segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Células de Transformação - Aline Roldan

Trabalho de estudante brasileira será apresentado em conferência promovida pela ONU

O trabalho "Células de Transformação" de Aline Roldan, 18 anos, uma das brasileiras que ganhou o Prêmio do Milênio Mundial (veja o texto abaixo), será apresentado em conferência da ONU. Aline será uma das palestrantes da 60ª Conferência da DPI/NGO, uma rede de ONGs do Departamento de Informação Pública da Organização das Nações Unidas. Esse ano a Conferência terá como tema "Superando as mudanças climáticas: ações estratégicas globais e locais" e será realizada de 5 a 7 de setembro em Nova Iorque.

O Prêmio do Milênio Mundial, vencido por Aline na categoria Desenvolvimento Sustentável, reuniu estudantes secundaristas de vários países, que apresentaram projetos sobre quinze desafios propostos pelo Projeto Millenium, uma rede de futuristas e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, representado no Brasil pelo Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP.

A outra brasileira premiada no concurso foi Maria do Rosário Gomes da Silva, na categoria Tomada de Decisões. Maria do Rosário venceu também, recentemente, o concurso “Uma Utopia para o Século 21”,organizado pela Universidade do Porto, em Portugal, com a redação “Do outro lado do muro” (leia abaixo).

A participação de Aline ainda não foi confirmada por falta de recursos para pagar as despesas de viagem, dela e de um acompanhante. Mercado Ético convoca empresários e parceiros para ajudarem Aline a ajudar o mundo. Contatos pelo email mercadoetico@mercadoetico.com.br.
Leia o trabalho premiado de Aline Roldán

Células de Transformação

Desenvolvimento sustentável é o novo paradigma que torna possível a realização plena de toda a humanidade ao fornecer o básico para a realização da humanidade em cada um. Diante da conjuntura atual e das tendências para o futuro, é necessário que a sustentabilidade esteja presente nos mais variados contextos, acessível e possível a todos. Sob esse prisma um novo modelo de desenvolvimento deve perpetrar a sociedade ao apresentar e concretizar as soluções de problemas para os quais nosso atual modelo de desenvolvimento não tem respostas. Seriam pequenas sementes que plantadas nas falhas do asfalto originariam árvores. Seriam células de transformação.

Células

Células seriam “núcleos de desenvolvimento local e sustentabilidade”, que aliariam as soluções nas esferas econômica, social e ambiental, não segmentando-as, e sim contemplando a ligação direta que possuem, pois os problemas de natureza ambiental são também de natureza social, econômica e política. Negligenciar um desses âmbitos inevitavelmente gera conseqüências danosas aos outros, ao passo que considerar a sustentabilidade em sua amplitude, apresenta como uma resposta efetiva aos mais variados problemas pelos quais o mundo atravessa.

Ao refletir sobre os vários significados da palavra célula, amplia-se o entendimento, e porque não a beleza, do que seriam as Células de Transformação:

• célula como “estrutura musical mínima, a partir da qual se faz uma composição”, Célula como uma semente, um exemplo de sustentabilidade em pequena escala a partir do qual a sociedade poderá compor um novo paradigma, uma nova “melodia” a partir das primeiras “notas”;

• célula como “grupo de pessoas com ideal e atuação afins”, Célula como algo que depende da atuação de pessoas com ideais e propósitos semelhantes.

• célula como “unidade fundamental dos seres vivos”, Célula como parte de um todo, uma sustentabilidade envolvente e integrada, que nasce inserida na sociedade e não externa a ela, floresce a partir do caos, sendo a Terra o grande ser vivo.

Enfim, as Células ganham o sentido de “parte que compõem o todo” abrangendo a ambigüidade do verbo (compor = fazer;construir), uma vez que o todo é composto de partes, e as partes constroem o todo, elas fazendo parte, fazem um novo todo.

Conjuntura atual e tendências para o futuro

Em escala global, a humanidade presencia o agravamento de inúmeros problemas como a degradação ambiental e as conseqüentes mudanças climáticas, a miséria, a violência, etc. Se nada for feito essa situação tende a piorar com, entre outros fatores, a crise energética, o aumento da ocorrência de catástrofes naturais e doenças causadas por vírus e bactérias com a elevação da temperatura e o crescimento da população em relação a produção de alimentos.

Nas raízes desta problemática está um modelo econômico que, desconsiderando as questões ambientais e sociais, destrói o equilíbrio necessário à vida de todas as espécies e coloca a humanidade em risco. Diante disto, para a construção de um verdadeiro desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, assim como o um sistema social equilibrado, são questões inseparáveis. Sob esta perspectiva e contexto mundial, “núcleos de desenvolvimento local e sustentabilidade” atuariam na solução de diversas questões e, mais do que isso, facilitando a transformação humana individual e coletivamente.

Núcleos de desenvolvimento local e sustentabilidade

Com o objetivo de difundir, educar, aplicar conceitos de sustentabilidade ambiental, social e econômica, núcleos de desenvolvimento poderiam ser implantados nas mais variadas partes do mundo e em diferentes contextos, seja em zonas urbanas, rurais ou de proteção ambiental,em meio a comunidades, vilas ou cidades, eles teriam um “alcance global, mas local em sua aplicação”.

Inspirados no conceito de Ecovila, os Núcleos seriam incubadoras de desenvolvimento sustentável que atuariam divulgando tecnologias ambientalmente corretas e promovendo o desenvolvimento local. Diferentemente do conceito de Ecovila, que visa apenas garantir as próprias necessidades, realidade evidenciada pelo fato de muitas delas estarem localizadas em lugares isolados, os núcleos agregariam o entorno envolvendo-o: a medida que comprometidos e ligados com às demandas locais e às necessidades da comunidade a sua volta, se tornariam interessantes para a população local nos aspectos econômico, social, cultural e ambiental.

A sustentabilidade é um modelo que contempla as esferas econômica, social, cultural e ambiental, e sua aplicação varia de acordo com as necessidades locais abrangendo os mais variados âmbitos da vida em sociedade: Educação e cultura, saúde, produção de alimentos, saneamento básico, economia, administração, ecologia com relação a preservação do ambiente, energia, construção. Considerando o iminente aumento das ocorrências de catástrofes naturais, os núcleos teriam um papel fundamental na resposta para colapsos, pois estariam preparados para dar apoio após desastres, além de apresentar alternativas diante da desarticulação possível de cidades e do sistema produtivo com colapsos ambientais, uma vez que descentralizam a produção agrícola e energética e o tratamento de água e esgoto.

Tendo em vista possíveis entraves na concretização dos objetivos das Células, alguns conceitos e mecanismos, as chamadas “estratégias para a sustentabilidade”, atuariam de forma a garantir a integridade na formação dos núcleos através da independência destes com relação a interesses não convergentes e questões locais de poder, da fiscalização mútua entre os envolvidos (Núcleo, Rede, Comunidade e Governo) e da cooperação entre as células. Entre essas estratégias está a formação de uma rede composta por diferentes profissionais capacitados para avaliar o desenvolvimento e a sustentabilidade dos núcleos e por representantes dos núcleos.

Essa rede fiscalizaria o processo e administraria os recursos financeiros (recebendo–os e os direcionando aos núcleos de acordo com as necessidades destes).

O processo de formação destas Células abrangeria duas etapas:

1. “GESTAÇÃO”, na qual o núcleo está “crescendo”, ou seja, envolvendo o entorno e construindo a sua sustentabilidade. Nesta primeira parte o núcleo receberia investimento através de uma rede.

2. A segunda etapa seria caracterizada pelo alcance da sustentabilidade, ou seja, ao término do prazo estabelecido previamente para o projeto, o núcleo não mais necessitaria de investimento externos, seja da REDE, que não mais o forneceria, ou de outras iniciativas, alcançando independência, cessando seu crescimento uma vez que teria envolvido já a comunidade. Neste ponto ele estaria consolidado, o núcleo e o entorno tendo atingido a sustentabilidade, formando juntos o que poderia ser chamado de Ecovila.

Enfim, para que a verdadeira sustentabilidade nasça é preciso não só a ecologia no sentido de proteção ambiental, mas também a ecologia humana, pois somente através do resgate do ser humano, a conscientização, a sua valorização como indivíduo e o atendimento a todas as suas necessidades essenciais à vida, que a humanidade deixará de destruir o ambiente, respeitando o delicado equilíbrio entre as mais variadas formas de vida. Quando os homens deixarem de se tratar como animais, talvez os animais deixem de ser tratados como coisas, e o planeta seja respeitado como um lar.

Leia o texto “Do outro lado do muro”, de Maria do Rosário Gomes da Silva, premiado pela Universidade do Porto

DO OUTRO LADO DO MURO

Em algum lugar do universo, existiu certa vez um reino singular e contraditório chamado Gaia. Vista de cima, Gaia assemelhava-se a uma grande laranja, dividida em dois gumes bem distintos e separada por um grande muro que a cortava de um extremo a outro. Na metade de cima, ficava a aldeia de Melasurej, lugar onde a prosperidade, a modernidade e o progresso haviam atingido seu ponto mais alto. Tudo que alguém podia sonhar havia em Melasurej: a ciência já havia inventado todo tipo de máquinas, remédios e utensílios; o governo já havia acumulado toda a riqueza quanto era possível se acumular e as pessoas vivam confortavelmente em belas vilas. No entanto, na parte de baixo estava Acirfa, uma aldeia que ainda se encontrava na pré-história da organização social e era conhecida como a aldeia da ausência, porque nela, de fato, tudo faltava. Pelas suas ruas estreitas e sujas, via-se apenas a sombra de um povo que só conhecia a fome e os vestígios de uma antiga guerra travada com Melasurej.

Na verdade, ninguém sabia ao certo quando a guerra havia começado. Tudo que sabiam era que a origem do conflito era uma árvore que há muitos séculos havia nascido na fronteira entre as duas aldeias. Uma árvore de frutos preciosos e raros, frutos estes que ora surgiam dos ramos de um lado da fronteira, ora surgiam do outro lado, o que passou a ser motivo da disputa entre as duas aldeias, que lutavam entre si para obter direito exclusivo sobre os frutos da árvore. Junto com a guerra veio o muro, que delimitou a fronteira entre Melasurej e Acirfa e que desde então dividiu Gaia em dois lados. Foi assim que surgiu a única lei que havia em comum entre as duas aldeias. Ela era conhecida como o Grande Decreto. Esse Decreto, firmado pelos primeiros reis de ambas as aldeias, determinava que o limite entre as fronteiras seria marcado com um grande muro que nunca deveria ser ultrapassado por nenhum cidadão nem de Acirfa, nem de Melasurej. Assim, desde pequenas as crianças aprendiam que o Decreto existia para protegê-las dos vizinhos bárbaros, que falavam línguas incompreensíveis, se vestiam e comportavam de forma estranha e acreditavam em deuses desconhecidos. No fundo, o maior muro de todos era o medo que os habitantes de Gaia tinham do desconhecido e foi por isso que mesmo depois que a árvore do conflito já havia desaparecido, destruída pelos tiros e bombas disparados pelos mesmos soldados que a disputavam e muitos nem mesmo lembravam de sua existência, ainda assim, o Decreto continuou em vigor e o grande muro permaneceu dividindo as duas aldeias.

Viver à sombra do Decreto podia ser bem conveniente para quem nascia em Melasurej, mas para quem nascia em Acirfa era quase uma sentença de condenação. Isolados de tudo, entre ruas estreitas e sujas, a maioria dos habitantes de Acirfa ia sobrevivendo de migalhas e restos, regidos por um Rei tirano, sem questionar seguiam isolados de tudo e, por fim, se comportavam com a aparente resignação de quem não conhece outra forma de vida. Naquela terra quase caótica, apenas três jovens agiam na contramão da dura realdidade. Eram a Professora, o Inventor e o Poeta. A Professora trabalhava numa pequena escola que afalbetizava pessoas de todas as idades e que era uma das únicas existentes em Acirfa. O Inventor, por não ter dinheiro para investir em suas pesquisas, consertava coisas para sobreviver. O Poeta, considerado louco por muitos na aldeia, passava os dias na praça central de Acirfa, recitando versos em troca de algumas moedas que raramente jogavam dentro de seu chapéu estendido no chão. Todas as madrugadas esses três amigos se encontravam sob uma parte do muro que ficava escondida atrás de uma grande árvore. O muro era tão alto que parecia até tocar as estrelas do céu e por isso fazia uma grande sombra no chão nas noites de lua como aquela. Sempre que um deles se atrasava e chegava sozinho, tinha que dizer:

– O que há do outro lado do muro?

E outro respondia:

– Um sonho.

Essa era a senha e através dela se certificavam que apenas eles compartilhavam o secredo daquele lugar onde vinham trabalhando há anos em uma perigosa missão: tentavam fazer um buraco no muro. Uma tarefa que no início acreditaram ser fácil, mas que logo descobriram que levaria muitos anos, visto que o muro era muito espesso, que como instrumento de trabalho eles só possuíam pedras e que só poderiam trabalhar em certa parte da madrugada.

E foi assim que se passaram três anos em que toda a madrugada os três amigos faziam aquele trabalho, até que finalmente chegou o dia em que pela primeira vez eles atingiram o outro lado. Era o fim da madrugada de uma noite sem lua, em que ao forçar pela milésima vez a matéria rígida do muro, sentiram a mão alcançar o outro lado. Naquele momento, sentiram uma euforia que lhes dava vontade de gritar, mas não podiam, queriam ver o que havia do outro lado, mas também não podiam, porque a madrugada ainda estava escura e eles mal podiam enxergar seus próprios rostos assustados. Sem perceber, dormiram um sono profundo até que amanheceu o dia e os primeiros raios solares forneceram a luz necessária aos seus olhos curiosos por conhecer um novo mundo.

Ao acordarem, o que eles viram era a materialização de tudo o que sonharam um dia e até o que suas mentes ainda nem tinham sido capazes de sonhar. Ruas arborizadas, casas empilhadas umas sobre as outras em arquiteturas luxuosas, carruagens velozes e sem cavalos, máquinas voadoras, pessoas bem vestidas e de aparências saudáveis, crianças brincando na rua, telas coloridas com imagens em movimento e muitas outras coisas que não compreenderam, mas mesmo assim, logo na primeira vista os encantaram. O que puderam ver pela pequena fenda do muro, era a imensidão sem tamanho da dimensão de todas as suas utopias, de todos os seus mais profundos sonhos. Naquele pequeno buraquinho no muro, cabia o infinito contido no breve momento em que os olhos curiosos dos três amigos sonhadores avistaram um outro mundo. E assim, veio quase que de imediato o desejo dos três de contar para todos os habitantes de Acirfa as maravilhas do paraíso que era o outro lado do muro.

Naquela mesma manhã, foram os três juntos para a praça central de Acirfa e começaram um discurso inflamado contando das maravilhas do outro lado do muro. Cada hora um contava ao seu modo o que tinha visto em Melasurej. O poeta assim discursou:

- Amigos de Acirfa, não há como definir em palavras o quão profundo é o progresso e quão bela é a vida do outro lado do muro. Que venhamos todos e atravessemos juntos o muro que nos separa dos sonhos.

No entanto, o que se via, era que ninguém que passava ali acreditava muito no discurso dos três visionários, tampouco prestavam atenção naquilo que falavam. Afinal, não eram os primeiros a pregar utopias naquela praça e as pessoas de Acirfa, diante de uma realidade tão massacrante, há muito já haviam perdido a chave da terra dos sonhos. Diante da apatia de seus conterrâneos, os três só tiveram uma saída: ir até o palácio do Rei de Acirfa. Mas o que ouviram do Rei não foi muito diferente. Depois de passarem horas esperando o momento de serem recebidos, foi com grande desdém que o Rei falou as seguintes palavras:

- Não sejam loucos, jovens. Todos sabem que não há nada de importante do outro lado do muro, ele apenas nos protege de uma terra deserta habitada por bárbaros perigosos. Não sejam bobos, meus amigos, não existe nenhum lugar no mundo melhor do que Acirfa, eu lhes garanto.

Por mais que insistissem, o Rei permanecia indestrutível em suas convicções. Mas diante de tanta insistência, resolveu dar-lhes uma chance e os acompanhou até o muro. Ao chegar no lugar, eles indicaram a pequena fenda, mas o Rei começou a dar gargalhadas:

- Eu sabia que vocês só podiam ser loucos! Como acreditam ter visto tudo aquilo que mencionaram através apenas desta pequena fenda no muro? Vocês não passam de sonhadores desvairados!

No entanto, diante de tamanha teimosia daqueles três, o fato de provar que não havia nada de importante do outro lado do muro já havia se tornado uma questão de honra para o Rei que, enfim, determinou:

- Então, que se faça um buraco maior no muro, para que eu possa provar para esses loucos que não há nada do outro lado.

E ordenou que seus soldados aumentassem o diâmetro do buraco. Depois de uma tarde inteira de espera, enfim a abertura no muro era suficiente para se enxergar claramente o outro lado. Confiantes, a Professora, o Inventor e o Poeta pediram que o Rei olhasse através do muro. No entanto, eles sequer podiam imaginar o tamanho da confusão que este ato ia desencadear .

Quando o Rei olhou pela abertura no muro, o que viu não foi a terra de sonhos tão detalhadamente retratada pelos jovens e sim um soldado lhe encarando com cara de espanto. Grande foi a surpresa do Rei e do soldado ao darem de cara um com o outro. Na verdade, o que tinha acontecido era que ao abrir uma fenda tão grande no muro, os soldados do Rei tinham chamado a atenção dos guardas da fronteira de Melasurej que logo desconfiaram de espionagem. Diante dessa demonstração de desrespeito ao Decreto, naquele mesmo dia o Rei de Melasurej, ao saber do ocorrido, declarou guerra à Acirfa. Furioso com aquele acontecimento, o presunçoso Rei de Acirfa culpou os três jovens por aquele desastre e os mandou para a cadeia, declarando que só seriam livres quando a guerra terminasse.

Da cela onde estavam presos, a Professora, o Inventor e o Poeta ouviam as bombas que iam caindo e destruindo tudo em Acirfa, que com pedras e pedaços de pau lutavam contra metralhadoras e mísseis. Aterrorizados pelo que a desastrada atitude deles tinha causado, os três jovens sabiam que tinham que pensar em alguma coisa para salvar Acirfa, caso contrário, ela seria reduzida a pó. E foi enquanto debatiam formas de acabar com aquela guerra de mal entendidos, que ouviram um dos carcereiros comentar que o muro estava ficando cheio de buracos devido aos projéteis que eram lançados de Melasurej e que havia se transformado numa grande trincheira, onde de cada lado os soldados lançavam bombas, tiros e pedras. Diante dessa declaração, o Poeta teve uma idéia, o Inventor bolou um plano e a Professora ajudou com as palavras e então, no momento em que a guerra estava no auge, eles aproveitaram o descuido dos guardas e fugiram da cadeia.

A cadeia ficava muito longe da fronteira e, desta forma, tiveram que andar o dia todo até chegar ao destino desejado: o muro. Já era madrugada quando chegaram e o que puderam ver eram os soldados de Acirfa dormindo após um dia de luta intensa. Era a oportunidade ideal para que colocassem o plano em prática e então logo se dividiram. O Inventor colocou um pequeno objeto dentro de cada buraco do muro, enquanto a Professora escrevia incessantemente, com o coração aos pulos e o olhar febril. Depois de o fazerem do lado de Acirfa, o Poeta achou uma passagem e repetiram tudo no lado de Melasurej. No entanto, quando já haviam terminado e se preparavam para se esconder, um soldado de Melasurej acordou e disparou três tiros, simplesmente três tiros.

O sol já estava nascendo e com o barulho daqueles tiros, a guerra recomeçou. No entanto, com a luz do dia eles perceberam que ao longo de todo o muro havia a seguinte inscrição: “O que há do outro lado do muro?” Inicialmente tentaram ignorar a inesperada frase que, de repente, despertava dentro deles a pergunta que sempre esteve guardada no fundo de seus pensamentos. Não entendiam como podia ter surgido tão misteriosamente uma mensagem daquele tipo. E foi assim, que mesmo no meio daquela terrível guerra, tanto do lado de Acirfa quanto do lado de Melasurej, houve um primeiro soldado que venceu o medo e resolveu aceitar a pergunta do muro e olhou por umas das inúmeras fendas nele contidas. De repente, o susto tomou conta das tropas, pois ao olhar para o outro lado do muro, o que cada um dos soldados via era a sua própria imagem, a sua própria face. Sem compreender como aquilo era possível, um a um iam olhando e retornando para a trincheira com o espanto estampado na face. Em silêncio, sem pensar, quase que por instinto, naquele mesmo instante, o tiroteio cessou. Os soldados miraram o outro lado e, ao invéz de atirar uns contra os outros, começaram a atirar no muro. A partir daí, a guerra passou a ser contra o muro e contra o Decreto, afinal, todos queriam descobrir o mistério do outro lado. Assim, em poucas horas o muro desabou por inteiro e o pó que dele caiu pousou sobre os corpos dos soldados atônitos que, pela primeira vez, estavam frente a frente. Todos os soldados, da cabeça aos pés, estavam cobertos pelas densa poeira que caiu junto com o muro. Graças a isso, ao se olharem naquele primeiro instante, não puderam perceber que eram de cores, roupas e traços diferentes. Com a camada de pó que os havia coberto, todos os soldados ficaram com a mesma fisionomia que os igualava, semelhantes no medo e na limitada condição humana. As tropas estavam ali, frente a frente, mas não se enfrentavam, porque os soldados viam do outro lado, a imagem deles mesmos: homens assustados, feridos e cobertos de pó. Eram iguais, naquele momento, e ninguém é capaz de guerrear contra si mesmo. Foi assim que a guerra acabou.

Levou algum tempo para que os habitantes de Acirfa e Melasurej descobrissem o que havia ocorrido naquele dia. Só depois descobriram que dentro do muro haviam espelhos e que os responsáveis por tudo aquilo eram a Professora, o Inventor e o Poeta. Em vão, procuraram por eles em toda a parte, mas não os encontraram. Depois que a guerra passou, uma grande onda de curiosidade fez com que a população de ambas as aldeias se misturassem em busca de respostas. Logo, todos perceberam que de fato haviam grandes diferenças entre Acirfa e Melasurej, mas enfim concluíram que elas podiam ser encaradas pelo prisma do respeito. Melasurej ajudou Acirfa a se desenvolver e Acirfa ensinou para Melasurej que a paz era o único caminho possível.

No lugar do Decreto, surgiu o Pacto da Paz. Dos destroços do muro, no lugar onde ficava a fronteira entre as duas aldeias, foi construída uma ponte que passou a ser o símbolo de uma nova Gaia, o reino que deixou de ser das contradições para se transformar no reino da paz e da cooperação. Quanto aos três jovens amigos que mudaram a história de Gaia, nunca ninguém soube ao certo, mas há quem diga que vivem escondidos sob a ponte e que secretamente a protegem contra possíveis ameaças. O único sinal que deixaram apareceu no dia em que a ponte foi inaugurada, entre festas e cantos. Quando todos estavam no meio da ponte, ouvindo o discurso do Rei de Acirfa que pregava a união entre os reinos, surgiu misteriosamente num dos extremos da ponte um imenso letreiro com a pergunta: "O que há do outro lado do muro?" e no outro extremo a resposta: "Um sonho".
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