segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Mundo segundo a Monsanto - Carta Capital

O Mundo segundo a Monsanto.
Livro revela o lado obscuro da transnacional
A Monsanto produz 90% dos transgênicos plantados no mundo e é líder no mercado de
sementes. Tal hegemonia coloca a multinacional norte-americana no centro do debate sobre os
benefícios e os riscos do uso de grãos geneticamente modificados. Para os defensores da
manipulação dos genes, a Monsanto representa o futuro promissor da "revolução verde". Para
ecologistas e movimentos sociais ligados a pequenos agricultores, a empresa é a encarnação do
mal. A reportagem é de Christina Palmeira e publicada pela revista Carta Capital, 20/03/2008.
Esse último grupo acaba de ganhar um reforço a seus argumentos. Resultados de um trabalho
de três anos de investigação da jornalista francesa Marie-Monique Robin, o livro Le Monde Selon
Monsanto (O Mundo Segundo a,Monsanto) e o documentário homônimo são um libelo contra os
produtos e o lobby da multinacional.
O trabalho cataloga ações da Monsanto para divulgar estudos científicos duvidosos de apoio às
suas pesquisas e produtos, a exemplo do que fez por muitos anos a indústria do tabaco, relaciona a
expansão dos grãos da empresa com suicídios de agricultores na Índia, rememora casos de
contaminação pelo produto químico PCB e detalha as relações políticas da companhia que
permitiram a liberação do plantio de transgênicos nos Estados Unidos. Em 2007, havia mais de 100
milhões de hectares plantados com sementes geneticamente modificadas, metade nos EUA e o
restante em países emergentes como a Argentina, a China e o Brasil.
Marie-Monique Robin, renomada jornalista investigativa com 25 anos de experiência, traz
depoimentos inéditos de cientistas, políticos e advogados. A obra esmiúça as relações políticas da
multinacional com o governo democrata de Bill Clinton (1993-2001), e com o gabinete do ex-premier
britânico Tony Blair. Entre as fontes estão ex-integrantes da Food and Drug Administration (FDA), a
agência responsável pela liberação de alimentos e medicamentos nos EUA.
A repórter, filha de agricultores, viajou à Grã-Bretanha, Índia, México, Paraguai, Vietnã, Noruega
e Itália para fazer as entrevistas. Antes, fez um profundo levantamento na internet e baseou sua
investigação em documentos on-line para evitar possíveis processos movidos pela Monsanto. A
empresa não deu entrevista à jornalista, mas, há poucas semanas, durante uma apresentação em
Paris de outro documentário de Robin, uma funcionária da multinacional apareceu e avisou que a
companhia seguia seus passos. Detalhe: a sede da Monsanto fica em Lyon, distante 465
quilômetros da capital francesa
Procurada por CartaCapital, a Monsanto recusou-se a comentar as acusações no livro. Uma
assessora sugeriu uma visita ao site da Associação Francesa de Informação Científica, onde há
artigos de cientistas com críticas ao livro de Robin. A revista, devidamente autorizada pelo autor,
reproduz na página 11 trechos do artigo de um desses cientistas, Marcel Kuntz, diretor do Centro
Nacional de Pesquisa Científica de Grenoble.
Não é de hoje, mostra o livro, que herbicidas da Monsanto causam problemas ambientais e
sociais. Robin narra a história de um processo movido por moradores da pequena Anniston, no Sul
dos EUA, contra a multinacional, dona de uma fábrica de PCB fechada em 1971. Conhecida no
Brasil como Ascarel, a substância tóxica era usada na fabricação de transformadores e entrava na
composição da tinta usada na pintura dos cascos das embarcações. Aqui foi proibida em 1981.
A Monsanto, relata a repórter, sabia dos efeitos perversos do produto desde 1937. Mas manteve
a fábrica em funcionamento por mais 34 anos. Em 2002, após sete anos de briga, os moradores de
Anniston ganharam uma indenização de 700 milhões de dólares. Na cidade, com menos de 20 mil
habitantes, foram registrados 450 casos de crianças com uma doença motora cerebral, além de
dezenas de mortes provocadas pela contaminação com o PCB.
Há 42 anos, a própria Monsanto realizou um estudo com a água de Anniston: os peixes morreram
em três minutos cuspindo sangue.
Robin alerta que os tentáculos da Monsanto atingem até a Casa Branca. A influência remonta
aos tempos da Segunda Guerra Mundial e ao período da chamada Guerra Fria. Donald Rumsfeld,
ex-secretário de Defesa do governo Bush júnior, dirigiu a divisão farmacêutica da companhia. A multinacional manteve ainda uma parceria com os militares. Em 1942, o diretor Charles Thomas e a
empresa ingressaram no Projeto Manhattan, que resultou na produção da bomba atômica. O
executivo encerrou a carreira na presidência da Monsanto (1951-1960).
Na Guerra do Vietnã (1959-1975), a empresa fornecia o agente laranja, cujos efeitos duram até
hoje. A jornalista visitou o Museu dos Horrores da Dioxina, em Ho Chi Minh (antiga Saigon), onde se
podem ver os efeitos do produto sobre fetos e recém-nascidos.
Alan Gibson, vice-presidente da associação dos veteranos norte-americanos da Guerra do
Vietnã, falou à autora dos efeitos do agente laranja: "Um dia, estava lavando os pés e um pedaço de
osso ficou na minha mão".
Boa parte do trabalho de Robin é dedicada a narrar as pressões sofridas por pesquisadores e
funcionários de órgãos públicos que decidiram denunciar os efeitos dos produtos da empresa. É o
exemplo de Cate Jenkis, química da EPA, a agência ambiental dos Estados Unidos.
Em 1990, Jenkis fez um relatório sobre os efeitos da dioxina, o que lhe valeu a transferência para
um posto burocrático. Graças à denúncia da pesquisadora, a lei americana mudou e passou a
conceder auxílio a ex-combatentes do Vietnã. Após longa batalha judicial, Jenkis foi reintegrada ao
antigo posto.
Há também o relato de Richard Burroughs, funcionário da FDA encarregado de avaliar o
hormônio de crescimento bovino da Monsanto. Burroughs diz ter comprovado os efeitos nocivos do
hormônio para a saúde de homens e animais e constatou que, com o gado debilitado, os
pecuaristas usavam altas doses de antibióticos.
Resultado: o leite acabava contaminado. Burroughs, conta a jornalista, foi demitido. Mas um estudo
recente revela que a taxa de câncer no seio entre as norte-americanas com mais de 50 anos
cresceu 55,3% entre 1994, ano do lançamento do hormônio nos Estados Unidos, e 2002.
Segundo Robin, a liberação das sementes transgênicas nos Estados Unidos foi resultado do forte
lobby da empresa na Casa Branca, principalmente durante o governo Clinton. Uma das
"coincidências": quem elaborou, na FDA, a regulamentação dos grãos geneticamente modificados
foi Michael Taylor, que nos anos 90 fora um dos vice-presidentes da Monsanto..
A repórter se detém sobre o "princípio da equivalência em substância", conceito fundamental
para regulamentação dos transgênicos em todo o mundo. A fórmula estabelece que os
componentes dos alimentos de uma planta transgênica serão os mesmos ou similares aos
encontrados nos alimentos "convencionais".
Robin encontrou-se com Dan Glickman, que foi secretário de Estado da Agricultura do governo
Clinton, responsável pela autorização dos transgênicos nos EUA. Glickman confessou, em 2006, ter
mudado de posição e admitiu ter sido pressionado após sugerir que as companhias realizassem
testes suplementares sobre os transgênicos. As críticas vieram dos colegas da área de comércio
exterior.
Houve pressões, segundo o livro, também no Reino Unido. O cientista Arpad Pusztai, funcionário
do Instituto Rowett, um dos mais renomados da Grã-Bretanha, teria sido punido após divulgar
resultados controversos sobre alimentos transgênicos. Em 1998, Pusztai deu uma entrevista à rede
de tevê BBC. Perguntado se comeria batatas transgênicas, disparou: "Não. Como um cientista que
trabalha ativamente neste setor, considero que não é justo tomar os cidadãos britânicos por
cobaias". Após a entrevista, o contrato de Pusztai foi suspenso, sua equipe dissolvida, os
documentos e computadores confiscados. Pusztai também foi proibido de falar com a imprensa. No
artigo reproduzido à página 11, Kuntz afirma que o cientista perdeu o emprego por não
apresentar resultados consistentes que embasassem as declarações à imprensa.
Pusztai afirma que só compreendeu a situação, em 1999, ao saber que assessores do governo
britânico haviam ligado para a direção do instituto no dia da sua demissão. Em 2003, Robert Orsko,
ex-integrante do Instituto Rowett, teria confirmado que a "Monsanto tinha ligado para Bill Clinton,
que, em seguida, ligou para Tony Blair". E assim o cientista perdeu o emprego.
Nas viagens por países emergentes, Robin colheu histórias de falta de controle no plantio de
transgênicos e prejuízos a pequenos agricultores. No México, na Argentina e no Brasil, plantações
de soja e milho convencionais acabaram contaminadas por transgênicos, o que forçou, como no caso brasileiro, a liberação do uso das sementes da Monsanto (que fatura com os royalties).
De acordo com a jornalista, o uso da soja Roundup Ready (RR), muito utilizada no Brasil e na
Argentina, acrescenta outro ganho à Monsanto, ao provocar o aumento do uso do herbicida
Roundup. Na era pré-RR, a Argentina consumia 1 milhão de litros de glifosato, volume que saltou
para 150 milhões em 2005. De lá para cá, a empresa suprimiu os descontos na comercialização do
pesticida, aumentando seus lucros.
Um dos ícones do drama social dos transgênicos, diz o livro, é a Índia. Entre junho de 2005 (data
da introdução do algodão transgênico Bt no estado indiano de Maharashtra) e dezembro de 2006,
1.280 agricultores se mataram. Um suicídio a cada oito horas. A maioria por não conseguir bancar
os custos com o plantio de grãos geneticamente modificados.
Robin relata a tragédia desses agricultores, que, durante séculos, semearam seus campos e
agora se vêm às voltas com a compra de sementes, adubos e pesticidas, num círculo vicioso que
termina em muitos casos na ingestão de um frasco de Roundup.
A jornalista descreve ainda o que diz ser o poder da Monsanto sobre a mídia internacional. Cita,
entre outros, os casos dos jornalistas norte-americanos Jane Akre e Steve Wilson, duramente
sancionados por terem realizado, em 1996, um documentário sobre o hormônio do crescimento. No
país da democracia, a dupla se transformou em símbolo da censura.
Os cientistas, conta o livro, são freqüentemente "cooptados" pela gigante norte-americana. Entre
os "vendidos" está o renomado cancerologista Richard Doll, reconhecido por trabalhos que
auxiliaram no combate à indústria do tabaco. Doll faleceu em 2005. No ano seguinte, o jornal
britânico The Guardian revelou que durante 20 anos o pesquisador trabalhou para a Monsanto. Sua
tarefa, com remuneração diária de 1,5 mil dólares, era a de redigir artigos provando que o meio
ambiente tem uma função limitada na progressão das doenças. Foi um intenso arquiteto do "mundo
mágico" da Monsanto.

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