exigência de futuro.
IHU On-Line - Há nestas idéias influências de
Heráclito e de Kant, embora isso possa, de certa
maneira, soar de modo contraditório, já que Heráclito
foi inspirador de Platão e Kant foi um aristotélico?
Pierre Montebello - Há pouca influência de Heráclito 22
sobre Bergson. Sua concepção do tempo é moderna, ela
se apóia nos conhecimentos modernos da física, embora
se trate de separar-se dela, e sobretudo nas teorias da
evolução (transformismo de Lamarck 23 e evolucionismo
de Darwin), que são tão importantes no século XIX. Não
se trata simplesmente de dizer que as coisas estão em
movimento. É preciso mostrar como elas se movimenta,
e na filosofia moderna isso cruza com as questões que
conduzem sobre a matéria (ciências físicas), sobre a vida
(ciências biológicas) e sobre a consciência (ciências
psicológicas). Heráclito teve uma intuição. Bergson dá
uma consistência a esta intuição: ele trabalha com os
utensílios e os conhecimentos modernos.
A influência de Kant 24 sobre a filosofia moderna é
evidentemente essencial. No entanto, desde
22 Heráclito de Éfeso (540 a. C. - 470 a. C.): filósofo pré-socrático,
considerado o pai da dialética. Problematiza a questão do devir
(mudança). (Nota da IHU On-Line)
23 Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet (Chevalier de Lamarck;
1744-1829): naturalista francês que desenvolveu a teoria dos caracteres
adquiridos, uma teoria da evolução agora desacreditada. Lamarck
personificou as idéias pré-darwinistas sobre a evolução. Foi ele que, de
fato, introduziu o termo biologia. (Nota da IHU On-Line)
24 Immanuel Kant (1724-1804): filósofo prussiano, considerado como
o último grande filósofo dos princípios da era moderna, representante
do Iluminismo, indiscutivelmente um dos seus pensadores mais
influentes da Filosofia. Kant teve um grande impacto no Romantismo
alemão e nas filosofias idealistas do século XIX, tendo esta faceta
idealista sido um ponto de partida para Hegel. A IHU On-Line número
93, de 22-03-2004, dedicou sua matéria de capa à vida e à obra do
pensador. Também sobre Kant foram publicados os Cadernos IHU em
formação número 2, intitulados Emmanuel Kant - Razão, liberdade,
lógica e ética. Os Cadernos IHU em formação estão disponíveis para
download na página www.unisinos.br/ihu do Instituto Humanitas
Unisinos – IHU. Kant estabeleceu uma distinção entre os fenômenos e a
coisa-em-si (que chamou noumenon), isto é, entre o que nos aparece e
o que existiria em si mesmo. A coisa-em-si (noumenon) não poderia,
segundo Kant, ser objeto de conhecimento científico, como até então
pretendera a metafísica clássica. A ciência se restringiria, assim, ao
mundo dos fenômenos, e seria constituída pelas formas a priori da
sensibilidade (espaço e tempo) e pelas categorias do entendimento.
(Nota da IHU On-Line)
Schopenhauer aparece uma filosofia que encara Kant ao
reverso. Schopenhauer, Nietzsche 25 , Bergson, tornam
possível uma nova filosofia da natureza como vontade,
vontade de poder, duração. Eles constroem uma nova
imagem da natureza que não é mais aquela das ciências
físicas. A metafísica da natureza de Kant não é senão a
fundamentação do mecanicismo nas categorias de
compreensão do sujeito transcendental. Estes três
autores mostram, ao contrário, que o mecanicismo é
insuficiente para pensar a natureza. Aliás, não basta
mais dizer que o eu, a alma e Deus são indetermináveis.
É preciso compreender de que modo matéria, vida,
consciência, universo comunicam e estão em relação.
IHU On-Line - Ainda nesta linha de raciocínio, qual é
a influência de Kant sobre o pensamento bergsoniano,
considerando que o filósofo de Königsberg afirmava
que a coisa é em si incognoscível?
Pierre Montebello - A relação com Kant é complexa:
ele censura Kant por ter crido que a metafísica é
impossível; ele quer, pois, restaurar a metafísica. Pois
Bergson está convencido que nós tocamos o absoluto nele
mesmo. Ele retoma mesmo a frase de São Paulo 26 em A
evolução criadora: “No absoluto – são Paulo diz ‘em Deus’-,
nós estamos e nós nos movemos”. Para Bergson, nós podemos
conhecer de modo absoluto, e é por isso que sua filosofia
propõe um conhecimento da matéria, da vida, do
conhecimento. Enquanto somos entes materiais, vivos e
conscientes, como poderia escapar-nos tal conhecimento? Mas
é preciso empregar o método adequado, não se deve aplicar à
realidade meios dos quais a inteligência se serve para agir
sobre a matéria. Kant permaneceu num conhecimento
demasiado intelectual. Ele não colocou o tempo nas coisas, e
sim as tornou incompreensíveis. Ele acreditou, então, que não
se podia conhecê-las, que elas eram incognoscíveis. Mas a
inteligência não é feita para conhecer, segundo Bergson, e sim
para agir sobre a matéria, fixando as coisas num espaço e num
tempo matemáticos. Em lugar do entendimento, foi preciso
colocar a intuição que nos situa na duração e no movimento
criador do universo. O projeto bergsoniano é antikantiano
neste nível: restituir vida à possibilidade da metafísica.
IHU On-Line - De que modo a idéia bergsoniana de seleção
natural de informações nos ajuda a compreender a
singularidade das concepções do sujeito moderno?
Pierre Montebello - Não há idéias bergsonianas de seleção
da informação. Esta é uma idéia darwinista e Bergson contesta
o modelo darwiniano de seleção das pequenas diferenças. É
cristãos como o mais importante discípulo de Jesus e, depois de Jesus,
a figura mais importante no desenvolvimento do Cristianismo nascente.
Paulo de Tarso é um apóstolo diferente dos demais. Primeiro porque ao
contrário dos outros, Paulo não conheceu Jesus pessoalmente. Era um
homem culto, frequentou uma escola em Jerusalém, fez carreira no
Tempo (era fariseu), onde foi sacerdote. Educado em duas culturas
(grega e judaica), Paulo fez muito pela difusão do Cristianismo entre os
gentios e é considerado uma das principais fontes da doutrina da Igreja.
As suas Epístolas formam uma seção fundamental do Novo Testamento.
Afirma-se que ele foi quem verdadeiramente transformou o cristianismo
numa nova religião, e não mais numa seita do Judaísmo. Sobre Paulo de
Tarso a IHU On-Line 175, de 10 de abril de 2006, dedicou o tema de
capa Paulo de Tarso e a contemporaneidade. A versão encontra-se
disponível para download no sítio do IHU, www.unisinos.br/ihu. (Nota
da IHU On-Line)
um esquema que não toma em conta as tendências da vida,
segundo ele. Mas há em Bergson uma teoria do sujeito
moderno reconciliado com o universo e com a natureza, e não
transcendendo o universo e a natureza. É mesmo o essencial
ao bergsonismo fazer-nos compreender que o sujeito não tem
valor em si, que ele faz parte de um todo, que é aparentado a
este todo. Ele escreverá, assim, que o “eu” é da mesma
natureza que o todo. O bergsonismo luta contra esta idéia de
uma superioridade da consciência humana sobre o todo. O
sujeito é apenas uma parte do todo que comunica com ele.
IHU On-Line - De que maneira as filosofias de Bergson e
Deleuze se cruzam? O que têm elas em comum e,
sobretudo, em que elas diferem?
Pierre Montebello - A filosofia de Deleuze é bastante
inspirada pela filosofia de Bergson. Ela mantém seus aspectos
essenciais: primado do universo sobre o sujeito, luta contra a
fenomenologia que separa o sujeito da natureza e postula sua
transcendência, crítica dos falsos problemas e das ilusões que
provêm do fato de se fazer do homem “um império num
império”, pensar o movimento criador como o Aberto que não
cessa de criar e de transformar...
Deleuze faz passar Bergson para uma filosofia ainda mais
livre, a-subjetiva em seu fundo, reservatório de hecceidades...
Ele se serve disso para fazer surgir o paradoxo de um Aparecer
EM SI, de uma luz/Universo que precede o sujeito. Para ele,
como para Bergson, “a filosofia deve ser um efeito para
ultrapassar a condição humana” (Bergson). O universo na
ausência do homem, eis o que se deve pensar, e não o
universo visto pelo homem: pois o homem desfigura tudo
quanto ele reconduz a si. O que é o universo quando se faz o
esforço de pensá-lo sem preconceitos antropomorfos e sem
dogmas teológicos, sem mim e sem Deus? Tal é a questão que
Deleuze quer levantar e que se assemelha também ao
questionamento de Nietzsche. Que o homem não seja o centro
do todo, Deleuze o exprimirá retendo esta fórmula de Primo
Levi: “A vergonha de ser um homem”.
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