quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Considerações Gerais sobre a História da Cultura Luis Sergio Coelho de Sampaio

Brasília, 16 de junho de 1999

Considerações Gerais sobre a História da Cultura - Pré-Requisito para a Compreensão e Avaliação da História, Conjuntura e Perspectivas Brasileiras(1)

Descrever e analisar o caráter específico que o espaço e o tempo assumem na experiência humana é uma das tarefas mais atraentes e importantes de uma filosofia antropológica.
Ernst Cassirer

L’âme humaine et l’histoire humaine sont dans une large mesure déterminées par la lutte entre l’espace et le temps.
Paul Tillich

Antes de qualquer outra coisa gostaríamos de agradecer ao Magnífico Reitor da UnB, Dr. Lauro Morhy, o convite para participarmos do evento Anúncio do PROGRAMA DO LABORATÓRIO DE ESTUDOS DO FUTURO.

A série de eventos, Ainda, a Invenção do Brasil, que ora está sendo anunciada como atividade central do Laboratório de Estudos de Futuro para o próximo biênio, na nossa opinião, é de excepcional oportunidade e de uma grande importância, pois, às vésperas do ano 2000, não estamos ainda bem certos do que comemorar: se um, sem dúvida, arrojado descobrimento europeu ou se o início das tribulações e das penas de gentes que já aqui haviam e outras chegadas de outras partes que estão fazendo emergir, espero que para muito breve, uma nova cultura sob o sol dos trópicos. Não é preciso enfatizar o quanto nos sentimos honrados por estar aqui presentes e o melhor que podemos fazer para nos aproximarmos um pouco do talhe da oportunidade que ora nos é dada, é evitar as trivialidades, os déjà-pensées, as referências eruditas gratuitas e outras velharias para enfrentar, sim, esta nossa velha preguiça de pensar o novo, que, de algum modo, negamos e coetaneamente já somos.

A História como Processo Hiperdiaético Qüinqüitário

Não existe a menor possibilidade de nos lançarmos aos estudos do futuro sem a prévia assunção de uma concepção, de uma filosofia ou, dito com maior precisão, de uma lógica da História. Nestas circunstâncias, proceder à explicitação de tal pressuposto é, além de um entre muitos expediente para uma boa comunicação, também um imperativo de mínima ética. De que lugar(2), estaremos nós aqui falando do futuro? É o que tentaremos precisar neste item introdutório.

A noção de História estaria originalmente associada à lógica transcendental ou da identidade (I) (3), que é o modo específico de se poder pensar a temporalidade, a liberdade e a própria consciência. Esta é a primeira dentre as concepções de história, história judaica, solidária à verdade do Deus único, que iremos denominar com o neologismo unária. Ela é a História que se interessa primordialmente pelos extremos, origem e destino, momentos de criação e consumação dos tempos (escatologia); os "acontecimentos" intermédios, para ela, são mera conseqüência de incidentais descumprimentos pelos homens dos mandamentos divinos e do justo castigo que lhes é por isso infligido. O que esta concepção reclama de nós não pode ser outra coisa senão a fé inabalável de que Jó nos dá o melhor dos exemplos. (Ver figura 1)



Figura 1. Concepções da História

Depois de Hegel, a noção de História ficou radicalmente associada à lógica dialética, síntese das lógicas da identidade e da diferença, a que damos, por isso, a denominação de concepção trinitária. A verdade da dialética, como enfatizava Lukács (4), é a totalidade, de sorte que a verdadeira história só pode ser aquela da totalidade lógico-dialética em busca de si mesmo. Assim, concluiu coerentemente Hegel, a História seria o próprio processo de auto-desvelamento do espírito absoluto (5). Além da versão original hegeliana, especulativa (melhor dito do que idealista), esta história pode assumir também feições materialista, como em Marx/Engels.

Ao internar a diferença, a dialética cria um modo imanente de dinamismo, fazendo do conflito ou das contradições internas o seu verdadeiro motor, o que torna esta história especialmente apta para explicar as mil peripécias do devir. Em compensação, ela apresenta uma deficiência intrínseca que a incapacita para a compreensão de origem e destino – daí, o paraíso, o juízo final, o comunismo primitivo, a revolução, a sociedade sem classes e outras miragens para obnubilar a referida deficiência lógica. Ela é uma história que solicita, sobretudo, o nosso engajamento. Note-se, entrementes, que a dialética, desvinculada do diálogo com outras modos de pensar, pode facilmente degenerar em lógica da oportunidade e nosso engajamento em mero oportunismo.

A noção de História é freqüentemente estendida para abarcar concepções lógico-diferencias que em essência a negam, e isto, a nosso ver, se constitui num evidente contra-senso. Como fazer compatíveis a temporalidade lógico-identitária e a espacialidade lógico-diferencial? Apelando à velha dialética? Mas esta está, como vimos, aqui também envolvida para poder dar a necessária volta por cima. Concordemos em adiar por momentos uma resposta.

Considerada sua essência lógico-diferencial, estas paradoxais concepções históricas só podem se apresentar de duas maneiras, conforme sua opção lógica subjacente. De um lado, está a "história das mentalidades" que, com bem maior propriedade, deveríamos chamar arqueologia das mentalidades ou da cultura. É um pensamento que abre mão do diacrônico em favor do sincrônico, preocupando-se com as estruturas ou estratos profundos (em boa parte inconscientes) que constituem a alma de um agrupamento humano ou de uma época. Sua postura é fundamentalmente hermenêutica: trata-se, sobretudo, da busca da explicitação de um sentido coletivo, contextual. Teríamos como exemplos a escola francesa da "história das mentalidades" (6), o estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss (7) e, de confessa inspiração nietzscheana, a genealogia de Foucault (8). É uma concepção, em geral, marcada por uma visão trágica do homem e da sociedade, onde impera o eterno retorno do mesmo, governado por uma lógica da repetição. O homem não viveria propriamente uma história, mas o desdobramento epocal das mil máscaras do trágico se mostrando e se apagando num des-propositado jogo de forças. O que nos é dado, na circunstância, é a alegre (trágica) aceitação do jogo (9), da condição a que fomos atirados não se sabe por que deuses tão francamente anti-einsteinianos.

De outro lado temos a "história" embalada como produto científico, de inspiração organicista, que procura isolar "unidades históricas" relativamente estáveis (em geral civilizações) para daí inferir padrões de regularidade. Identificam e medem fatores determinantes de seu surgimento, de sua continuidade, de seu apogeu e de sua queda; os exemplo clássicos seriam Spengler (10) e Toynbee (11). Hoje, desta, prolifera uma variante que poderíamos chamar "história científica e bem remunerada", desenvolvida com o fim estratégico de permitir a mais tranqüila reprodução dos poderes; pretendem-se um cálculo a médio prazo do ser temporal, o que é já o suficiente para revelar seu caráter cínico; afinal, para ela, História não há mesmo mais. Aos poderes, solicitam mais verbas, aos desgraçados, que suicidem-se (12).

Estas duas concepções se distinguem, como dissemos, por seu parti pris lógico, uma vinculando-se à lógica da diferença, outra à lógica clássica esta última precisando ser compreendida pelo que verdadeiramente é: uma lógica da dupla diferença.

Não podemos aqui evitar uma breve digressão lógica, pois se trata de uma questão vital, embora seja o maior dos escândalos que não faça parte da cultura comum do cidadão (13). Quando procedemos a uma diferenciação qualquer B, não nos é garantido o princípio do terceiro excluído, característica inalienável da lógica clássica, ou seja, que Não(NãoB) se iguale a B. Isto é simplesmente impossível porque NãoB, diferentemente de B, é um indefinido, cuja negação não pode jamais vir a se constituir em algo melhor definido do que o próprio NãoB, para deste modo poder se igualar a B. (Ver figura 2).

Para garantirmos a validade do aludido princípio, precisaremos tomar por referência uma primeira discriminação, B, e abandonar NãoB; fazer de conta que B é uma totalidade e aí então, nele, proceder a uma segunda diferenciação A. Agora, sim, porque NãoA é tão bem definido quanto A, é que podemos ter de fato Não(NãoA) = A, como requer o princípio do terceiro excluído.


Figura 2 - Lógica da diferença versus lógica da dupla diferença

Melhor a denominaríamos, por isto, lógica da dupla diferença, em contraposição à lógica da simples diferença.

O caráter trágico da lógica da simples diferença (D), vem de que ela é o pensar da separação (relativamente ao Um/Ilimitado), muito bem simbolizada por Prometeu. A lógica clássica ou da dupla diferença (D/D=D/2) deriva de um artifício, de um faz de conta, ou seja, que uma primeira diferença pode produzir uma veraz totalidade; esta mera convenção promovida ao estatuto de verdade absoluta (exclusivismo da lógica clássica), transforma-a em lógica cínica. Muito simples, e no entanto, é tão só esta artimanha que permite o obsessivo cálculo de todas as coisas deste e doutros mundos promovido pela Modernidade.

O contra-senso da inclusão de concepções logico-diferenciais (espaciais e não, como deveria ser, propriamente temporais) da História em um mesmo quadro referencial tem agora sua grande compensação. Desenha-se um referencial perfeitamente homólogo à estrutura das lógicas de base (14), em que estão presentes as lógicas da identidade (concepção judaica ou unária I), da diferença (concepção trágica D), dialética (concepção hegeliana/marxista ou trinitária I/D) e clássica, formal, do terceiro excluído ou, ainda mais precisamente, lógica da dupla da diferença (concepção cínica D/D=D/2).

Agora nos é dado facilmente perceber o óbvio: que, seja seguindo o vai e vem das concepções da histórias em geral (I, D, I/D, D/D), seja seguindo diretamente a linhagem das lógicas da temporalidade (I e I/D), chegamos sempre ao mesmo destino - à existência de um quinto lugar, onde poderá situar-se uma nova concepção da história, coerentemente na linhagem das lógicas identitárias, só que desta feita, de nível hiperdialético ou lógico-qüinqüitário (I/D/D=I/D/2).

Esta pode ser compreendida de diferentes modos, entre eles, como uma síntese da concepção dialética hegeliana (I/D) com a hermenêutica das mentalidades (D), resultando, agora sim, numa síntese maior, lógico qüinqüitária - (I/D)/(D)= I/D/D=I/D/2 - , tal como está destacado na figura 1. Ela pode também ser entendida como uma dialética da dialética, síntese das concepções genuinamente temporais da história, transcendental e dialética trinitária. Não é só: também pode ser compreendida de per si, à maneira de Hegel frente à sua dialética, como lógica do processo de auto-desvelamento do homem, tido agora não como um espírito-lógico-trinitário (I/D), mas como um bem mais complexo ser–lógico-qüinqüitário (I/D/D=I/D/2). Haveria ainda muito mais que o leitor poderá por si descobrir.

Somos agora forçados a uma nova e breve digressão para salientarmos alguns dos principais traços que diferenciam a lógica hiperdialética (qüinqüitária, I/D/2) da já bem conhecida lógica dialética (trinitária, I/D) (15).

Preliminarmente apresentamos na figura 3 a dialética em dois ciclos subsequentes para fazê-la mais facilmente comparável à lógica qüinqüitária.

Fica aqui evidente a maior complexidade da hiperdialética na medida em que nesta, ao primeiro ciclo dialético, segue-se não outro ciclo da mesma natureza, mas sim um ciclo contra-dialético, que vai dar ensejo à síntese lógica clássica ou da dupla diferença. Só depois, o processo segue em direção a uma síntese maior, cuja complexidade vai inclusive requerer uma terceira dimensão representativa (16). Torna-se mais do que evidente que apenas desta perspectiva lógico-qüinqüitária é que se poderá proceder ã crítica radical da Modernidade (17).

De todas as lógicas mundanas (18) tão só a hiperdialética qüinqüitária subsume a lógica clássica, lógica da dupla-diferença, que sabemos garantidora, em última instância, dos procedimentos de cálculo do mundo que caracterizam essencialmente a Modernidade.

É a concepção lógico-qüinqüitária da história que necessária e coerentemente precisaremos assumir para poder efetivamente pensar a História da Cultura em toda sua amplitude, em especial, aquilo que esteja a emergir para além da Modernidade. Um lugar por demais alto, sabemos bem, tanto para o olhar, quanto aos riscos a serem assumidos; um lugar de ar rarefeito, certamente, mas mesmo assim, lugar onde se pode enfim respirar um pouco de esperança.



Figura 3 - Dialética trinitária versus hiperdialética qüinqüitária

Por também subsumir as concepções judaica e hegeliana da história, ela suscita e nos solicita tanto pela fé quanto para o engajamento.

Segundo nos informa Marcio Goldman (19), a maioria dos antropólogos - e cita Frazer, Morgan, Tylor e Lévi-Strauss - enxergou sua ciência desde sempre em crise, na medida em que, nem bem constituída, já contemplava ela a desaparição de seus mais caros objetos. Citamos isto para que não alimentemos qualquer ilusão com respeito a quão estranho irá aparecer ao saber antropológico estabelecido, mormente aqui em Pindorama, a assunção de um ponto de vista antropo-lógico que, de certo modo, se põe na contramão, alerta ainda à espera de seu objeto, pouco mais do que nomeado - a cultura nova lógico-qüinqüitária! Devemos convir que deve soar ainda bastante estranha esta nossa pretensão de antropafagiar a ciência em nome e proveito da esperança!



2. Um esboço da História da Cultura

Em Noções de antropo-logia (20) caracterizamos o homem como o ente dotado de um poder hiperdialético ou lógico-qüinqüitário. Os animais cordados operariam no nível lógico dialético (I/D), mas a razão humana iria mais além, operando uma complexa lógica hiperdialética síntese das lógicas da identidade ou transcendental (I), da diferença (D), dialética (I/D) e clássica, formal ou da dupla diferença (D/2). Isto deixa de ser uma excepcional novidade se considerarmos que esta mesma lógica qüinqüitária (I/D/2) governa, entre muitas outras coisas próprias aos homens, o discurso articulado em sua plena acepção (21).

Perguntamo-nos naquela oportunidade: como compatibilizar esta caracterização - válida para todos os homens em todos os tempos e lugares - com a tese da historicidade das culturas (a nosso ver, atestada de muitos modos, entre eles, pela idade, pela variabilidade no tempo do seu vigor criativo e pela flagrante assimetria do poder de influência de umas sobre as outras)?

Lá mesmo sugerimos uma resposta: concebendo a história da cultura como um processo de autodesvelamento do próprio ser do homem. Atente-se que este não seria um processo dialético no sentido hegeliano-marxista (I/D), mas, algo ainda mais complexo, de natureza hiperdialética (I/D/2). Aliás, por uma questão de coerência com o que vimos até aqui, como poderia ser diferente?

Toda cultura teria, assim, um essencial e particular comprometimento lógico [22), comprometimento que em nenhum outro lugar melhor se mostra do que nos princípios dogmáticos de sua religião oficial ou dominante [23]. Esta última seria a expressão simbólica, coletivamente objetivada, da lógica por ela assumida e sacralizada, e que lhe confere, inclusive, as condições de um efetivo exercício estabilizador da ordem social. Os tipos culturais que inauguram cada uma das etapas deste processo de desvelamento são por nós denominados culturas nodais.

Além das etapas marcadas por cada uma das lógicas subsumidas pela hiperdialética qüinqüitária (da identidade I, da diferença D, dialética I/D, clássica ou formal D/2 e a própria I/D/2), seria preciso considerar também etapas históricas precedentes em que teriam ocorrido significativos avanços, mas não ainda um passo de natureza propriamente lógica na direção daquele desvelamento. Elas serão genericamente denominadas etapas ecológicas (24], distinguindo-se uma primeira variante onde prevalece o sentido da identidade (cultura da pré-identidade ou pré-I), depois, uma outra em que prepondera o sentido da diferença (cultura da pré-diferença ou pré-D), ambas naturalmente referidas à Natureza. (Ver figura 4)

Resumidamente e focalizando uma área restrita, compreendendo apenas o Ocidente e o Oriente Próximo, teríamos a seguinte seqüência histórica de culturas nodais:



Figura 4 – Esboço de uma História das Culturas Nodais

pré-I, cultura tribal, dos bandos primitivos de caçadores/coletores do paleolítico;
pré-D, cultura sedentária de base agrária, começando no período mesolítico e alcançando o apogeu com os grandes impérios da antigüidade;
I, cultura judaica, primeira cultura que desvela e alcança a objetivação simbólica do ser lógico em geral;
D, cultura prometéica grega, já capaz de se perguntar pelo ser e pela sua própria lógica (logos);
I/D, cultura medieval cristã (patrística), por todos os títulos, uma manifesta síntese das culturas anteriores [25] ;
D/², cultura moderna de base científica, que hoje domina o Mundo; e, ainda por vir,
I/D/², cultura hiperdialética qüinqüitária, não castradora, porque, pela primeira vez, uma cultura à medida exata do homem.
É importante notar a perfeita homologia entre as figuras 1 e 4, descontado nesta última o "detalhe" das culturas "ecológicas", que vem demonstrar que por trás de ambas opera um mesmo arcabouço lógico. Por isso, a aparentemente desmedida simplificação da tese uma cultura, uma lógica pôde até aqui tão bem sustentar-se



3. Desejo, Fingimento e Superação

Nossa tese central daqui por diante, entretanto, não será mais uma cultura, uma lógica, porém algo bem mais arriscado e complexo: uma cultura, três lógicas (26]. Esta mudança (de 1 para 3), como se verá, tem o sentido profundo de uma passagem do enfoque estático ou arqueológico para o enfoque dinâmico ou propriamente histórico das culturas.

Cada cultura tem sua lógica de referência - que era nossa tese anterior - ficando, agora, associada a mais outras duas: a primeira, correspondente à cultura que a antecedeu - que determina o seu ser "desejante", fonte de seu vigor criativo - ; a segunda, correspondente à cultura que a irá suceder - que determina o que ela, numa artimanha defensiva, intentará simular ser, vale dizer, fingir que não mais é o que é, mas, sim, o seu próprio futuro que teria resolvido madrugar.

Tentemos melhor esclarecer. A adjudicação de uma lógica a uma cultura, já foi assinalado, precisou ser feita mantido o postulado da igualdade de todos os homens, o que implicava no reconhecimento de uma certa equivalência de todas as culturas (tese esta muito cara a estruturalistas e relativistas da moda, e da qual não discordamos). Em outras palavras, em que pese seu parti pris lógico, toda cultura de algum modo dá testemunho de outras lógicas. São vínculos ora claros e assumidos, ora clandestinos, com cada uma das demais lógicas mundanas, inclusive com aquela que a todas estas subsume.

Para convencer-nos, bastaria lembrar a profusão de manifestações arquetípicas que se pode recolher nas culturas históricas:

lógica da identidade I - o número 1, o ponto, o círculo, o ar e a águia, o azul, a cobra que se devora pela própria cauda;
lógica da diferença D - o número 2, o segmento de reta, a água e a serpente em hélice ou distendida, o branco, os gêmeos, figuras especulares em geral;
lógica dialética I/D - o número 3, o fogo e o leão, o vermelho, triângulos, triângulos de círculos ou nó borromeano;
lógica formal D/D ou D/2 - o número 4, a terra e o touro, o negro, os quadriláteros em geral e as cruzes;
lógica hiperdialética I/D/D ou I/D/2 - o número 5, o homem e a quinta-essência, a estrela socialista, os dedos da mão grupados em 2 mais 2 mais 1, as pirâmides de base quadrada, mandalas [27] de toda sorte.

Dentro desse quadro geral, seria de bom alvitre que se indagasse: para uma cultura comprometida com determinada lógica, que relações com outras lógicas poderiam em princípio ser as mais relevantes? E por quê?

Responderíamos que justo aquelas relações que ela mantém com as suas lógicas imediatamente vizinhas (Ver figura 5):

a) de um lado, com a lógica da cultura que lhe antecedeu - lógica que teve que ser superada (ou recalcada), para que ela pudesse advir em seu lugar, mas que de algum modo permanece subsumida, e que por vezes "retorna" ou se re-volta como num sonho - ;

b) de outro lado, com a lógica da cultura que lhe sucederá, seu permanente pesadelo - de onde, por suposto, procede a real ameaça à sua dominação de época.


Figura 5 - Desejo, fingimento e superação

Do ponto de vista lógico, toda cultura ao se afirmar estará automaticamente subsumindo aquela que a precede. O que acontece aqui guarda grande semelhança com o que a psicanálise já observou no processo de estruturação lógico/emocional dos indivíduos. Tendo-se em conta que a lógica anterior já foi reconhecida e duradouramente exercida, não se pode simplesmente apagá-la; o que se pode, na verdade, é de algum modo silenciá-la, recalcá-la ou, o que é ainda mais sutil, forçá-la a abandonar o já pensado por outro por pensar. Cria-se assim um vazio ou uma falta cujo impossível preenchimento será daí por diante insistentemente perseguido. Identificamos aí o poderoso "motor" oculto das grandes realizações humanas, ou seja, o desejo da cultura [28). Isto nos faz compreender, afinal, como as culturas, através de um processo de reiteradas substituições, sublimam-se na produção de tantas e tantas riquezas em termos de costumes, instituições, conhecimentos, técnicas e múltiplas artes.

Ao mesmo tempo toda cultura tem o pré-sentimento de sua fragilidade constitutiva ante ao próprio processo histórico-cultural. Desde sempre, de modo mais ou menos claro, sente qual deve ser o seu inexorável destino: acabar superada ou marginalizada pela cultura associada à lógica imediatamente subsequente à sua. Para conjurar tal tipo de ameaça congênita, que poderia haver de melhor senão simular ou fingir que de algum modo já se tornou aquele novo ser cultural ou, pelo menos, que já soube incorporar os seus ameaçadores ao mesmo tempo que fascinantes poderes? (Ver ainda figura 5)

Toda cultura teria pois uma disposição desejante, que é seu verdadeiro motor imanente, tanto de suas excelsas realizações, como de seus piores feitos, mas que ao final é o que a empurra para a frente, para a consumação do seu destino e de sua própria superação histórica. Toda cultura, mais intensamente quanto mais chegada à maturidade, simula ou finge ser o que ainda virá, que, convenhamos, é o melhor que poderia mesmo fazer para tentar embaraçar o curso do processo hiperdialético da História.

Deve-se observar que uma cultura se vale de muitos e diversos mecanismos de auto-justificação, (pela violência, até preventivamente mandando executar os recém nascidos, pelas ideologias, inclusive aquelas à esquerda e à direita, e tantos mais) e que a dissimulação aqui aludida é apenas um dentre eles. No entanto, na fase de esgotamento do vigor criativo de uma cultura, é o referido mecanismo de fingimento que assume o papel principal, pois já começam a se delinear em seu horizonte, ameaçadores, os contornos da nova cultura que virá sucedê-la.

O golpe fatal sobre qualquer cultura, todas o pressentem, só poderá vir mesmo da cultura que assumirá a lógica imediatamente superior à sua, e que de maneira inexorável irá confrontá-la, como não poderia mesmo deixar de ser, precisamente em seu fingimento. E quando isto acontecer, também não se pode ter dúvidas, será ela acusada justamente de usurpação de um lugar que não lhe era lógica e historicamente destinado.

A visibilidade deste processo não deve ser lá muito fácil para os seus protagonistas na medida em que as forças reais da subversão estarão necessariamente ali operando a difícil combinação de um ideário fundamentalista (por isso podem parecer retrógradas) com uma corajosa determinação de instrumentalizar o que até então era tido como valor supremo (por isso podem parecer delirantes).

A probabilidade de subversão de uma cultura cresce naturalmente na proporção do seu cansaço, do esgotamento de seu vigor criativo, enfim, do desvanecimento do seu próprio desejo. Acabou-se o tesão! Ela será então ultrapassada por uma nova cultura, o fruto esperado, tanto quanto terá sido negado, que estava já em gestação nas suas próprias dobras, margens e desvãos [29].

Tomemos alguns exemplos. O primeiro, seria o das culturas dos grandes impérios de base agrícola, da Antigüidade (pré-D), a primeira na ordem da família das culturas lógico-diferenciais. A agricultura tomada como base da subsistência, acompanhada de investimentos na organização da produção, na formação de estoques e na sua distribuição, como também na previsão e regularização das águas vão constituir a razão e suporte do sedentarismo - o vínculo permanente da população a um determinado espaço geográfico. Significam, em essência, a definitiva troca da temporalidade itinerante pela espacialidade fixa, metaforicamente, a liberdade pelo cativeiro.

Tempo perdido, perdidas também as marcas de uma origem que não pode ser mais recuperada. O mito vem suprir exatamente este desejo de origem, por isso é substancialmente mito de uma filiação imaginária. Como bem observa Mircea Eliade,

A maioria dos mitos de origem foi recolhida entre populações primitivas que praticam quer a vegetocultura, quer a cerealicultura (Tais mitos são mais raros, e por vezes radicalmente reinterpretados, nas culturas evoluídas. (negritos nossos) [30].

Tratando-se de uma cultura lógico-diferencial, as culturas de base agrícola terão sua fundação atribuída a um personagem na linhagem dos heróis prometéicos. Este teria subido aos céus e roubado aos deuses as primeiras sementes que aqui na Terra viriam dar origem à agricultura:

O mito, nas culturas de base agrícola (pré-D), é a expressão mais viva de seu desejo de origem (pré-I), que, em essência, é desejo de reconhecimento na ordem do tempo, requerendo assim o "diálogo" com antepassados e pósteros. Para tanto e muito mais, inventa-se a escrita possibilitando trazer pedaços do passado sempre presentes e também a certeza de uma pétrea presença gravada no futuro.

Neste tipo de cultura, entretanto, o sentido permanece ainda afeito ao traço, o simbólico refém da espacialidade que, malgrado, o constituiu; por isso não chega ela a vivenciar a completa convencionalidade do signo que lhe daria acesso ao ilimitado mundo das idéias ou dos conceitos. Ali vige o simbólico, mas sentido apenas como índex ou como análogo, ainda como um entre os múltiplos atributos dos entes.

É então pela idolatria sistematizada que esta cultura irá fingir a posse de poderes conceituais que verdadeiramente ainda não têm. A todas as coisas, vivas ou inanimadas, é atribuído um sentido, uma intencionalidade atuante ainda que oculta, que poderá ser manipulado com o concurso de fórmulas e práticas significantes, ora metafóricas, ora metonímicas (análogas aos processos primários inconscientes de condensação e deslocamento). Eis ai a essência da magia idolátrica: simulação de um poder simbólico pleno ainda por comparecer. (Ver figura 6)

Tudo isto, como assinalamos, para fazer frente à grande ameaça do conceito, que irá permitir a expressão do lógico enquanto tal. Como se fora numa pintura de Chagall, percebem já pairando no céu de suas cidades e aldeias entre azuis, verdes e cinzas plúmbeos um Deus que já não se pode mais adular, por nada subornável, absoluto transcendente, dotado da terrível autonomia lógica de poder ser e se dizer apenas aquele que é (ou será). A superação desta cultura se dará pelo advento da cultura lógica da identidade, da religião do Deus único, em definitivo saída da Natureza para o mundo da Lógica ou da pré-Idéia, inseparável do pré-domínio do simbólico pleno ou convencional.


Figura 6. Cultura imperial de base agrícola (pré-D)

Não é por acaso que aí comparece a primeira religião do livro, religião que vem justamente para denunciar os falsos poderes da magia sacerdotal e suprimir, a fio de espada, à noite, o círculo de seus adoradores - três mil ou mais outros vinte tantos mil, não importa - , que estiveram reunidos de dia, à volta do bezerro de ouro. Este é o sentido profundo da revolução cultural perpetrada pelo povo judeu, cuja gigantesca e emblemática figura, sabemos todos, é Moisés.

Um segundo exemplo seria o da cultura grega comprometida com a lógica do outro ou da diferença (D) que vem em sucessão e contraposição à lógica do mesmo ou da identidade (I). O personagem símbolo aqui é Prometeu, que roubando o fogo divino, assume a posição do outro dos deuses, posição que vai lhe custar o mais alto preço. E se vê condenado a não mais retroceder, porque isto significaria a renúncia ao seu próprio ser que é doravante ser outro (dos deuses). Daí, constituírem os gregos a cultura trágica por excelência.

A relação especular "sincrônica" (entre homens e deuses, um de costas para outro, diria Hölderlin, que se pode considerar como o fundamento lógico do trágico), não é de modo algum mais essencial aos gregos do que a "especularidade diacrônica" entre a poesia trágica (simulacro da idéia que ainda estar por vir) e a filosofia (nostalgia do um-todo, daquilo que foi e agora é falta), em especial, porque é desta última, e não da outra, que se alimentará o vigor criativo dos gregos.

Para compreendê-lo em toda sua significação, precisamos ter na devida conta que a filosofia vale menos pelo ser (I) que visa do que pelo distanciamento (D) que viabiliza a pergunta pelo ser (Aristóteles). Nesta, grega é mais propriamente o perguntar do que o ser. Reparando bem, veremos que a pátria do ser como tal, do um-todo ou do Deus único, por falta do distanciamento, não produz filósofos e perguntas, mas, ao invés, uma profusão de profetas e suas duras admoestações aos homens pela sua infidelidade à Promessa (que não é produto de roubo, mas, Graça!). A filosofia teria sido assim a busca inconsciente desejosa do ser uno (I) que a cultura grega (lógico diferencial D) recalcara em razão mesmo no seu processo constitutivo.

A arte grega, particularmente a poesia trágica, é ao mesmo tempo imitação (mimesis) e, além, pretensa extensão da natureza - do que esta deveria, mas não chegara a realizar - , o que encobre/revela, de modo incontestável, a dissimulação que ela realmente é. Trata-se do modo próprio prospectivo/defensivo do ser grego, malabarismo para uma sobrevivência impossível - fazer passar o não-todo pela totalidade fingindo ser sua própria posteridade.


Figura 7. Cultura ca grega (D)

É pois uma prerrogativa específica da cultura lógico-diferencial, grega no caso, simular sua própria auto-superação como arte. Para deixar isto ainda mais transparente, vale aqui apelar à sensibilidade do poeta - Hölderlin - :

Leur volonté fut certes d’instituer
Un empire de l’art mais là
Le natif par eux
Fut renié et, lamentablement,
La Grèce, beauté suprême, sombra [31]

Teriam morrido assim os gregos por excesso de arte, ou seja, por excesso de fingimento, à imitação da própria imitação, com a agravante de terem sido alertados em tempo por um dos seus maiores - Platão.

A observação de Heidegger de que Platão representa o fim da filosofia grega é de uma precisão micrométrica, desde que a interpretemos corretamente como o abandono do uno (I) aquém da diferença (D), para que fosse ele buscado além, como idéia ou conceito dialético-trinitário (I/D). Apenas veríamos em Platão menos um traidor [32] do que um clarividente, alguém que não faltou aos seus, alertando-os do que significava a velha e radical inimizade entre a poesia - que então exorbitava - e a filosofia, como bem registra A República [33). Ali dizia de quantos perigos correriam deixando à solta os seu poetas trágicos, não por serem imitadores, mas por sua pretensão de fazer passar o belo pelo verdadeiro, a verdade da parte pela da totalidade, o que, sabemos, viria a ser a prerrogativa própria da idéia (ou do conceito) [34). Hölderlin, já lembrado, chega a tomar a tragédia grega como o correlato de uma intuição intelectual, como se vê, um bem adequado operador para trazer à tona uma pretensa universalidade. Enfaticamente ele observa:
Esse tom fundamental é menos vivo do que o lírico, mais individual. Por isso, sendo também mais universal e o mais universal...(negritos nossos)[35]

Perceber tudo isso não é assim tão difícil, desde que possamos nós também escapar à sedução exorbitante do que era justamente o mais próprio dos poetas trágicos naquela quadra da história grega. Eugen Fink no que respeita a pretensão do belo ao vero, afirma que:
Au mythe des poètes prétendant que le beau est vrai, Platon n’oppose pas simplement cet autre mythe disant que le vrai est le seul beau authentique. Il interprète plutôt le beau comme chemin et échelon vers le vrai, comme préfigure du vrai qui ne s’ouvre qu’à la seule pensée pure. [36]

Quanto à essência do conflito opondo Platão e os poetas trágicos, Fink nos proporciona um comentário de grande precisão:
C’est là le sens de la critique platonicienne de la poésie. Cette critique ne rejette pas absolument la poésie, elle rejette seulement la prétension d’une poésie qui revendiquerait une vérité propre, originelle, subsistant en dehors ou même au-dessus de la philosophie.... Dans un pressentiment obscur, par conséquent sans savoir réelllement, la poésie imite le vrai savoir. La poésie est essenciellemente mimétique. Cependent elle est imitatio, mimésis, de la philosophie seulement aussi longtemps qu’elle admet que la philosophie lui imprime son caractère. ... la poésie devient alors, imitation d’une imitation. (negritos nossos)[37]

Muito importante é observar que para Platão, o conflito com a poesia trágica exorbitante não tinha nada de acidental, mas era algo essencial à própria afirmação da filosofia (bem entendido, como ele e não Heidegger a concebia: dialética da idéia ou do conceito):
Il lui fallut quitter le cothurne avec lequel il avait foulé le théâtre tragique; on lui arracha son prétendu masque divin; la riguer du concept remit à sa place sa sagesse usurpée. Le poète de l’épopée homérique et de la tragédie attique fut l’auteur des jeux, des spectacles contre qui la pensée métaphysique { isto é, dialética da idéia} dirigea une violente attaque. (negritos e colchete nossos)[38]

A nosso juízo, a cultura dialético-trinitária (I/D) se anuncia justamente nesta confrontação de Platão com os trágicos, no conflito da idéia com o excessivo poético que, dissimulado, vinha usurpar o lugar de uma futura emergência. O desenrolar desse processo é de uma extrema riqueza: é a história da edificação da cultura cristã (patrística ou fundamentalista trinitária), que, como visto, esboça seus primeiros traços em Platão, passa necessariamente pelo evento Cristo/Filho/Logos de Deus (o Crucificado) e chega mais do que 600 anos após à sua solene e irrevogável fisionomia no Concílio de Nicéia, onde se fixa em definitivo o símbolo da Trindade.

Como último exemplo vamos tomar o caso da cultura nômade tribal de caçadores/coletores que dominou o período paleolítico, e que por ser lógica e historicamente primeira, apresenta algumas interessantes peculiaridades.

Em razão mesmo de sua posição lógico-hierárquica, vamos nos defrontar com questões tais como: Que sentido poderia ter a noção de uma "lógica" anterior à "lógica", isto é, a pré-I? Como poderia se estruturar o desejo numa cultura cuja lógica é a primeira? Nestas circunstâncias, de onde poderá surgir o movimento de sua superação?

O agrupamento humano identificado como pré-identitário, recordemos, possui a capacidade lógico-qüinqüitária (I/D/D= =I/D/2) que caracteriza todo os seres humanos, no entanto, ignorando simbólica e objetivamente que a tem. Diferencia-se da cultura de base agrícola (Pré-D) porque esta se põe como outra da natureza, enquanto que ela mantém-se em posição de completa identificação com a mesma.

Já pertence, pois, ao mundo da cultura, porém, para sobreviver, vê-se compelida a assumir o estado de animalidade "pura" de onde proveio, no caso, viver da caça a outros animais. Georges Bataille, em Théorie de la religion [39], nos dá uma curiosa e acurada descrição do modo de ser no mundo que o alimentar-se de e ser alimento por outros animais acarreta: o ente vive a absoluta imanência, na sua própria expressão, como a água na água. A condição de caçador o identifica com a caça, que ao fim de contas representa sua própria animalidade ancestral. Em outras palavras, diríamos que no estágio da cultura tribal de caçadores o homem já conquistou o estatuto lógico (pré-I), mas, para sobreviver, vê-se obrigado a voltar-se para um modo de vida meramente animal (anterior a pré-I). (Ver figura 8)



Figura 8. Fingimento e superação da cultura tribal


Não é difícil perceber o paralelo entre esta condição e aquela que Freud caracterizou como sendo comandada pela pulsão de morte, ou seja, compulsão do orgânico a retornar ao inorgânico de onde se originou. Apenas deveríamos aqui precisar: não se trata de uma volta ao inorgânico, mas da renúncia a um ganho lógico - ganho da animalidade (I/D) para humanidade (I/D/2); pulsão de morte de um diferencial lógico por força do imperativo de sobrevivência. Com isso, concluímos que as culturas tribais, no que tange ao seu modo desejante, em que pese sua peculiar posição na hierarquia das lógicas, nem assim constituem uma verdadeira exceção. Embora ainda não se tenha um conhecimento acabado do universo religioso paleolítico, o fato é que já se pode lá assegurar a vigência de algum tipo de xamanismo. Sabe-se também que este é um universo religioso dominado pele lógica da identidade de todos os entes, animais e homens, mortos ou vivos, inclusive também os deuses. Isto fica evidente em suas práticas cerimoniais, conforme nos informa ainda , Eliade:

O êxtase xamânico implica além disso a possibilidade de "possuir", isto é, de penetrar nos corpos dos humanos, e também de "ser possuído" pela alma de um morto ou de um animal, ou ainda por um espírito ou por um deus. [40]

O fingimento nas culturas tribais, isto é, ser de nível lógico Pré-I e tentar se passar por Pré-D, seria fundamentalmente uma artimanha (intencional sem ser necessariamente consciente!) criada pelos xamãs para a conservação de seus poderes, postergando o advento da cultura de base agrícola. Para tanto, precisariam simular a passagem da caça no tempo para a "caça no espaço", da caça aleatória para a caça assegurada. Isto posto, fica fácil reconhecer o que realmente significam as belas pinturas nas paredes das cavernas datando justamente do paleolítico superior, quando já se desenhava para eles o espectro da agricultura. (Ver figura 9)

Toda esta artimanha representativa, no entanto, irá por água abaixo, por força de um movimento de subversão cultural, que vai se propor à recuperação do outro (a Natureza), não mais como o que se perdeu, mas como o que se tem para conquistar pelo trabalho, especificamente, pelo trabalho agrícola. Visa-se o outro agora como meio, e mesmo em se tratando de um semelhante, não mais se o devora e sim o escraviza.

O autor da proeza está historicamente perdido, contudo, entronizado nos mitos de origem que vão caraterizar o universo religioso desejante da de base agrícolas (Pré-D). Reconhecemos aí o herói prometéico, bem acorde com a essência da linhagem das culturas lógico-diferenciais: como já vimos, trata-se do personagem que sobe aos céus e lá rouba aos deuses as sementes que vão propiciar o advento da sociedade de base agrícola.


Figura 9. Caçada de veados Castellón, Espanha



4. A Modernidade

Chegamos por fim à Modernidade comprometida com a lógica formal (D/2) [41]. Seus grandes heróis são Galileu, Newton, Einstein e tantos outros, que não surrupiaram sementes ou fogo aos deuses, mas as equações matemáticas segundo os quais o mundo fora criado.

Sua face desejante situa-se bem no cerne de seu glorioso cientificismo - a Física [42]; sua face disfarce é a técnica e seus excessos, particularmente, hoje, a biopirotecnologia.

De fato, a Física é produto do exercício de um pensamento sistematizador (D/2), porém, desejosa do uno-trino (I/D), essência lógica da cultura medieval cristã (I/D), que fora recalcada pela próprio advento da cultura moderna (D/2).

Discute-se tudo na física. Em suas grandes crises, põe-se em questão mesmo o estatuto de seus conceitos mais primitivos, jamais, entretanto, que sejam eles três - tempo (T), espaço (L) e matéria (M) - suficientes para especificar qualquer sistema completo de medidas físicas abrangendo velocidade, aceleração, energia, força, pressão, corrente elétrica, spin, indução magnética, temperatura e o diabo [43]. Em suma, a física é realmente moderna nos seus métodos e na sua escrita (D/2), porém, fundamentalmente nostálgica no que tange ao seu objeto uno-trino desejado (I/D). (Ver figura 8)

O mais notável dos feitos de Newton - pré-assistido por Galileu e alguns outros - , foi, com sua mecânica, fixar as três dimensões essenciais e irredutíveis do ser físico: tempo, espaço e matéria. O fez, entretanto, como se fossem três absolutos - tempo absoluto, espaço absoluto e matéria impenetrável e substancialmente indestrutível. Se não uma "heresia triteísta", pelo menos um gritante e bem compacto oxímoro, daí porque, a partir de então, a história da física moderna é a incansável busca da relativização daquelas três grandezas através da determinação de seu comprometimento mútuo. Isto vem sendo feito através da postulação das modernas teorias não newtonianas - relatividade restrita, relatividade geral, mecânica quântica, eletro-dinâmica quântica - e a concomitante introdução de constantes universais correlatas [44].



Figura 10 – A modernidade


De outro lado, enganadora, está a técnica pela qual a modernidade científica simula que estaríamos já no após-modernidade hiperdialética. Na cultura nova lógico-qüinqüitária o homem teria chegado ao seu pleno auto-desvelamento, de certo modo, à plenitude lógica. A técnica, em especial a biotecnologia, simularia esta perfeição onto-lógica através da promessa da assintótica eternidade biológica, seja pela substituição de órgãos gastos por outros novos de laboratório artificialmente produzidos (os transplantes seriam já uma preparação para tanto), seja intervindo e consertando os defeitos de programação genética ou desarmando seus gatilhos internos disparadores da morte. Continuaremos tal como somos - egoístas, enfatuados, mesquinhos, omissos, insensíveis, nada solidários, sem qualquer imaginação, cada dia mais carentes de tudo (pois o marketing chega sempre à nossa frente) - , sim, mas, em compensação, assim para toda a eternidade!

A digitalização já se desenha como a grande arma contra o aumento da entropia, contra a morte em geral no mundo. Ela traz implícita a promessa tanto da preservação incólume, como da recomposição informacional de todas as coisas, seres vivos e memórias, inclusive, futuramente, do homem em todos os seus pormenores, com toda sua carga hereditária e de vivências acumuladas. É o velho "demônio" de volta, metamorfoseado, não se sabe como, agora, em juvenil anjo de Maxwell. É também o fim da História que tanto se apregoa, fazendo-se cínico coro com os arautos do Departamento de Estado.

Na técnica concorrem, de modo obrigatório, de um lado, o saber científico, de outro lado, a determinação ou o empenho numa realização, de sorte que em sua lógica estão necessariamente implicadas, respectivamente, a lógica clássica ou formal (D/2) e a lógica transcendental ou da identidade (I). Para se chegar a voar é preciso, além de um saber da aerodinâmica (D/2), também a inabalável determinação para fazê-lo (I). O avião já em vôo, não é tecnologia, mas novo saber cristalizado (D/2), o que, a propósito, deixa bem à mostra (e de costas) quão risíveis são nossas atuais "políticas de importação de tecnologia".

A lógica da técnica, entretanto, não chega à hiperdialética qüinqüitária (I/D/2) constituindo-se apenas em seu arremedo, pois, não ocorre ali propriamente um processo de síntese, mas tão apenas de subordinação da lógica transcendental das determinações à lógica formal da ciência - à lógica transcendental cabe apenas a função menor de viabilizar a reprodução de sistemas - a sistematicidade - , ou seja, o eterno retorno revigorado dos esquemas teóricos, das regras de poder, das organizações burocráticas e similares.

Poder-se-ia assim dizer, com toda a precisão, que a técnica realiza a simulação da lógica qüinqúitária (I/D/2) através da pseudo síntese machista da ciência (D/2) e de seu sujeito sujeitado (I). A verdadeira síntese qüinqüitária (I/D/2), a rigor, exigiria muito mais: para começar, a recuperação das lógicas da diferença (D) e dialética (I/D), da razão autenticamente feminina [45], lógicas justamente recalcadas pela cultura moderna (D/2). Como olvidarmos três séculos de caça às bruxas (ou à sexualidade feminina), coetâneo e co-fundador na fixação das bases do cientificismo que viria justamente constituir a essência da modernidade?! [46]

Eis, em linhas muito gerais, como a técnica se faz usurpadora do lugar onde pode advir o homem em sua plenitude, o homem da nova cultura hiperdialética qüinqüitária.

Daqui por diante, por razões óbvias, não se pode apresentar ainda fatos, mas tão apenas conjecturas. Não é difícil, entretanto, vislumbrar como se dará a superação da Modernidade.

Podemos valer-nos de um paralelo com a cultura grega e, lá, reparando nas vicissitudes por que passou a filosofia. Pode-se facilmente prever a vinda de um Platão (que provavelmente não será um, mas talvez milhões ao mesmo tempo, animados já por uma nova e autêntica espiritualidade qüinqüitária), para expulsar os tecnólogos da Nova República de Verdade; um novo Platão que abandone o uno-trino (I/D) aquém da dupla diferença (D/2) científica, para buscá-lo à frente, além, como discurso pleno hiperdialético-qüinqüitário (I/D/2). É óbvio que isto não vai representar o fim da ciência e da técnica, mas tão somente a sua subordinação ao Pensamento, aos interesses de uma humanidade por fim em seu estado de plenitude hiperdialética.

O Brasil e a Modernidade

Desde Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, a problemática brasileira é posta em termos do dilema ser ou modernizar [47]. Entretanto, como uma nação que nasce com a Modernidade, fundada por Portugal, uma nação que chegou a liderar o processo europeu de modernização, pode ter o problema de se haver com a Modernidade?

Não pode ser isto. Ainda que inconscientemente, o que se está sempre na verdade evitando ou ocultando é a questão de quem deva ser o sujeito da modernização (racionalização) que, entrementes, ali está posto de maneira implícita. A Modernidade, para nós, tem que ser olhada não como a questão da opção por um paradigma, mas como a questão da sua ocultação ou dissimulação. Em suma, toda esse alarido sobre a modernização brasileira, como de resto todo o discurso (ideológico) sobre a Modernidade é, no fundo, um discurso acerca de qual opção de sujeito da ciência se intenciona deveras dissimular.

A partir daí fica fácil perceber a essência do problema da incompatibilidade entre a formação social do Brasil, ou melhor, entre a formação cultural brasileira e a Modernidade. Este é verdadeiramente o nosso grande conflito interno. Mas acho que temos que aprofundar e entender melhor como se dá essa incompatibilidade e por quê persiste este dilema. Vamos tentar esclarecê-lo com a ajuda da figura 11.


Figura 11 – Problemática cultural brasileira

Sabemos todos que Descartes é quem inaugura (reflexivamente) a Modernidade. Por quê? Porque afirmou que o mundo objetivo era geometria, era ser-calculável, obedecendo à lógica do terceiro excluído, tendo como seu sujeito, o cogito, completamente transparente a si mesmo, sujeito de projeto, sujeito liberal; ou, se quisermos, o famigerado herói fordiano" [48] Todos os filmes americanos são a mesma coisa - uma caricatura, obviamente - : existe um sistema comunitário funcionando, aí ocorre o contingente, que pode ser a chegada da estrada de ferro, de um bando de assaltantes, de índios, de ETs de outra galáxia, de uma catástrofe natural ou artificial, de qualquer coisa que o faz degringolar. Então surge um sujeito isolado – as vezes até um punhado de indivíduos isolados, mas nunca a comunidade – e, depois de derrotar a adversidade, põe de novo o sistema em funcionamento. Quem viu, por exemplo, Dançando com Lobos poderia facilmente perceber isso: o sujeito se rebela contra a junta médica – não é um médico que vai cortar a perna do herói, é a junta médica que pretende fazê-lo –; contra o regimento, que tinha uma tática e ele executa outra por conta própria; contra o exército americano ao final; é uma história de seguidas insubordinações. E ganhou vários Oscars! E muita gente pensa ingenuamente que eles perdem tempo em Hollywood fazendo filmes só para nos enganar. Não! Eles fazem filme para reiterar o que são, para educar; depois também vendem para cá sem correrem o menor perigo de que os imitemos, porque nós não conseguimos ver o filme, ou seja, nós vemos outro filme, não uma lição de vida (cultural americana), mas como simples entretenimento.

Desvelar e instalar o sujeito da ciência, o sujeito liberal, demorou cerca de 500 anos. Tudo começa no ano 1000, ou 1100, ou 1250, com a própria Igreja tentando demonstrar para todo mundo que a ciência seria desnecessária. Para tanto, procedia à aristotelização de sua teologia, passando do radical trinitarismo de Santo Agostinho (dialético I/D) para o tomismo (lógico-clássico D/2). Porém, a lógica do sistema é a lógica da morte, a lógica funerária; a única coisa que se enquadra bem nesta lógica - um retângulo com uma porção de retângulos dentro - é o cemitério. Logo, não se podia mesmo ter uma cultura viva que fosse estritamente científica.

O sistema não pode por si produzir outro sistema. Quando se faz um sistema de folha de pagamento, uma álgebra axiomatizada, um organograma, não dá para ele próprio gerar outra coisa, ainda que similar. É necessário para tanto um sujeito fordiano, sujeito intervalar entre dois sistemas. O que se pode sacralizar, portanto, não é o sistema vigente [49], mas a cultura da sistematicidade, o cientificismo.

A consolidação da Modernidade, não pela adoção do cientificismo, mas pela descoberta do sujeito que lhe seria próprio, foi obra dos protestantes [50]. Embora Portugal e Espanha tivessem dado partida à Modernidade, à racionalização/ burocratização do mundo, não se mantiveram na vanguarda porque não constituíram/consolidaram o sujeito que lhe seria apropriado, o sujeito liberal, sujeito de projeto. Ou melhor, o tinham por lá até bastante, mas o expulsaram! [51]

O problema é pois quem deva ser o sujeito do sistema, ou seja, a ciência vai ser feita para quem, por quem e em proveito de quem? No paradigma anglo-saxão, todos os cientistas estão a serviço da reprodução dos sistemas; há também uma liberdade de fato, precisamente, aquela de um sujeito fordiano, para permitir que os sistemas se reproduzam.

Existiriam alternativas? O mais interessante é que esta questão se pôs logo no início da Modernidade. A cúpula da Igreja não queria discutir sujeito nenhum, porém, depois que o protestantismo colocou a sua solução, havia a necessidade de dar-lhe uma resposta. Então, a Igreja deixou emergir o jesuitismo latente, que formula uma contra-proposta (contra-reforma): no lugar do sujeito calvinista (I) colocar-se-ia um sujeito coletivo (I/D), obviamente representado por um sujeito simbólico absoluto (delegado do Absoluto). Assistindo-se a uma reunião em Brasília sobre, por exemplo, desenvolvimento tecnológico, veremos a turma que segue o paradigma americano propor que as verbas sejam dadas aos indivíduo que apresentem o melhor projeto; imediatamente, a turma à "esquerda" contra-ataca, propondo que as verbas sejam destinadas à criação de tecnologias que venham contribuir para resolver os graves problemas "sociais" [52]. É sempre a mesma coisa! Nós temos uma enorme dificuldade em aceitar aquele sujeito individualista, o sujeito liberal ou fordiano.

Resumindo, a proposta jesuítica é a de um sujeito coletivo que, exatamente por tal, precisa ser representado por um sujeito emblemático absoluto: é a proposta ciência e absolutismo. É incrível a carga que o Marquês de Pombal e os espanhóis fazem sobre a Ordem dos Jesuítas; pressionam um Papa, que acaba louco; pressionam o seguinte, que sobe no muro e passa três anos procrastinando a decisão; e os ibéricos mais ainda o apertam até que a Ordem é "dissolvida". Catarina da Rússia então os recebe na Polônia e chega a ameaçar o Papa: se insistisse em dissolver a Ordem em seus domínios, ela ordenaria "ortodoxar" a Polônia". A Polônia ficou católico-romana exatamente porque o Papa recuou, isto é, ele fez de conta que acabou com a Ordem, entrementes, uma boa leva de seus integrantes continuou se refugiando na Rússia que, no caso, era uma parte da Polônia ocupada. Com que finalidade? Para ajudar numa reforma educacional, uma reforma "modernizadora" no sentido dos Tzares: ciência sim, mas com um sujeito coletivo representado pelo monarca absoluto. Em que escola Lenin poderia ter aprendido o que fazer?! A exata fórmula jesuítica!

o maior absurdo dizer que a Igreja era contra a ciência, se os jesuítas, desde o fundador, Santo Inácio, foram se formar na Sorbonne; todo jesuíta é formado em alguma coisa de cunho acadêmico, inclusive científico. Quem leu o livro do Pietro Redondi, Galileu Herético [53] verifica claramente que o problema de Galileu não é com a Igreja e, sim, com os jesuítas, e nada tem a ver com a ciência propriamente dita. Ele foi acusado formalmente do não cumprimento de sua palavra e, no fundo - não é o que diz Redondi, mas do texto facilmente se o depreende - de querer aparecer, fazer sucesso, se tornar um mal exemplo, ser aquele que fazia ciência para ele próprio "faturar". E, para os jesuítas, até hoje, a ciência deveria ser feita coletivamente e em benefício da coletividade.

Ficou desde então este tipo de "alternativa". O que se está chamando hoje capitalismo confucionista ou capitalismo oriental é também disso uma variante; é ciência (D/2) com sujeito coletivo (I/D) representado pelo Imperador, no caso do Japão, pelo Secretário Geral do Partido Comunista Chinês, no Continente e pelo patriarca da "família alargada" na diáspora chinesa por todo o mundo.

O que há aí de importante que precisa ser visto? A maioria das "pessoas de esquerda" no Brasil, acha isso bom e nós também, só que optar pelo sujeito coletivo e ao mesmo tempo fazê-lo determinante, e não tributário ou intervalar, é uma solução impossível. Tudo, por uma simples razão: a lógica clássica (D/2) pressupõe e subsume a dialética (I/D); a primeira é lógica de um pensar mais poderoso do que a última, pois, como mostramos no item 1, ela é produto já de um ciclo contra-dialético. Então, não se pode inverter a seta que no capitalismo anglo-saxão ou paradigmático vai do sistema para o sujeito, que faz do último sujeito tributário do primeiro [Ver de novo figura 11). O capitalismo anglo-saxão não tem esse problema, pois o indivíduo do projeto (I) está a serviço do sistema; já estando pervertido, não vai perverter jamais (54). Mas quando é proposta a solução à esquerda (D/2 com I/D), sub-repticiamente também se propõe inverter a seta; pretende-se que a comunidade ou o ser-comunitário (I/D) vá se servir da ciência (D/2) em seu próprio benefício. Isto é a grande ilusão de todas as esquerdas. A seta que iria do sujeito coletivo para a ciência vai se inverter e se irá ter uma burocracia usando de uma ideologia para dominar a massa. Em última instância, é a lógica do sistema (D/2) que prevalece e o exemplo evidente é a URSS. Começou-se lá com a intenção de colocar a ciência a serviço do coletivo (NEP), mas sabe-se hoje no que isto, de fato, resultou. Basta lembrar a expressão socialismo científico: socialismo é o sujeito como ser coletivo (I/D) e científico é o mundo objetivo (D/2), a lógica clássica posta a serviço da dialética. Precisa-se explicar mais?! O Japão vai pelo mesmo caminho; ele só está resistindo um pouco mais à perversão em razão de sua grande homogeneidade cultural; eles aprenderam a bem usar a ciência e a técnica, mas estão agora acabando com o respeito aos velhos, o empresário samurai, a estabilidade do emprego etc. o que levará à sua própria dissolução cultural. Pelo mesmo raciocínio, quem está apostando na China como a grande nação capitalista do século XXI, irá se decepcionar.

Todos que se manifestam a favor do capitalismo dizem que, em essência, ele se baseia na racionalização do mundo (D/2) ou então no sujeito schumpeteriano (I) - o que, de certa forma, é repetir Descartes. A Modernidade na verdade se baseia em ambos: ele é a afirmação das lógicas da diagonal masculina (I e D/2). As outras duas lógicas, (I/D e D), constituem o avesso da Modernidade, sendo, portanto, os possíveis lugares de sua crítica, isto, porque são elas justamente as lógicas que a Modernidade está recalcando/desnaturando. O que faz ela da dialética (I/D), ou seja, da História? A faz história calculada. Entremos numa empresa qualquer: a primeira coisa que se irá constatar é a obsessiva pré-ocupação com o cálculo da taxa de retorno do capital. Maior evidência não existe! Não é isso que toda empresa faz? Sozinha, entretanto, a posição dialética (I/D) não é o lugar de uma solução; é apenas o lugar para uma crítica. Assim, Marx é importante para criticar o capitalismo (melhor diríamos, a Modernidade), mas não para propor um sistema alternativo, baseado num sujeito coletivo (I/D). Com o esfacelamento da URSS, isto está hoje mais do que comprovado.

Existe, entretanto, uma outra alternativa que é a do sujeito romântico, sujeito inconsciente, sujeito telúrico, sujeito poético, povo, ou, bem perto de nós, sujeito libidinal. (Retornar à figura 11)

A Alemanha tem uma elite - bem diferente da nossa, é óbvio - que sabe bem o que é cultura e sua importância. Foi precisamente por isso que ela respondeu por antecipação ao consumismo (55). O fascismo é uma alternativa, melhor dito, uma pseudo alternativa para a Modernidade, com o sujeito romântico (D) no lugar do sujeito liberal (I). Foi precisamente por isto que o fascismo apareceu tardiamente (como força social) em relação ao socialismo, vale dizer, justo quando o capitalismo começava a deixar de ser produtivista para tornar-se essencialmente consumista. Lá começou-se a sentir, antes do que em qualquer outro lugar, o capitalismo e o seu novo motor, o marketing, como um agressor da cultura. Para Heidegger, o inimigo da Alemanha (dizia Europa) não era apenas a URSS (sujeito I/D), mas igualmente os EUA (sujeito I), velhos rivais do logos heraclítico (D) (56). Vê-se agora uma simetria temporal perfeita: o marxismo é uma resposta retardada ao cálculo da História, ou seja, à acumulação pré-calculada do capital; e o fascismo é uma resposta antecipada ao consumismo, ou capitalismo de marketing. Por isso, o comunismo não tem mais futuro, mas o mesmo não se pode ainda seguramente afirmar do fascismo!

Entrementes, porque também inverte a direção da determinação ciência/sujeito, vigente no paradigma anglo-saxão, perverte, e como já se viu, bem depressa.

Nós temos uma formação ibérica forte, mas no aspecto educacional sempre houve a preponderância do íbero-jesuítico. A tendência da "elite" brasileira – a generalização aqui é sem dúvida um exagero – é comunitário/absolutista (I/D). O indivíduo aqui tem mesmo vergonha de ter lucro. Ele pode ficar rico, mas sempre com a consciência culpada, porque tem lá sua cabeça jesuítica. Se fraqueja com a idade, entretanto, não faz uma grande doação benemerente a uma universidade ou instituição filantrópica, como nos EUA, mas simplesmente muda (se fantasia, melhor se diria, na circunstância) para sujeito ostensivamente libdinal (D)! E o povão [57], principalmente onde pesa mais a cultura africana, puxa para o lado do sujeito libidinal (uma forma arcaica de D: pré-D). Ou seja, trabalhar racional e disciplinadamente, sim, mas para então poder gozar mais. Trabalhar duro a semana inteira, para na sexta à noite poder tomar sossegadamente sua cerveja com os amigos ou mesmo fazê-lo o ano inteiro, para poder desfilar condignamente no Carnaval.

Por que não se consegue modernizar o Brasil? Porque a elite puxa para o sujeito coletivo/absolutista (I/D) e o povão puxa para o sujeito libidinal (D, mais precisamente, pré-D), e ninguém quer saber do projeto (I). Daí, a dificuldade de modernizar o Brasil. Não há quem não o queira, mas ninguém quer se botar no devido lugar (I). O único jeito de o fazer é acabar com a elite, dizem de um lado. De outro lado, se diz que com esse povinho não dá. Não se aproveita nada – é o que o Roberto Campos nos ensina. Há um seu artigo, incrível, no qual afirma que o índio é preguiçoso, o negro só quer saber de magia e o português é patrimonialista; com isso, vale dizer, com toda nossa herança histórico-cultural, não dá para fazer nada, no juízo (ou ausência de juízo) dele. O atual Governo está mais ou menos seguindo esta dupla receita: põe a classe média para vender cachorro quente e assim pela concorrência matar de fome a baiana do acarajé, e, vende a economia brasileira em bloco para empresários monopolistas estrangeiros.

Entrementes, o Brasil está sendo construído, embora nós não queiramos ver (por isso se diz que o Brasil cresce à noite, sem ninguém ver ou atrapalhar).
Boa parte de nossa "elite" política, empresarial e até intelectual está traindo a causa brasileira, investindo no fim da História, no pensamento único, para quê? Para ocultar nossa grande alternativa que está na síntese por vir. Há, pelo menos, ainda, um nível de desenvolvimento cultural que seria o de uma cultura qüinqüitária, na qual exatamente deveríamos apostar. Ademais, para nós não há saída à esquerda e não há saída à direita; e também não adianta insistir em entrar para a Modernidade. Só há uma coisa para a qual nós temos vocação: é a síntese lógico-qüinqüitária, porque temos, mais do que quaisquer outros, todos os componentes de base para tanto.

Em suma, o Brasil não é um bom candidato ao luxo, ele o é deveras à originalidade. Eu não digo que o Brasil está pronto, como acreditava Darcy Ribeiro; ele está quase. Construir uma cultura é tarefa para 500 anos ou mais, e nós já estamos bem próximos de alcança-los! Apesar da cegueira das nossas "elites" políticas, militares, empresariais, eclesiásticas e intelectuais, nós haveremos de chegar lá.

Notas

1. Notas que serviram de base para a exposição oral, em 16 de junho de 1999, não lidas, nem necessariamente referidas em seus pormenores, mas que contêm todos as figuras projetadas e distribuídas a cada um dos presentes no ato da palestra, o que garante, no espírito (lógico-qüinqüitário), a fidelidade de uma à outra, em ambos os sentidos.
2. Estas notas de palestra já estavam obviamente alinhavadas, quando no almoço que precedeu à nossa apresentação, o emérito professor Dr. Roberto Cardoso de Oliveira, que seria o coordenador das apresentações da tarde, nos perguntou de que "lugar" nós iríamos falar. Tentamos por duas vezes responder que partíamos da problemática levantada por Lévy-Bruhl referente à questão do pensamento pré-lógico dos primitivos, tema sobre o qual ele mesmo havia escrito um livro que eu tinha ali em minha pasta, inclusive para lhe pedir que o autografasse. Considerávamos que, independentemente da resposta dada pelo pensador francês, a pergunta por si constituía-se numa revolução: não se indagava mais se os primitivos tinham alma; agora, a nosso juízo bem melhor, perguntava-se se eles tinham lógica (clássica). O professor Dr. Roberto Cardoso de Oliveira, posteriormente, presidindo a Mesa nos apresentou à platéia como especialista em informática, o que em si não traduzia nenhum menosprezo, mas levou-nos à convicção que não respondêramos satisfatoriamente à sua pergunta do almoço. Por isso, durante a nossa exposição fizemos reiteradas alusões ao episódio, enfatizando que este primeiro item valeria por si, mas especialmente como uma terceira tentativa de resposta àquela sua mui justa e sábia indagação. Para qualquer dúvida sobre esta nota, consultar registro televisivo da sessão, nos arquivos da UnB que, por sua vez, só pode ser bem compreendido com a ajuda desta nota.
3. As expressões I, D, I/D etc. são apenas uma taquigrafia, uma simbologia mnemônica para designar as diversas lógicas da tradição. Existiriam duas lógicas fundamentais: I (lógica transcendental ou da identidade) e D (lógica da diferença). As demais lógicas seriam delas derivadas através da operação de síntese dialética generalizada simbolizada por "/ ". Teríamos, então, I/D (lógica dialética), D/D=D/2 (lógica clássica), I/D/D=I/D/2 (lógica hiperdialética ou qüinqüitária) etc. Na esfera mundana, a ultima é por nós considerada a lógica própria e exclusiva do ser humano. Para maiores detalhes, ver SAMPAIO, Luiz Sergio C. de, Noções de antropologia. Rio de Janeiro, UAB, 1996 (xerografado) ou BARBOSA, M. C. As Lógicas. Rio de Janeiro, Makron Books, 1998.
É bom alertar que o presente texto foi construído para ser lido independente destas referências taquigráficas. Elas aqui estão porque acreditamos que alguém, desde que não as tema, possa tê-las como um conveniente e simples apoio de leitura. 4. LUKACS, Georg. Histoire et Conscience de Classe, Paris, de Minuit, 1960
5. HEGEL, G. W. F. Fenomenología del Espírito, México, FCE, 1971.
6. DUBY, Georges, Histoire des Mentalités, Paris, Gallimard, 1972
7. LÉVI-STRAUSS, C. História: método sem objetivo específico in NIZZA da SILVA, M. B. (org.), Teoria da História, S. Paulo, Cultrix, 1976
8. FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber, Petrópolis, Vozes, 1972.
9. AXELOS, Kostas, Contribuition à la Logique. Paris, de Minuit, 1977 e também FINK, Eugen, Le Jeu comme symbole du monde, Paris, de Minuit, 1966.
10. SPENGLER, O. A Decadência do Ocidente, Brasília, UnB, 1982
11. TOYNBEE, A. Estudio de la Historia, Compendio I/IV, Madrid, Alianza, 1981
12.O psicanalista francês André Green, recentemente instado a justificar o seu pessimismo em relação ao mundo atual, declarou que, a seu ver, "a proposta de nossos políticos para as gerações modernas é ‘suicidem-se’." Provocações do pensar, entrevista de André Green em Jornal do Brasil, Idéias, 19 de out. de 1996. 13.BARBOSA, M. C. As lógicas – As Lógicas Ressuscitadas Segundo Luiz Sergio Coelho de Sampaio, S. Paulo, 1998, Makron Book, 1998.
14.As lógicas de base são as lógicas propriamente subsumidas pela hiperdialética qúinqúitária: I, D, I/D e D/D. Este conjunto, que forma a base da pirâmide representativa de I/D/D, é de grande importância, porque suas diagonais, segundo Lacan, permitem a re-definição ou sobre-impressão da sexualidade no ser- humano.
15.SAMPAIO, L. S. C. de .15. Dialética trinitária versus hiperdialética qüinqüitária, 1995, in Sete ensaios a partir da lógica ressuscitada, Rio de Janeiro, Ed. UERJ (no prelo)
16.A representação arquetípica da lógica qüinqüitária aparece em quase todas as culturas como uma figura de 5 elementos, sendo a mais comum e sugestiva, a pirâmide de base quadrada. Ver BARBOSA, As Lógicas, op. cit.
17.SAMPAIO, L. S. C. de, Desejo, Fingimento e Subversão na História da Cultura. Rio de Janeiro, 1998
18.É o conjunto das lógicas da identidade (I), da diferença (D), dialética (I/D), clássica ou da dupla diferença (D/D) e qüinqüitária (I/D/D) que permitem pensar todos os entes mundanos, inclusive o homem, embora não permitam dar conta de modo compreensivo, entre outra coisas, do saber inter-subjetivo (por isso, é impossível o calculo do outro!)
19.GOLDMAN, Marcio. Razão e Diferença, Rio de Janeiro, UFRJ/Gripho, 1994
20. SAMPAIO, L. S. C. de. Noções de antropo-logia. Rio de Janeiro, UAB, 1996. Alternativamente, pelo mesmo autor, o vídeo Antropologia cultural, I, II, III e IV, Rio de Janeiro, EMBRATEL/ UAB, 1993.
21. A linguagem natural é (1) sua própria metalinguagem (I); (2) só é na medida em que remete a outro (D); (3) é um ser histórico por isso tão facilmente persegue o devir (I/D); (4) tem poderes formais ou demonstrativos (D/2); (5) é complacente ao Absoluto, tendo-se em conta seu ilimitado poder metafórico (I/D/2). Ademais, pela velha caracterização aristotélica que considera o homem um animal racional, tomando-se, um pouco abusivamente, animal como dotado de consciência (I) e razão como capacidade lógico formal (D/2), as duas caracterizações não seriam assim tão díspares. Se tomarmos o termo razão (logos) em sua pressuposta largueza heraclítica, então a diferença talvez não seja mais nenhuma.
22.SAMPAIO, Noções de antropo-logia, op. cit. Dado o processo de relacionamento entre culturas (um processo hiperdialético, muito mais complexo do que a monotonicamente ascensional dialética hegeliano-marxista), são inúmeros os casos de culturas logicamente híbridas.
23.Isto é valido inclusive para a Modernidade. A religião na Modernidade, como em todas as culturas, é produto da sacralização de sua lógica própria, no caso a lógica clássica ou do terceiro excluído. Por isso ela é politeísta, em um modo próprio - como combinatória em um conjunto já dado de deuses e religiões. A religião estrutura-se hoje como um supermercado de deuses, crenças e ritos.
24. Poder-se-ia usar a expressão pré-lógica, num sentido bem preciso de que são culturas que operam logicamente, porém, não se dão conta que o fazem, isto é, não conseguiram conferir-lhe uma expressão simbólica e coletiva estável. Por isso representam e sacralizam sua relação com a Natureza, cabendo-lhes pois a designação de culturas ecológicas. Ademais, se usássemos a expressão pré-lógica desencadearíamos uma terrível tempestade por parte de estruturalistas/relativistas que tão logo nos acusariam de repetir um sério pecado cometido por Lévi-Bruhl. Aliás, uma polêmica cheia de veneno e má fé, tendo-se em conta que Lévi-Bruhl usou a expressão pré-lógico não no sentido de destituído de lógica, mas como dotado de uma outra lógica, aquela identificada por Ribot (de influência freudiana) como, precisamente, logique du sentiment.
25. Consideradas todas as culturas nodais anteriores (ecológicas e propriamente lógicas, ao todo 5 - pré-I, pré-D, I, D e I/D), o cristianismo patrístico aparece como histórica, mas não logicamente qüinqüitário, isto é, como pseudo-qüinqüitário. Isto tem implicações de uma incalculável amplitude que não podemos (ou talvez nem soubéssemos) aqui explorar, como mereceriam. Observaríamos, contudo, que isto é o suficiente para demonstrar em definitivo que a História não é um processo dialético trinitário hegeliano (apenas), mas um superior processo hiperdialético qüinqüitário...
26. SAMPAIO, L. S. C. de, Desejo... op. cit.
27. Símbolos geométricos que tomam como formas básicas quadrados ou cruzes (D/2) e círculos (I ou I/D) que articulados vão representar a síntese da identidade e da diferença ou, além, a síntese da identidade com a dupla diferença, ou seja, a hiperdialética qüinqüitária (I/D/2). Não é surpresa, pois, que os psicanalistas de orientação junguiana tenham observado a freqüente ocorrência de mandalas nos desenhos de pacientes em início de processo de recuperação.
28. Não é aqui o lugar para aprofundar este assunto, mas na verdade é este o modo pelo qual se pode abrir um caminho realmente profícuo para articulação das idéias de Marx e Freud, cuja necessidade foi há muito pressentida, entre outros, por Reich (!) e pela Escola de Frankfurt.
29. Este tipo de consideração é fundamental para a compreensão, em profundidade, das relações EUA/Brasil. O primeiro crê representar hoje a quinta-essência (finge, pois na verdade não passa de ser a quarta-essência) da cultura, enquanto que o segundo é um marginal, porém, um dos mais prováveis candidatos à realização da cultura nova qüinqüitária. Sob este prisma sabem eles que somos seu mais temível inimigo. Isto não quer dizer que o EUA já seja o último dos modernos e que o Brasil não vá faltar à sua destinação (outro, como a Índia, pode certamente assumi-la encorajado pelos nossos freqüentes "amarelamentos"), mas aquela possibilidade está já inscrita nos "inconscientes coletivizados" de todos nós, lá e cá. Por isso, constitui-se no constante pano de fundo de suas amistosas/rancorosas e por isso sempre tensas relações políticas. Exclui-se aqui, por excepcional (de exceção) o atual momento destas relações.
30. ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Idéias Religiosas, Rio de Janeiro, Zahar, 1978. Tomo I, vol. 1, p. 58.
31. Hölderlin, F.Oevres Complètes, p. 228.
32. Heidegger se comporta com Platão assim como muitos de nós brasileiros costumamos fazer: se alguém previu algo que acabou acontecendo, é ele sem dúvida o grande culpado, pois, para que o tivesse feito precisava antes tê-lo ouvido dos deuses (pois o futuro só a eles pertence) , e sendo-lhes assim tão íntimo, porque não lhes convenceu de pelo menos trocar o pior por algo um pouquinho melhor?! Só por vingança, por não termos lhe dado atenção? Um mal caráter! concluem, sem a menor cerimônia. Quem já não viu, ou pior, foi vítima deste tipo de " ilação"?
33. SOCRATES: - ... Finalmente, para que a poesia não nos acuse de dureza e rusticidade, é bom aduzir que não é de agora, porém, sim, muita antiga, sua oposição à filosofia. Platão, A República, X Platão, A República, l. X. S. Paulo, Atena, 1955.
34. A pretensão à universalidade da poesia (trágica, inclusive) é crença corrente entre os gregos, como podemos ver em Aristóteles: Por tal motivo a poesia é a mais filosófica e de caráter mais elevado que a história, porque a poesia permanece no universal e a história estuda apenas o particular. ARISTÓTELES, Arte Retórica e Arte Poética. S. Paulo, Difusão Européia do Livro, 1959. (negritos nossos)
35. Reflexões, 1966.opus citado, p. 59.
36. FINK, Eugen, Le Jeu comme Symbole du Monde. Paris, Minuit, 1966 p. 90.
37. ibid. p. 92
38. ibid. p. 101
39. BATAILLE, George. Théorie de la Religion. Paris, Gallimard, 1973
40. ELIADE, op. cit. p. 43
41. A lógica clássica ou da dupla diferença, em sua máxima generalidade, é síntese da lógica da diferença D e da dialética I/D, por isso as subsume. Em símbolos: (D)/(I/D) = D/2. Assim, o ser como totalidade visado pela lógica dialética é, em parte, herdado pela lógica clássica, que se constitui destarte em analítica das universalidades ou totalidades por convenção. SAMPAIO, L. S. C. de, Dialética trinitária versus hiperdialética qüinqüitária, Rio, ICN, 1995.
42. Ver Reflexões, moderadamente otimistas acerca do advento de uma cultura nova qüinqúitária. Rio de Janeiro, FINEP/etc... (no prelo)
43. É preciso ter perdido a sensibilidade para não se maravilhar com tamanha ousadia. Os sistemas de medidas da Física têm necessidade de definir apenas três grandezas fundamentais: comprimento (L), massa (M) e tempo (T). Por exemplo, sistema cgs (centímetro, grama e segundo) ou mks (metro, quilograma e segundo). Todas as demais grandezas físicas estão a partir daí especificadas sem qualquer ambigüidade.
44. SAMPAIO, L. S. C. de. Apontamentos para uma história da física moderna. Rio de Janeiro, UAB, 1993/97.
45.O ser humano é de nível lógico I/D/2 , lógica que subsume, além de si própria, as que lhe antecedem: I, D, I/D, D/2, estas quatro por nós denominadas lógicas de base. Isto leva a que no ser humano a "sexuação" biológica venha a ser re-definida, deixe de ser bipolar (representável por um segmento de reta), como nos outros animais, para tornar-se tetrapolar (representável por um quadrado). O par diagonal {I, D/2} designa o masculino e o par diagonal {I/D, D } o feminino; e como (I)/(D/2 ) = I/D/2 , tanto quanto (I/D)/(D) = I/D/2, conclui-se, imediatamente, que masculino e feminino são modos onto-lógicos de realização do ser humano (I/D/2). Na modernidade capitalista, a história (I/D) se vê degradada em progresso ou acumulação de capital e o inconsciente (D) desnaturado, feito desejo domesticado pelo marketing. 46.SAMPAIO, L. S. C. de. Noções de antropo-logia. opus citado, assim como, pelo mesmo autor, o vídeo Antropologia cultural, O I,II,II e IV, igualmente mencionado. 47.A Questão Cultural – Palestra proferida no Workshop sobre A Questão Cultural, sob os auspícios da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Brasília, out. 1996. (xerografado)
48. Referência a John Ford, o grande realizador cinematográfico irlandês, a maior parte de sua carreira atuando em Hollywood.
49.Quem vai a Westminster e vê o túmulo de Newton no centro mesmo da catedral, constata que isto foi tentado, mas felizmente para eles, ingleses, não pegou. 50. Ao contrário do que se diz por aí, a Igreja Católica sempre namorou a ciência. Vide a última Carta Encíclica – "FIDES ET RATIO". A separação drástica luterana entre fé e razão, por suposto, não criou a ciência, mas sim o que era necessário para criar uma sociedade ou cultura científica: nada mais nada menos do que o sujeito liberal liberado para ser sujeitado à ciência ou, simplesmente, para se constituir em sujeito da ciência. 51.Não somos nós a dizer isto; foram já muitos e entre eles o Padre Antônio Vieira, que pela ousadia quase foi executado pela Inquisição. 52.Não há nada mais ridículo do que dividir o social em político, econômico e social mesmo. Aqui deveria entrar o cultural e é precisamente para ocultá-lo que se comete o absurdo de considerar o social parte própria de si mesmo. Os denominados problemas sociais nada mais são do que a banda podre do modelo econômico vigente. 53.REDONDI, Pietro, Galileu Herético, S. Paulo, Companhia das Letras, 1991. 54.Pessoal e social são sempre anti-simétricos. Na perversão pessoal, tipo de psicose, é o sujeito (I) que se sobrepõe à lei (D/D); na perversão social, acontece precisamente o contrário. 55.Segundo um programa de TV focalizando cada um dos países europeus, existe um empenho deliberado (por quem?) em desenvolver a gastronomia alemã com a finalidade de atenuar sua pressuposta inclinação belicista (ou anti-consumista, perguntaríamos nós). 56. Essa Europa. numa cegueira incurável sempre a ponto de apunhalar-se a si mesma, se encontra hoje entre dois grandes tenazes, com a Rússia de um lado e a América de outro. Rússia e América, consideradas metafisicamente, são ambas a mesma coisa: a mesma fúria sem consolo da técnica desenfreada e da organização sem fundamento do homem normal. Quando o mais afastado rincão do globo tiver sido conquistado técnicamente e explorado economicamente; quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com qualquer rapidez; quando um atentado a um Rei na França e um concerto sinfônico em Tókio poder ser "vivido" simultaneamente; quando tempo significar apenas rapidez, instantaneidade e simultaneidade e o tempo, como História, houver desaparecido da existência de todos os povos; quando o pugilista valer, como o grande homem de um povo; quando as cifras em milhões dos comícios de massa forem um triunfo, - então, justamente então continua ainda a atravessar toda essa assombração, como um fantasma, a pergunta: para quê? para onde? e o que agora? Estamos entre tenazes. A Alemanha, estando no meio , suporta a maior pressão das tenazes. É o povo que tem mais vizinhos e, desse modo, o mais ameaçado, mas, em tudo isso é o povo metafísico. Isso implica e exige , que esse povo ex-ponha Historicamente a si mesmo e a História do Ocidente, a partir do cerne de seu acontecimento futuro, ao domínio originário das potências do Ser. HEIDEGGER, M. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1966. pp. 79-80 57. Povão é empregado aqui como uma verdadeira categoria sociológica, tipicamente brasileira, que de certo modo pode incluir todos, desde que em estado de congraçamento. O Maracanã, por exemplo é freqüentado pelo povão, não importa que tenha extremos, uma geral e uma tribuna de honra. A "elite", assim mesmo entre aspas, é seu justo contrário, incluindo até um miserável que se pôs sob um viaduto (D) recém inaugurado e com um giz delimitou internamente retângulos (D) para alugá-los a outros ainda mais miseráveis, tornando-se assim um autêntico empresário schumpeteriano (I) (caso verídico ocorrido no Rio).

Luiz Sergio Coelho de Sampaio
Brasília, 16 de junho de 1999


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