Não se come dinheiro
Rose Marie Muraro
Publicado na Folha de São Paulo – Tendências e Debates, 21/02/07
Quando todos os rios secarem, e a Terra já estiver desertificada, é que o ser
humano vai aprender que não se come dinheiro
Quando se trata de fazer alguma projeção para o futuro, os especialistas em geral
tendem a afirmar “se permanecerem as mesmas tendências”. Entretanto, as tendências
tanto nas ciências como na própria vida humana nunca permanecem as mesmas. Elas
não são lineares e sim exponenciais. A exponencial é a curva que governa o curso do
universo, o da vida como um todo, o da vida humana e o da tecnologia. A sua equação é
a de uma curva que se acelera cada vez mais rapidamente.
Por exemplo, de acordo com cálculos recentes o universo deve ter cerca de 20
bilhões de anos, o nosso sistema solar 14, a Terra 4,5, a vida começou há 600 milhões de
anos, os dinossauros viveram há 65, os grandes símios surgiram há 10 e os humanos há
uns 3 ou 4. Dentro da vida humana as diversas fases da Pré-história duraram quase a
totalidade do seu tempo. Para abreviar, o Neolítico teve início há mais de 20 mil anos, o
mundo agrário há 10 mil, a História há 3.500 anos, a Revolução Industrial tem quase 300
anos, a Revolução dos Computadores não chega a ter 70. E no início do século XXI
prenunciam-se novas revoluções tecnológicas de grande porte, quase simultaneamente,
como a nanotecnologia, a biotecnologia, etc.
No início da vida da nossa espécie o conhecimento dobrava em centenas de
milhares de anos, depois passou a dobrar em dezenas de milhares, depois em milhares.
Hoje o conhecimento leva apenas 10 anos para dobrar e o conhecimento em informática,
especificamente, duplica em 18 meses (Lei de Moore)!
Se a duplicação do conhecimento obedecesse a uma lei linear ainda estaríamos na
Pré-história. Por isso as previsões em geral falham, principalmente em economia e
ecologia. Neste último campo, na Eco 92, Fritjof Capra previa o “ponto de não retorno” da
destruição da espécie humana por volta de 2050. Quando esteve no programa Roda Viva
em janeiro de 2006, afirmou que isso valia para aquela época, mas “hoje as condições
são muito mais graves (sick)”. James Lovelock, um dos maiores ambientalistas do mundo,
afirmou à revista Veja que o “ponto de não retorno” já teria passado.
De fato estamos lidando hoje com fases extremamente velozes da curva
exponencial. E elas tendem a se tornar cada vez mais rápidas, a ponto de em 2006 a
2/2
humanidade ter acordado como um todo para o efeito estufa, já anunciado desde os anos
1970.
Ainda a revista Veja de 30/12/06, página 146: “Os furacões do Golfo do México são
hoje mais fortes e duradouros que há trinta anos. Na década de 70, ocorriam cinco
furacões anualmente na região. A média subiu para oito. Se o aquecimento global não for
contido a força dos furacões aumentará em 5% para cada grau a mais na temperatura
das águas”.
Secas e chuvas enlouqueceram, inclusive a temperatura. A exponencial está tão
rápida que o cérebro humano não acompanha mais a sua velocidade. Em 2004 tivemos a
Tsunami e em 2005 grandes furacões incluindo o Katrina. Mas em 2006 houve um salto
monumental. A Califórnia perdeu a totalidade da sua colheita de laranjas. No mesmo
semestre de 2006, o sul do Brasil perdeu todo o seu trigo devido às oscilações de
temperatura (muitas vezes no mesmo dia). Neste mesmo ano a Indonésia perdeu todo o
seu arroz pelas mesmas razões. Espera-se que nos próximos vinte anos sejam
submergidas pelo aumento dos oceanos duas mil das suas dezessete mil ilhas.
A continuar esta mesma exponencial pode-se prever com certa confiança o
“enlouquecimento” das épocas de colheitas em nível mundial com uma conseqüente fase
de falta de alimento generalizada e alteração dos mercados. E, como sempre, os pobres
pagarão a conta.
Estamos, neste exíguo espaço, afirmando todas estas “catástrofes” porque há uma
tendência no Brasil a se enfraquecer a dura mas necessária legislação ambiental a fim de
se implantarem grandes projetos industriais e agrários que irão sem dúvida contribuir, e
muito, para o agravamento do desequilíbrio ambiental que já estamos vivendo. Para que
estes projetos aconteçam é necessário encontrar formas de desenvolvimento sustentável,
que já existem, mas que demandam um investimento que nem empresas nem governo
querem fazer.
Quando todos os rios secarem e a terra já estiver desertificada é que o ser humano
vai aprender que não se come dinheiro. Evitar isto é mudar toda a nossa cultura
competitiva (baseada na lei do mais forte) e transformá-la numa cultura solidária e
cooperativa (baseada no bem de todos). É muito, muito difícil, mas teremos que fazê-lo, e
rápido, se quisermos sobreviver como espécie humana.
Rose Marie Muraro, 75, é escritora, conferencista internacional e cidadã honorária de
Brasília e São Paulo.
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