quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Estamos usando mais de uma Terra - Rose Marie Muraro

Estamos usando mais de uma Terra
Rose Marie Muraro
Segundo recente pesquisa do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças
Climáticas, em inglês) a humanidade está gastando hoje em consumo e desperdício 1,3
Terra, isto é, estamos estressando a nossa mãe Terra em mais de 30% do que aquilo que ela
nos pode dar, o que é absolutamente espantoso.
Fico Pensando na China. Este país hoje consome mais recursos básicos do que os
EUA, com exceção do petróleo. Seu consumo de carne é o dobro do registrado nos EUA, e
o de aço é o triplo. O que acontecerá se a China alcançar os EUA em consumo per capta?
Vamos por um exercício de futurologia ao ano de 2031. Se o crescimento chinês se
reduzir a 8% ao ano, em 2031 sua renda per capta será a mesma dos EUA! Imaginemos se
os chineses tivessem o mesmo padrão de consumo que os americanos nesse ano. A
população então, em termos conservadores, subindo para 1,5 % bilhão de habitantes
consumiria o dobro da atual produção de papel e teria cerca de 1,1 bilhão de carros. Em
todo o mundo hoje o número de carros não passa de 800 milhões e o consumo mundial de
petróleo é de 85 milhões de barris por dia. Na situação citada só a China consumiria 99
milhões de barris por dia.
Isto tudo colocado em conjunto nos mostra que na terceira década deste século não
usaríamos apenas 1 Terra mais 30%, e sim no mínimo 2,5 Terras, também em termos
conservadores, porque temos que considerar a Índia (cuja população, então, será maior que
a da China) e outros países periféricos a quem foi empurrado goela a baixo o sonho de
consumo americano. E o que isto nos ensina? Simplesmente que o modelo econômico
ocidental centrado em combustíveis fósseis, no uso de minérios e no desperdício, não vai
mais funcionar no mundo. Já hoje há mais de 3 bilhões de pessoas nos países em
desenvolvimento, e se não reestruturarmos a partir de agora a economia mundial, o
crescimento econômico será insustentável.
A estes números que extraímos de uma obra de Lester Brown, provavelmente o
maior ecologista da atualidade e autor da série The State of the World, publicado
anualmente pela ONU, acrescem-se números opostos, desta vez da FAO (Food and
Agriculture Organization) sobre a fome no mundo. Depois da inflação no preço das
commodities em 2008, o número de pessoas famintas no mundo que já era de 824 milhões
de pessoas ganhou mais 100 milhões, e isto não foi pelo fato de os chineses e indianos se
alimentarem mais, mas porque os países mais pobres empobreceram ainda mais. Até os
anos 1960 eles podiam saciar a sua fome porque sua agricultura era pesadamente baseada
na agricultura familiar, e a partir desses anos eles foram obrigados pelas dívidas que tinham
com o FMI a transformar suas multiculturas em grandes monoculturas para a exportação.
Assim, com a sua fome, aumentavam o excesso de alimentação dos países mais ricos. Foi
esse o efeito mais perverso da globalização.
Só o modelo baseado na solidariedade, no desestímulo ao consumo supérfluo, na
descentralização econômica, tal como se usava nos tempos primitivos em que as
comunidades geriam os pré-estados, é que poderemos pensar em uma sobrevida para a
humanidade. Mas é muito difícil sairmos de um modelo de poder político e de poder
econômico centralizados, de uma competição cada vez mais violenta para um modelo
realmente democrático em que as populações tenham influencia sobre os destinos do
Estado, tal como já está acontecendo hoje, por exemplo, na Europa nórdica, onde a
corrupção das elites é menor, inclusive pelo grande número de mulheres existentes nos
primeiros escalões dos governos. Segundo estatísticas do Banco Mundial há uma correlação
estatística significativa entre o aumento das mulheres nos primeiros escalões e a diminuição
da corrupção, o que faz com que os fluxos de dinheiro governamental sejam realmente
alocados às populações que dele mais necessitem.
Não podemos mais aceitar um mundo em que nos anos 1990 o PIB cresceu 134% e
a miséria 1000%. É esta ganância dos mais ricos que distorceram todas as estruturas de
poder que está matando a humanidade. Crises como esta que estamos vivendo tendem a
repetir-se e acelerar-se cada vez mais tais como os furacões se aceleram quando o clima foi
desequilibrado.
Estamos chegando na hora do impasse final em que os Senhores do Dinheiro estão
sendo confrontados com uma força maior do que a sua, a de nossa mãe Terra que não quer
ser assassinada. Ou mudamos todos ou acabaremos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SER(ES) AFINS